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2ª DEFENSORIA PÚBLICA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE CUIABÁ

AO DOUTO JUÍZO DA 2ª VARA ESPECIALIZADA DA INFÂNCIA E


JUVENTUDE DA COMARCA DE CUIABÁ – MATO GROSSO.

DANIELI MARTINS OLIVEIRA, já qualificada nos autos,


assistida pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO,
através do Defensor Público que ora subscreve, no uso de suas atribuições legais e
institucionais, vem, à presença de Vossa Excelência, apresentar ALEGAÇÕES
FINAIS pelos fundamentos de fato e de direito abaixo aduzidos:

1. BREVE SÍNTESE DOS FATOS

Trata-se de representação proposta pelo Douto representante do


Ministério Público em desfavor da adolescente DANIELI MARTINS OLIVEIRA,
pela suposta pratica do ato infracional análogo ao descritos no artigo art. 304 do Código
Penal.

Audiências de apresentação e em continuação realizadas,


respectivamente, aos ids. 125163540 / 135157051.

Apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público ao id.


140553474, pugnando pela procedência da representação, para que seja aplicado a
Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida, pelo prazo de 01 (um) ano c/c Prestação
de Serviço à Comunidade, pelo prazo de 03 (três) meses.

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Nesta oportunidade, a defesa, apresenta alegações finais representando


os interesses da representada DANIELI MARTINS OLIVEIRA.

É a suma dos fatos, vieram os autos para apresentar as alegações


finais.

2. DO MÉRITO
DO DIREITO AO SILÊNCIO

Inicialmente, extrai-se dos autos que a representada DANIELI


MARTINS OLIVEIRA, optou por exercer seu direito constitucional de permanecer
em silêncio.

O direito ao silêncio é um princípio crucial quando se trata de


adolescentes envolvidos em atos infracionais. Assim como no contexto criminal, esse
direito é uma salvaguarda fundamental para proteger os adolescentes contra possíveis
abusos e assegurar que o processo seja conduzido de forma justa e equitativa.

Diante disso, o direito ao silênco da representada se trata de direito


fundamental e jamais pode ser utilizado em seu desfavor, visto que, consiste de preceito
constitucional, desta feita, confere-se o seguinte trecho de ementa de julgado da Corte
Superior:

"O silêncio do acusado foi nitidamente interpretado em seu


desfavor pelo Tribunal de origem. Tal situação viola
frontalmente o art. 186, parágrafo único, do Código de
Processo Penal, o art.5º,LXIII, da Constituição da
República, além de tratados internacionais, a exemplo da
Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, § 2º, g)
e, por isso, é suficiente para inquinar de nulidade absoluta o
acórdão impugnado" (HC 265.967/SP, Min. Rel. Sebastião
Reis Júnior, 6ª Turma, julgado em 05/03/2015, v.u.).

Desta feita, o direito ao silêncio é um consectáro do nemo tenetur se


detegere, sendo este uma garantia da não autoincriminação, segundo o qual ninguem

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é obrigado a produzir provas contra si mesmo, ou seja, ninguém pode ser forçado,
por qualquer autoridade, a fornecer involuntariamente qualquer tipo de informação ou
declaração que o incrimine, direta ou indiretamente, razão pela qual o simples silêncio
da representada não pode ter interpretação desfavorável.

DA FALSA MEMÓRIA

A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo


penal brasileiro e, ao mesmo tempo, o mais perigoso, manipulável e pouco confiável.
Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo e do
próprio ritual judiciário.

No contexto jurídico de ato infracional, o processo acaba por


depender, excessivamente, da “memória” das testemunhas, desconsiderando o imenso
perigo que isso encerra. A memória humana é fragilíssima, manipulável e traiçoeira ao
extremo. É notável como o processo confia na 'memória' em relação a um evento
ocorrido há muitos meses (senão anos), sem perceber que, no dia a dia, muitas vezes
sequer somos capazes de recordar o que fizemos no dia anterior.

In casu, o fato ocorreu em 17/04/2023, enquanto as testemunhas só


foram ouvidas em 22/11/2023, resultando em um lapso temporal de
aproximadamente 07 (sete) meses entre a ocorrência do evento e a oitiva das
testemunhas.

Posto isto Excelência, não lembramos o que fizemos de manhã,


mas confiamos no depoimento de alguém, meses depois do ocorrido.

Outrossim, no que concerne ao processo de reconhecimento do


adolescente no contexto de ato infracional, é imperativo observar escrupulosamente, por
analogia, os preceitos delineados no artigo 226 do Código de Processo Penal. Este
dispositivo legal estabelece procedimentos específicos que visam mitigar os efeitos
adversos das falsas memórias, senão vejamos:

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o


reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

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I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada


a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada,


se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer
semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o
reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o


reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência,
não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida,
a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado,


subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao
reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Portanto, ao conduzir qualquer reconhecimento, seja no âmbito


policial ou judicial, é essencial seguir criteriosamente as diretrizes estipuladas no
referido artigo, garantindo assim a integridade do processo e a preservação dos direitos
do adolescente envolvido.

Faz-se imprescindível apresentar o entendimento do TRIBUNAL DE


JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, referente ao contexto aludido,
vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO. PENAL. ARTIGO 157, § 2.º, INCISO


I, DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. REJEIÇÃO DAS
ARGUIÇÕES DE NULIDADE. FRAGILIDADE DO
RECONHECIMENTO REALIZADO PELA VÍTIMA, TANTO
EM SEDE POLICIAL QUANTO EM JUÍZO. RISCO DE
FALSA MEMÓRIA. PROVA INSUFICIENTE A ENSEJAR
DECRETO CONDENATÓRIO. Apelante condenado pela
prática do crime de roubo majorado pelo emprego de arma.
Indeferimento de renovação de prova devidamente

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fundamentado. Advogado anteriormente constituído pelo réu


que atuou diligentemente na inquirição da vítima. Entendimento
majoritário que, com a reserva da posição pessoal deste relator,
exige as formalidades do artigo 226 do Código de Processo
Penal apenas na fase pré-processual. Arguições de nulidade
rejeitadas. Reconhecimento fotográfico em sede policial, quando
o apelante já se encontrava preso. Fragilidade. Probabilidade da
ocorrência de falsas memórias, nas quais, diferentemente do que
ocorre na mentira, o agente crê honestamente no que está
relatando . In dubio pro reo. Presunção de inocência.
Absolvição. RECURSO PROVIDO. (TJ-RJ - APL:
02612147920098190004 RIO DE JANEIRO SAO GONCALO
3 VARA CRIMINAL, Relator: GERALDO LUIZ
MASCARENHAS PRADO, Data de Julgamento: 07/12/2011,
QUINTA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação:
17/02/2012)

Posto isto:

PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO


CIRCUNSTANCIADO. RECONHECIMENTO DO
ACUSADO POR FOTOGRAFIA NA DELEGACIA DE
POLÍCIA. FASE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE CERTEZA
PELAS VÍTIMAS, QUANDO DO RECONHECIMENTO
PESSOAL DO DENUNCIADO. PRISÃO PREVENTIVA.
FUNDAMENTAÇÃO COM BASE NA GRAVIDADE
CONCRETA DO DELITO E EM RECONHECIMENTO
ANTERIOR. LAPSO TEMPORAL ENTRE O DELITO E O
RECONHECIMENTO PESSOAL. EXISTÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Diante da gravidade em
concreto do delito, supostamente cometido pelo recorrente,
porém, considerando o não reconhecimento do recorrente pelas
vítimas, na fase processual, bem como a excepcionalidade da

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prisão preventiva no sistema jurídico brasileiro, devido à


concessão da liberdade provisória, sem prejuízo de aplicação das
medidas cautelares diversas da prisão, como proposto pelo
Ministério Público, na instância ordinária, o que se mostra
adequado, suficiente e proporcional à presente hipótese. 2.
Recurso em habeas corpus provido, para determinar a concessão
da liberdade provisória ao recorrente, sem prejuízo de aplicação
das medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art 319
do Código de Processo Penal, caso assim seja entendido pelo
Juízo de Origem. (STJ - RHC: 79448 SP 2016/0321389-1,
Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de
Julgamento: 21/02/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 02/03/2017).

CONCLUSÃO

Desta forma, o que se tem é que o feito não está robustecido por

provas concretas, e que eventual sentença de procedência da representação ocasionaria

grave ofensa ao artigo 114, do ECA, que dispõe que a aplicação de medidas

socioeducativas graves como a internação, até mesmo as brandas, deve decorrer de

certeza profunda da participação do adolescente no ato infracional, com provas

suficientes de autoria e materialidade, o que não é o caso dos autos:

Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI

do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da

autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de

remissão, nos termos do art. 127.

Como observamos, existe uma carência probatória nos autos e um

lapso temporal, que vislumbra um entendimento não diferente da improcedência da

representação.

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Conclui-se que, inexistindo provas, cabais e concretas devemos

invocar o princípio do “in dubio pro reo”.

3. DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA MAIS ADEQUADA

Como aludido no mérito acreditamos que os autos não sejam julgados


procedentes, pela carência propatória, entretanto, caso assim não ocorrer, a Defensoria
Pública discorre apenas sobre a medida socioeducativa mais adequada a adolescente em
comento, considerando, analogicamente todas as circunstâncias judiciais que envolvem
o vertente caso.

Por força dos princípios inerentes do Estatuto da Criança e do


Adolescente, a medida socioeducativa não possui caráter retributivo, mas sim, tem
por objetivo ressocializar o adolescente que se encontra em conflito com a lei,
estando sempre sujeita aos princípios da brevidade, da excepcionalidade, bem como, do
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, vetores que orientam a sua
cominação.

As medidas socioeducativas possuem uma finalidade educativa e de


inclusão social plena do adolescente, em respeito à peculiar condição de ser humano em
fase de desenvolvimento, destinatário de proteção integral.

Na esteira dos preceitos do ECA, não existe PRETENSÃO


PUNITIVA do Estado quando o adolescente pratica um ato infracional, mas
apenas PRETENSÃO EDUCATIVA.

Vale ressaltar, que o Estatuto da Criança e do Adolescente não se


iguala ao diploma penal repressivo, pelo contrário, trata diferenciadamente as crianças
e adolescentes dando primazia à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Na trilha do entendimento doutrinário, Guilherme de Souza Nucci,


ensina que:

“em primeiro plano, convém destacar ter esse estatuto adotado os


princípios da Convenção sobre os Direitos da Criança, prevendo

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na maior amplitude possível a liberdade do infrator para que


receba os preceitos educacionais necessários em face do que ele
fez. Esse é o mote da liberdade assistida, que se desvestiu do
termo vigiada, para escolher o lema de assistência, voltado à
orientação, apoio e acompanhamento. Está correto, seguindo-se o
horizonte sempre presente no universo das medidas
socioeducativas. É uma das alternativas mais abertas dentre todas,
pois admite a fixação inicial – como primeira medida imposta
(...).”

Por sua vez, o Jurista Antônio Fernando do Amaral e Silva, acerca das
medidas de internação e liberdade assistida, com maestria comenta:

“E, no outro extremo deste mesmo olhar, vislumbra-se que a


internação é a medida socioeducativa com as piores condições
para produzir resultados positivos. Com efeito, a partir da
segregação e da inexistência de projeto de vida, os adolescentes
internados acabam ainda mais distantes da possibilidade de um
desenvolvimento, sadio. Privados de liberdade, convivendo em
ambientes, de regra promíscuos e aprendendo as normas próprias
dos grupos marginais (especialmente no que tange a responder
com violência aos conflitos do cotidiano), a probabilidade (quase
absoluta) é de que os adolescentes acabem absorvendo a chamada
identidade do infrator; passando a se reconhecerem, sim, como de
má índole, natureza perversa, alta periculosidade, enfim, como
pessoas cuja história de vida, passada e futura, resta
indestrutivelmente ligada à delinquência (os irrecuperáveis, como
dizem eles). Desta forma, quando do desinternamento, certamente
estaremos diante de cidadãos com categoria piorada, ainda mais
predispostos a condutas violentas e antissociais. Daí a importância
de se observar atentamente as novas regras legais referentes à
internação, especialmente aquelas que dizem respeito à
excepcionalidade da medida, sua brevidade e, a todo o tempo, o

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respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (de


ressaltar também o novo elenco de direitos pertinentes ao
adolescente internado, conforme disposição do art. 124 do ECA).

Dentre os princípios para aplicação de medida socioeducativa aos


adolescentes, destacam-se dos incisos do artigo 35 da Lei 12.594/2012, qual seja: a
proporcionalidade, a excepcionalidade da intervenção judicial, a individualização e
a mínima intervenção.

Além disso, torna despicienda e desproporcional a medida de


internação, sob o pueril elemento de convicção da GRAVIDADE EM ABSTRATO
DO ATO INFRACIONAL.

Faz-se imprescindível rememorar o escopo precípuo da aplicação da


medida socioeducativa, não punitivo, mas sim com caráter eminentemente pedagógico,
o que fora destacado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do HC:
353686 SP 2016/0098242-6, senão vejamos:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE. ATO COATOR: DECISÃO
MONOCRÁTICA (PROVISÓRIA) DE DESEMBARGADOR
RELATOR. PATENTE ILEGALIDADE. SÚMULA 691/STF:
SUPERAÇÃO. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO
CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. APLICAÇÃO
DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO.
PROGRESSÃO. MEDIDA DE LIBERDADE ASSISTIDA.
RESTABELECIDA A INTERNAÇÃO PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DE
OFÍCIO. 1. A princípio, não cabe habeas corpus contra decisão
monocrática de Desembargador Relator - concessão de efeito
ativo ao presente recurso (Agravo de Instrumento). Contudo, em
situações de patente ilegalidade, tem-se admitido contornar-se a
incidência do enunciado sumular 691 do Pretório Excelso, o que
ocorre in casu. 2. "Tratando-se de menor inimputável, não

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existe pretensão punitiva estatal propriamente, mas apenas


pretensão educativa, que, na verdade, é dever não só do
Estado, mas da família, da comunidade e da sociedade em
geral, conforme disposto expressamente na legislação de
regência (Lei 8.069/90, art. 4º) e na Constituição Federal
(art. 227). De fato, é nesse contexto que se deve enxergar o
efeito primordial das medidas socioeducativas, mesmo que
apresentem, eventualmente, características expiatórias
(efeito secundário), pois o indiscutível e indispensável
caráter pedagógico é que justifica a aplicação das aludidas
medidas, da forma como previstas na legislação especial (Lei
8.069/90, arts. 112 a 125), que se destinam essencialmente à
formação e reeducação do adolescente infrator, também
considerado como pessoa em desenvolvimento (Lei 8.069/90,
art. 6º), sujeito à proteção integral (Lei 8.069/90, art. 1º), por
critério simplesmente etário (Lei 8.069/90, art. 2º, caput)."
(HC 149429/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA,
QUINTA TURMA, jul. em 4/3/2010, DJe 5/4/2010). 3.
Indubitável a possibilidade de extinção e progressão de medida
socioeducativa, todavia, a decisão sobre tais situações é de livre
convencimento do juiz, o qual deverá apresentar justificativa
idônea, não estando vinculado ao relatório multidisciplinar do
adolescente. Nessa linha de consideração, importante consignar
que tanto a progressão como a extinção de medida revelam-se
como um processo reativo, à medida que o adolescente assimila
a finalidade socioeducativa. 4. Na hipótese, o Juiz de primeiro
grau determinou a progressão da medida socioeducativa de
internação para a liberdade assistida, contudo, o Tribunal de
origem determinou o retorno do adolescente ao cumprimento da
internação. Conclui-se - ao se ponderar as argumentações
alinhavadas pelas instâncias de origem - pela aplicação da
medida socioeducativa de semiliberdade, eis que o retorno

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gradativo do paciente ao seio de sociedade revela, na hipótese, a


opção mais adequada, tendo em vista, em especial, o princípio
da proteção integral ao adolescente. 5. Em que pese a boa
compreensão e participação do paciente nas atividades aplicadas
na unidade de internação, conforme ressaltado pelo magistrado,
não se pode desmerecer o significativo histórico de atos
infracionais, encartado às fls. 29-41, sobre o qual fez menção a
Corte local, a qual destacou inclusive que o adolescente reiterou
a mesma conduta que é grave (ato infracional equiparado a
crime contra o patrimônio - roubo circunstanciado) por mais de
uma vez. 6. Ordem concedida, ex officio, para estabelecer a
medida socioeducativa de semiliberdade, sem prejuízo de que a
medida seja reavaliada no prazo determinado pelo juízo. (STJ -
HC: 353686 SP 2016/0098242-6, Relator: Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento:
03/05/2016, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe
12/05/2016. (Grifo nosso).

Nesse sentido, preconiza a melhor e mais recente doutrina:

“(...) Assim, o magistrado da infância e juventude deve ser


profundo conhecedor não só dos direitos inerentes a estes, mas
também, de todo o sistema que compõe os direitos fundamentais
do ser humano, sempre sob a ótica de que a medida
socioeducativa não corresponde exclusivamente à
resposta/retribuição do Estado-juiz pelo ato infracional
realizado, mas como instrumento excepcional e ultima-ratio
(...)- Rosa, Rodrigo Zoccal. Das medidas socioeducativas e o ato
infracional (do ECA ao SINASE) /Rodrigo Zoccal Rosa. – 2 ed.
– Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.” (Grifo nosso).

In casu, a análise do processo sub judice reclama uma atuação


cuidadosa, de modo que se evite conclusões simplistas e totalmente dissociadas dos

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princípios e singularidades claramente previstos no Estatuto da Criança e do


Adolescente, haja vista que nosso sistema é voltado para a proteção integral ao
adolescente e, principalmente, é afirmado e reafirmado na lei menorista o caráter
excepcional de qualquer medida socioeducativa, em especial a privação da
liberdade.

De mais a mais, concluir que a aplicação da medida extrema de


internação é de algum modo “benéfica” ao adolescente, fere diretamente contra os
direitos fundamentais, em específico ao direito de convivência familiar esculpido no
artigo 227, caput, da Carta Maior. Outrossim, o art. 227, §3º, inciso V da Lei Maior,
preconiza:

V - Obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e


respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
quando da aplicação de qualquer medida privativa da
liberdade; (Grifo nosso).

E ainda, insta salientar que o Estatuto da Criança e do Adolescente em


seu artigo 122, estabelece critérios necessários para que seja decretado a medida
socioeducativa de internação, vejamos:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada


quando:

I - Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça


ou violência a pessoa;

II - Por reiteração no cometimento de outras infrações


graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da


medida anteriormente imposta.

No presente caso, é evidenciado que não está configurado as hipóteses legais que
pudessem justificar a decretação da internação.

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Ademais, caso seja aplicado medida socioeducativa de internação,


pugna para que seja observado o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de Mato Grosso no tocante ao mínimo adequado.

Posto isto, trago à baila o entendimento jurisprudencial do nosso


Egrégio Tribunal de Justiça, vejamos:

52340082 - APELAÇÕES EM AÇÃO SOCIOEDUCATIVA.


Atos infracionais análogos a receptação e roubos majorados pelo
emprego de arma e concurso de pessoas. Representação
procedente. [primeiro apelante] autoria do ato infracional
análogo ao roubo não comprovado. Pedidos de absolvição,
subsidiariamente, desclassificação do roubo para receptação e
aplicação de liberdade assistida. [segundo apelante] gravidade
em abstrato do ato infracional inidôneo para fundamentar
medida de internação, não cabimento de prazo determinado,
periodicidade menor da reavaliação e direito ao cumprimento
da medida em local mais próximo da residência. Pleitos de
aplicação de medida no meio aberto, subsidiariamente,
afastamento do prazo determinado, reavaliação trimestral e
transferência para centro de atendimento socioeducativo na
capital. Participação do primeiro apelante em atos infracionais
análogos a roubo demonstrada pelo empréstimo da motocicleta
aos demais envolvidos e ciência da intenção de realizar atos
ilícitos. Auxílio material. Julgado do TJMT. Ato infracional
configurado. Desclassificação para receptação. Não cabimento.
Comprovação do primeiro delito. Julgado do TJRS. Reiteração
no cometimento de outras infrações. Medida de internação
justificável. Arestos do STJ. Gravidade em concreto do ato
infracional e emprego de ameaça mediante arma de fogo. Não
cabimento de medida mais branda. Decisão do TJMT.
Periodicidade da reavaliação da medida de internação.
Trimestral. Entendimento do TJMT. Cumprimento da

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internação na mesma localidade ou na mais próxima ao


domicílio de seus pais ou responsáveis. Direito não absoluto.
Diretriz do STJ e acórdão do TJMT. Prequestionamento.
Preceitos normativos observados e integrados à fundamentação.
Premissa do TJDF. Recurso do primeiro apelante desprovido e
do segundo provido parcialmente para determinar reavaliação
trimestral. Estabelecida de ofício essa periodicidade de
reavaliação ao primeiro. “a conduta do agente que presta auxílio
material ao comparsa [...] se reveste de fundamento idôneo a
evidenciar sua efetiva e direta participação no delito,
autorizando, de consequência, sua condenação. ” (TJMT, AP nº
68539/2015) descabida a desclassificação de roubo para
receptação, quando comprovada a ocorrência do primeiro delito,
notadamente quando os bens subtraídos sequer passaram para a
posse do recorrente, haja vista que recuperados com os demais
envolvidos (TJRS, AP nº 70080307184). “a reiteração na prática
de atos infracionais se enquadra na hipótese do inciso II do art.
122 da Lei nº 8.069/1990 e, no caso, demonstra a ineficácia de
outras medidas.” (STJ, HC nº 479.139/SP) “não há falar em
aplicação de medida socioeducativa mais branda quando resta
evidenciada não só a gravidade em concreto do ato infracional e
o emprego de ameaça mediante arma de fogo [...], que faz
incidir a hipótese do art. 122, I, do ECA, como também a
presença de caracteres pessoais nitidamente desabonadores, que
tornam perspícua a ineficácia do cumprimento da medida
socioeducativa em liberdade, justificando a internação.” (TJMT,
AP nº 169692/2016) este e. Tribunal uniformizou
entendimento de que no caso de aplicação de medida
socioeducativa de internação, “a reavaliação psicossocial
será trimestral, a fim de garantir um melhor resultado
pedagógico da medida” (TJMT, AP nº 24772/2018). “o
direito de permanecer próximo ao seu meio social e familiar

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2ª DEFENSORIA PÚBLICA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE CUIABÁ

(ECA, art. 124, vi) não é absoluto, podendo ser mitigado nos
casos em que não exista estabelecimento adequado ou vaga em
locais próximos ao domicílio d e s e u s p a I s o u r e s p o n Sá
ve I s. ” (t j m t, h c n º 1010582-35.2018.8.11.0000) se os
preceitos normativos foram observados e integrados à
fundamentação, afigura-se “desnecessário que o julgador
esmiúce cada um dos argumentos e dispositivos legais tidos por
violados, bastando que esclareça os motivos que o levaram à
determinada conclusão” (tjdf, rese nº 20120510091147).
(TJMT; APL 78579/2018; Várzea Grande; Rel. Juiz
Francisco Alexandre Ferreira Mendes Neto; Julg.
30/04/2019; DJMT 06/05/2019; Pág. 186). (Grifo nosso).

4. DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer a Vossa Excelência:

a) A Defensoria Pública com fulcro no artigo


189, inciso IV, do ECA requer que seja JULGADO
IMPROCEDENTE o presente feito;

b) Subsidiariamente, não sendo acolhida a


tese alegada, pugna pela aplicação da medida socioeducativa
de Liberdade Assistida pelo prazo de 06 (seis) meses c/c
Prestação de Serviço à Comunidade pelo prazo de 02 (dois)
meses a representada DANIELI MARTINS OLIVEIRA;

c) Requer a confecção do Plano Individual de


Atendimento (PIA) do representado DANIELI MARTINS
OLIVEIRA no prazo de até 15 (quinze) dias, conforme artigo
56 da Lei 12.594/2012;

d) Não sendo o entendimento de Vossa


Excelência para a aplicação da medida socioeducativa de

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Liberdade Assistida, seja observada a proporcionalidade da


avaliação da medida de internação, no tocante ao mínimo
adequado, aplicando assim, avaliação trimestral;

Termos em que pede deferimento.

Cuiabá-MT, 23 de novembro de 2024.

(assinado digitalmente)

ALYSSON COSTA OURIVES

DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO

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