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2ª DEFENSORIA PÚBLICA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE CUIABÁ

AO JUÍZO DA 2ª VARA ESPECIALIZADA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA


COMARCA DE CUIABÁ – MATO GROSSO.

RIQUELME PREUSS FERREIRA DE SOUZA, já qualificado nos


autos, assistido pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO,
através do Defensor Público que ora subscreve, no uso de suas atribuições legais e
institucionais, vem, à presença de Vossa Excelência, apresentar ALEGAÇÕES
FINAIS pelos fundamentos de fato e de direito abaixo aduzidos:

1. BREVE SÍNTESE DOS FATOS

Trata-se de representação proposta pelo Douto representante do


Ministério Público em desfavor do representado RIQUELME PREUSS FERREIRA
DE SOUZA, pela suposta pratica do ato infracional análogo ao descrito no artigo 155, §
1ºe § 4º, II, do Código Penal.

Segundo relata o representante do Parquet em sua peça vestibular


(ipsis litteris):

Consta no Feito Infracional que no dia 29 de julho de 2023, por


volta das 05h00, durante o repouso noturno, na residência
particular, localizada no “Condomínio Villa Di Capri”, na Rua
Clarindo Epifânio da Silva, nº 1015, quadra 01, casa 15, bairro
Despraiado, em Cuiabá, o representado RIQUELME PREUSS
FERREIRA DE SOUZA, com liberdade de escolha e
consciência de atuação, subtraiu para proveito próprio, mediante

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escalada, coisas alheias móveis, consistentes em 01 (uma) bolsa


contendo 01 (um) celular da marca Iphone, diversos cartões, R$
750,00 (setecentos e cinquenta) reais em dinheiro, além de 02
(dois) relógios e 01 (uma) carteira masculina, dentre vários
outros objetos descritos nos auto, pertencentes às vítimas
Fernanda de Freitas Arantes e Ari Vasconcelos Dantas Júnior

Diante disso, este Douto Juízo em id. 129873071, recebeu a


representação, designando audiência de apresentação para o dia 16/10/2023, às 16:00
horas, assim como, decretou a internação provisória do representado em tela.

Posto isto, em id. 131894763, consta a juntada do termo de audiência


de apresentação, oportunidade que fora inquirido o representado. De mais a mais, em id.
136558038, fora designado por este Douto Juízo audiência de continuação para o dia
25/01/2024, às 14:00 horas.

Conseguinte, em id. 139455023, fora arrolado o termo de audiência


em continuação, no qual, fora inquirida as testemunhas e posterior declarado encerrada
a instrução processual, abrindo prazo de 05 (cinco) dias para apresentação de memoriais
escritos.

Desta feita, o representante do Ministério Público em suas razões


finais juntadas em id. 141327587, requer a procedência da representação, com aplicação
de medida socioeducativa de internação, nos moldes do artigo 112 e 118 do Estatuto da
Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90.

Nesta oportunidade, a defesa apresenta memoriais finais


representando os interesses do representado RIQUELME PREUSS FERREIRA DE
SOUZA.

É a suma dos fatos, vieram os autos para as razões escritas.

2. DO MÉRITO

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Inicialmente, adentrando ao mérito propriamente dito do presente


processo, convém analisar, sob uma ótica de ordem eminentemente jurídica a
inviabilidade no cumprimento de qualquer outra medida socioeducativa.

Desta forma, de acordo com o artigo 45, § 2º da Lei nº 12.594/2012


(Sinase), pugna pela EXTINÇÃO do processo de apuração em curso, visto que, o
adolescente em tela encontra-se cumprindo medida socioeducativa de internação por
processos que tramitam nesse mesmo Juízo Especializado.

Analisando o méritum causae específico, levando em conta que nos


demais processos já fora aplicado ao representado a medida socioeducativa de maior
gravidade, vez que, a medida mais gravosa absorve as demais, isso ocorre porque o
emprego de recursos mais intensos torna desnecessária, portanto, ineficaz, a utilização
de recursos pedagógicos menos intensos. Tal raciocínio se baseia na finalidade de cada
uma das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que delineia um
conjunto estratégico de medidas para a promoção do bem-estar e da ressocialização dos
jovens em conflito com a lei.

Nesse sentido, vejamos o entendimento jurisprudencial pátrio:

“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.


ATOS INFRACIONAIS. MEDIDAS DA MESMA
NATUREZA. INTERNAÇÃO. ART. 45 DA LEI
12.594/2012. ABSORÇÃO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
POSTERIOR. 1. A Lei que institui o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE) determina a unificação
da execução de medidas de segurança aplicadas ao mesmo
adolescente em processos diversos, com o fim de adequá-las aos
prazos máximos estabelecidos no ECA para o cumprimento. 2.
Os parágrafos do art. 45 da Lei do SINASE trazem as hipóteses
para o cabimento da unificação das medidas, sendo que a
unificação apenas ocorrerá quando o adolescente que já cumpre
medida socioeducativa foi sancionado com outra, idêntica, ou da
mesma natureza. 3. A partir do momento em que o

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adolescente tem ciência de que responderá por seus atos e


que serão iniciadas as medidas de ressocialização, com
caráter punitivo e pedagógico próprios do Sistema
Socioeducativo, todos os atos anteriormente praticados
ficam absorvidos por essa medida socioeducativa que se
iniciou, sendo vedado, nos termos do § 1º do artigo 45 do
SINASE, o reinício de cumprimento da medida. A única
exceção trazida pelo mesmo dispositivo é quando novo ato volta
a ser praticado durante a execução já iniciada, o que não é o
caso dos autos. 4. Recurso conhecido e provido”. (TJ-DF
00083203820178070013 - Segredo de Justiça 0008320-
38.2017.8.07.0013, Relator: SEBASTIÃO COELHO, Data de
Julgamento: 24/09/2020, 3ª Turma Criminal, Data de
Publicação: Publicado no PJe: 09/10/2020. Pág.: Sem Página
Cadastrada.) (Grifo Nosso)

Conseguinte:

“ECA. ATO INFRACIONAL. APLICAÇÃO DO


DISPOSTO NO ART. 45, § 2º, DA LEI Nº 12.594/2012
(SINASE). ADOLESCENTE QUE CUMPRIU A MEDIDA
DE INTERNAÇÃO. 1. Os atos infracionais cometidos
anteriormente ao cumprimento de medida socioeducativa de
internação ou a progressão desta para uma menos gravosa são
absorvidos por aquele ao qual se cominou a medida extrema,
carecendo o Estado de interesse de agir. Incidência do art. 45, §
2º, da Lei do SINASE. 2. É cabível a extinção do processo,
pois o adolescente está respondendo neste feito pela prática
de ato infracional ocorrido antes do fato examinado em
outro processo, no qual foi aplicada a ele a medida
socioeducativa de internação, que já foi integralmente
cumprida. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº
70077011344, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

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Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em


29/08/2018). (TJ-RS - AC: 70077011344 RS, Relator: Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento:
29/08/2018, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário
da Justiça do dia 31/08/2018) (Grifo Nosso)

Insta colacionar o trecho do inteiro teor da fundamentação:

“Ora, cediço que um dos princípios da medida socioeducativa é


a imediatidade, porque é altíssimo o risco de perda do objeto
socioeducativo quando a intervenção não guarda nenhuma
relação temporal com a data da conduta que se pretende
reprovar. De forma que o decurso do tempo é o elemento
degradante da finalidade pedagógica de qualquer medida
desta natureza. Sob esse aspecto, as medidas são entidades
perecíveis. Tanto mais quanto maior tempo transcorrer entre a
conduta e a sua aplicação ou execução. E, o que é inegável,
tanto mais aceleradamente quanto mais nos afastarmos
temporalmente do injusto típico”. (Grifo Nosso)

Diante disso, não há justificativa, nem interesse prático por parte


do Estado em aplicar, nos autos em tela, uma medida mais branda, uma vez que ao
representado já fora aplicada a medida mais grave, qual seja a medida de
internação, por fato posterior ao presente processo. Portanto, a imposição de
qualquer outra medida seria fútil, uma vez que já foi aplicada a medida mais
extrema.

Essa conclusão é alcançada por meio de uma interpretação sistemática


do Estatuto da Criança e do Adolescente, levando em consideração as regras e
princípios que orientam a aplicação e execução das medidas socioeducativas.

Desta forma, necessário que seja extinto o procedimento ora apurado,


tendo em vista que o objetivo pretendido pela aplicação e execução de qualquer medida
mais branda tornou-se ineficaz, visto que, o representado esta cumprindo medida mais

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gravosa, o que remete para ausência de interesse jurídico de agir, dado que, o
Estado dispôs da aplicação da meda mais gravosa par atingir a finalidade
socioeducativa.

As medidas socioeducativas são guiadas pelo princípio da


progressividade. Isso significa que é assegurado ao representado que a medida aplicada
evolua de uma mais grave para uma mais branda ao longo do tempo. Seguindo essa
lógica, é possível observar que, em algum momento, a medida de internação progredirá
para a semiliberdade, que por sua vez evoluirá para a liberdade assistida. Portanto, o
cumprimento da medida de internação, que é a mais severa, abarca toda a
intenção do Estado de promover a ressocialização do adolescente representado.

É de conhecimento comum que, no âmbito da execução das medidas


socioeducativas, estas não estão sujeitas ao "princípio da obrigatoriedade", mas sim aos
princípios da oportunidade e da intervenção mínima, entre outros notadamente
importantes na justiça juvenil.

Portanto, a repetição de procedimentos desfavoráveis ao


adolescente resulta na aplicação tardia e acumulativa de medidas, nas quais o
propósito pedagógico já se perdeu.

A avaliação da necessidade e utilidade pedagógica ou mesmo


retributiva da medida socioeducativa deve levar em conta a situação processual
vivenciada pelo adolescente. De fato, para uma aplicação coerente do Estatuto da
Criança e do Adolescente, é imperativo que o juiz não se abstenha de realizar uma
avaliação prévia da real necessidade e utilidade da medida, sob pena DE
DESCARACTERIZAR COMPLETAMENTE A LÓGICA DA ABORDAGEM
SOCIOEDUCATIVA.

Desta feita, há respaldo legal expresso e consentâneo com o pedido


ora exposto, senão vejamos a Lei nº 12.594 de 2012, que, em seu artigo 45, §2º
preconiza:

Art. 45. Se, no transcurso da execução, sobrevier sentença de


aplicação de nova medida, a autoridade judiciária procederá à

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unificação, ouvidos, previamente, o Ministério Público e o


defensor, no prazo de 3 (três) dias sucessivos, decidindo-se em
igual prazo.

§ 2º É vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de


internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a
adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida
socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido
para cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais atos
absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida
socioeducativa extrema.

Neste contexto, é imprescindível que o procedimento em análise


seja extinto, uma vez que o propósito almejado pela aplicação e execução de
qualquer medida mais branda tornou-se ineficaz. Isso ocorre porque o adolescente
tem cumprido, durante a apuração do presente procedimento de ato infracional, uma
medida mais severa. Como mencionado anteriormente, isso resulta na ausência de
interesse jurídico de agir, uma vez que o Estado já recorreu à aplicação da medida
mais grave para alcançar a finalidade socioeducativa.

3. DA APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA MAIS


ADEQUADA

Inicialmente, observa-se que o representado RIQUELME PREUSS


FERREIRA DE SOUZA, confessou a pratica dos atos infracionais imputado a ele.

Diante dessa circunstância, a Defensoria Pública discorre apenas sobre


a medida socioeducativa mais adequada ao adolescente em comento, considerando,
analogicamente todas as circunstâncias judiciais que envolvem o vertente caso.

Não obstante, o ato infracional imputado ao adolescente seja


considerado grave, é preciso lembrar que isso, por si só, não basta para ensejar a medida
extrema de internação, afinal, a medida de internação é a última opção, ou seja, a ratio

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da última ratio, aplicável somente quando as demais medidas socioeducativas não


forem suficientes para a reprovação do ato e reeducação do infrator.

Ademais, não se pode admitir por presunção, que o representado


voltará a praticar atos infracionais, como fundamento da necessidade de mantê-lo em
uma medida socioeducativa de privação de sua liberdade, sob pena de indisfarçada
opção que fere de morte o princípio constitucional de brevidade e excepcionalidade da
medida e ainda, o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Por força dos princípios inerentes do Estatuto da Criança e do


Adolescente, a medida socioeducativa não possui caráter retributivo, mas sim, tem
por objetivo ressocializar o adolescente que se encontra em conflito com a lei,
estando sempre sujeita aos princípios da brevidade, da excepcionalidade, bem como, do
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, vetores que orientam a sua
cominação.

As medidas socioeducativas possuem uma finalidade educativa e de


inclusão social plena do adolescente, em respeito à peculiar condição de ser humano em
fase de desenvolvimento, destinatário de proteção integral.

Na esteira dos preceitos do ECA, não existe PRETENSÃO


PUNITIVA do Estado quando o adolescente pratica um ato infracional, mas
apenas PRETENSÃO EDUCATIVA.

Vale ressaltar, que o Estatuto da Criança e do Adolescente não se


iguala ao diploma penal repressivo, pelo contrário, trata diferenciadamente as crianças
e adolescentes dando primazia à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Na trilha do entendimento doutrinário, Guilherme de Souza Nucci,


ensina que:

“em primeiro plano, convém destacar ter esse estatuto adotado os


princípios da Convenção sobre os Direitos da Criança, prevendo
na maior amplitude possível a liberdade do infrator para que
receba os preceitos educacionais necessários em face do que ele

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fez. Esse é o mote da liberdade assistida, que se desvestiu do


termo vigiada, para escolher o lema de assistência, voltado à
orientação, apoio e acompanhamento. Está correto, seguindo-se o
horizonte sempre presente no universo das medidas
socioeducativas. É uma das alternativas mais abertas dentre todas,
pois admite a fixação inicial – como primeira medida imposta
(...).”

Por sua vez, o Jurista Antônio Fernando do Amaral e Silva, acerca das
medidas de internação e liberdade assistida, com maestria comenta:

“E, no outro extremo deste mesmo olhar, vislumbra-se que a


internação é a medida socioeducativa com as piores condições
para produzir resultados positivos. Com efeito, a partir da
segregação e da inexistência de projeto de vida, os adolescentes
internados acabam ainda mais distantes da possibilidade de um
desenvolvimento, sadio. Privados de liberdade, convivendo em
ambientes, de regra promíscuos e aprendendo as normas próprias
dos grupos marginais (especialmente no que tange a responder
com violência aos conflitos do cotidiano), a probabilidade (quase
absoluta) é de que os adolescentes acabem absorvendo a chamada
identidade do infrator; passando a se reconhecerem, sim, como de
má índole, natureza perversa, alta periculosidade, enfim, como
pessoas cuja história de vida, passada e futura, resta
indestrutivelmente ligada à delinquência (os irrecuperáveis, como
dizem eles). Desta forma, quando do desinternamento, certamente
estaremos diante de cidadãos com categoria piorada, ainda mais
predispostos a condutas violentas e antissociais. Daí a importância
de se observar atentamente as novas regras legais referentes à
internação, especialmente aquelas que dizem respeito à
excepcionalidade da medida, sua brevidade e, a todo o tempo, o
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (de

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ressaltar também o novo elenco de direitos pertinentes ao


adolescente internado, conforme disposição do art. 124 do ECA).

Dentre os princípios para aplicação de medida socioeducativa a


adolescentes, destacam-se dos incisos do artigo 35 da Lei 12.594/2012, qual seja: a
proporcionalidade, a excepcionalidade da intervenção judicial, a individualização e
a mínima intervenção.

Além disso, torna despicienda e desproporcional a medida de


internação, sob o pueril elemento de convicção da GRAVIDADE EM ABSTRATO
DO ATO INFRACIONAL.

Faz-se imprescindível rememorar o escopo precípuo da aplicação da


medida socioeducativa, não punitivo, mas sim com caráter eminentemente pedagógico,
o que fora destacado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do HC:
353686 SP 2016/0098242-6, senão vejamos:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE. ATO COATOR: DECISÃO
MONOCRÁTICA (PROVISÓRIA) DE DESEMBARGADOR
RELATOR. PATENTE ILEGALIDADE. SÚMULA 691/STF:
SUPERAÇÃO. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO
CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. APLICAÇÃO
DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO.
PROGRESSÃO. MEDIDA DE LIBERDADE ASSISTIDA.
RESTABELECIDA A INTERNAÇÃO PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DE
OFÍCIO. 1. A princípio, não cabe habeas corpus contra decisão
monocrática de Desembargador Relator - concessão de efeito
ativo ao presente recurso (Agravo de Instrumento). Contudo, em
situações de patente ilegalidade, tem-se admitido contornar-se a
incidência do enunciado sumular 691 do Pretório Excelso, o que
ocorre in casu. 2. "Tratando-se de menor inimputável, não
existe pretensão punitiva estatal propriamente, mas apenas

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pretensão educativa, que, na verdade, é dever não só do


Estado, mas da família, da comunidade e da sociedade em
geral, conforme disposto expressamente na legislação de
regência (Lei 8.069/90, art. 4º) e na Constituição Federal
(art. 227). De fato, é nesse contexto que se deve enxergar o
efeito primordial das medidas socioeducativas, mesmo que
apresentem, eventualmente, características expiatórias
(efeito secundário), pois o indiscutível e indispensável
caráter pedagógico é que justifica a aplicação das aludidas
medidas, da forma como previstas na legislação especial (Lei
8.069/90, arts. 112 a 125), que se destinam essencialmente à
formação e reeducação do adolescente infrator, também
considerado como pessoa em desenvolvimento (Lei 8.069/90,
art. 6º), sujeito à proteção integral (Lei 8.069/90, art. 1º), por
critério simplesmente etário (Lei 8.069/90, art. 2º, caput)."
(HC 149429/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA,
QUINTA TURMA, jul. em 4/3/2010, DJe 5/4/2010). 3.
Indubitável a possibilidade de extinção e progressão de medida
socioeducativa, todavia, a decisão sobre tais situações é de livre
convencimento do juiz, o qual deverá apresentar justificativa
idônea, não estando vinculado ao relatório multidisciplinar do
adolescente. Nessa linha de consideração, importante consignar
que tanto a progressão como a extinção de medida revelam-se
como um processo reativo, à medida que o adolescente assimila
a finalidade socioeducativa. 4. Na hipótese, o Juiz de primeiro
grau determinou a progressão da medida socioeducativa de
internação para a liberdade assistida, contudo, o Tribunal de
origem determinou o retorno do adolescente ao cumprimento da
internação. Conclui-se - ao se ponderar as argumentações
alinhavadas pelas instâncias de origem - pela aplicação da
medida socioeducativa de semiliberdade, eis que o retorno
gradativo do paciente ao seio de sociedade revela, na hipótese, a

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opção mais adequada, tendo em vista, em especial, o princípio


da proteção integral ao adolescente. 5. Em que pese a boa
compreensão e participação do paciente nas atividades aplicadas
na unidade de internação, conforme ressaltado pelo magistrado,
não se pode desmerecer o significativo histórico de atos
infracionais, encartado às fls. 29-41, sobre o qual fez menção a
Corte local, a qual destacou inclusive que o adolescente reiterou
a mesma conduta que é grave (ato infracional equiparado a
crime contra o patrimônio - roubo circunstanciado) por mais de
uma vez. 6. Ordem concedida, ex officio, para estabelecer a
medida socioeducativa de semiliberdade, sem prejuízo de que a
medida seja reavaliada no prazo determinado pelo juízo.(STJ -
HC: 353686 SP 2016/0098242-6, Relator: Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento:
03/05/2016, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe
12/05/2016. (Grifo nosso).

Nesse sentido, preconiza a melhor e mais recente doutrina:

“(...) Assim, o magistrado da infância e


juventude deve ser profundo conhecedor não só dos direitos
inerentes a estes, mas também, de todo o sistema que compõe os
direitos fundamentais do ser humano, sempre sob a ótica de
que a medida socioeducativa não corresponde
exclusivamente à resposta/retribuição do Estado-juiz pelo
ato infracional realizado, mas como instrumento excepcional
e ultima-ratio (...)- Rosa, Rodrigo Zoccal. Das medidas
socioeducativas e o ato infracional (do ECA ao SINASE)
/Rodrigo Zoccal Rosa. – 2 ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2019.” (Grifo nosso).

In casu, a análise do processo sub judice reclama uma atuação


cuidadosa, de modo que se evite conclusões simplistas e totalmente dissociadas dos

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princípios e singularidades claramente previstos no Estatuto da Criança e do


Adolescente, haja vista que nosso sistema é voltado para a proteção integral ao
adolescente e, principalmente, é afirmado e reafirmado na lei menorista o caráter
excepcional de qualquer medida socioeducativa, em especial a privação da
liberdade.

De mais a mais, concluir que a aplicação da medida extrema de


internação é de algum modo “benéfica” ao adolescente, fere diretamente contra os
direitos fundamentais, em específico ao direito de convivência familiar esculpido no
artigo 227, caput, da Carta Maior. Outrossim, o art. 227, §3º, inciso V da Lei Maior,
preconiza:

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e


respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
quando da aplicação de qualquer medida privativa da
liberdade; (Grifo nosso).

Além disso, em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal no


HC: 143988 ES 0005007-88.2017.1.00.0000 de relatoria do r. Ministro Edson Fachin,
julgado em 24/08/2020, trouxe à tona o dever do Estado de proteção na seara dos
processos de apuração de ato infracional, com a devida vênia esta subscritor traz à baila
o entendimento do r. Ministro, conforme ementado:

“Dada a autonomia dogmática do princípio da vedação à


proteção insuficiente, ainda que existam clamores ou
sentimentos sociais na contramão do que se vem de assentar,
pelo que já se expôs, é inafastável concluir que os deveres
estatais de proteção nessa seara não podem ser
simplificados, reduzidos e/ou perspectivados como mera
exigência de ampliação do rigor e da severidade na
imposição e execução das medidas socioeducativas aos
adolescentes em conflito com a lei”.(STF - HC: 143988 ES
0005007-88.2017.1.00.0000, Relator: EDSON FACHIN, Data

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de Julgamento: 24/08/2020, Segunda Turma, Data de


Publicação: 04/09/2020). (Grifo nosso)

Assim sendo, não se pode confundir os DEVERES ESTATAIS DE


PROTEÇÃO, com a aplicação de uma medida extremada e privativa de liberdade,
posto que, tal atuação VAI NA CONTRAMÃO com a esperada proteção, o que
SIMPLIFICA, REDUZ a proteção, mas não a assegura.

Caso este adolescente seja internado para cumprimento de medida


socioeducativa, não se priorizará a proteção integral do adolescente, sendo a sua
liberdade tolhida e não verá garantida as suas necessidades básicas e fundamentais, em
clara afronta às disposições estatutárias.

Imperioso destacar que o Estatuto da Criança e do Adolescente não se


iguala ao diploma penal repressivo, pelo contrário, trata diferenciadamente as crianças e
adolescentes dando primazia à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

4. DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer a Vossa Excelência:

a) A extinção do procedimento por ausência de


interesse jurídico de agir, tendo em vista o cumprimento de
medida mais gravosa por fato posterior, qual seja a medida
socioeducativa de internação;

Termos em que pede deferimento.

Cuiabá-MT, 26 de fevereiro de 2024.

(assinado digitalmente)

ALYSSON COSTA OURIVES

DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO

Complexo do POMERI – Avenida Dante Martins de Oliveira, s/n Planalto– Cuiabá/MT


Contato: (65) 9.9802-4895 – Site: www.defensoriapublica.mt.gov.br
E-mail: nucleodeinfanciaejuventudecuiaba@dp.mt.gov.br

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