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Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Rio Grande do Sul
22ª Vara Federal de Porto Alegre
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Harmonia) - CEP: 90010-395 - Fone: (51)-32149435 - Email: rspoa22@jfrs.jus.br

AÇÃO PENAL Nº 5063137-92.2019.4.04.7100/RS


AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: MARCELO BOSIO
RÉU: JAIRO JORGE DA SILVA

SENTENÇA

1. RELATÓRIO

JAIRO JORGE DA SILVA, brasileiro, casado, ex e atual Prefeito do


Município de Canoas/RS, nascido em 09/05/1963, na cidade de Canoas/RS, filho de
Jahyr Souza da Silva e Gasparina Jorge da Silva, portador do RG nº
1019427846/SSP/RS, inscrito no CPF sob o nº 402.494.250-68, residente na Rua
Concórdia, nº 229, bairro Niterói, no município de Canoas/RS, CEP 92140-120; e
MARCELO BOSIO, brasileiro, divorciado, ex-secretário da saúde no Município de
Canoas/SC, nascido em 08/12/1972, na cidade de Concórdia/RS, filho de Ivo
Antônio Bosio e de Serlei Tonieto Bosio, portador do RG nº 2132326/SSP-SC,
inscrito no CPF sob o nº 827.519.359-15, residente na Rua Emboabas, nº 339, ap.
303, Bairro Nossa Senhora das Graças, no Município de Canoas/RS, celular (51)
992308889, com endereço comercial na Rua George Ohm, nº 206, conjunto 111,
bairro Brookling, São Paulo/SP, foram denunciados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL pela pratica do crime previsto no  art. 1º, IV, do DecretoLei nº 201/67,
em razão dos seguintes fatos delituosos:

No período compreendido entre janeiro de 2013 e março de 2014, JAIRO JORGE


DA SILVA, na condição de Prefeito do Município de Canoas/RS, e MARCELO
BOSIO, na qualidade de Secretário da Saúde do Município de Canoas/RS, em
unidade de desígnios e comunhão de esforços, empregaram recursos públicos
provenientes da União em desacordo com os planos ou programas a que
se destinavam. 

O Convênio nº 2697/2001 (SIAFI 432390)1 , firmado entre o Fundo Nacional de


Saúde – FNS e o município de Canoas/RS, ainda na gestão do exprefeito municipal
Marcos Antônio Ronchetti (gestões de 2001/2004 e 2004/2008), com o propósito de
construir o Hospital de Pronto Socorro – HPS da cidade, vigorou de 27 de
dezembro de 2001 a 22 de outubro de 2012. 

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O valor empenhado pelo FNS para a execução do convênio foi de R$ 2.832.897,76,
os quais foram repassados em seis parcelas, consoante dados de liberações dos
recursos presentes no Parecer Gescon nº 1680/2014. 

Consta dos autos que, a partir de 13 de julho de 2008, a quantia de R$


1.278.207,88, que consistia em montante remanescente do citado convênio, passou
a ser movimentada da conta específica na qual estava depositada (Banco do Brasil,
ag. 4790, c/c 034428-1), para onde retornou somente em 27 de junho de 2010, já
durante o mandato do ex-prefeito JAIRO JORGE (gestões de 2009/2012 e
2013/2016), portanto. 

Todavia, conquanto tenha expirado o prazo de vigência do referido convênio em 23


de outubro de 2012, o Município de Canoas, entre janeiro de 2013 e março de
2014, utilizou os recursos correspondentes às quinta e sexta parcelas para a
contratação da reforma geral daquele Hospital de Pronto Socorro e de outros
serviços não relacionados com o objeto do convênio firmado, a exemplo de
jardinagem e paisagismo, locação de sanitários ecológicos e de pavilhão para
eventos, confecção de placas de sinalização e adesivos, manutenção das Unidades
de Pronto Atendimento Rio Branco e Caçapava, além de outros não especificados,
pagos à empresa Estúdio de Decorações e Design. Além disso, o município
convenente, mediante as mesmas receitas, adquiriu materiais de construção,
elétricos, hidráulicos, ferramentas, torneiras, chuveiros, antenas HD, suporte de
televisores, cabos coaxiais, conectores, divisores, etc., tudo em desacordo com o
pactuado no convênio em questão (Evento 2, INQ1, p. 43/44). 

No ponto, cumpre esclarecer que, ao tempo dos fatos, também vigorava convênio
entabulado entre o Município de Canoas e a Associação Educadora São Carlos –
AESC, segundo o qual a gestão assistencial, financeira e administrativa do Hospital
de Pronto Socorro ficava a cargo daquela associação filantrópica, ao passo em que
competia ao ente municipal o ressarcimento dos custos e investimentos decorrentes
da administração do nosocômio. Dessa forma, todas as compras e contratações
necessárias ao adequado funcionamento do hospital eram levadas a efeito pela
AESC, por meio de CNPJ próprio, circunstância que esclarece o motivo por que as
notas fiscais pertinentes às despesas realizadas em favor do HPS de Canoas eram
todas emitidas em nome da AESC.

Nesse contexto, o Núcleo Estadual do Ministério da Saúde, em 20 de fevereiro de


2014, solicitou àquela municipalidade a prestação de contas final no prazo de 30
dias ou a devolução do montante de R$ 1.831.859,04, referente às duas últimas
parcelas repassadas ao município em decorrência do Convênio nº 2697/2001
(SIAFI 432390). 

Remetida a prestação de contas pelo Município de Canoas, o Ministério da Saúde,


considerando insatisfatórias as justificativas e documentação apresentadas, não a
aprovou, em virtude da destinação, diversa da acordada, dada às quinta e sexta
parcelas do convênio, conforme especificado acima. Por conseguinte, o Município
de Canoas foi obrigado a restituir a soma de R$ 1.930.767,306 , para cuja

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finalidade firmou o Termo de Parcelamento nº 000216/2014, segundo o qual o
pagamento do débito deveria ocorrer em 30 parcelas mensais de R$ 64.358,91, o
que foi plenamente atendido pela administração municipal. 

Dito isso, a responsabilidade de JAIRO JORGE DA SILVA na hipótese estende-se à


seara penal, na medida em que, enquanto gestor municipal, concorreu para a
aplicação dos recursos públicos federais oriundos do Ministério da Saúde em
desconformidade com o plano de trabalho do convênio em análise, incorrendo no
crime do art. 1º, IV, do Decreto-Lei 201/67.

MARCELO BOSIO, como Secretário Municipal da Saúde na época dos ilícitos,


praticou o mesmo crime em virtude das circunstâncias elementares do tipo, que se
comunicam (art. 30 do Código Penal), sobretudo quando considerado que “era o
Secretário de Saúde, sempre, o ordenador de despesas, ou seja, aquele quedefinia o
destino do dinheiro, inclusive daquele proveniente do Ministério da Saúde.”

Juntamente com o oferecimento da denúncia, em peça apartada, o MPF


apresentou documentos e informou ainda que muito embora houvesse  indícios
suficientes de autoria e prova da materialidade de conduta penalmente relevante
atribuída ao ex-prefeito municipal de Canoas, Marcos Antônio Ronchetti, sobreveio,
em 11 de abril de 2019, o seu falecimento, de modo que eventual punibilidade
encontrava-se extinta com relação a ele.

A decisão proferida no evento 3  determinou  a notificação dos


denunciados para que apresentassem  defesa prévia, no prazo de cinco dias, nos
termos do inciso I, do art. 2º, do DL 201/67. Pela mesma decisão foi ainda intimado
o MPF para que, em razão da manifestação ministerial do evento 1, PROMO_MPF2
e do indiciamento de Marcos Antônio Ronchetti,  informasse se requeria a
declaração da extinção da punibilidade de Marcos Ronchetti nos autos da
investigação.

O MPF  requereu, à vista da cópia da certidão de óbito presente no


ANEXO9 do evento 1, a extinção da punibilidade do ex-prefeito municipal de
Canoas, Marcos Antônio Ronchetti, com fulcro nos artigos 107, inciso I, do Código
Penal e art. 62 do Código de Processo Penal (evento 11).

Determinou-se o traslado da manifestação do MPF aos autos do IPL


vinculado, no qual foi proferida sentença extintiva da punibilidade (evento 70)

A Defesa  dos  acusados  MARCELO e JAIRO JORGE apresentou


defesa prévia nos eventos 16 e 26.

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A denúncia foi recebida em 23/04/2020, afastando-se as alegações
defensivas (evento 29).

Foram certificados os antecedentes criminais dos acusados (evento


31).

Regularmente citados e intimados, sobreveio resposta à acusação no


evento 46.

Não havendo sido verificada nenhuma das causas ensejadoras da


absolvição sumária dos acusados, determinou-se o prosseguimento do feito (evento
52).

Por ocasião da audiência de instrução, e não havendo sido arrolada


nenhuma  testemunha de acusação,  foram ouvidas as testemunhas arroladas pela
Defesa de JAIRO JORGE,  Susiane Nabinger da Silva e  Lucia Elisabeth Colombo
Silveira, tendo a Defesa desistido da oitiva das testemunhas  Leandro Gomes dos
Santos, Luiz Carlos Brasiliano Ferreira, Renato José Rufino, André Afonso Heck e
Rita de Cássia da Silva Oliveira, o que foi homologado pelo Juízo (evento 194).

Em nova data, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Defesa de


MARCELO, Ana Regina Boll e Daiana Ely, tendo a Defesa desistido da inquirição
da testemunha Tabajara Ramos Vieira, pedido que foi homologado pelo Juízo. Ao
final do ato, os acusados foram interrogados (evento 196).

As partes não requereram diligências no prazo do art. 402 do CPP,


tendo apenas a Defesa de MARCELO juntado documentos no evento 199.

Os antecedentes criminais dos acusados foram atualizados (evento 31).

Em memoriais escritos, o Ministério Público Federal,


entendendo  comprovados a materialidade e autoria delitiva do delito descrito na
denúncia, bem como o elemento subjetivo do tipo, requereu a condenação dos réus
pela prática do crime previsto no art. 1°, inciso I, do Decreto-lei n. 201/67 (evento
203).

A Defesa de JAIRO JORGE  apresentou memoriais escritos


sustentando, em preliminar, a incompetência absoluta da Justiça Federal para
processar e julgar o crime descrito na denúncia, argumentando que a verba
federal transferida teria sido integralmente gasta pelo gestor anterior, vindo o réu, na
condição de prefeito municipal, a integralizar o montante, em conta específica, com
recursos livres, tudo a fim retirar o município do CADIN. Disse que foi por essa
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razão que o Juízo suspendeu a primeira audiência, assinando-se prazo à Defesa para
que comprovasse a origem do valor transferido para a conta do Banco do Brasil,
depois de dois anos, e o motivo pelo qual foi realizada dita transferência, o que, no
seu entendimento, foi comprovado. No mérito, disse que a denúncia não apontou o
dolo no agir do acusado, não explicitando de que modo o réu concorreu para a
suposta prática criminosa, uma vez que a simples condição de prefeito municipal à
época dos fatos não autorizaria presumir a sua responsabilidade. Finalmente, alegou
que o MPF, em memoriais escritos, uma vez comprovada a inexistência dos fatos
narrados na denúncia, teria pretendido a condenação do réu com base em fato
diverso daquele descrito na denúncia (evento 207).

Finalmente, a Defesa de MARCELO BOSIO também sustentou, em


seus memoriais, a incompetência deste Juízo para o exame do feito, o qual deveria
ser apreciado pelo TRF da 4ª Região, uma vez que se trataria de delito praticado por
prefeito municipal. Alegou a inépcia da denúncia, visto que o MPF teria confundido
a conduta praticada pelo acusado com a do corréu JAIRO JORGE, prejudicando o
exercício da ampla defesa. Asseverou que na hipótese dos autos, as circunstâncias
elementares do tipo penal em questão não se comunicam, já que um dos réus era o
prefeito municipal e o outro atuava como secretário municipal. No mérito, disse que
os fatos narrados seriam, em sua maioria, praticados durante a gestão de Marcos
Ronchetti, e não de JAIRO JORGE, além do que o acusado MARCELO teria
assumido a Secretaria da Saúde Municipal em 01/04/2013, não podendo se
responsabilizar por fatos praticados por seu antecessor. Alegou que a  verba
destacada pelo Ministério Público Federal na denúncia havia sido repassada para a
Associação Educadora São Carlos (AESC), por força de Convênio firmado no ano
de 2010, ou seja, antes da investidura do acusado MARCELO no cargo de
Secretário de Saúde de Canoas/RS. Além disso, a entidade assistencial efetivamente
empregou  a verba para gerenciamento assistencial, administrativo e financeiro do
Hospital de Pronto Socorro de Canoas, tendo a entidade executado
operacionalmente as obras (evento 209).

Intimado o MPF para que informasse se seria possível a


apresentação de acordo de não persecução penal, o órgão acusatório alegou que seria
incabível a sua propositura após o recebimento da denúncia. Além disso, asseverou
que não houve, por parte dos acusados, confissão circunstancialmente formalizada,
como exige o art. 28-A do CPP, bem como que o delito foi cometido em detrimento
de recursos públicos sensíveis (saúde), e o volume desviado alcançou o patamar
de R$ 1.930.767,30, atingindo um grande número de pessoas, durante largo período,
a revelar culpabilidade acentuada e circunstâncias anormais à previsão abstrata do
tipo penal. Finalmente, disse que JAIRO JORGE já responde a outras duas ações

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perante a Justiça Federal, tendo figurado como réu em outras sete ações penais na
Justiça Estadual, enquanto MARCELO BOSIO já foi acusado por  outras condutas
criminosas em três denúncias, o que não autorizaria a oferta do ANPP (evento 214).

 As partes foram intimadas da manifestação do MPF. 

Os autos vieram conclusos para sentença.

2. FUNDAMENTAÇÃO 

2.1 Incompetência absoluta da Justiça Federal para o exame do


feito.

Não procede a preliminar de incompetência absoluta suscitada pela


Defesa de JAIRO JORGE, uma vez que, como se verá adiante, os valores que teriam
retornado á conta do Convênio eram provenientes  da integralização de montante
relativo a recursos da União indevidamente transferidos daquela conta, momento em
que automaticamente vincularam-se ao objeto do Convênio. 

Assim, tratando-se de recursos destinados pelo Ministério da Saúde, é


competente a Justiça Federal para o processamento e julgamento desta ação penal.

2.2 Incompetência do Juízo Federal de 1º grau para o julgamento


do feito.

Improcedente também a preliminar de incompetência do Juízo de 1º


grau para o julgamento do feito levantada pela Defesa de MARCELO BOSIO.

De fato, o inquérito penal vinculado tramitou inicialmente perante o


TRF da 4ª Região, tendo sido posteriormente declinada a competência para o
processamento e julgamento do feito à Subseção Judiciária de Canoas, nos seguintes
termos:

DECISÃO

Trata-se de inquérito policial no qual se apura a suposta prática dos delitos


descritos no artigo 1º, I,II, III e IV, do Decreto-Lei 201/1967, e também do artigo
312, caput, do Código Penal, referentes à aplicação de recursos públicos federais
disponibilizados ao Município de Canoas/RS, em razão do Convênio n 2.697/01,
firmado com o Fundo Nacional de Saúde, e que dizem respeito à gestão do prefeito,
JAIRO JORGE DA SILVA.

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A competência deste Regional para o processamento e julgamento do presente feito
restou firmada, em um primeiro momento, em razão da configuração da hipótese
prevista no artigo 29, inciso X, da Constituição Federal, haja vista que o
investigado ocupava o cargo de Prefeito Municipal de Canoas/RS e, por isso,
possuía foro por prerrogativa de sua função.

Nada obstante, em consulta à página eletrônica do Tribunal Regional Eleitoral do


Estado do Rio Grande do Sul, é possível verificar que, nas eleições realizadas em
outubro de 2016, JAIRO JORGE não foi candidato à reeleição para o exercício da
chefia da administração municipal. Assim sendo, desde 01-01-2017, não subsiste a
competência desta Corte, visto que a incidência da referida normativa
constitucional rege-se pelo princípio da 'atualidade do exercício da função' (STF,
ADI 2797, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 19-12-2006). É
dizer, o agente político somente possuirá tal prerrogativa enquanto estiver
exercendo o cargo. Cessado este, extinguir-se-á, no mesmo momento, aquela.

Diante desse cenário, declino da competência para o processamento e julgamento


deste feito à Subseção Judiciária de Canoas/RS.

Porto Alegre - RS, 24 de fevereiro de 2017.

Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Relator

É bem verdade, porém, que JAIRO JORGE foi eleito novamente para
a administração municipal de Canoas em 2020, permanecendo atualmente à frente
da gestão do Município.

Ocorre que tal circunstância, segundo recente entendimento do STF,


não impõe a retomada do foro por prerrogativa de função, o qual alcançaria somente
os crimes cometidos durante o exercício do cargo  e nas hipóteses relacionadas às
funções desempenhadas, ou seja, para que o julgamento ocorresse  perante o
TRF4 seria necessário que os fatos criminosos em apuração tivessem sido praticados
durante o cargo que exerce o detentor da prerrogativa, e que se relacionassem às
funções desempenhadas no mandato vigente, o que não é o caso, pois a hipótese dos
autos trata de delito praticado durante mandato exercido no período de 2013 e 2014,
com solução de continuidade. 

2.3 Inépcia da denúncia

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Alegou ainda a Defesa de MARCELO BOSIO que a denúncia
teria confundido a conduta praticada pelo acusado com a do corréu JAIRO JORGE,
prejudicando o exercício da ampla defesa.

Ocorre que este Juízo já enfrentou tal alegação quando do exame da


defesa prévia apresentada nos termos do inciso I do art. 2º do DL 201/67, afastando-
a, nos seguintes termos:

A inicial encontra-se formalmente regular, contendo a exposição do fato criminoso,


com todas as suas circunstâncias, qualificação do(s) acusado(s) e classificação do
crime, de modo a atender aos requisitos do art. 41 do CPP.

De outro turno, os fatos narrados apontam para uma possível tipicidade, não
havendo ocorrência de prescrição ou outra causa de extinção da punibilidade,
verificando-se a presença dos pressupostos processuais e das condições para o
exercício da ação penal.

Verifico estar presente,  in casu, a justa causa para a deflagração da ação penal,
uma vez que a acusação está baseada em provas da existência do fato que, em tese,
caracteriza a infração penal prevista no art. 1º, inciso IV, do Decreto Lei nº
201/67  -  materialidade,  havendo, ainda,  indícios suficientes da autoria, que se
verificam dos seguintes documentos do Inquérito Policial nº
50170392020174047100:  (a)  Parecer Gescon nº 1680 de 24/09/2014 (Evento 2,
INQ1, p. 43/47), que subsidiou a reprovação das contas prestadas; (b)  cópias das
notas fiscais relativas às despesas do Município com produtos e serviços estranhos
ao objeto do Convênio nº 2697/2001 - SIAFI 432390 (Anexo Eletrônico, Apenso 18,
AP-INQ_POL1, p. 142/274, e AP-INQ_POL2, p. 1/183); (c)  resposta ao Ofício nº
7052/2013, subscrita por MARCELO BOSIO, na qual é veiculada a informação
segundo a qual recursos decorrentes das quarta e quinta  parcelas do
convênio (Evento 2, INQ1, p. 42 e 46) em questão foram repassados “à Associação
Educadora São Carlos – AESC, CNPJ 88.625.686/0016-33, através do Convênio
068, de 2010, para o gerenciamento assistencial, administrativo e financeiro do
Hospital de Pronto Socorro de Canoas” (Evento 2, INQ1, p. 15/16).

Argumentou a Defesa a  ausência de justa causa para o prosseguimento do feito,


tendo em vista que a exordial não descreve os fatos de maneira que possa propiciar
a ampla defesa.

Não assiste razão à Defesa pelos motivos a seguir expostos.

Preceitua o art. 41 do Código de Processo Penal, in litteris:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as
suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se
possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das
testemunhas.

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Dessa forma, são elementos imprescindíveis à exordial acusatória: i) a exposição
do fato criminoso com todas as suas circunstâncias; ii) a qualificação dos acusados
ou outros esclarecimentos por meio dos quais se possa identificá-los; iii) a
classificação ou adequação típica do crime; e iv) o rol de testemunhas, se
necessário.

Narra a denúncia que, no período compreendido entre janeiro de 2013 e março de


2014,  JAIRO JORGE DA SILVA, na condição de Prefeito do Município de
Canoas/RS, e  MARCELO BOSIO, na qualidade de Secretário da Saúde do
Município de Canoas/RS, em unidade de desígnios e comunhão de esforços,
empregaram recursos públicos provenientes da União em desacordo com os planos
ou programas a que se destinavam.

O Convênio nº 2697/2001 (SIAFI 432390)1 , firmado entre o Fundo Nacional de


Saúde – FNS e o município de Canoas/RS, ainda na gestão do exprefeito municipal
Marcos Antônio Ronchetti (gestões de 2001/2004 e 2004/2008), com o propósito de
construir o Hospital de Pronto Socorro – HPS da cidade, vigorou de 27 de
dezembro de 2001 a 22 de outubro de 2012. 

O valor empenhado pelo FNS para a execução do convênio foi de R$ 2.832.897,76,


os quais foram repassados em seis parcelas2 , consoante dados de liberações dos
recursos presentes no Parecer Gescon nº 1680/20143 .

Consta dos autos que, a partir de 13 de julho de 2008, a quantia de R$


1.278.207,88, que consistia em montante remanescente do citado convênio, passou
a ser movimentada da conta específica na qual estava depositada (Banco do Brasil,
ag. 4790, c/c 034428-1), para onde retornou somente em 27 de junho de 2010, já
durante o mandato do ex-prefeito JAIRO JORGE (gestões de 2009/2012 e
2013/2016), portanto.

Dispõe a exordial que,  conquanto tenha expirado o prazo de vigência do referido


convênio em 23 de outubro de 2012, o Município de Canoas, entre janeiro de 2013
e março de 2014, utilizou os recursos correspondentes às quinta e sexta parcelas
para a contratação da reforma geral daquele Hospital de Pronto Socorro e de
outros serviços não relacionados com o objeto do convênio firmado, a exemplo de
jardinagem e paisagismo, locação de sanitários ecológicos e de pavilhão para
eventos, confecção de placas de sinalização e adesivos, manutenção das Unidades
de Pronto Atendimento Rio Branco e Caçapava, além de outros não especificados,
pagos à empresa Estúdio de Decorações e Design. Além disso, o município
convenente, mediante as mesmas receitas, adquiriu materiais de construção,
elétricos, hidráulicos, ferramentas, torneiras, chuveiros, antenas HD, suporte de
televisores, cabos coaxiais, conectores, divisores, etc., tudo em desacordo com o
pactuado no convênio em questão (Evento 2, INQ1, p. 43/44).

No ponto, cumpre esclarecer que, ao tempo dos fatos, também vigorava convênio
entabulado entre o Município de Canoas e a Associação Educadora São Carlos –
AESC, segundo o qual a gestão assistencial, financeira e administrativa do Hospital
de Pronto Socorro ficava a cargo daquela associação filantrópica, ao passo em que

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competia ao ente municipal o ressarcimento dos custos e investimentos decorrentes
da administração do nosocômio. Dessa forma, todas as compras e contratações
necessárias ao adequado funcionamento do hospital eram levadas a efeito pela
AESC, por meio de CNPJ próprio, circunstância que esclarece o motivo por que as
notas fiscais pertinentes às despesas realizadas em favor do HPS de Canoas eram
todas emitidas em nome da AESC4 .

Nesse contexto, o Núcleo Estadual do Ministério da Saúde, em 20 de fevereiro de


2014, solicitou àquela municipalidade a prestação de contas final no prazo de 30
dias ou a devolução do montante de R$ 1.831.859,04, referente às duas últimas
parcelas repassadas ao município em decorrência do Convênio nº 2697/2001
(SIAFI 432390)5 .

Remetida a prestação de contas pelo Município de Canoas, o Ministério da Saúde,


considerando insatisfatórias as justificativas e documentação apresentadas, não a
aprovou, em virtude da destinação, diversa da acordada, dada às quinta e sexta
parcelas do convênio, conforme especificado acima.

Por conseguinte, o Município de Canoas foi obrigado a restituir a soma de R$


1.930.767,306 , para cuja finalidade firmou o Termo de Parcelamento nº
000216/20147 , segundo o qual o pagamento do débito deveria ocorrer em 30
parcelas mensais de R$ 64.358,91, o que foi plenamente atendido pela
administração municipal 8 .

Assim, presente está a descrição dos fatos supostamente ilícitos, com as suas
circunstâncias.

No particular, verifico que restam atendidos todos os pressupostos acima citados,


uma vez que  o órgão ministerial fez referência expressa aos elementos que
comprovam a materialidade e a autoria do delito.

Também, procedeu à classificação do crime, enquadrando-o no tipo previsto no art.


art. 1º, inciso IV, do Decreto Lei nº 201/67, na forma do art. 29 do Código Penal.

Cumpre esclarecer, ademais, que, para a propositura da ação penal, basta a


existência de indícios de autoria e de materialidade, com base nos subsídios
colhidos em sede policial. Os aspectos circunstanciais que envolvem o intento
delituoso serão revelados na instrução criminal, não se podendo exigir que, nesta
etapa, estejam plenamente provados.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA.


LEVANTAMENTO DO SIGILO. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO "PER
RELATIONEM". LEGITIMIDADE. FRAUDE EM LICITAÇÃO E
APROPRIAÇÃO/DESVIO DE RENDAS PÚBLICAS. ARTS. 90 DA LEI Nº 8.666/93
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E 1º, I, DO DL 201/67. "OPERAÇÃO ÁGUIA DE HAIA". MUNICÍPIO DE
ITAPICURU/BA. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. DENÚNCIA RECEBIDA. I -
Findada a fase de investigação pré-processual onde foram reunidos os elementos
necessários ao oferecimento da denúncia, sem ingerência na intimidade das pessoas
ou no interesse público que justifique exceção ao princípio da publicidade dos atos
processuais (art. 5º, LX, CF), fica autorizado o levantamento do sigilo processual.
Neste sentido: STJ: HC 329.825/BA. II - Na linha da jurisprudência dos tribunais
superiores, "Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização,
pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação "per relationem", que se mostra
compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A
remissão feita pelo magistrado - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de
fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres
do Ministério Público, ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado
como coator) - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato
decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir." (STF:
RHC 120351 AgR). III - Presentes os indícios de autoria e materialidade delitiva, a
qualificação do acusado e a classificação dos crimes, nos termos do art. 41 do
CPP, suficientes para o exercício da ampla defesa e do contraditório, faz-se
necessário o recebimento da denúncia a fim de promover a instrução criminal
para apurar suposta responsabilidade do Deputado Estadual Carlos Ubaldino
Santana na prática dos crimes tipificados nos arts. 90 da Lei nº 8.666/93 e 1º, I,
do DL nº 201/67, em relação aos procedimentos licitatórios dos pregões
presenciais nºs 013/2009 e 34/2013 realizados no âmbito do Município de
Itapecuru/BA, envolvendo recursos do FUNDEB e investigados pela denominada
"Operação Águia de Haia".  IV - Denúncia recebida em relação ao Deputado
Estadual Carlos Ubaldino de Santana. Autorizado o levantamento do sigilo.
Rejeitadas as pretensões de nulidade da decisão que deferiu interceptação das
comunicações e de desclassificação da imputação penal. (INQ 0018121-
18.2017.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, TRF1 -
SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF1 10/11/2017 PAG.) (Grifo nosso)

PENAL E PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA


– PREFEITO MUNICIPAL – CRIMES ELENCADOS NOS ARTIGOS 1º, INCISO II,
do DL 201/67 c/c ARTIGO 89, caput, 2ª PARTE, DA LEI 8.666/93.
PRELIMINARES. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA PARA INVESTIGAÇÃO DO GESTOR
MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM REALIZAR
INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS.   PREAMBULARES REJEITADAS.
MÉRITO.  ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E DE DOLO
ESPECÍFICO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DENÚNCIA
RECEBIDA. I – Denúncia que atribui ao Acusado, a prática de crimes descritos no
 artigo 89 da Lei de Licitações, bem como crime de responsabilidade elencado no
artigo 1º, do Decreto-Lei 201/67,   imputando-lhe a realização de procedimento
licitatório irregular, visando à contratação de atrações musicais para os festejos
juninos da Comarca de Capim Grosso-BA, através da inexigibilidade de certame,
com base no artigo 25, III, da Lei de Regência. II -  Embora o Denunciado, em
Defesa Preliminar, alegue não ter praticado qualquer ilegalidade, afirmando
ausência de justa causa e de dolo específico, não se pode, pelo menos em tese, e

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em um juízo de mera prelibação, próprio desse momento processual, afastar, de
plano, a probabilidade de subsunção dos fatos aos tipos penais declinados. De
mais a mais, um Juízo de certeza em torno de questões relativas à existência ou
não de dolo (elemento subjetivo) e   à atipicidade da conduta ainda demandam
dilação probatória de modo a poder   considerar-se refutada, de forma cabal e
exauriente, a peça de Acusação, o que nos remete, por isso mesmo, à necessidade
de instrução do feito. III - A rejeição prematura da peça inicial só pode ocorrer
quando restar evidente a improcedência da Denúncia, nos termos dos arts. 395 do
CPP e 6º da Lei 8.038/90. IV - Atendidos os requisitos estabelecidos no art. 41 do
CPP, impõe-se o recebimento da exordial acusatória.  V – Denúncia recebida,
embora sem afastamento do Prefeito. (Classe: Ação Penal,Número do Processo:
0003479-64.2015.8.05.0000,Relator(a): PEDRO AUGUSTO COSTA
GUERRA,Publicado em: 10/08/2016) (Grifo nosso)

HABEAS CORPUS. ART. 1º, III, IV, XIII, E § 2º, DO DL 201/67. CRIME DE
RESPONSABILIDADE. EX-PREFEITO. RECUSOS DO FUNDEF.
MALVERSAÇÃO. COMPETÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
DOLO.  AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE.  I - Ação penal
contra ex-prefeito é da competência do Juízo de Primeiro Grau. O rito, conforme
determina o art. 2º do DL 201/97 é o do Código de Processo Penal. Assegurada,
todavia, ao acusado a oportunidade preliminar de defesa, antes de formalizado o
recebimento da acusação. II - In casu, o paciente foi notificado e apresentou
resposta escrita. A denúncia, à luz dos fatos, mereceu decisão de recebimento, sob
o fundamento de que satisfaz os requisitos do art. 41 do Código de Processo
Penal.  III - A Justiça Federal é competente para processar e julgar ação penal
quando envolve acusação relativa a Complementação da União ao Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério - FUNDEF. Precedente da Turma. IV. - Os tipos descritos pelo art. 1º do
Decreto-Lei 201/67 consistem em crimes formais ou de mera conduta, que
prescindem de resultado. V - O STJ entende que: O debate acerca da ausência de
dolo, no seio habeas corpus, é inadequado, pois demanda incursão no seio da
prova, análise vedada na augusta via do writ. (RHC 20.109/MG, Rel. Ministra
Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 1º/9/2009, DJe
19/10/2009.) VI - É correto o recebimento da denúncia que descreve conduta, ao
menos em princípio, típica e fundada em documentos que, numa primeira análise,
não permitem o afastamento, de plano, da materialidade e autoria do delito e que,
além disso, contém todos os elementos necessários à sua admissão: narra o fato,
aponta o responsável, qualificando-o e imputando-lhe o delito praticado. VII - A
ausência de justa causa somente se caracterizaria ante a manifesta falta de
indícios de autoria e materialidade de crime, revelando um constrangimento
ilegal inconteste. Não é essa a situação dos autos, onde as alegações trazidas pelo
Ministério Público Federal e analisadas na decisão que recebeu a denúncia
exigem aprofundada dilação probatória, incabível na via estreita do habeas
corpus.  VIII - Ordem que se denega. (HC 0002272-50.2010.4.01.0000,
DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, TRF1 - TERCEIRA
TURMA, e-DJF1 19/03/2010 PAG 24.) (Grifo nosso)

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Deste modo, tenho por atendidos os requisitos legais e formais para o oferecimento
da exordial acusatória e,  estando presente a materialidade delitiva e havendo
indícios suficientes de autoria,  revela-se existente a justa causa para a
continuidade da ação penal.

Sendo assim, afasto a alegação defensiva.

Assim, mantenho a decisão supratranscrita, pelos seus próprios


fundamentos, passando a seguir ao exame do mérito.

2.4 Mérito

Inicialmente, considerando que a presente ação trata de Convênio


firmado entre o Ministério da Saúde e o Município de Canoas/RS em 2001, ainda
sob a gestão do  Prefeito Marcos Ronchetti, em Canoas/RS,  convém traçar breve
panorama fático antes de ingressar no mérito dos fatos descritos na denúncia, os
quais são atribuídos ao seu sucessor, o réu JAIRO JORGE, e ao Secretário de Saúde,
MARCELO BOSIO, supostamente praticados no período de janeiro de 2013 a
março de 2014. 

Pois bem, narram os autos do IPL vinculado, sobretudo o que


demonstram as dezenas de anexos eletrônicos que o instruem, que no dia 27/12/2001
foi assinado o Convênio nº 2697/01, firmado  entre o  Município de Canoas e o
Fundo Nacional de Saúde, com vistas à construção, naquele município, de um
Hospital de Pronto Socorro. 

No referido documento  ficou acertado que os recursos financeiros


empenhados seriam de R$ 5.819.202,00  (cinco milhões, oitocentos e dezenove mil
duzentos e dois reais), dos quais R$ 3.219.202,00 seriam pagos pela União nos
Exercícios de 2001 e 2002, e R$ 2.600.000,00 seriam a título de contrapartida por
parte do Município de Canoas/RS, oriundos do seu Orçamento. 

Consoante informam os autos, o  referido Hospital foi efetivamente


construído em 2005 e inaugurado em 2006, tendo a União efetuado o pagamento
dos recursos em seis parcelas, nas seguintes datas e nos seguintes montantes:

a) 18/01/2002, no valor de R$ 643.840,4

b) 27/02/2002, no valor de R$ 643.840,00

c) 13/04/2005, no valor de R$ 321.920,20

d) 05/07/2005, no valor de R$ 450.688,28


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e) 18/04/2006, no valor de R$ 386.304,24

f) 15/08/2008, no valor de R$ 386.304,24

Veja-se que tais recursos foram transferidos pela União ao Município


muitos anos após o convencionado no Convênio, considerando que deveriam ser
destinados em 2001 e 2002, mas estenderam-se por maior período.

Entretanto, a despeito  disso, deu-se prosseguimento à construção do


Hospital, mas o  Município de Canoas, com vistas a concluir a obra no prazo
previsto, acabou por aportar muito mais recursos do que o originalmente previsto no
Convênio. Assim é que os próprios técnicos do Ministério da Saúde fizeram constar
no relatório de visita à obra, datado de 09/07/2009 (IPL, anexos eletrônicos, apenso
1, APINQPOL 1),  que os recursos de contrapartida do Município até aquela data
foram de R$ 9.024.110,30 (nove milhões, vinte e quatro mil cento e dez reais e trinta
centavos), ou seja, 347% do valor pactuado. 

Em prosseguimento, os autos informam que já em 2006, após a


inauguração do HPS de Canoas, o Município encaminhou ofício ao Ministério da
Saúde informando que a obra fora concluída quando ainda faltava o depósito das
duas últimas parcelas devidas por parte da União - quinta e sexta parcelas. Em vista
disso, o Município, antevendo que tais parcelas não poderiam mais ser utilizadas na
obra objeto do Convênio, solicitou ao Ministério da Sáude que o montante a ser
transferido ao Município, relativamente às parcelas faltantes, fosse destinado à
construção de um prédio anexo ao Hospital, que abrigaria oficinas de manutenção,
almoxarifados e um heliponto (IPL, anexo eletrônico, apenso 1, APINQPOL1).

Em janeiro de 2007, o Ministério da Saúde respondeu ao requerimento


do Município, aprovando a solicitação de reformulação do Plano de Trabalho como
parte integrante do Convênio 2697/2001, com a possibilidade de utilização do saldo
do convênio,  devendo, no entanto, ser observado o prazo definido para a sua
execução e para a respectiva prestação de contas, tendo sido o convênio prorrogando
até 23/11/2008 (IPL, anexo eletrônico, apenso 1, APINQPOL1).

Adiante, em agosto de 2007, o Município de Canoas encaminhou


ofício ao Ministério Público Federal - o qual, desde o início do Convênio
acompanhava a execução da obra, solicitando documentos ao Município e à União -
informando o cronograma de execução do referido Convênio na seguinte ordem:
prédio do Almoxarifado com início das obras, após a licitação, em novembro de
2007 e término em agosto de 2008; passarelas de interligação, com início das obras

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em novembro de 2007 e término em fevereiro de 2008; e prédio da engenharia e
oficinas de manutenção, com término em 2008 (IPL, anexo eletrônico, apenso 1,
APINQPOL1 e APINQPOL2).

Em seguida, novamente o Convênio foi prorrogado, desta vez com


vigência até 23/08/2009 (IPL, anexo eletrônico, apenso 1, APINQPOL2).

Entretanto, com o final da gestão de Marcos Ronchetti, em dezembro


de 2008, deu-se início à administração municipal de JAIRO JORGE na Prefeitura de
Canoas, o qual permaneceu à frente da gestão municipal por dois períodos
consecutivos, de 2009 a 2012 e de 2013 a 2016.

Pois bem, já na gestão de JAIRO JORGE, o Convênio em questão


ainda vigia até agosto de 2009, mas o prefeito anterior, Marcos Ronchetti, não
chegou a  realizar  nenhum procedimento licitatório para a construção das obras
aprovadas no novo plano de trabalho, as quais seriam implementadas com a
utilização das duas últimas parcelas do Convênio.

Outrossim, apurou-se que a antiga administração municipal não só não


havia licitado a reformulação do plano de trabalho, como também havia transferido
o saldo relativo às duas últimas parcelas para outra conta diversa do convênio, sem a
devida prestação de contas. 

Tal foi o que concluíram os técnicos do Ministério da Saúde em sua


sexta visita ao local da obra, realizada em maio de 2009, quando fizeram constar do
Relatório de Verificação "in loco" que a despeito da transferência das duas últimas
parcelas do convênio, em abril de 2006 e agosto de 2008, o Município não havia
licitado, até aquela data, a etapa referente à reformulação do Plano de Trabalho
aprovada (Construção do Prédio de Apoio ao Hospital de Pronto Socorro de
Canoas).  Além disso, os técnicos observaram que as transferências realizadas na
conta corrente específica do convênio permaneceram lá depositadas apenas até
13/07/2008, a partir do qual foram transferidas para conta diversa. Diante disso,
determinaram que o Município recolhesse o valor de R$ 1.278.207,88  (um milhão,
duzentos e setenta e oito mil duzentos e sete reais e oitenta e oito centavos) à conta
específica do Convênio, já com a devida correção monetária, além de justificar a
não-realização da obra, referente à edificação de apoio ao HPS. Solicitou-se ainda
que o atual gestor desse continuidade ao Convênio, a fim de alcançar o objeto
proposto, tendo em vista que os recursos já teriam sido disponibilizados, salientando
ainda que ditos recursos apenas poderiam ser utilizados para despesas pertinentes ao
objeto conveniado (IPL, anexo eletrônico, apenso 1, APINQPOL3).

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Adiante, por ocasião da resposta a um ofício encaminhado pelo MPF, a
Procuradoria do Município de Canoas, já sob a gestão de JAIRO JORGE, informou,
em setembro de 2009, que quando da assunção da nova Administração, o
remanescente financeiro do Convênio em questão já não estava na conta corrente
específica e que naquele momento estava sendo realizada uma auditoria por técnicos
do Ministério da Saúde no Convênio.

Finalizada a auditoria e em face da irregularidade constatada pelos


técnicos quando da visita em maio de 2009, bem como diante do não-atendimento,
por parte de JAIRO JORGE, das recomendações do Ministério da Saúde, a Divisão
de Convênios e Gestão do Ministério da Saúde no RS encaminhou o processo
respectivo ao Fundo Nacional de Saúde, sugerindo a rescisão do convênio.
Entretanto, em julho de 2010  a Prefeitura de Canoas efetuou o recolhimento,
devidamente atualizado, à conta específica do Convênio, tendo o FNS prorrogado a
vigência do Convênio até 23/08/2011 (IPL, anexo eletrônico, apenso
1, APINQPOL3).

Em janeiro de 2011, em resposta à  nova solicitação do MPF, a


Procuradoria do Município de Canoas informou que em função de novo prazo
concedido para a execução da obra, havia sido iniciada análise para fins de
atualização dos orçamentos com base nos projetos existentes, localizados nos
processos licitatórios, mas fora constatado que o local identificado para a construção
da nova obra  divergia do indicado no Projeto de Reformulação aprovado pelo
Ministério da Saúde. Noticiou ainda que seria solicitado ao Ministério da Saúde
autorização para o remanejamento do local e adequações necessárias ao projeto de
construção do prédio de apoio ao HPS. Salientou-se ainda que não se trataria de
reformulação do objeto, mas de adequação do local, já que a área em que estava
projetada a construção (divisa oeste do hospital) havia sido ocupada por edificações
clandestinas (moradias), inviabilizando a construção no local. Finalmente, o
Município informou ao MPF que tão logo fosse autorizada a reformulação da
proposta pelo Ministério da Saúde, seria iniciado o processo de licitação (IPL, anexo
eletrônico, apenso 1, APINQPOL4).

Meses depois, em julho de 2011,  em novo ofício encaminhado ao


MPF, o Município informou que, de acordo com informações da Secretaria
Municipal de Saúde, teria sido aberta licitação para a contratação de serviços à
elaboração de um novo projeto executivo ao espaço, por meio da Tomada de Preços
(TP) nº 22/2011 e que logo após concluído o projeto  seria encaminhado ao
Ministério da Saúde para alteração do Plano de Trabalho (IPL, anexo eletrônico,
apenso 1, APINQPOL4).

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Um ano depois, em 18 de  julho de 2012, o prefeito JAIRO JORGE
encaminhou ofício ao Ministério da Saúde solicitando nova prorrogação do
Convênio,  sustentando que o local indicado no Projeto de Reformulação aprovada
pelo Ministério da Saúde (divisa oeste do HPSC) seria inviável, diante da ocupação
clandestina do terreno por moradores. Informou-se ainda que fora concluída a
confecção do projeto executivo, bem como seu termo de referência e que tão logo o
Convênio fosse prorrogado, apresentariam a solicitação de reformulação junto ao
Ministério para a alteração do Plano de Trabalho, a fim de que fosse iniciado o
processo licitatório para a conclusão da obra (IPL, anexo eletrônico, apenso
1, APINQPOL4).

Sobreveio informação da Divisão de Convênios e Gestão do Ministério


da Saúde no RS, em fevereiro de 2013, informando  ao MPF que o Convênio em
questão havia expirado  em 23/08/2012, com prazo para a respectiva prestação de
contas até 22/10/2012. Todavia, ainda pendia de análise o pedido de
prorrogação  junto o Fundo Nacional de Saúde (IPL, anexo eletrônico, apenso
1, APINQPOL5).

Considerando o fim da vigência do Convênio em 23/08/2012 e do


prazo para a apresentação da prestação de contas, o Ministério da Saúde notificou
JAIRO JORGE em fevereiro de 2014  para providenciar a apresentação das contas
ou a devolução do montante de R$ 1.831.859,04 (um milhão, oitocentos e trinta e
um mil oitocentos e cinquenta e nove reais e quatro centavos), relativos à quinta e
sexta parcelas repassadas pelo órgão concedente, já atualizados. Salientou-se que o
não-atendimento da notificação implicaria imediata inserção do Município no rol de
inadimplentes do Sistema Integrado de Administração Financeira - SIAFI (IPL,
anexo eletrônico, apenso 18, APINQPOL1)

Diante disso, em maio de 2014, o Município de Canoas apresentou


prestação de contas relativamente ao Convênio em questão (IPL, anexo eletrônico,
apenso 18, APINQPOL1). 

Ainda no mesmo mês de maio de 2014, MARCELO BOSIO, em


atendimento a pedido solicitado pela autoridade policial, já após instaurado
inquérito, informou que o recurso em questão, relativo às duas parcelas depositadas
pela União, fora repassado para a Associação Educadora São Carlos - AESC através
do Convênio 068, de 2010, que fora firmado para o gerencimento assistencial,
administrativo e financeiro do Hospital de Pronto Socorro de Canoas. Relatou ainda
que a referida instituição executou operacionalmente as obras e que o valor das
despesas somou R$ 1.736.633,35, restando um saldo de R$ 95.225,69, o qual foi
devolvido à União (IPL, evento 2).

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E em setembro de 2014, JAIRO JORGE foi notificado quanto à não-
aprovação da prestação de contas do Convênio 2697/2001, devendo, portanto, ser
recolhida a importância de R$ 1.680.939,46 (um milhão, seiscentos e oitenta mil
novecentos e trinta e nove reais e quarenta e seis centavos). 

Na ocasião, assim concluiu a Divisão de Convênios e Gestão do


Ministério da Saúde:

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Ressalva-se que a despeito de  o órgão técnico referir-se,


equivocadamente, à utilização irregular dos recursos da 4ª e 5ª parcelas do
Convênio, em verdade referia-se à 5ª e 6ª parcela, conforme bem observou o MPF
na denúncia.    Tal equívoco foi corrigido no Parecer da Divisão de Convênios do
Ministério datado de 29/03/2018, quando o órgão técnico referiu que os recursos
utilizados indevidamente se referiam à 5ª e 6ª parcelas do Convênio. Nessa ocasião,
realizou-se uma reanálise da prestação de contas já apresentada pelo Município,
concluindo-se novamente pelo desvio de objeto e de finalidade dos recursos do
Convênio. Entretanto, tendo em vista que a Prefeitura Municipal de Canoas quitou o
débito de forma parcelada, conforme Termo de Parcelamento nº 216/2014, em trinta
parcelas mensais de R$ 64.398,61, a prestação de contas foi enfim aprovada pelo
órgão condecente (IPL, evento 66, OFIC3).

Pois bem, esse é o histórico fático que presta suporte à denúncia. 

Entretanto, é bom frisar:  a denúncia não alcança a conduta relativa à


participação do ex-prefeito Marcos Ronchetti nos fatos supracitados,  porque o
investigado já faleceu. 

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Assim, ainda que o ex-prefeito tenha de fato transferido indevidamente
os recursos do Convênio (quinta e sexta parcelas) para o caixa único do Município,
ou seja, para conta diversa daquela inicialmente pactuada no Convênio, sem a
respectiva prestação de contas correspondente, fato é que há outra conduta
subsequente atribuída pelo MPF a  JAIRO JORGE e MARCELO BOSIO na
denúncia.

Trata-se de examinar, portanto, desta outra conduta praticada em


período posterior à gestão de Marcos  Ronchetti, já na administração de JAIRO
JORGE, entre os meses de janeiro de 2013 e março de 2014, quando teriam
sido  utilizados irregularmente valores relativos à quinta e sexta parcelas do
convênio. 

Ditos valores  haviam sido integralizados pelo Município  à conta do


convênio em 2010, por determinação do Ministério da Saúde, para serem utilizados
em readequação do projeto original, qual seja, a construção de um prédio anexo ao
HPS, mas tais obras  não foram feitas, além de tais recursos  terem  sido destinados
para finalidade diversa, em desacordo com as determinações do Convênio.

Feito esse apanhado fático a fim de contextualizar o objeto da


denúncia, passo ao exame da prova material do delito em análise na presente ação
penal.

A materialidade delitiva está comprovada a partir dos seguintes


documentos, juntados ao IPL 5017039-20.2017.4.04.7100: 

a)  Termo de Convênio nº 2697/2001, assinado em 21/12/2001 (IPL,


evento 11, Informação 3 e anexo eletrônico, apenso 2, AP_INQ_POL1, fls. 3-10); 

b) Ofício GDS/HPSC/n. 66/2006, encaminhado pela Prefeitura de


Canoas ao Ministério da Saúde  informando que a obra do Hospital de Pronto
Socorro fora concluída e solicitando autorização para que as duas últimas parcelas
do Convênio a serem depositadas fossem destinadas à construção de um prédio
anexo ao Hospital, que abrigaria oficinas de manutenção, almoxarifados e heliponto
(IPL, anexo eletrônico, apenso 1, APINQPOL1); 

c) Ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde em janeiro de 2007


aprovando a solicitação de reformulação do Plano de Trabalho como parte
integrante do Convênio 2697/2001, com a possibilidade de utilização do saldo do
convênio e sua prorrogação (IPL, anexo eletrônico, apenso 1, APINQPOL1); 

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d) Ofício encaminhado pela Prefeitura de Canoas em agosto de 2017
ao MPF informando o cronograma de execução do convênio, com a construção do
prédio do almoxarifado, passarelas de interligação, e prédio da engenharia e oficinas
de manutenção, todos com previsão de término em 2008 (IPL, anexo eletrônico,
apenso 1, APINQPOL1 e APINQPOL2);

e) Relatório de Verificação "in loco" nº 35.6/2009, relativo ao período


de maio de 2009,    pelo qual os técnicos do Ministério da Saúde concluíram que a
despeito da transferência das duas últimas parcelas do convênio, em abril de 2006 e
agosto de 2008, o Município não havia licitado, até aquela data, a etapa referente à
reformulação do Plano de Trabalho aprovada, além do que restou  apurado que as
transferências realizadas na conta corrente específica do convênio permaneceram lá
depositadas apenas até 13/07/2008, a partir do qual foram transferidas para conta
diversa do estipulado no Convênio. Dito relatório solicitou ainda que o gestor desse
continuidade ao Convênio, a fim de alcançar o objeto proposto, tendo em vista que
os recursos já teriam sido disponibilizados, salientando que ditos recursos apenas
poderiam ser utilizados para despesas pertinentes ao objeto conveniado (IPL, anexo
eletrônico, apenso 1, APINQPOL3); 

f) Ofício nº 654/2009 - PGM encaminhado pela Procuradoria do


Município de Canoas, já na gestão de JAIRO JORGE,  informando ao MPF
que  quando da assunção da nova Administração, o remanescente financeiro do
Convênio em questão já não estava na conta corrente específica e que naquele
momento estaria sendo realizada uma auditoria por técnicos do Ministério da Saúde
no Convênio (IPL, anexo eletrônico, apenso 1, APINQPOL2);

g) Ofício/DICON/RS nº 3076/2010 expedido pela Divisão de


Convênios e Gestão do RS informando ao MPF que diante do não-atendimento, por
parte de JAIRO JORGE, das recomendações do Ministério da Saúde, encaminhou o
processo respectivo ao Fundo Nacional de Saúde, sugerindo a rescisão do convênio,
mas que em julho de 2010  a Prefeitura de Canoas efetuou o recolhimento,
devidamente atualizado, à conta específica do Convênio, tendo o FNS prorrogado a
vigência do Convênio até 23/08/2011 (IPL, anexo eletrônico, apenso
1, APINQPOL3); 

h) Extrato de conta corrente comprovando o depósito, em julho de


2010, por parte da Prefeitura Municipal de Canoas, do valor de R$ 1.278.828,47
(um milhão, duzentos e setenta e oito mil oitocentos e vinte e oito reais e quarenta e
sete centavos) para a conta específica do Convênio IPL, anexo eletrônico, apenso
1, APINQPOL3); 

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i) Ofício nº 381/2011 - PGM, pelo qual a Procuradoria do Município
de Canoas informou ao MPF que  teria sido aberta licitação para a contratação de
serviços à elaboração de um novo projeto executivo ao espaço, por meio da Tomada
de Preços (TP) nº 22/2011 e que logo após concluído o projeto seria encaminhado ao
Ministério da Saúde para alteração do Plano de Trabalho (IPL, anexo eletrônico,
apenso 1, APINQPOL4); 

j) Ofício nº 405/2012 - GP, encaminhado pelo prefeito JAIRO


JORGE  ao Ministério da Saúde solicitando nova prorrogação do Convênio, sob a
justificativa de que o local indicado no Projeto de Reformulação aprovada pelo
Ministério da Saúde (divisa oeste do HPSC) seria inviável, diante da ocupação
clandestina do terreno por moradores. No mesmo documento informou  ainda que
fora concluída a confecção do projeto executivo, bem como seu termo de referência
e que tão logo o Convênio fosse prorrogado, apresentariam a solicitação de
reformulação junto ao Ministério para a alteração do Plano de Trabalho, para então
ser iniciado o processo licitatório e a conclusão da obra (IPL, anexo eletrônico,
apenso 1, APINQPOL4); 

k)  Ofício DICON/RS nº 242, encaminhado em 20/02/2014 pelo


Ministério da Saúde ao então Prefeito Municipal de Canoas/RS, JAIRO JORGE,
notificando-o de que a vigência do Convênio nº 2697/2001 havia expirado em
23/08/2012 e que o prazo para a apresentação da prestação de contas havia findado
em 22/12/2012. O documento ainda fixou prazo para a prestação de contas em trinta
dias ou a devolução do montante de R$ 1.831.859,04, referente à 4ª e à 5ª parcela
repassadas pelo Ministério da Saúde, já em valores atualizados (evento 2, Inquérito,
fl. 35); 

l)  Ofício nº 0639/14 - SMS, encaminhado pelo Secretário de Saúde


MARCELO BOSIO ao Ministério da Saúde prestado contas do Convênio nº
2697/2001 (IPL, anexo eletrônico, apenso 18, APINQPOL1); 

m) Ofício encaminhado em maio de 2014, pelo Secretário de Saúde de


Canoas, MARCELO BOSIO, à autoridade policial, informando  que o recurso em
questão, relativo às duas parcelas depositadas pela União  fora  repassado para a
Associação Educadora São Carlos - AESC, através do Convênio 068, de 2010, que
fora firmado para o gerencimento assistencial, administrativo e financeiro do
Hospital de Pronto Socorro de Canoas, e que dita instituição fora responsável pela
execução operacional das obras em questão, cujas despesas somaram R$
1.736.633,35, (um milhão, setecentos e trinta e seis mil seiscentos e trinta e três reais
e trinta e cinco centavos) restando um saldo de R$ 95.225,69, o qual fora devolvido
à União (IPL, evento 2, Inquérito 1); 

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n)  Ofício DICON/RS nº 1395, encaminhado em 24/09/2014 pelo
Ministério da Saúde  ao então Prefeito Municipal de Canoas/RS, JAIRO JORGE,
notificando-o da não-aprovação da prestação de contas do Convênio nº 2697/2001,
Parecer nº 1.680, de 24/09/2014, informando ainda que o valor do débito deveria ser
depositado no prazo de quinze dias ou parcelado (evento 2, Inquérito, fl. 41); 

o) Parecer GESCON nº 1680, de 24/09/2014, da Divisão de Convênios


e Gestão do Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, pela não-aprovação da
prestação de contas, em razão do descumprimento dos termos do convênio (evento
2, Inquérito 1, fl. 42-44); 

p) Termo de Parcelamento firmado em 19/11/2014 pelo Município de


Canoas para pagamento em parcelas do montante de R$ 1.930.767, 32, atualizado
até o mês de novembro de 2014, correspondente à dívida constituída referente ao
Convênio 2697/2001, comprometendo-se a ressarcir à União trinta parcelas mensais
de R$ 64.358,91 (evento 2, Inquérito 1, fls. 71); e

q) Parecer GESCON nº 48, de 29/03/2018, pelo qual o órgão técnico


reanalizou a prestação de contas já apresentada pelo Município, concluindo-se
novamente pelo desvio de objeto e de finalidade dos recursos do Convênio.
Entretanto, por considerar  que a Prefeitura Municipal de Canoas havia quitado  o
débito de forma parcelada, conforme Termo de Parcelamento nº 216/2014,
a  prestação de contas foi enfim aprovada, com ressalvas,  pelo órgão condecente
(IPL, evento 66, Ofic3).

Dito isso e uma vez comprovada a materialidade delitiva, passo ao


exame da autoria e do elemento subjetivo do tipo. 

No tocante à autoria e ao dolo, destaco, incialmente,  que o


cometimento do delito em questão, previsto no DL 201/67, o qual trata de crimes de
responsabilidade cometidos por prefeitos, não impede a responsabilização dos que
concorreram de alguma forma para a prática delitiva, sendo admitida a co-autoria e a
participação daqueles que não exercem a chefia do Poder Executivo Municipal,
como no caso do acusado MARCELO BOSIO, Secretário de Saúde de Canoas à
época dos fatos.

E, uma vez superada tal questão, entende o Juízo que  igualmente


restaram comprovadas a participação ativa e o dolo no agir de ambos os acusados.
Vejamos.

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Em seu depoimento policial, JAIRO JORGE declarou, em síntese, que
não se recordava exatamente dos fatos e valores envolvidos no Convênio em
questão, e que quando assumiu a gestão municipal o HPS de Canoas já estava
concluído, tendo cabido a ele somente a respectiva prestação de contas (IPL, evento
52).

Em Juízo (evento 196), JAIRO JORGE disse que foi eleito em 2008 e


que seu antecessor, Marcos Ronchette, era médico e queria muito construir o HPS
em Canoas, razão pela qual quando assumiu o mandato em janeiro de 2001 já
começou as tratativas com o Ministério da Saúde para a realização da obra. Narrou
que já no primeiro ano de gestão,  Marcos Ronchette  assinou o Convênio para a
construção do Hospital, que previa como valor original cerca de quatro milhões e
setecentos mil reais do Ministério da Saúde e uma contrapartida da prefeitura de
dois milhões de reais. Relatou que o montante pago pela União foi substancialmente
menor, de cerca de dois milhões e oitocentos mil reais, mas o Município de Canoas
acabou aportando nove milhões de reais, com dinheiro próprio. Disse que a primeira
parcela que o Ministério da Saúde pagou foi de R$ 643.000,00 em março de 2002; a
segunda parcela também foi de R$ 643.000,00; a terceira parcela, em abril de 2005,
foi de R$ 321.000,00 e a quarta parcela foi paga em julho de 2005, no montante de
R$ 450.000,00. Asseverou que o  prefeiro Ronchetti aportou  os recursos para
terminar a obra e de fato ele terminou de construir o Hospital em 17 de dezembro de
2005, vindo a receber a quinta parcela só em abril de 2006 e a última parcela depois
de dois anos e oito meses da inauguração do HPS, em  agosto de 2008, ambas no
valor de R$ 386.000,00. Referiu que para tentar receber a quinta e a sexta parcelas
foi apresentado um novo projeto, como se fosse uma ampliação do Hospital, e
também  para a construção de um heliponto, utilizando para tanto as duas parcelas
que faltavam por parte da União - cerca de setecentos mil reais. Disse que quando a
quinta parcela entrou, o dinheiro foi consumido, foi gasto, o mesmo ocorrendo com
a sexta parcela. Acredita que tal se deu porque como o municipio tinha aportado
nove milhes de reais e que não poderiam mais fazer as obras que queriam, nem
mesmo o heliponto, razão pela qual acabaram utilizando esse dinheiro nas despesas
da prefeitura. Declarou que quando assumiu a gestão municipal encontrou a
prefeitura com mais de cento e setenta milhões de reais em dívidas de curto prazo,
que tinham de ser pagas. Quanto aos valores do Convênio, disse que tomou ciência
em 09/07/2009, quando técnicos do Ministério da Saúde foram fazer uma visita ao
hospital e detectaram que o objeto original tinha sido 99% concluído, mas que não
havia sido feito esse heliponto, tampouco o almoxarifado e a oficina. Diante disso,
ficou sabendo que esse dinheiro, que teria entrado na conta do Convênio em 2006 e
2008, acabou sendo usado para outra finalidade. Relatou que a partir de então
começaram a fazer negociações com o Ministério da Saúde e em  2010 lhe
informaram que o Convênio estava prestes a vencer e que não havia como construir

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o heliponto. Também a partir de 2010 foi feita uma licitação para a administração do
HPS e o Mãe de Deus foi a instituição vencedora. Referiu que explicaram a situação
para o Ministério da Saúde e que então o Convênio foi prorrogado para tentar
viabilizar a execução da obra que o prefeito anterior não fez, mas para isso precisou
integralizar o valor, devolver o dinheiro, salientando, no entanto, que o valor
utilizado para a integralização do montante  não pertencia ao  governo federal. 
Asseverou que a essa altura o valor já passava de um milhão de reais, com a
correção monetária, e que tentou realizar as licitações, viabilizando o projeto,  mas
não conseguiu porque quando Ronchetti fez o Hospital, o local era um terreno
descampado, mas quando construiu o prédio logo houve uma  invasão e foram
construídas casas irregulares naquele entorno.  Disse que por essa razão não havia
como construir o heliponto, porque mesmo que se fizesse em um campo de futebol
próximo do hospital, o helicóptero destelharia as casas, pois eram casebres, de modo
que não haveria condições técnicas para tanto, além do que para fazer essa estrutura
seria gasto muito mais do que as duas parcelas que foram depositadas. Por esta
razão, relatou ele que propôs uma discussão com o Ministério da Saúde dizendo que
não havia como construir o heliponto, mas que o Hospital precisava de melhorias,
apresentando um projeto de se fazer uma ampliação, um prédio de apoio para o
hospital e que inclusive fez uma licitação para esse projeto. Mas nesse período, de
2011 e 2012, o Ministério não lhe deu nenhuma resposta, quando então em 2013, já
em seu segundo mandato e com as finanças mais em dia, resolveu com o Mãe  de
Deus que deveriam ser feitas algumas reformas, pois não havia no Hospital sala
amarela, laranja, bloco cirúrgico, devendo também ser implementadas melhorias,
como luzes novas, reformas na  recepção, e que tais intervenções começaram a ser
feitas em janeiro de 2013. Narrou, no entanto, que em maio de 2014 estava
negociando com a CAF - Câmara Americana de Fomento - a assinatura de um
financiamento de 50 milhões de dólares para a realização de obras de infraestrutura,
quando foi surpreendido com a informação de que havia uma restrição do
Município  no CAUC (Cadastro Único de Convênios) e que em função disso não
conseguiram fazer o financiamento, além de o município restar impedido de receber
recursos. Disse que imediatamente buscaram negociar com o Ministério da  Saúde,
argumentando que fora realizada uma reforma no HPS, então o Ministério pediu que
fosse apresentada a proposta. Narrou que o valor atualizado pedido pelo Ministério
da Saúde era de um milhão e oitocentos mil reais e a reforma custou um milhão e
setecentos e trinta e seis reais, tendo sido ainda devolvido ao Ministério da Saúde
noventa e cinco mil reais. Entretanto, disse que em novembro de 2014 o Ministério
da Saúde teria informado, nas palavras do acusado, "que não teriam como salvar o
convênio", pois as notas fiscais apresentadas se referiam a uma reforma e não ao
objeto do convênio (construção). Diante disso, informou que teve que assinar, ainda
em 2014, um termo de parcelamento, devolvendo o valor de um milhão, novecentos
e trinta mil reais em trinta parcelas, o qual foi integralmente quitado. Disse que na

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gestão  do novo prefeito, seu sucessor,  foram pagas as últimas cinco parcelas e em
09/04/2018 o Ministério da Saúde considerou enfim aprovadas as contas, encerrando
o Convênio. Esclareceu que a  conta específica do Convênio, quando assumiu
a  gestão, estava zerada, mas as parcelas que haviam sido transferidas dessa conta
estavam na conta única do município, o que desconhecia.  Referiu que apenas tomou
conhecimento disso na visita dos técnicos do Ministério em 2009, quando foi
informado que não havia prestação de contas daqueles valores. Especificamente com
relação à denúncia, disse que esse dinheiro foi usado para outra finalidade, mas não
foi ele quem usou, pois tal montante foi gasto antes de ele assumir. Asseverou que o
que tentou  salvar o convênio com dinheiro próprio, tanto é que o dinheiro usado
para a reforma saiu do Banrisul, não do Banco do Brasil, onde era mantida a conta
do Convênio, o que comprova que a reforma foi feita com recursos próprios da
Prefeitura de Canoas (evento 196).

Ocorre, entretanto, que a tentativa do acusado de exculpar-se da


responsabilidade pelos gastos dos recursos federais não prospera. 

Isso porque, como antes referido, a conduta imputada a JAIRO


JORGE limita-se ao desvio de finalidade dos recursos que a própria Prefeitura de
Canoas, já na sua gestão, integralizou à conta do Convênio, em 2010.

Não se trata, portanto, de examinar eventual fato típico relativo


à transferência de valores depositados pela União na conta do Convênio, mantida no
Banco do Brasil, para a conta única do Município, ainda sob a administração de
Marcos Ronchetti. 

Acontece que quando o Município de Canoas integralizou, em 2010, o


montante indevidamente sacado, calculado em  R$ 1.278.828,47 (um milhão,
duzentos e setenta e oito mil oitocentos e vinte e oito reais e quarenta e sete
centavos), sob determinação do Ministério da Saúde, tal quantia automaticamente
vinculou-se, por decorrência lógica, ao objeto do Convênio, não sendo razoável
supor que esse  valor ainda pudesse permanecer no espectro de controle do
Município, pois nada mais representou senão o ressarcimento de uma transferência
realizada de forma irregular, sem a respectiva prestação de contas ou a realização da
respectiva obra.

Veja-se ainda que o próprio réu JAIRO JORGE refere também em seu
interrogatório  que teria realizado o depósito visando, nas suas palavras: "salvar o
convênio", tendo em vista que, uma vez realizado tal depósito, friso novamente, na
conta vinculada ao Convênio, o mesmo foi prorrogado por mais um período.

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E, nesse período, a Procuradoria do Município de Canoas, por meio
do Ofício nº 381/2011 (IPL, anexo eletrônico, apenso 1, APINQPOL4) informou ao
MPF que  teria sido aberta licitação para a contratação de serviços necessários à
elaboração de um novo projeto executivo ao espaço, por meio da Tomada de Preços
(TP) nº 22/2011 e que logo após concluído o projeto, seria encaminhado ao
Ministério da Saúde para alteração do Plano de Trabalho. 

Ocorre que o próprio prefeito JAIRO JORGE, já em 2012, às vésperas


de vencer o prazo do Convênio, solicitou nova prorrogação, justificando que o local
indicado no Projeto de Reformulação aprovada pelo Ministério da Saúde (divisa
oeste do HPSC) seria inviável, diante da ocupação clandestina do terreno por
moradores. 

Adiante, depois de já vencido o Convênio, sem a respectiva prestação


de contas desse montante, tampouco a construção do objeto pactuado, movimenta, a
partir de 2013, a totalidade do valor depositado à conta da administradora do HPS
(AESC), a fim de que promovesse melhorias no Hospital. 

De fato, o próprio Ministério da Saúde apurou que boa parte do valor


transferido irregularmente da conta do Convênio por JAIRO JORGE foi empregado
no HPS, mas também apontou que na prestação de contas havia  notas fiscais
relativas a serviços outros que não diziam  sequer respeito ao Hospital objeto do
Convênio original. A esse propósito transcreve-se abaixo o trecho do Parecer
Gescon 48/2018:

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Por sua vez, o acusado MARCELO BÓSIO assim declarou na fase


policial (IPL, evento 2, Inq1, fls. 55-56):

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Pois bem, o acusado MARCELO disse na Polícia que quando JAIRO


JORGE assumiu a gestão municipal de Canoas, em 2009, encontrou zerado o saldo
da conta do Convênio em questão, mas que esse valor foi devolvido posteriormente
por JAIRO na conta do Convênio. Disse, entretanto, que o recurso, após a
devolução à conta específica, em 2010, não teria sido utilizado. Ressaltou ainda que
assumiu a Secretaria da Saúde após março de 2013, e que entre  janeiro a março
daquele ano era Ana Lúcia Rezende quem estava à frente da Secretaria. 

Já em seu interrogatório judicial (evento 196), MARCELO relatou que


fora  cedido pelo Município de Porto Alegre em abril de 2013 ao Município de
Canoas e que quando chegou tomou conhecimento de que  não havia sido feita a
prestação de contas do Convênio em questão e que não havia sido possível prorrogá-

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lo. Asseverou que não haveria como executar o objeto do convênio no  projeto
principal, principalmente pelo entorno e localização do prédio, inviabilizando o seu
cumprimento. Além disso, esclareceu que  havia problemas na infraestrutura do
Hospital, o qual apresentava rachaduras, e que prosseguir no objeto principal do
convênio, sobretudo o heliponto, não se justificava mais, pois  o investimento era
alto, o convênio não conseguiria cobrir o custo e o Município de Canoas dispõe de
uma  base aérea com heliponto licenciado, viabilizando o pouso de helicoptero
quando necessário. Disse que teriam de qualquer forma que prestar  contas, do
contrário o Município seria considerado inadimplente e seria limitado o recebimento
do recurso. Narrou que assim que identificaram a situação, reuniram  a
documentação e prestaram contas ao Ministério da Saúde, o qual ainda mantinha um
sistema de convênios todo em papel, tornando mais moroso o processo. Esclareceu
que atualmente o sistema é informatizado e os técnicos têm prazo para responderem,
sendo que em determinadas situações sequer é viável fazer alguma solicitação, pois
o sistema não permite mais essa possibilidade. Relatou que após a  prestação de
contas, o Ministério pediu novas informações, as quais foram complementadas.
Todavia, em resposta, consideraram reprovadas as contas e pediram a devolução do
recurso, o que foi feito de forma parcelada. Asseverou que não há como ter sido
feita uma utilização  equivocada do recurso, porque quando chegou, em 2013, a
conta estava zerada, e não sabia que não havia sido prestadas as contas das duas
últimas parcelas do Convênio, o que só tomou conhecimento em maio porque havia
indicação de o municipio já estar incluído no SIAFI. Diante disso, imediatamente
tiveram que prestar contas, o que ocorreu em junho ou julho, mas só tempo depois,
já no final de 2013 ou 2014, ficaram sabendo que a prestação de contas não havia
sido aprovada porque  não foi aceito o pedido de prorrogação de prazo e nem foi
analisado o plano encaminhado - de alteração do objeto - pelo Município.  Narrou
que as notas fiscais apresentadas ao Ministério foram emitidas em nome da AESC,
que administra o HPS, e não em nome do Município, pois havia um convênio para a
gestão do Hospital e em razão do fato de que foi essa instituição que executou as
reformas, mas com recursos municipais. Finalmente, disse que o recurso foi
devolvido à União de forma parcelada, utilizando-se recursos da conta livre do
município (evento 196).

Deveras, como se infere do depoimento de MARCELO, o réu disse em


Juízo que quando chegou à Prefeitura para assumir o cargo de Secretário de Saúde,
em 2013, a conta do Convênio estava zerada. Ocorre que na fase policial o
denunciado  informou versão diversa, asseverando que JAIRO JORGE,  em 2010,
integralizou o montante do recurso antes retirado indevidamente por Rochetti e que
depois desse ressarcimento o montante não foi utilizado.

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De outro giro, além da discrepância observada, destaco que em maio
de 2014, o próprio denunciado, MARCELO BOSIO, como Secretário de Saúde,
informou à autoridade policial o seguinte (IPL, evento 2, Inquérito 1):

Assim é que restou comprovado que o valor depositado por JAIRO


JORGE em 2010 foi de fato transferido em 2013 para a AESC,  a qual foi
responsável pela operacionalização das reformas e melhorias constantes nas notas
fiscais remetidas ao Ministério da Saúde por ocasião da prestação de contas. Tanto é
assim que os valores pagos pela AESC aos fornecedores e prestadores de serviço
sairam de uma conta do Banrisul, mantida pela associação. 

Por essa razão, também não procede a alegação de JAIRO JORGE de


que as despesas foram pagas pela AESC com recursos municipais sob o argumento
de que os valores teriam saido da conta do Banrisul e não daquela do próprio
Convênio, mantida pelo Banco do Brasil. 

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É  que essa circunstância só ocorreu porque o próprio Município de
Canoas transferiu os recursos que estavam depositados na conta do Convênio para a
conta do Banrisul de titularidade da AESC, gestora do HPS em 2013, emprestando a
aparência de que os recursos empregados teriam sido alcalçados do orçamento
municipal.

De outro giro, as testemuhas de Defesa ouvidas em Juízo disseram que


as despesas de reforma do HPS ocorridas em 2013 e 2014 teriam sido custeadas com
recursos do município, sem mencionar, no entanto, que em 2010 JAIRO JORGE
integralizou esses valores na conta vinculada ao Convênio e posteriormente os
transferiu para a conta da AESC no Banrisul. Vejamos.

A testemunha de Defesa de JAIRO JORGE, Suziane Nabinger da Silva


disse que na época dos fatos ocupava o cargo de gerente de equipe e em 2009/2010
passou a ser assessora técnica da Prefeitura de Canoas. Disse que acompanhou todo
o contrato com o Ministério da Saúde, ressaltando, no entanto, que quando entrou no
governo, em janeiro de 2009, deparou-se com o Convênio 2697/2001, cujas contas
estavam zeradas, a despeito de parte do convênio ainda por executar. Relatou que o
prefeito anterior, Marcos Ronchetti, desejava ainda construir um heliponto, então foi
solicitado pela Prefeitura, já na gestão de JAIRO JORGE, a renovação do convênio,
mesmo com as contas zeradas, pois pretendiam executa-lo. Relatou que o Ministério
da Saúde teria respondido que não poderiam mais executar a obra, quando então
iniciaram-se tratativas para obter a prorrogação do Convênio, mas não seria mais
possível a construção do heliponto, pois houve uma invasão na área. Disse que então
foi proposta uma mudança de objeto com o Ministério da Saúde, por insistência de
JAIRO JORGE, pois desejava-se ampliar, construir um almoxarifado e mais
alguns  escritórios para o HPS. Referiu que tiveram que depositar valores nessas
contas, com recursos livres da Prefeitura naquela época, porque foi uma solicitação
do Ministério naquela época, negando que houvesse algum desvio de recursos
encaminhados pelo Ministério da Saúde  destinados à aplicação no HPS, já que as
contas estavam zerados e os recursos depositados eram da prefeitura. Referiu que já
no final do governo, oito anos depois, o HPS precisava de algumas reformas, pois
não havia sido feito nenhuma melhoria desde a sua  inauguração. Asseverou então
que com recursos próprios da Prefeitura fizeram algumas reformas para melhorar o
atendimento da população, mas não utilizaram recurso vinculado, já que as contas
estavam zeradas. Narrou que, no entendimento da Prefeitura, como fizeram algumas
obras, acreditavam, nas suas palavras; "que podia entrar como a continuidade da
obra para que possa findar esse convênio e aí mandaram para que eles analisassem
a documentação, mas eles entenderam que não". Como justificativa, o Ministério
disse que o Convênio seria para a construção e as notas dizam respeito à reforma.
Relatou que sempre que se vai fazer uma renovação é obrigado ter o dinheiro em

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conta e fizeram um esforço para depositá-lo porque ele deve permanecer em conta.
Dessa forma, tentou-se a comprovação via notas de reparos, reformas, o que foi
negado, razão pela qual tentou-se a proposta de renovação, mas também foi
indeferido, o que obrigou a Prefeitura a realizar a devolução do dinheiro, em trinta
meses, tendo sido quitado, não havendo nenhum débito da prefeitura (evento 194).

Igualmente, a testemunha de Defesa de JAIRO,  Lucia Elisabeth


Colombro Silveira disse que em janeiro assumiu como vice-prefeita de JAIRO e
também Secretária de Saúde de Canoas, permanecendo no cargo até 2012. Referiu
que as duas últimas parcelas transferidas pelo Ministerio da Saúde para a utilização
no HPS não estavam na conta respectiva quando assumiu a nova gestão, além do
que receberam o  HPS com sérias dificuldades estruturais e administrativas, já que
era administrado por coorperativas e por  uma empresa de engenharia -  Magna
Engenharia. Narrou que quando foram informados de que havia a falta do recurso
relativo às duas últimas parcelas depositadas pelo Ministério, JAIRO JORGE tentou,
a partir de então, uma forma de repor esse recurso, porque isso também ocasionou o
a inscrição do Município no CAUC, que é o cadastro de prefeituras inadimplentes,
impedindo a  possibilidade de fazer qualquer aplicação financeira com qualquer
agente financeiro, de buscar financiamento. Asseverou que nessa época a Prefeitura
estava buscando um financiamento junto a uma instituição financeira, o qual restou
inviável em função do cadastro, então era fundamental para a cidade que o prefeito
conseguisse saldar essa dívida, e a forma era devolver o valor para a conta, de onde
ela nunca deveria ter saído, já que  depois se descobriu que esse recurso havia ido
para o caixa único da prefeitura no governo Ronchetti. Relatou que então houve um
ressarcimento para conta do convênio  desse valor, uma vez que não é concebível
que os recursos de um convênio sejam transferidos para o caixa único do Município
sem que tenham havido a correspondente prestação de contas. Referiu que
a  prefeitura tentou resolver esse inadimplemento com uma prestaçao de contas de
obras de reforma, o que foi negado pelo Ministério. Disse que o governo Ronchetti
havia solicitado ao Ministério uma ampliação do prédio do pronto socorro, inclusive
com a construção de um heliponto, mas constatou-se que essa alteraçao seria
impossível, pois nem havia mais essa área. Diante disso, se propuseram a fazer uma
reforma,  revitalizando espaços, com salas identificadas pelos protocolos de saúde.
Essa proposta não chegou a ser avaliada pelo Ministério, pois prazo do Convênio
expirou sem resposta do Ministério da Saúde. Narrou que quando o
Convênio  venceu e não tinha o aceite do Ministério para fazerem a alteraçao,
voltaram a cobrar  o valor que deveria estar na conta. Relatou que abriram
um  processo licitatório para  buscar  uma instituição  com competência e com
responsabilidade e prestígio para administrar o HPS, tendo saído como vencedora o
Mae de Deus, que foi o gestor de toda a reforma, trazendo qualidade administrativa
e qualidade de assistência. Esclareceu que como o recurso do Ministério havia sido

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devolvido ao caixa da prefeitura, a tentativa foi de não devolver o valor e realizar a
obra que era necessária e urgente, destacando que sempre tentaram contato com o
Ministério, mas o que houve o órgão não se manifestou em nenhum sentido e o
prazo do Convênio encerrou nesse meio tempo. Finalmente, relatou que foi
realizado um parcelamento do pagamento do valor exigido pelo Ministério da
Saúde, em trinta parcelas, todas pagas com recurso da Prefeitura (evento 194).

Por sua vez, a testemunha Ana Boll, arrolada por MARCELO, disse
em seu depoimento que  é enfermeira de formação e que ingressou na gestão de
Canoas em janeiro de 2013 como uma das secretárias adjuntas do Município e lá
permeneceu lá até o fim da gestão, em dezembro de 2016. Narrou que fazia parte da
gestão da área da saúde, compartilhando com o secretário titular, MARCELO, todas
as atividades de gestão da Secretaria, tais como ajudar no planejamento,
compartilhar planos de trabalho ou decisões a serem tomadas. Relatou que sobre o
Convênio em questão, discutiram sobre o seu objeto  à época, além de obras  que
deviam ser feitas no HPS, inclusive um heliponto, mas o recurso sequer se
encontrava lá no momento. Relatou que não se recorda especificamente da situação
envolvida no Convênio, lembrando apenas que discutiram o seu objeto. Esclareceu
que quem movimentou a conta específica do Convênio foi o ex-prefeito
Marcos  Ronchetti, que retirou o recurso e o transferiu para a conta geral do
Município. Disse que a devoluçao do dinheiro à União ocorreu por uma necessidade
de transparência, pois foi apontado que devia ser ressarcido. Perguntada pela Defesa
de JAIRO sobre o fato de o dinheiro ter voltado para a conta geral ter sido utilizado
para outras coisas que não o objeto do convênio, a testemunha respondeu que se está
na conta geral pode ser usado para qualquer finalidade. Asseverou que quem retirou
o recurso da conta do Convênio não foi JORGE, bem como que as obras realizadas
entre  janeiro de 2013 a março de 2014 não possuíam nenhum vinculo com esse
Convênio, sobretudo porque seriam feitas  independente de qualquer  Convênio, já
que eram necessarias. Esclareceu que o  dinheiro do Convênio não foi usado para
fazer essa obra, não se recordando se o dinheiro foi reintegralizado na sua
gestão (evento 196).

Finalmente, a testemunha Daiana Ely, arrolada por MARCELO, disse


que no primeiro mandato do prefeito JAIRO, entre 2009 e 2012, trabalhou no HPS e
só em 2013 foi para a Saúde. Relatou que todos os valores pagos pela União foram
entregues ao governo anterior, de Marcos Ronchette e que quando JAIRO
assumiu essa conta estava zerada. Esclareceu que quando se retiram valores de uma
conta específica e se transfere para o caixa único, os valores se misturam aos que
estão naquele caixa, ressaltando, porém que depois esse valor  retornou à conta
específica do convênio. Asseverou que o financiamento dessas obras de reforma do
HPS foi feito com os recursos da prefeitura, não havendo relação com os recursos da

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conta do convênio, no Banco do Brasil. Narrou que o  objeto original do convênio
era a construção do Hospital de Pronto Socorro, mas em virtude da demora do
recurso para ingressar no Município e da necessidade de concluir a obra do Hospital,
o então prefeito ampliou a contrapartida do município, usando mais recursos e
conseguiu concluir  o Hospital. Relatou que quando ingressaram essas últimas
parcelas do Convênio, o HPS já estava concluído, em funcionamento então o que se
fez foi uma tentativa de se usar essas últimas parcelas para fazer uma ampliação da
estrutura do Hospital, inclusive a construção de um heliponto, como queria Marcos
Ronchetti. Disse que identificaram, entre 2009 e 2010, que não  seria possível
construir esse heliponto, tampouco o prédio anexo, em virtude de invasões no local,
razão pela qual  foi solicitada a alteração do plano de trabalho e a prorrogação do
Convênio. Referiu que em 2013 tomou conhecimento que o gestor da Sáude havia
solicitado uma alteração do plano de trabalho e uma prorrogação do convênio e que
estavam aguardando uma definição do Ministério quanto a esses dois pleitos. Disse
que as  reformas foram realizadas com esse recurso mensal que é passado pela
prefeitura à AESC (Mãe de Deus) para a gestão do HPS. Em seguida, relatou que
foram surpreendidos com a inscrição do municipio no CAUC, que bloqueia todos os
repasses, impedindo que recebessem até mesmo o valor da manutenção dos serviços
mensalmente. Narrou que após verificarem a pendência, identificaram que se referia
à ausência de prestação de contas desse Convênio, mas já nessa época aguardavam a
posição do Ministério quanto ao pedido de prorrogação e de alteraçao do plano de
trabalho. Asseverou que houve uma tentativa de sanar essa dívida por meio de notas
de obras de reforma do próprio HPS, pretendendo que o Ministério aceitasse as
notas como recomposição do valor sacado da conta anteriormente e também a fim
de  conseguirem o quanto antes a liberação do CAUC. Disse que então o Ministério
da Saúde então tomou  conhecimento de que as despesas foram feitas no bojo de
outro convênio, pois essa circunstância foi informada  juntamente com o ofício de
prestação de contas. Relatou que, ao final, os técnicos do Ministério identificaram
que não era possível fazer essa adequação e solicitaram a devolução do recurso, o
qual foi devolvido de forma parcelada e  finalizado em 2018, com a aprovação da
prestação de contas desse Convênio (evento 196).

Pois bem, como se infere dos depoimentos das testemunhas de Defesa,


a despeito de todas informarem que os recursos empregados na reforma do HPS
foram realizados com recursos do município, nenhuma mencionou o fato de que o
valor depositado na conta do Convênio em 2010, por JAIRO JORGE, foi transferido
para a AESC para custear as despesas com as reformas e os serviços. 

E a prova que tais recursos foram de fato retirados da conta do


Convênio e depositados irregularmente na conta da AESC decorre também do fato
de que o próprio acusado MARCELO BOSIO informou expressamente tal fato à

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autoridade policial no ofício juntado no IPL, evento 2, Inquérito 1,  fls. 15-16,
supracitado.

Além disso, junto ao referido ofício está uma planilha de valores


relativos a despesas com manutenção e reparos efetuados pela AESC justamente no
período informado na denúncia, ou seja, de janeiro de 2013 a março de 2014, a
comprovar que os valores foram repassados da conta do Convênio para a conta
daquela instituição. como também apontaram os técnicos do Ministério da Saúde.

Assim, bem comprovada está a autoria delitiva dos acusados, pois


JAIRO JORGE, na qualidade de Prefeito Municipal, era o responsável pela gestão
municipal em todas as esferas, sobretudo no caso, em que era de seu conhecimento a
existência de um Convênio pendente de prestação de contas. Tanto é  assim
que  efetuou a integralização dos valores à conta do Convênio, procedendo à sua
posterior transferência diretamente para a conta da associação responsável pela
gestão do HPS e dessa forma desviou  o valor inicialmente destacado a outra
finalidade.

Já MARCELO BOSIO, atuando como Secretário da Saúde de Canoas


à época dos fatos, e tal como ele próprio asseverou em seu interrogatório policial,
era o ordenador das despesas e definia o destino dos recursos, inclusive aqueles
provevientes do Ministério da Saúde, área que lhe competia a gestão.

Assim, à vista de tudo isso, comprovado está também o elemento


subjetivo do tipo com relação à conduta delitiva de  ambos os acusados, pois de
forma consciente e voluntária  transferiram recursos da União que estavam
destinados à construção de um prédio anexo ao HPS e de um heliponto à instituição
não abrangida pelo Convênio, sem a anuência do Ministério da Saúde, e a fim de
que fossem utilizados em demandas estranhas às pactuadas com o õrgão concedente.

Além disso, os réus sabiam, de antemão, que seria inviável a realização


do plano de trabalho aprovado pelo Ministério da Saúde tal como havia sido
acordado, supostamente em decorrência da invasão da área no entorno do HPS, além
de considerarem também inapropriado o heliponto, já que o município contaria com
uma base aérea que seria suficiente para o transporte de doentes. 

E, mesmo conscientes disso, ainda assim  transferiram os valores da


conta do Convênio para a conta da AESC  após encerrada a sua vigência, não se
monstrando justificável o argumento de que o Ministério da Saúde ainda não havia
respondido à solicitação de uma nova reformulação no plano de trabalho. 

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Ora, muito embora não tenha havido nos autos notícia de que o
Ministério da Saúde tenha de fato examinado o pedido do Município de nova
reformulação no plano de trabalho, tal circunstância não autoriza que o gestor
municipal, tampouco o Secretário de Saúde - que é o ordenador das despesas para a
área da Saúde -, empreguem destinação que entenderem cabível ao recurso
pertencente à União, disponibilizando-o  para a utilização em  despesas não
abrangidas pelo Convênio original, tampouco pelo plano de trabalho aprovado pelo
órgão concedente.

E isso decorre da circunstância de que os recursos oriundos de


convênios são de natureza vinculada ao objeto do ajuste  e não ensejam a sua
aplicação conforme a intenção unilateral  do órgão convenente. Além disso, a
concessão de tais recursos pelo ente federal é precedida de estudos de políticas
públicas e requer dotação orçamentária específica no Orçamento da União,
destinando-se a programas de interesse recíproco, em regime de mútua colaboração.

Nesse sentido, transcrevo o trecho da decisão proferida pelo Ministro


do Ayres Brito nos autos da Ação Penal 409/CE (STF),  que examina caso
semelhante:

"(...)

7. E o fato é que a conduta imputada ao acusado extrapolou o campo da mera


irregularidade administrativa para alcançar a esfera da ilicitude penal. Acusado
que deliberadamente lançou mão de recursos públicos para atingir finalidade
diversa, movido por sentimento exclusivamente pessoal. É ressaltar: a celebração
de convênios tem por finalidade o alcance de metas específicas e o atendimento de
necessidades pontuais (tais como as que decorrem da seca na região nordestina).
Isto significa o óbvio: anteriormente à celebração de convênios, são realizados
estudos de políticas públicas para aferição dos problemas mais sensíveis que
atingem cada região. E é a partir de tais análises que são definidos os valores a
serem transferidos, seus destinatários e as metas a cumprir, pelo que a verba
derivada da celebração de convênios é de natureza essencialmente vinculada, pois
deve ser rigidamente dirigida ao equacionamento dos problemas, dificuldades e
necessidades que justificaram a avença e legitimaram o repasse dos recursos.

(...)

8. Por essa maneira de ver as coisas, a celebração de convênios não implica a


emissão de um “cheque em branco” ao conveniado, pois os valores hão de ser
aplicados no equacionamento dos problemas que, identificados em estudos
prévios, permaneceriam sem solução adequada se o repasse não fosse efetuado.
Daí por que, no caso dos autos, o desvio na aplicação de verbas oriundas de
convênio caracteriza crime de responsabilidade, mesmo que revertidos, de outro
modo, em favor da comunidade. Pensar em sentido contrário autorizaria que
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administradores ignorassem os próprios motivos que impulsionaram a celebração
dos convênios, para passar a empregar verbas recebidas em políticas públicas
outras que, ao seu talante ou vontade pessoal, possam alcançar um maior número
de pessoas, gerar uma maior aprovação popular, converter-se num mais adensado
apoio eleitoral. O que já implicaria desvio de conduta com propósito secamente
eleitoreiro. É dizer: receber verbas de convênio, mas aplicá-las em finalidade
diversa da pactuada significa eternizar aqueles específicos problemas que
motivaram a celebração do ajuste. Problemas muitas vezes negligenciados pelas
administrações locais e que, exatamente por não gerar benefícios eleitorais aos
respectivos administradores, não têm recebido a devida prioridade orçamentária."
(grifei)

Em face do esclarecimento supra, conclui-se  que, apesar de o desvio


de finalidade avençado no caso concreto (realização de obras de manutenção e
melhoria no HPS ao invés de construção de um prédio anexo a este, com heliponto)
não ter   se distanciado  do interesse público lato sensu; como bem retratado nos
dizeres do ex-ministro Ayres Brito: o convênio é um ato público vinculado, devendo
ser observada a risca a sua finalidade, sem margem para qualquer discricionaridade
do convenente, ainda que genericamente atenta ao interesse público. E tal se dá,
porque os valores destinados aos convênios são precedidos de estudos de
necessidades preponderantes e buscam, portanto, atender a estas necessidades
específicas exclusivamente. Apesar de parecer estranho para as relações particulares
(por não haver afronta a padrões éticos culturalmente aceitos na sociedade
brasileira), na seara da gestão pública, em que o princípio da legalidade possui um
peso inegociável, não atender estritamente aos ditames avençados em convênios
gera responsabilidade  na esfera penal, ainda que de menor monta, conforme se
observa no caso em exame. E isto (dentre outros ônus)  reflete o peso da
responsabilidade de um gestor publico.

Dito isso, comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, bem como


o elemento subjetivo do tipo penal em questão,  tenho que a condenação dos
acusados é a medida de rigor.

3. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS PENAS

3.1 JAIRO JORGE DA SILVA

O réu apresenta  culpabilidade  acentuada  à espécie delitiva, pois, na


qualidade de prefeito do Município de Canoas, deveria zelar pela gestão dos
recursos repassados pela União, mas desviou tais recursos para finalidade diversa
da pactuado no Convênio com o Ministério da Saúde. Todavia, considerando que a

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qualidade de prefeito é elementar do tipo penal em questão, deixo de negativar tal
vetorial.  Não registra  antecedentes criminais. Não há quaisquer elementos nos
autos para aferição de sua  personalidade,  bem como não há registros
desabonatórios à sua  conduta social.  Os  motivos  são inerentes ao delito.
As  circunstâncias  do delito são comuns à espécie. As  consequências não se
revelaram significantes, uma vez que o recurso foi integralmente ressarcido à
União.  O comportamento da  vítima, representada nos autos pela União,  em nada
contribuiu para que o réu agisse da forma como agiu.

Atento às operantes judiciais do art. 59 do Código Penal, que cuidei de


examinar, verifico que nenhuma delas é desfavorável ao réu, razão pela qual assino-
lhe a pena-base de 03 (três) meses de detenção. 

E, não havendo  atenuantes ou agravantes a considerar,


tampouco  causas de aumento ou diminuiçao de pena, fixo a pena definitiva no
patamar acima determinado.

O tipo penal não prevê pena de multa.

Tendo em vista (a) que a pena privativa de liberdade ora aplicada não é


superior a quatro anos,  (b)  que o delito não foi cometido com violência ou grave
ameaça (c) e que as circunstâncias judiciais são favoráveis ao réu, substituo a pena
privativa de liberdade por multa, conforme previsão do art. 44, §2º, do Código
Penal.

No tocante à fixação do valor da multa substitutiva, considerando que


não há parâmetros estabelecidos no Código Penal para a sua mensuração, valho-me
dos critérios que usualmente utilizo para a aplicação da prestação pecuniária, tendo
como parâmetro o valor do salário mínimo nacional. 

Assim, considerando que o réu JAIRO JORGE informou que recebe


R$ 24.000,00 mensais, fixo o valor da multa em dez salários mínimos nacionais.

Reparação de Danos

Como já houve o ressarcimento do dano aos cofres da União, deixo de


condenar o réu ao ressarcimento dos danos causados.

Efeitos da Condenação 

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Prevê o art. 1º, §2º do DL 201/67 que: "A condenação definitiva em
qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a
inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública,
eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao
patrimônio público ou particular".

Ocorre que muito embora a norma preveja expressamente a perda do


cargo e inabilitação para cargo ou função pública em caso de condenação, como na
hipótese dos autos, a jurisprudência tem entendido que tal efeito não é automático,
exigindo fundamentação adequada para a aplicação dessa pena acessória (STJ, HC
481.010, de 19/12/2018, HC 529.095, de 24/11/2020, HC 667.336, de 04/06/2021).

Assim é que o juiz deve decidir fundamentadamente pela perda do


cargo e inabilitação para cargo ou função pública, devendo, por outro lado, também
fundamentar os motivos que eventualmente o levem a não aplicá-la  no caso
concreto.

E, na hipótese dos autos, este Juízo entende não ser o caso de aplicar
tal pena acessória, em razão dos seguintes fundamentos: a) o valor desviado da
conta vinculada ao Convênio mantido com o Ministério da Saúde foi integralmente
ressarcido à União; b) os recursos transferidos pelo Ministério da Saúde, conquanto
não tenham sido destinados à finalidade prevista no Convênio, relativamente à
reformulação do Plano de Trabalho autorizada pelo Ministério da Saúde, foram
aplicados em reformas e melhorias no próprio Hospital de Pronto Socorro de
Canoas, cuja execução foi levada a efeito pela instituição gestora do HPS; c) o réu
não se locupletou dos recursos transferidos pela União; e d) a pena fixada ao
acusado ficou no mínimo legal, ou seja, três meses de detenção, quantum que no
entender deste Juizo, somado às circunstâncias supracitadas, não seria proporcional
à determinação de perda do cargo.

Portando, deixo de aplicar a pena de perda de cargo ou função


pública, tampouco a pena de inabilitação previstas no art. 1º, §2º do DL 201/67.

3.2 MARCELO BOSIO

O réu apresenta  culpabilidade  acentuada à espécie delitiva, pois, na


qualidade de Secretário de Saúde do Município de Canoas à época dos fatos, deveria
zelar pela gestão dos recursos repassados pela União, mas desviou tais recursos para
finalidade diversa do pactuado no Convênio com o Ministério da Saúde. Todavia,
considerando que concorreu para o crime previsto no DL 201/67, cuja elementar é
justamente a qualidade de prefeito,  deixo de negativar tal vetorial.  Não
registra  antecedentes criminais. Não há quaisquer elementos nos autos para
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aferição de sua  personalidade,  bem como não há registros desabonatórios à
sua conduta social. Os motivos são inerentes ao delito. As circunstâncias do delito
são comuns à espécie. As  consequências não se revelaram significantes, uma vez
que o recurso foi intergralmente ressarcido à União.  O comportamento da  vítima,
representada nos autos pela União,  em nada contribuiu para que o  réu agisse da
forma como agiu.

Atento às operantes judiciais do art. 59 do Código Penal, que cuidei de


examinar, verifico que nenhuma delas é desfavorável ao réu, razão pela qual assino-
lhe a pena-base de 03 (três) meses de detenção. 

E, não havendo  atenuantes ou agravantes a considerar,


tampouco  causas de aumento ou diminuiçao de pena, fixo a pena definitiva no
patamar acima determinado.

O tipo penal não prevê pena de multa.

Tendo em vista (a) que a pena privativa de liberdade ora aplicada não é


superior a quatro anos,  (b)  que o delito não foi cometido com violência ou grave
ameaça (c) e que as circunstâncias judiciais são favoráveis ao réu, substituo a pena
privativa de liberdade por multa, conforme previsão do art. 44, §2º, do Código
Penal.

No tocante à fixação do valor da multa substitutiva, considerando que


não há parâmetros estabelecidos no Código Penal para a sua mensuração, valho-me
dos critérios que usualmente utilizo para a aplicação da prestação pecuniária, tendo
como parâmetro o valor do salário mínimo nacional. 

Assim, considerando que o réu MARCELO BOSIO informou que


recebe R$ 12.500,00  mensais, fixo o valor da multa em cinco  salários mínimos
nacionais.

Reparação de Danos

Como já houve o ressarcimento do dano aos cofres da União, deixo de


condenar o réu ao ressarcimento dos danos causados.

Efeitos da Condenação 

Prevê o art. 1º, §2º do DL 201/67 que: "A condenação definitiva em


qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a
inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública,
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eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao
patrimônio público ou particular".

Ocorre que muito embora a norma preveja expressamente a perda do


cargo e inabilitação para cargo ou função pública em caso de condenação, como na
hipótese dos autos, a jurisprudência tem entendido que tal efeito não é automático,
exigindo fundamentação adequada para a aplicação desta pena acessória (STJ, HC
481.010, de 19/12/2018, HC 529.095, de 24/11/2020, HC 667.336, de 04/06/2021).

Assim é que o juiz deve decidir fundamentadamente pela perda do


cargo e inabilitação para cargo ou função pública, devendo, por outro lado, também
fundamentar os motivos que eventualmente o levem a não aplicá-la  no caso
concreto.

E, na hipótese dos autos, este Juízo entende que não é o caso de aplicar
tal pena acessória, em razão dos seguintes fundamentos: a) o valor desviado da
conta vinculada ao Convênio mantido com o Ministério da Saúde foi integralmente
ressarcido à União; b) os recursos transferidos pelo Ministério da Saúde, conquanto
não tenham sido destinados à finalidade prevista no Convênio, relativamente à
reformulação do Plano de Trabalho autorizada pelo Ministério da Saúde, foram
aplicados em reformas e melhorias no próprio Hospital de Pronto Socorro de
Canoas, cuja execução foi levada a efeito pela instituição gestora do HPS; c) o réu
não se locupletou dos recursos transferidos pela União; e d) a pena fixada ao
acusado ficou no mínimo legal, ou seja, três meses de detenção, quantum que no
entender deste Juizo, somado às circunstâncias supracitadas, não seria proporcional
à determinação de perda do cargo.

Portando, deixo de aplicar a pena de perda de cargo ou função


pública, tampouco a pena de inabilitação previstas no art. 1º, §2º do DL 201/67.

4. DISPOSITIVO

Ante o exposto,  JULGO PROCEDENTE  a denúncia


para CONDENAR o réu:

a) JAIRO JORGE DA SILVA, já qualificado,  pela prática do delito


insculpido no art. 1º, IV, do DL 201/67, à pena privativa de liberdade de 03 (três)
meses de detenção, substituída por multa, além do pagamento de metade das custas
processuais; e 

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b)  MARCELO BOSIO,  já qualificado,  pela prática do delito
insculpido no art. 1º, IV, do DL 201/67, à pena privativa de liberdade de 03 (três)
meses de detenção, substituída por multa, além do pagamento de metade das custas
processuais.

Aos réus é conferido o direito de apelarem em liberdade.

Com o trânsito em julgado definitivo: i) apurem-se os valores devidos


pela  ré  a título de multa e de custas processuais, observando-se o decidido na
sentença e no acórdão; ii) expeça-se Ficha Individual de Condenado, remetendo-a,
juntamente com as contas e as peças relacionadas no art. 1º da Resolução nº 113, de
20 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, via SISCOM, à 11ª Federal de
Porto Alegre/RS, para formação do respectivo processo de execução penal; iii)
atualize-se o SINIC, nos termos do art. 809 do Código de Processo Penal; iv) altere-
se a situaçao de parte para "condenado" e, após a autuação do processo de execução
penal, para "condenado arquivado" e v) dê-se baixa nos autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Documento eletrônico assinado por CRISTINA DE ALBUQUERQUE VIEIRA, Juíza Federal Substituta,
na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17,
de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço
eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador
710014806162v341 e do código CRC 9df56cac.

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): CRISTINA DE ALBUQUERQUE VIEIRA

Data e Hora: 17/3/2022, às 11:54:9

 
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