Você está na página 1de 5

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ

DEFENSORIA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SANTANA

AO JUÍZO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE


SANTANA-AP

Autos nº 0000407-44.2020.8.03.0002
PROCESSO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL

MM. Juíza,

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ (DPE/AP), vem, por


meio do Defensor Público signatário, informar ciência do movimento de ordem #39 e
da manifestação ministerial de ordem #43.

Contudo, informa sua discordância com a manifestação ministerial por não


se encontrar presente o requisito legal para que haja a expedição do mandado de busca e
apreensão por esse juízo, nos termos do Art. 184, § 3º, da Lei nº 8.069/1990 (ECA).

Vejamos a redação do referido artigo:

Art. 184. Oferecida a representação, a autoridade judiciária


designará audiência de apresentação do adolescente, decidindo,
desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação,
observado o disposto no art. 108 e parágrafo.
§ 1º O adolescente e seus pais ou responsável serão cientificados
do teor da representação, e notificados a comparecer à
audiência, acompanhados de advogado.
§ 2º Se os pais ou responsável não forem localizados, a
autoridade judiciária dará curador especial ao adolescente.
§ 3º Não sendo localizado o adolescente, a autoridade
judiciária expedirá mandado de busca e apreensão,
determinando o sobrestamento do feito, até a efetiva
apresentação.
§ 4º Estando o adolescente internado, será requisitada a sua
apresentação, sem prejuízo da notificação dos pais ou
responsável. (grifo nosso).

DEFENSORIA PÚBLICA: Construindo a Cidadania


Complexo do SESI, Rua. B, n° 50, Vila Amazonas, Santana/AP - CEP: 68.925-000
1
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ
DEFENSORIA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SANTANA

Conforme a leitura acima, somente deverá ser expedido mandado de busca


e apreensão pela autoridade judicial competente no caso de o adolescente não ser
localizado. Nesse Sentido é a lição de Gustavo Cives Seabra1:

“É importante destacar que esse mandado se destina a localizar


adolescente que não tem paradeiro certo. Se o jovem possui
residência em local certo o correto é que seja intimado. Se,
após intimado, não houver comparecimento, a autoridade
judiciária determinará a condução coercitiva, com base no
artigo 187 do ECA.

O artigo 47 do SINASE estipula uma vigência máxima para o


mandado de busca e apreensão de adolescente. Esse prazo é de
6 meses e inicia na data da expedição. O dispositivo prevê
prazo máximo, de forma que a autoridade judiciária pode fixar
prazo menor.” (grifei).

Conforme depreende-se da certidão de ordem #35

Diligenciei na passagem 14 de janeiro, Área portuária e ai sendo


não localizei o endereço indicado no mandado as numerações
mais próximas que localizei foram os números:224,217,298.
Desta forma devolvo o mandado para os devidos fins ou para
renovação do mandado e do prazo.

Contudo, conforme depreende-se da certidão de ordem #35, o endereço


não foi localizado pelo oficial de justiça, não podendo ser imputado ao adolescente
o ônus da diligência infrutífera, que não ocorreu em virtude de ação ou omissão
sua.

Da mesma forma, não foram esgotadas todas as diligências possíveis para se


obter a sua localização, como oficiar aos órgãos públicos, às concessionárias de serviços

1
Seabra, Gustavo Civis. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE. 2. ed. rev., ampl. e
atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019. p. 129.
DEFENSORIA PÚBLICA: Construindo a Cidadania
Complexo do SESI, Rua. B, n° 50, Vila Amazonas, Santana/AP - CEP: 68.925-000
2
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ
DEFENSORIA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SANTANA

públicos, bem como consulta aos sistemas públicos de cadastro de pessoas como SIEL,
Receita Federal, Serasa, sistema Infoseg etc.

Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que a


citação por edital só é válida após requisição de endereço nos cadastros de órgãos
públicos e concessionárias. No REsp. 1828219, o relator do recurso, ministro Paulo de
Tarso Sanseverino, asseverou em seu voto que o novo regramento processual civil, além
de reproduzir a norma existente no artigo 231, II, do CPC/1973, estabeleceu
expressamente que o réu será considerado em local ignorado ou incerto se
infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição, pelo
juízo, de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de
concessionárias de serviços públicos".2

Não olvida este defensor que a matéria acima está afeta a seara do processo civil.
Contudo, há de se reconhecer a incidência da interpretação teleológica no julgado acima
mencionado, fazendo-a incidir com muito mais razão em relação ao adolescente
submetido à representação por ato infracional.
Não pode ser dispensado ao adolescente tratamento mais gravoso do que aquele
dispensado ao adulto, mormente em situação de apuração de ato infracional análogo a
crime, conforme previsão do Art. 35, I, da Lei nº 12.594/2012, Art. 9º das Regras
Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infância e da
Juventude (Regras De Beijing), bem como no item 54 dos Princípios das Nações Unidas
para a Prevenção da Delinquência Juvenil - Princípios Orientadores de Riad,
respectivamente:

“Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á


pelos seguintes princípios:
I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento
mais gravoso do que o conferido ao adulto;”

“9. Cláusula de salvaguarda


2
Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Citacao-por-edital-
so-e-valida-apos-requisicao-de-endereco-nos-cadastros-de-orgaos-publicos-e-concessionarias.aspx.
Acesso em: 10/12/2019.
DEFENSORIA PÚBLICA: Construindo a Cidadania
Complexo do SESI, Rua. B, n° 50, Vila Amazonas, Santana/AP - CEP: 68.925-000
3
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ
DEFENSORIA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SANTANA

9.1 Nenhuma disposição das presentes regras poderá ser


interpretada no sentido de excluir os jovens do âmbito da
aplicação das Regras Mínimas Uniformes para o Tratamento dos
Prisioneiros, aprovadas pelas Nações Unidas, e de outros
instrumentos e normas relativos ao cuidado e à proteção dos
jovens reconhecidos pela comunidade internacional.”

“§56. Com vista a prevenir uma futura estigmatização,


vitimização e criminalização de jovens, deve ser adotada
legislação que assegure que qualquer conduta não considerada
ou penalizada como um crime, se cometida por um adulto, não
seja penalizada se cometida por um jovem.”

Nesse sentido, e em virtude da proteção integral e melhor interesse da criança e


do adolescente, princípios encampados pela CF/88 e que devem ser aplicados com
vistas a otimizar os direitos postos, assim como a vedação de submissão da criança e do
adolescente a tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto, conforme Art. 35,
I, da Lei nº 12.594/12, no Art. 9º das Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça, da Infância e da Juventude (Regras De Beijing), bem como
no item 54 dos Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil
- Princípios Orientadores de Riad, a Defensoria requer seja cancelado o mandado de
busca e apreensão.

Todavia, por ser medida menos gravosa e possível de ser realizada, requer
sejam realizadas diligências para se obter a sua localização, como oficiar aos órgãos
públicos, às concessionárias de serviços públicos, bem como consulta aos sistemas
públicos de cadastro de pessoas como SIEL, Receita Federal, Serasa, sistema Infoseg
etc., bem como verificar a possibilidade de encontrar o seu paradeiro junto aos vizinhos
da comunidade em que costumava residir, sendo renovado o mandado de intimação com
a indicação, devendo a intimação ser realizada por oficial de justiça.

DEFENSORIA PÚBLICA: Construindo a Cidadania


Complexo do SESI, Rua. B, n° 50, Vila Amazonas, Santana/AP - CEP: 68.925-000
4
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAPÁ
DEFENSORIA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SANTANA

Caso assim não entenda esse juízo e tendo em vista que a medida a ser aplicada
deve visar sanar a situação de risco em que o adolescente possivelmente se encontra,
a Defensoria Pública requer seja determinada a condução coercitiva do adolescente,
nos termos do Art. 187 da Lei nº 8.069/90.

Somente na concreta impossibilidade de se atender os pleitos aqui encampados e


caso esse Juízo entenda pela necessidade da realização da busca e apreensão, a
Defensoria requer que a mesma seja efetivada por oficial de justiça, com a requisição
apenas de forma excepcional do concurso de órgãos policiais.

Ademais, considerando a pandemia do Coronavírus (COVID-19) declarada pela


Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020 e as ações dos governos, em
suas diversas esferas, para o seu enfrentamento, mormente por meio das restrições à
liberdade individual denominada de isolamento social e, recentemente, a drástica
medida denominada “Lockdown”, aplicadas tanto pelo Governo do Estado do Amapá
quanto pela Prefeitura do município de Santana, a Defensoria Pública requer que os atos
relativos à intimação pessoal do representado (ou na remota hipótese da sua busca e
apreensão) sejam efetivados após o término da vigência dos respectivos atos normativos
restritivos.

Requer o deferimento.

Santana/AP, 26 de novembro de 2020.

EDUARDO PEREIRA DOS ANJOS


DEFENSOR PÚBLICO

DEFENSORIA PÚBLICA: Construindo a Cidadania


Complexo do SESI, Rua. B, n° 50, Vila Amazonas, Santana/AP - CEP: 68.925-000
5

Você também pode gostar