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Excelentíssimo Senhor Secretário-Executivo

Comissão Interamericana de Direitos Humanos


Organização dos Estados Americanos
Washington DC – Estados Unidos da América

Objeto: Requerimento de medidas cautelares urgentes


Prioridade de tramitação – Artigo 29, item 2, letra “b”

BRUNO SELIGMAN DE MENEZES, brasileiro, casado,


advogado, inscrito na OAB/RS sob o nº. 63.543, e no CPF
sob o nº. 957.508.270-20; e MARIO LUIS LIRIO CIPRIANI,
brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB/RS sob o
nº. 39.461, e no CPF sob o nº. 616.391.410-49,
estabelecidos profissionalmente na cidade de Santa
Maria, onde mantêm escritório na Avenida Nossa
Senhora das Dores, nº. 424, sala 102, vêm a V. Exa.
requerer

MEDIDAS CAUTELARES URGENTES

contra o Estado-Parte REPÚBLICA FEDERATIVA DO


BRASIL, representada pela União Federal, pessoa
jurídica de direito público interno, representada
perante essa Comissão Interamericana de Direitos
Humanos pela Procuradoria-Geral da União, com
endereço no SAS, Quadra 03, Lote 05/06, 10.º andar,
Edifício MULTIBRASIL Corporate – Sede I da AGU – Setor
de Autarquias Sul – Brasília – DF – Brasil – CEP 70070-030
– telefone: +55(61) 2026-8633, por violação aos direitos
de presunção de inocência, devido processo legal e
de Habeas Corpus, praticados contra a vítima MAURO
LONDERO HOFMANN, brasileiro, administrador de
empresas, inscrito no RG sob o nº. 236903251, e no CPF
sob o nº. 560.682.710-71, atualmente recolhido na
Penitenciária Estadual de Canoas 1 – PECAN 1, conforme
os fatos e fundamentos que passam a expor:
I. BREVE SÍNTESE DOS FATOS

Mauro Londero Hoffmann, juntamente com Elissandro


Callegaro Spohr, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão,
foram denunciados pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Sul, como incursos nos crimes do artigo 121, do Código Penal, em
concurso formal, nos fatos relativos à tragédia da Boate Kiss.

Após regular instrução, foram submetidos a julgamento


pelo Tribunal do Júri, em sessão que se desenvolveu entre os dias 1º e
10 de dezembro de 2021.

Julgados pelo Conselho de Sentença, foi prolatada


decisão condenatória, em que o magistrado determinou a prisão
imediata, com fundamento no artigo 492, inciso I, alínea e do Código de
Processo Penal.

Impetrado Habeas Corpus nº. 70085490795 perante o


Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o relator prevento
para o caso concedeu a medida liminar, para o fim de suspender o
cumprimento de ordem de prisão.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul


ajuizou o processo de Suspensão de Liminar nº. 1504, dentro do qual foi
concedida a suspensão buscada, a fim de restabelecer a decisão de
prisão decretada em primeiro grau.

Iniciado o julgamento do mérito do referido Habeas


Corpus, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul renovou o
requerimento no sentido de reafirmar a suspensão, pleiteando que
alcançasse eventual decisão concessiva do Habeas Corpus junto ao
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o que restou deferido pelo
Senhor Ministro Presidente.

Impetrado Habeas Corpus, contra a referida decisão, a


medida foi distribuída ao Ministro Dias Toffoli, que negou seguimento ao
writ, com fundamento na Súmula 606 do Supremo Tribunal Federal.

Esses, os fatos em sua máxima brevidade.


II. DO CABIMENTO

A presente medida funda-se no artigo art. 44 da


Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), que assim dispõe:
Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental
legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode
apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação
desta Convenção por um Estado Parte.

Igualmente, encontra amparo no art. 25 do


Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH):
Artigo 25. Medidas cautelares

1. Com fundamento nos artigos 106 da Carta da Organização dos Estados


Americanos, 41.b da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 18.b
do Estatuto da Comissão e XIII da Convenção Interamericana sobre o
Desaparecimento Forçado de Pessoas, a Comissão poderá, por iniciativa
própria ou a pedido de parte, solicitar que um Estado adote medidas
cautelares. Essas medidas, tenham elas ou não conexão com uma petição
ou caso, deverão estar relacionadas a situações de gravidade e urgência
que apresentem risco de dano irreparável às pessoas ou ao objeto de uma
petição ou caso pendente nos órgãos do Sistema Interamericano.

2. Nas tomadas de decisão a que se refere o parágrafo 1, a Comissão


considerará que:
a. “gravidade da situação” significa o sério impacto que uma ação ou
omissão pode ter sobre um direito protegido ou sobre o efeito eventual de
uma decisão pendente em um caso ou petição nos órgãos do Sistema
Interamericano;
b. a “urgência da situação” é determinada pelas informações que indicam
que o risco ou a ameaça são iminentes e podem materializar-se,
requerendo dessa maneira ação preventiva ou tutelar; e
c. “dano irreparável” significa os efeitos sobre direitos que, por sua
natureza, não são suscetíveis de reparação, restauração ou indenização
adequada.

3. As medidas cautelares poderão proteger pessoas ou grupos de pessoas,


sempre que o beneficiário ou os beneficiários puderem ser identificados
ou forem identificáveis por sua localização geográfica ou seu
pertencimento ou vínculo a um grupo, povo, comunidade ou organização

4. Os pedidos de medidas cautelares dirigidos à Comissão deverão conter,


entre outros elementos:
a. os dados das pessoas propostas como beneficiárias ou informações
que permitam identificá-las;
b. uma descrição detalhada e cronológica dos fatos que sustentam a
solicitação e quaisquer outras informações disponíveis; e
c. a descrição das medidas de proteção solicitadas.
O esgotamento das instâncias nacionais
restou implementado, na medida em que houve um salto de instâncias
recursais, por parte do Ministério Público do Rio Grande do Sul, invocado
dispositivo legal de natureza civil-administrativa, a fim de provocar o
Supremo Tribunal Federal, sem passar pelo Superior Tribunal de Justiça.

Vale observar que o próprio artigo 46, item 2, da


Convenção Americana de Direitos Humanos flexibiliza o esgotamento
integral e irrestrito das instâncias nacionais, quando demonstrado o
impedimento de esgotá-los.

É rigorosamente o que ocorre, na medida em que uma


decisão esdrúxula de Suspensão de Liminar tem todo o seu trâmite, e um
Habeas Corpus – para o qual sequer se exige capacidade postulatória para
fazê-lo – tem seu trânsito negado com fundamento em uma Súmula que
não se aplica ao tema.

Por outro lado, o Agravo Regimental interposto,


depende da vontade de Sua Excelência o Ministro Presidente do Supremo
Tribunal Federal para que tenha sua tramitação, não cabendo aos
requerentes quaisquer medidas adicionais para impugnação ou, ao
menos, buscar agregar celeridade à tramitação.

Neste sentido,
“(...) de acordo com a jurisprudência da Comissão e de outros órgãos de
direitos humanos, não devem ser esgotados os recursos ineficazes. Para a
CIDH os recursos são ineficazes para efeitos de admissibilidade da petição
quando se demonstra que nenhuma das vias para reivindicar uma
reparação perante a justiça interna parece ter perspectivas de êxito. Para
satisfazer este extremo, a Comissão deve ter ante si elementos que lhe
permitam analisar efetivamente o resultado provável das ações dos
peticionários” (Caso Adolescentes condenados a cadeia perpétua sem
liberdade condicional vs. EUA, 2020, § 47).

Os direitos violados encontram-se previstos nos


tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário,
notadamente a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San
José da Costa Rica), de 1969:
Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal
(...)
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas
e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos
Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
(...)
6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a
recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de
que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou
detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais.
Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir
ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz
ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de
tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso
pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.

Artigo 8º - Garantias judiciais


(...)
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua
inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante
o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas:
(...)
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

Ademais, a apresentação atende ao prazo decadencial


de seis meses, até porque as violações em questão encontram-se em
curso.

E, de igual modo, não há se falar em litispendência


internacional a obstaculizar o seu conhecimento.

Todos os pressupostos formais, portanto, encontram-se


presentes, autorizando-se o conhecimento e processamento.

III. DAS VIOLAÇÕES A QUE FOI SUBMETIDO MAURO LONDERO HOFFMANN

O processo que apurou o episódio conhecido


internacionalmente como a “Tragédia da Boate Kiss” tramitou por quase
nove anos, desde a instauração do inquérito até o julgamento pelo
Tribunal do Júri.

Ao longo de todo o período, os quatro acusados ficaram


privados de suas liberdades por cerca de quatro meses.

Em todas as vezes que foram instados a comparecer aos


atos processuais, sempre o fizeram, sem qualquer consideração especial
a esse respeito. Tampouco incorreram em qualquer fato, no período, que
possa ser tipificado como ilícito penal a ensejar alguma preocupação
adicional com a manutenção de suas liberdades.
Mesmo assim, condenados pelo Tribunal do
Júri, o magistrado de primeiro grau, ao fixar penas que oscilaram de 18
anos a 22 anos e 6 meses, decretou a prisão de todos os quatro acusados,
com fundamento no artigo 492, inciso I, letra “e” do Código de Processo
Penal brasileiro:
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
(...)
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se
encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de
condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão,
determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado
de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que
vierem a ser interpostos;

Impetrado Habeas Corpus, o Tribunal de Justiça do


Estado do Rio Grande do Sul, por seu Desembargador Relator, concedeu
medida liminar para o fim de suspender os efeitos da prisão, assegurando
ao paciente (e a todos os demais, por extensão), o status libertatis.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul


provocou o Supremo Tribunal Federal, por meio de processo de
Suspensão de Liminar nº. 1.504/RS, sem passar pelo Superior Tribunal de
Justiça, invocando a Lei nº. 8.437/92, dispositivo de aplicação
eminentemente civil-administrativo, conforme se permite observar da
redação do artigo:

Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o


conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho
fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o
Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público
ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para
evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas.
§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo
de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação
civil pública, enquanto não transitada em julgado.

O Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, de


forma monocrática, concedeu a suspensão buscada, sustando os efeitos
da liminar concedida, no dia 10 de dezembro, pelo Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul pautou o julgamento, por meio de sistema virtual, a se
iniciar no dia 16 de dezembro, às 14hs, encerrando-se no dia seguinte,
no mesmo horário.

Ainda antes de finalizar o julgamento, o Ministério


Público do Estado do Rio Grande do Sul requereu – e foi deferido – uma
extensão dos efeitos da suspensão de liminar, a fim de que alcançasse o
mérito do Habeas Corpus, impedindo, assim, que o Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, autoridade judiciária competente,
identificasse ilegalidade na prisão decretada e restabelecesse a ordem
jurídica.

Nem mesmo o instrumento jurídico mais violento e


tirânico da ditadura militar que assolou o Brasil entre os anos de 1964 e
1985, o Ato Institucional nº. 5, de 13 de dezembro de 1968, ousou
suprimir o Habeas Corpus de forma tão acintosa e agressiva. Naquela
oportunidade, limitou-se a fazê-lo para algumas espécies de crimes, tão
somente:

Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de


crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social
e a economia popular.

O que fez Sua Excelência o Ministro Presidente do


Supremo Tribunal Federal não foi apenas uma violação à liberdade dos
acusados, mas um atentado contra a própria essência do Habeas Corpus,
na medida em que, de forma preventiva, sem conhecer os argumentos
que poderiam constar da decisão, censurou a Corte Estadual,
amordaçando-a e impedindo-a de proferir livremente a decisão para a
qual era competente a fazê-lo.

Assim agindo, incorreu o Estado Brasileiro, por um ato


do Chefe de um de seus poderes em violação expressa ao artigo 7º, item
6 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Mais do que isto, ao fazê-lo da forma que fez, per


saltum, Sua Excelência violou o devido processo legal, já que se valeu
de uma norma de caráter civil-administrativo para suspender garantia
fundamental da tutela de liberdade, sem que o fosse pela via cabível do
recurso adequado.
Permite-se dizer que Sua Excelência se
valeu do presente expediente para fazer valer não a leitura do caso
concreto, mas o seu próprio entendimento pessoal sobre o tema da
execução provisória da pena, já consolidado no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, do qual é vencido.

E é por isso que se diz que, ainda, a decisão viola a


presunção de inocência.

Se é fato que o Código de Processo Penal brasileiro, a


partir de inovação trazida pela Lei nº. 13.964/19, contempla a prisão
obrigatória para condenações pelo Tribunal do Júri que tenham pena a
partir de 15 anos, é igualmente fato que o artigo 5º da Constituição
Federal estabelece, de forma incondicionada a presunção de inocência,
nos exatos termos do artigo 8º, item 2 da Comissão Americana de Direitos
Humanos.

O fundamento de seus defensores, que é equivocado em


sua forma e conteúdo, reside no princípio da soberania dos vereditos do
Tribunal do Júri.

Ora, a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri


assegura que os tribunais de apelação não possam modificar o mérito da
decisão proferida pelo Conselho de Sentença, senão apenas anular a
decisão, nas hipóteses legais, ou, ainda, reduzir a pena. Qualquer das
duas possibilidades afeta diretamente a prisão levada a efeito nos termos
que foi.

Vale dizer que a soberania dos vereditos é relativa e


oponível contra o tribunal de apelação, e não contra a ordem jurídica,
de forma absoluta e incondicionada.

Decisões manifestamente contrárias à prova dos autos,


ou ainda eivadas de nulidades podem, sim, ser cassadas, o que evidencia
que o afastamento da presunção de inocência, em nome da soberania
dos vereditos, é indevido, desde seu aspecto formal.

E, importante que se diga, também o é em seu aspecto


material.

Quisesse o legislador fazer prevalecer o princípio da


soberania dos vereditos sobre o princípio da presunção de inocência, não
deveria ter estabelecido limite de pena a justificar a
decretação da prisão obrigatória.

É dizer, por que penas inferiores a 15 anos, mas


igualmente decorrentes de condenações proferidas pelo Tribunal do Júri
– e, portanto, com vereditos soberanos - não têm suas penas
imediatamente executadas?

Ou, avança-se, uma situação em que alguém seja


condenado por homicídio simples (penas cominadas entre 6 e 20 anos de
reclusão) a 14 anos e 6 meses de pena; e outra pessoa seja condenada
por homicídio qualificado (penas cominadas entre 12 e 30 anos de
reclusão) a 15 anos de prisão.

Pela lei, percebe-se que o segundo caso terá prisão


obrigatória, ao passo em que o primeiro não.

Entretanto, perceba-se que, no segundo caso, a


culpabilidade do indivíduo é maior do que a do primeiro, uma vez que
gerou um afastamento em maior escala da pena mínima cominada ao
crime.

São razões de ordem lógico-material a justificar o


descabimento da proposição sustentada por Sua Excelência o Ministro
Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Convém observar que as violações ora apontadas


contam com o repúdio não apenas da comunidade jurídica, mas também
da opinião pública brasileira, a partir de editoriais de seus principais
meios de comunicação impresso.

O jornal “O Estado de São Paulo”, em editorial


intitulado “Estranha decisão no caso da boate Kiss”
(https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,estranha-decisao-no-caso-
da-boate-kiss,70003927354), assim pontuou a questão:

“Além de atropelar a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ),


a decisão de Luiz Fux representa uma tentativa de reabrir, por vias tortas,
a discussão sobre o início da execução da pena, discussão essa na qual o
presidente do Supremo foi voto vencido. Sempre, mas especialmente em
questões penais, o Poder Judiciário não pode estar refém das
idiossincrasias de um magistrado.
(...)
No Estado Democrático de Direito, o exercício do poder
deve se submeter, sem exceção, às atribuições de cada
cargo. Por isso, não é o próprio juiz, seja de qual instância for, que
arbitra se tem ou não competência para atuar em determinado caso.
Uma forma de atuação nesses moldes significaria abuso de poder.”

O jornal “Folha de São Paulo”, em editorial intitulado


“Populismo penal” (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/12/populismo-
penal.shtml), assim se manifestou:

“Sem entrar no mérito da condenação pelo Tribunal do Júri de quatro


envolvidos na tragédia da boate Kiss, pode-se afirmar que a decisão do
presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, de ordenar o
cumprimento imediato das penas de prisão expõe uma espécie de
populismo vigente no Judiciário.
A começar, o caso chegou às mãos de Fux de forma tortuosa. O recurso
interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul —no linguajar
técnico, suspensão de liminar— nem sequer serve, pela legislação, para
que se suspenda um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça
gaúcho, como fez o presidente do STF.
A suspensão é própria da esfera cível, não penal, e cabe em casos de
grave lesão a ordem pública, saúde, segurança e economia.
Ao aceitar o recurso do Ministério Público em prol da prisão imediata,
"considerando a altíssima reprovabilidade social das condutas dos réus",
de acordo com suas palavras, Fux contradiz o preceito básico de que na
seara penal não se permitem aventuras —é da liberdade alheia que se
trata, afinal.
Não se deve enfraquecer o instrumento de habeas corpus ao sabor dos
humores da opinião pública, justamente por ser um mecanismo
concebido para coibir abuso de poder que acarrete violência ou violação
da liberdade de locomoção.”

Por fim, o jornal “O Globo”, em editorial intitulado “Foi


atropelo mandar prender condenados por incêndio da Kiss”
(https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/foi-atropelo-mandar-prender-condenados-
por-incendio-da-kiss.html), foi assertivo em afirmar:

Não cabe ao presidente do Supremo tentar acelerar o cumprimento da


pena num caso particular que nem foi submetido ao tribunal, por mais
que a decisão lhe pareça justa. Se e quando o caso chegar ao STF pelos
caminhos adequados, a decisão caberá ao colegiado. Vale lembrar a
ministra Rosa Weber, que, apesar de discordar das prisões após a
decisão em segunda instância, sempre respeitou em seus votos essa
jurisprudência do tribunal quando estava em vigor. Até a sessão em
que o plenário voltou a debater a questão, quando ela deu o voto de
desempate em favor da execução de penas só após o trânsito em
julgado (hoje vigente).

No meio jurídico, o Instituto de Defesa do Direito de


Defesa, emitiu Nota Pública, em que afirma que “Decisão de Fux produz
ilegalidade inédita” (https://iddd.org.br/nota-publica-decisao-de-
fux-produz-ilegalidade-inedita/), na qual observa que:

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, suspendeu ontem (14) decisão


proferida por desembargador da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que concedia liminar para
“impedir a execução imediata da condenação proferida pelo Tribunal do
Júri.” O caso é o dos quatro acusados pelas mortes na boate Kiss, em
janeiro de 2013, sentenciados na última sexta-feira.
De uma tacada só, o presidente do STF, sozinho, em favor da acusação,
suprimiu instâncias e decidiu à margem da lei. Não é a primeira vez que o
ministro Fux age assim em casos de grande apelo midiático. Também não
é a primeira vez que cassa ilegalmente decisões de colegas.
No entanto, é a primeira vez na história do Supremo que há cassação de
uma decisão liminar em habeas corpus, sem passar pelas instâncias
inferiores. E mais: tudo baseado em legislação que se refere
especificamente a ações movidas contra o poder público ou seus agentes
e não se aplica de forma alguma a casos criminais. O ministro criou assim
um recurso que simplesmente não está previsto no ordenamento jurídico
brasileiro.
O presidente do STF valeu-se de lei federal (Lei 8.437/92), que regula
matérias alheias ao Direito Processual Penal, e não pode ser utilizada para
cassar liminar proferida em habeas corpus. Ainda com fundamento em tal
lei, Fux justifica sua decisão alegando riscos “de grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança e à economia públicas”, sem qualquer lastro em fatos
concretos.
O ministro chegou ao ponto de abordar o grau de culpabilidade dos
acusados, o que só caberia por meio de Recurso Extraordinário e mesmo
assim se houvesse repercussão geral da matéria, como inclusive têm
reafirmado as Cortes Superiores. A via eleita para referida discussão é
absolutamente equivocada.
Trata-se de um modus operandi: cassar decisões de colegas
monocraticamente, suspender legislação processual penal aprovada pelo
Congresso Nacional da mesma forma – como quando suspendeu a vigência
do Juiz das Garantias -, numa tendência clara de desconsiderar as demais
instâncias internas dos Tribunais competentes, além dos outros Poderes
constituídos.
É, por fim, lamentável que o presidente do STF seja responsável por criar
um ambiente de ameaça à segurança jurídica, à presunção da inocência e
ao devido processo legal.

A Associação Juízes para a Democracia, emitiu nota


(https://web.facebook.com/ajd.brasil/posts/1779971668874764) contrária ao
posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

A Associação Juízes Para a Democracia – AJD, por meio do núcleo José


Paulo Bisol, do Rio Grande do Sul, vem reiterar seu compromisso em
defesa da democracia, da liberdade de expressão e das responsabilidades
a ela inerentes e da independência judicial. Defendemos a imprensa livre
como elementar para a democracia, tanto quanto o exercício
independente da jurisdição, por decisões fundamentadas, sujeitas a
recursos na forma da lei e às instâncias recursais regulares, observados o
devido processo legal e as garantias do contraditório e da
ampla defesa, entre outras.
É da essência dos julgamentos exarados pelo Poder Judiciário a
possibilidade e, não raro, a necessidade, de serem contramajoritários e
de contrariarem interesses das partes e de determinados grupos
econômicos ou sociais. Por isso, repudiamos veementemente as distorções
e insinuações em “matérias jornalísticas” com intuito explícito ou
implícito de constranger o livre exercício da jurisdição, das funções do
Poder Judiciário, notadamente em matéria criminal, em face de
julgamentos fundamentados e proferidos de forma legítima e em tempo
hábil, que não representem os interesses ou o pensamento do veículo de
comunicação ou de determinada parte.
A propósito da ordem de Habeas Corpus liminarmente concedida no caso
da Boate Kiss, mais uma vez, verificou-se a desinformação grassar em
certos setores da imprensa, em prejuízo da independência judicial e do
tão essencial remédio constitucional do HC, que protege indistintamente
o direito e a liberdade de ir e vir de qualquer pessoa, instrumento
constitucional caro ao Estado Democrático de Direito, de origem em 1215
(Carta Magna João Sem Terra) e sedimentado na Constituição Federal de
1988, de corrente utilização na defesa jurídica de qualquer cidadão.
Ainda, o Núcleo Bisol da AJD noticia que a associação deliberou por se
habilitar como amicus curiae na Suspensão Liminar - SL 1504/RS -
interposta pelo Ministério Público, em razão do Habeas Corpus nº
70085490795, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça Gaúcho, na
qual o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Luiz Fux proferiu
duas decisões cassando e vedando a concessão da ordem em favor dos
pacientes. O expediente, instituído pelo famigerado AI-5, de 1968, não
era utilizado desde que os ventos democráticos voltaram a soprar neste
país. Por isso, entendemos que a decisão do Presidente do STF se constitui
em precedente grave e perigosíssimo, que pode levar ao aniquilamento do
fundamental instrumento em favor da cidadania e da democracia, que é
o instituto do Habeas Corpus.
Por fim, reafirmamos a nossa atuação jurisdicional independente, firme e
visando dar cumprimento a todos os direitos e garantias fundamentais
instituídos na Constitucional de 1988.

O Instituto Transdisciplinar de Ciências Criminais, por


seu turno emitiu a nota abaixo:
Por tudo, é de ser recebida a presente
manifestação, dando-se o regulamentar processamento, nos termos
pedidos, eis que preenchidos todos os requisitos legais, bem como
demonstrados todos os elementos ora apontados.

IV. DAS MEDIDAS CAUTELARES

Por derradeiro, a respeito da concessão de medidas


cautelares está prevista expressamente no artigo 25 do Regulamento da
CIDH.

Os fatos ora narrados, devidamente demonstrados,


evidenciam a gravidade das violações, reclamando urgência quanto à
intervenção internacional, a fim de fazer cessar as violações a Direitos
Humanos a que se encontram submetidos os quatro acusados.

Feitas tais considerações, a bem de que as medidas de


urgência contempladas no sistema interamericano atinjam sua finalidade
precípua, é fundamental que se determine ao Estado Brasileiro que
restabelece a liberdade dos quatro acusados, nos termos da
fundamentação acima.

V. DOS REQUERIMENTOS FINAIS

Diante de todo o acima exposto, requerem seja


recebido e processado o presente pedido, solicitando-se ao Estado
demandado:

a) que assegure a presunção de inocência, relativamente


às decisões do Tribunal do Júri, uma vez que o
dispositivo contido no artigo 492, inciso I, alínea “e”
não tem força de se sobrepor à força constitucional da
garantia em questão;
b) que assegure o manejo – e a eficácia – da garantia
individual do Habeas Corpus, seja relativamente à
decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul, seja relativamente à impugnação proposta
diretamente ao Supremo Tribunal Federal, quanto ao
ato coativo de Sua Excelência o Ministro Presidente da
Corte;
c) que assegure o duplo grau de jurisdição e o
devido processo legal, impedindo-se o manejo de
instrumentos não penais, originariamente previstos
para resguardar interesses da Administração Pública em
causas cíveis-administrativa, que possam cassar
legítimas e competentes decisões penais, notadamente
proferidas no bojo de ação autônoma de impugnação de
Habeas Corpus;
d) que restabeleça a plena liberdade à vítima das
violações.

Termos em que,
D. e A.,
E. Deferimento.

Santa Maria, 21 de dezembro de 2021.

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