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GILMAR FERREIRA MENDES
OA
MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
ILUSTRE RELATOR DO HABEAS CORPUS 185.913/DF
AS
AN
NT
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ART.
:03 SA
28-A, CPP). APLICAÇÃO RETROATIVA (ART. 5º,
LX, CF). POSSIBILIDADE. NORMA PENAL COM
:58 E
14 A D
CONTEÚDO PENAL E DE PROCESSO PENAL.
LIMITE DE RETROATIVIDADE VINCULADO AO
3 - AN
TRÂNSITO EM JULGADO DO PROCESSO.
02 LY
LEI.
.6
57
r: 3
habilitado como AMICUS CURIAE, vem perante V. Exa., por meio de seus procuradores
so
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I. RESUMO NECESSÁRIO
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Os presentes autos versam sobre habeas corpus impetrado em benefício do
OA
paciente ABEL GOMES DA CUNHA, em razão do constrangimento ilegal verificado por
AS
ocasião do julgamento do Recurso Especial com Agravo nº 1.658.686, pela col. 5ª
Turma do eg. Superior Tribunal de Justiça.
AN
O ato coator teria sido praticado em ação penal relativa a suposto delito de
NT
tráfico de drogas1, no âmbito da qual o paciente foi condenado à pena de 1 (um) ano,
:03 SA
11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, tendo a pena corporal sido substituída por
:58 E
restritiva de direitos.
14 A D
Interposto recurso pela defesa, o eg. Tribunal de Justiça de origem reformou
3 - AN
parcialmente a sentença em relação ao tema da restituição de bens apreendidos,
02 LY
O agravo em recurso especial não foi conhecido por decisão da il. Presidência
Em .428
do eg. Superior Tribunal de Justiça, sendo impugnado por recurso de agravo, que foi
51
fundamentos: (i) o art. 39, da Lei Federal nº 8.038/90 teria sido revogado pelo art.
r: 3
1.070, do Código de Processo Civil, que prevê prazo de 15 (quinze) dias para tal
modalidade recursal; e (ii) haveria possibilidade de aplicação retroativa do acordo de
po
s so
pre
1
Por correção de raciocínio, esclarece-se que a hipótese em exame diz respeito a imputação de infração penal
de tráfico de drogas na modalidade privilegiada (art. 33, §4º, da Lei Federal nº 11.343/06), que é, nos termos
do art. 112, §5º, da Lei de Execução Penal, crime comum e, portanto, elegível em tese ao benefício
Im
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não persecução penal (ANPP), introduzido pela Lei Federal nº 13.964/19, considerando
S
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se tratar de lei benéfica.
OA
Ao analisar os presentes autos, o em. Relator considerou que a impetração,
no que se refere à aplicação do benefício penal em questão, veiculou “matéria de
AS
interesse constitucional e regulada pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º,
AN
XL, nos seguintes termos: ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’”,
NT
pontuando que existe verdadeiro debate doutrinário e jurisprudencial sobre a
:03 SA
natureza da norma em questão.
:58 E
14 A D
número expressivo de processos e a potencial divergência jurisprudencial sobre
questão de tal magnitude”, afetou o tema para solução mediante manifestação
3 - AN
e visando oferecer argumentos para que esse E. Supremo Tribunal Federal possa
Im
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deliberar sobre o assunto, o IBCCRIM oferta o presente parecer, consubstanciado nas
S
RE
seguintes considerações:
OA
II. QUESTÃO CONSTITUCIONAL EM DISCUSSÃO
AS
A introdução do acordo de não persecução penal no ordenamento jurídico
AN
nacional, formalizado a partir da edição da Lei Federal nº 13.964/19, representou a
NT
inauguração de novo capítulo da justiça consensual no âmbito da jurisdição criminal
:03 SA
nacional, que foi iniciada a partir da Lei Federal nº 9.099/95.
:58 E
14 A D
despenalizadora, na medida em que impede a existência de uma condenação penal e
de todas as consequências e externalidades deletérias dela decorrentes, alcançando
3 - AN
Certo é que, diversamente do que ocorreu com Lei dos Juizados Especiais, o
: 1 -77
despenalizadora em questão.
51
estabelecida pela Constituição Federal de que a lei penal não retroagirá, salvo para
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estrutura da norma introduzida no art. 28-A, do Código de Processo Penal, para que
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se possa responder sobre a capacidade de retroatividade da norma em questão.
OA
III. A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS E DA
AS
RETROATIVIDADE DA LEI PENAL BENIGNA
AN
A lei, à semelhança do que ocorre com os seres vivos, “nasce, atua sobre a
NT
vida de relação e morre”2. Ela nasce a partir do início de sua vigência e se sujeita às
:03 SA
eventualidades do tempo, morrendo por ter sido ab-rogada ou inteiramente
modificada por outra lei, ou se o prazo assinalado para sua vigência se esgota.
:58 E
14 A D
A lei nova, em regra, não retroage3, porquanto ela é direcionada para o
futuro4. Contudo, em virtude de princípios de ordem política a lei velha pode retroagir
3 - AN
como (a) lex praevia (proibição de retroatividade da lei penal), (b) lex scripta (proibição
do costume como fundamento de crimes ou de penas), (c) lex stricta (proibição da
Em .428
51
2
REALE JUNIOR, MIGUEL. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2012. P. 97
.6
3
“Se se trata de normas legisladas, estamos diante da doutrina da irretroatividade das leis. Essa significa que a
57
eficácia retroativa da lei nova, possível em tese, é inadmissível desde que a incidência da lei antiga tenha ocorrido
plenamente (...) A doutrina da irretroatividade da eficácia da lei nova conhece, no entanto, exceções. É o caso
r: 3
da (...) retroatividade in bonam partem (...) A doutrina da irretroatividade serve ao valor da segurança jurídica:
o que sucedeu já sucedeu e não deve, a todo momento, ser juridicamente questionado, sob pena de se
po
instaurarem intermináveis conflitos com o mínimo de perturbação social. Seu fundamento é ideológico e reporta-
se à concepção liberal do direito e do Estado”. FERRAZ JR., TÉRCIO SAMPAIO. Introdução ao estudo do Direito. 6ª ed.
São Paulo: Atlas, 2010. Pp. 216/217.
so
4
“As leis são feitas para o futuro e não para o passado. Quando o Estado elabora nova lei, é de supor que a
s
anterior já não atende aos reclamos sociais. E, em decorrência da elaboração de nova lei, surge, então, um
pre
conflito de leis no tempo (...) Se a lei é para o futuro, segue-se que é irretroativa, isto é, não se aplica aos fatos
que ocorreram antes da sua vigência. Daí o princípio da irretroatividade das leis” TOURINHO FILHO, FERNANDO DA
Im
COSTA. Manual de processo penal. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 81/82.
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analogia como método de criminalização ou de penalização de ações humanas), e (d)
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lex certa (proibição de indefinições nos tipos legais e nas sanções penais)"5.
OA
O princípio da legalidade, em tal perspectiva, somente é afastado pelo critério
específico da “retroatividade da lei penal mais favorável, aplicável sem exceção em
AS
crimes, penas e medidas de segurança, independentemente do trânsito em julgado da
AN
decisão judicial ou da fase de execução da pena”6.
NT
O princípio da retroatividade da lei penal mais benigna encontra seu
:03 SA
fundamento na natureza da lei penal. “Se esta prevê apenas situações excepcionais, a
sucessão de leis que altera a intervenção do estado na esfera de bens jurídicos do autor
:58 E
14 A D
denota uma mudança na apreciação do conflito. Se as agências políticas passaram a
considerar contra-indicada uma ingerência dessa magnitude – ou de outra qualquer –
3 - AN
não tem sentido que o juiz a habilite só porque era considerável razoável no momento
02 LY
em que o autor cometeu o fato. Por outro lado, o princípio republicano de governo
1/2 OL
outro, seja tratado com mais rigor. A segurança jurídica impede a reversão do
princípio, mas requer também que ele seja estritamente cumprido na parte onde não
Em .428
o afeta”7.
51
Assim, o critério específico lei penal mais benigna resolve conflitos de leis
.6
penais no tempo no âmbito do direito brasileiro, “não só nos óbvios casos da abolitio
57
5
CIRINO DOS SANTOS, JUAREZ. Direito Penal. 6ª ed. Curitiba: 2014, ICPC. P. 48.
s
6
Idem.
pre
7
ZAFFARONI, RAUL; BATISTA, NILO et al. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume - Teoria Geral do Direito Penal. 4ª
Im
6
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objetivas de punibilidade, de regimes ou progressões executórias, de excarceração
S
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etc.”8.
OA
A leitura conferida pela doutrina e jurisprudência tradicional, propõe existir
diferença entre a lei penal e a lei processual penal, de modo a se considerar que apenas
AS
à primeira se aplicaria a retroatividade, pois as segundas seriam regidas por regra de
AN
solução diversa9, pautada no princípio da imediatidade10.
NT
Segundo os autores que defendem essa divisão, as leis penais seriam divididas
:03 SA
em três categorias: leis penais puras, leis processuais puras e leis de conteúdo misto,
havendo, no entanto, dissenso sobre o alcance de tais conceitos, decorrentes de uma
:58 E
14 A D
definição mais ou menos abrangente sobre o conteúdo de norma penal.
3 - AN
Nos termos dessa orientação tradicional, a lei penal pura "é aquela que
disciplina o poder punitivo estatal. Dispõe sobre o conteúdo material do processo, ou
02 LY
seja, o Direito Penal. Diz respeito à tipificação de delitos, pena máxima e mínima,
1/2 OL
regime de cumprimento etc. Para essas, valem as regras do Direito Penal, ou seja, em
1/0 - P
8
ZAFFARONI, RAUL; BATISTA, NILO et al. Ob. Cit. P. 213.
: 1 -77
9
Cf. leciona EUGÊNIO PACELLI, “no que se refere às leis processuais no tempo, segue-se a regra de toda legislação
Em .428
processual: aplicam-se de imediato, desde a sua vigência, respeitando, porém, a validade dos atos realizados sob
o império da legislação anterior. Por atos já praticados deve-se entender também os respectivos efeitos ou
consequências jurídicas”, pois, não fosse assim, “a legislação processual estaria condenada ao engessamento e
51
la. E sabe-se, leis revogam leis”. Ainda, “as garantias individuais dizem respeito ao direito de participação e ao
direito a uma decisão que seja fruto de amplo conhecimento judicial, por autoridade materialmente competente,
57
e por meio de procedimento adequado à apuração dos fatos. Mudanças de prazos recursais, por exemplo, ainda
que para diminuí-los, não afetam direitos subjetivos; modificam apenas garantias processuais, aceitáveis se e
r: 3
quando válidas em face do texto constitucional. O tempo do crime não pode determinar maiores ou menores
proveitos procedimentais ao respectivo agente. O novo procedimento, se constitucional, deve ser aplicável a
po
qualquer autor, respeitada apenas as regras atinentes aos efeitos de cada ato processual”. Curso de processo
penal. 24ª Ed. São Paulo: Atlas, 2020. Pp. 51-60.
so
10
Cf. HÉLIO TORNAGHI: “A norma de Direito Judiciário penal tem a ver com os atos processuais, não com o ato
delitivo. Nenhum ato do processo poderá ser praticado a não ser na forma da lei que lhe seja anterior, nada
s
impede que seja posterior à infração penal. Não há, nesse caso, retroatividade da lei processual penal, mas
pre
aplicação imediata. Retroatividade haveria se a lei processual nova modificasse ou invadisse atos processuais
praticados antes de sua entrada em vigor” – BADARÓ, GUSTAVO. Processo Penal. Ed. 2021. Capítulo 2. Lei
Im
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linhas gerais: retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais
S
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gravosa"11.
OA
A lei processual pura, por sua vez, “regula o início, desenvolvimento ou fim do
processo e os diferentes institutos processuais. Exemplos: perícias, rol de testemunhas,
AS
forma de realizar atos processuais, ritos etc. Aqui vale o princípio da imediatidade onde
AN
a lei será aplicada a partir dali, sem efeito retroativo e sem que se questione se mais
NT
gravosa ou não ao réu”12.
:03 SA
Já a lei penal de conteúdo misto/híbrido possui “conteúdo duplo, ou seja,
tanto matéria de direito processual quanto matéria de direito penal material"13, de
:58 E
14 A D
modo que o tema é regido “pelo direito penal material (...) Ou seja, se forem mais
benéficas devem retroagir e forem menos benéficas a norma anterior deverá
3 - AN
prevalecer".
02 LY
a doutrina tradicional diverge sobre seu conteúdo, conforme bem ilustrado por
1/0 - P
GUSTAVO BADARÓ.
: 1 -77
11
JUNIOR, AURY LOPRES. Direito Processual Penal. 17ª ed. São Paulo: Saraivajur, 2020. Pp. 125/126.
so
12
Idem.
s
pre
13
MADEIRA DEZEM, GUILHERME. Processo Penal. Ed. 2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. RB-5.1/RB-5.4.
Im
14
BADARÓ, GUSTAVO. Ob. cit. Página RB-2.1/RB-2.7.
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De outro lado, o mesmo autor enuncia a existência de corrente ampliativa,
S
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que assimila o conteúdo de normas mistas também àquelas que estabeleçam
OA
condições de procedibilidade, ou que disciplinem constituição e competência dos
tribunais, que tratem dos meios de prova e sua eficácia probatória, dos graus de
AS
recurso, da liberdade condicional, da prisão preventiva, da fiança, das modalidades de
AN
execução da pena e todas as demais normas que tenham por conteúdo matéria que
NT
seja direito ou garantia constitucional do cidadão15.
:03 SA
A partir da discussão de tais limites, outras classificações foram propostas para
solucionar o dilema relacionado à retroatividade da lei penal (e processual penal),
:58 E
14 A D
surgindo doutrina firme no sentido de que lei penal é um gênero, que possui duas
espécies lei penal material e lei processual penal, de modo que, nos termos da garantia
3 - AN
constitucional, ambas devem seguir o critério de retroatividade da lei penal benigna,
02 LY
Com efeito, como leciona JUAREZ CIRINO, “o princípio constitucional da lei penal
1/0 - P
mais favorável condiciona a legalidade processual penal, sob dois pontos de vista: b1)
: 1 -77
15
Em complemento, considera o autor que “quanto ao direito processual intertemporal, o intérprete deve, antes
51
de mais nada, verificar se a norma, ainda que de natureza processual, exprime garantia ou direito
constitucionalmente assegurado ao suposto infrator da lei penal. Para tais institutos, a regra de direito
.6
intertemporal deverá ser a mesma aplicada a todas as normas penais de conteúdo material, qual seja a da
anterioridade da lei, vedada a retroatividade da lex gravior”. Idem.
57
16
Partilha desse entendimento os Professores NILO BATISTA e RAUL ZAFFARONI: "[há quem sustente que] não existe
r: 3
retroatividade in pejus na aplicação de uma lei processual posterior ao cometimento do crime, porque o
momento a levar-se em consideração é o do ato processual e não o da ação ou omissão delituosa. De algum
po
modo essa tese se baseia na teoria das normas, segundo a qual as leis penais estariam destinadas aos
particulares e as leis processuais aos juízes, funcionários e auxiliares. Tal distinção não é admissível no âmbito
punitivo. Além dessa ponderação, existem dois argumentos constitucionais que neutralizam aquela tese: a) um
so
processo penal tem uma conclusão binária (pena ou não pena) e se, no momento do fato que se está julgado, as
disposições processuais induziam a uma não pena, é porque não existia cominação penal em concreto a respeito
s
da pessoa comprometida. Não havia ameaça penal, porquanto não se pode ameaçar ninguém com alguma coisa
pre
que não pode ser realizada. Toda coerção penal é punitiva e a negação dessa natureza constitui uma perigosa
confusão entre os planos normativo e fático, com o penoso efeito de ocultar a realidade e permitir a violação
Im
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do princípio da legalidade ao subsistema de imputação (assim como aos subsistema
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de indiciamento e de execução penal) porque a coerção processual é a própria
OA
realização da coação punitiva, b2) segundo, o gênero lei penal abrange as espécies lei
penal material e lei processual penal, regidas pelo mesmo princípio fundamental”17.
AS
Em complemento a tal consideração, somam-se os fundamentos propostos
AN
por PAULO CÉSAR BUSATO, que considera que “as regras processuais penais não possam
NT
pertencer a outra coisa que não o sistema penal como um todo. Por ser assim, estas
:03 SA
também deveriam servir à composição de um sistema de garantias do réu contra a
atividade estatal. Em verdade, mesmo um direito penal material absolutamente
:58 E
14 A D
garantista poderia servir a propósitos ditatoriais mercê de um processo penal
fortemente inquisitivo”, ponderando que “o processo penal nada mais é do que um
3 - AN
continuum do direito penal, ou seja, é o direito penal em movimento e, pois, formam
02 LY
penal (legalidade, irretroatividade da lei mais severa etc.) devem ser aplicados, por
1/0 - P
Assim, a interpretação das normas penais, para que se possa aferir a sua
capacidade de retroação, não reside na identificação de sua natureza jurídica “se
Em .428
penal, se processual penal, distinção nem sempre fácil -, mas o grau de garantismo que
encerra”19.
.6 51
ocorrer com regras que alteram tão só o processamento dos recursos, a forma de
po
17
CIRINO, JUAREZ, Direito Penal. 6ª Ed. Curitiba: ICPC, 2014. Pp. 52/53.
s
pre
18
BUSATO, PAULO CÉSAR. Direito penal: parte geral. V. 1. São Paulo: Atlas, 2017. P. 158.
Im
19
BUSATO, PAULO CÉSAR. Ob. cit. P. 160.
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imediata (CPP, art. 2º), incidindo a regra geral, porquanto deverão alcançar o processo
S
RE
no estado em que se encontra e respeitar os atos validamente praticados"20.
OA
Denota-se, sob tal perspectiva, que a existência de conteúdo material nas
normas penais conduz a uma mesma conclusão, independentemente da tese à qual
AS
se adira: o seu comando será aplicado de forma retroativa, alcançando fatos ocorridos
AN
antes da sua existência no ordenamento jurídico.
NT
IV. ANÁLISE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL QUANTO À APLICABILIDADE
:03 SA
A SITUAÇÕES OCORRIDAS ANTERIORMENTE À SUA EXISTÊNCIA
:58 E
O acordo de não persecução penal está inserido no ordenamento jurídico
14 A D
como um mecanismo de diversificação da penal criminal, que visa não apenas auxiliar
3 - AN
no “desafogo do abarrotado sistema de justiça criminal”21, mas sobretudo “impedir a
02 LY
condenatória”22.
1/0 - P
Vale dizer, apesar de estar inserida como uma fase de procedimento, ela
57
20
JUNIOR, AURY LOPES. Direito processual penal. 17ª ed. São Paulo: Saraivajur, 2020. P. 129.
po
21
SCHMITT DE BEM, LEONARDO e MARTINELLI, JOÃO PAULO. O limite temporal da retroatividade do acordo de não
so
persecução penal. Disponível em: Acordo de não persecução penal / Leonardo Schmitt de Bem, João Paulo
Martinelli (organizadores). 1ª ed. São Paulo: D’Plácido, 2020. P. 125.
s
pre
22
Idem.
Im
23
Idem.
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Como observou a doutrina, o fenômeno ora em análise já foi investigado
S
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anteriormente, por ocasião da edição da Lei Federal nº 9.099/95, que introduziu a
OA
transação penal e a suspensão condicional do processo, ponderando-se à época que
“todas [as medidas previstas na lei] são mais benéficas, comparando-se com o sistema
AS
penal anteriormente vigente. Estamos diante de novatio legis favorável. De acordo
AN
com a imagem do legislador, em todos os crimes e contravenções descritos na Lei
NT
9.099/95, já não se faz necessária a reação estatal (penal) clássica, quase sempre
consistente na imposição de uma pena de prisão. De outro lado, a obrigatoriedade da
:03 SA
ação penal já não é tão implacável”24.
:58 E
14 A D
Até por isso, ao analisar o conteúdo de tais disposições, estabeleceu-se que
“Toda lei penal nova benéfica não só tem incidência imediata, como também deve
3 - AN
retroagir para alcançar os fatos ocorridos antes de sua vigência (...) o que acaba de ser
02 LY
(exatamente porque possuem também caráter penal) devem ser aplicados inclusive a
1/0 - P
Assim, no caso do acordo de não persecução penal não será diferente: “Para
quem esteja sendo processado, por crime que passou a admitir o acordo de não
Em .428
persecução penal, tal instituto é mais benéfico e deve ser aplicado retroativamente”26.
51
24
GRINOVER, ADA PELLEGRINI et al. Juizados Especiais Criminais. 5ª ed. São Paulo: RT, 2005. Pp. 52/53. Acrescentam
os autores que “o primeiro fundamento dessa inevitável conclusão está no clássico princípio do favor rei. O que
so
favorece o réu deve incidir desde logo. O segundo fundamento é de natureza constitucional: as normas
definidoras de direitos e garantias fundamentais conta com aplicação imediata, nos termos do art. 5º, §1º, CF”.
s
pre
25
Idem.
Im
26
BADARÓ, GUSTAVO. Ob cit.
12
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Vv. Exas. alguns critérios que podem ser utilizados para definição de limites à
S
RE
retroação da norma penal em questão.
OA
Desde a edição da lei foram propostos por doutrina, jurisprudência e pelos
atores processuais algumas balizas para definição do momento limite em que as
AS
disposições do acordo de não persecução penal poderiam produzir efeitos em casos
AN
anteriores à sua existência.
NT
Assim, surgiram posicionamentos que indicavam como limite os casos em que
:03 SA
ainda não houve recebimento da denúncia27, sentença condenatória28, o trânsito em
julgado da decisão condenatória29 ou mesmo uma aplicação irrestrita, para além do
:58 E
14 A D
trânsito em julgado do processo30. 3 - AN
02 LY
1/2 OL
27
Posição apresentada pelo Conselho Nacional de Procuradores Gerais -
https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/GNCCRIM_-_ANALISE_LEI_ANTICRIME_JANEIRO_2020.pdf;
1/0 - P
acessado em 2.9.21. Posição reproduzida na decisão tomada no âmbito do AgRG em HC 191.464, 1ª T., rel. Min.
ROBERTO BARROSO, j. em 11.11.20.
: 1 -77
28
Cf.: CABRAL, RODRIGO LEITE FERREIRA. Manual do acordo de não persecução penal. Salvador: Juspodivm, 2020. P.
213.
Em .428
29
Tal como considera GUSTAVO BADARÓ: “O acordo de não persecução penal, indiscutivelmente, é mais benéfico
do que a condenação penal. Por essa razão, sempre que não houver óbice à aplicação de tal instituto, será
51
necessária buscar a solução consensual. Não se pode objetar com irracionalidade de não se processar quem já
está sendo processado ou mesmo quem já se submeteu a todo rito em primeiro grau, ou mesmo parte da fase
.6
recursal. As repercussões e vantagens do acordo de não persecução penal, no plano material, principalmente em
relação à não caracterização da reincidência, autorizam sua aplicação aos processos em curso quando da
57
entrada em vigor da Lei 13.964/2019, mesmo se houver denúncia e, até mesmo, se o processo já se encontre em
fase bastante desenvolvida. O único óbice temporal é quando já houver a coisa julgada. Não se desconhece
r: 3
que o art. 2º, caput, do Código Penal, prevê a aplicação da lei penal mais benéfica, mesmo após o trânsito em
julgado da condenação penal. Mas essa regra se aplica aos casos de novatio in mellius, referente a institutos
po
exclusivamente de direito penal. No caso de normas mistas, com conteúdo material e processual, a existência
de um processo em curso é um limite que não pode ser transposto". Badaró, Gustavo. Ob. cit. Página RB-2.1/RB-
2.7.
s so
30
Neste ponto: “cada qual cria uma barreira insuperável não prevista pelo constituinte e tampouco pelo
pre
legislador ordinário. É claro o teor do inciso XL do art. 5º da Constituição Federal: ‘a lei penal não retroagirá,
salvo para beneficiar o réu’. De igual modo, extrai-se do parágrafo único do art. 2º do Código Penal que nem
mesmo o trânsito em julgado da sentença penal condenatória impede a aplicação retroativa de lei posterior
Im
favorável”. SCHMITT DE BEM, LEONARDO e MARTINELLI, JOÃO PAULO. Ob. cit. Pp. 126/127.
13
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É correto ponderar, contudo, que algumas das soluções propostas carecem,
S
RE
com o devido respeito a seus defensores, de substrato para manutenção de seus
OA
fundamentos e, consequentemente, merecem ser rejeitadas.
AS
penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não
AN
recebida a denúncia”, adotada pela C. 1ª Turma desse E. Supremo Tribunal Federal,
NT
deve-se considerar que tal proposição manifesta apego à fase do procedimento em
:03 SA
que tal benefício deve ser proposto.
:58 E
14 A D
resulta do fato de ao se analisar o ANPP em conjunto com benefício a ele semelhante,
no caso a suspensão condicional do processo, verifica-se que doutrina e jurisprudência
3 - AN
o benefício seja apresentado ao acusado (art. 383, §1º, CPP e Súmula nº 337, do E.
1/2 OL
Vale dizer, se existe possibilidade de, após iniciado o processo, haver nova
: 1 -77
jurídicas o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao acordo de não persecução penal.
51
benefício.
r: 3
argumento em questão não se presta a afastar o caráter benéfico da lei, dado que não
s
existe norma que permita tal limitação, isto é “toda lei que contenha uma nova norma
pre
Im
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mais benéfica deve retroagir e, neste caso, o correto é dizer que a persecução não
S
RE
deverá continuar”31.
OA
Aliás, como consideram NILO BATISTA e RAUL ZAFFARONI, “O princípio da
retroatividade da lei penal mais benigna encontra seu fundamento na natureza da lei
AS
penal. Se esta prevê apenas situações excepcionais, a sucessão de leis que altera a
AN
intervenção do estado na esfera de bens jurídicos do autor denota uma mudança na
NT
apreciação. Se as agências políticas passaram a considerar contra-indicada uma
:03 SA
ingerência dessa magnitude – ou de outra qualquer – não tem sentido que o juiz a
habilite só porque era considerada razoável no momento em que o autor cometeu o
:58 E
14 A D
fato. Por outro lado, o princípio republicano de governo exige a racionalidade da ação
do estado e esta é afetada quando, pela mera circunstância de que um indivíduo tenha
3 - AN
cometido o mesmo ato com anterioridade a outro, seja tratado com mais rigor”.32
02 LY
ANPP não devem receber a resposta estatal que antes pesava sobre os ombros do
1/0 - P
acusado, de modo que a validade de um ato judicial não pode ser considerado um
: 1 -77
aplicadas aos casos com recurso pendente, dado seu conteúdo benéfico33.
.6
31
SCHMITT DE BEM, LEONARDO e MARTINELLI, JOÃO PAULO. Ob. Cit. P. 127.
s
pre
32
BATISTA, NILO e ZAFFARONI, RAUL. Ob. Cit. P. 216.
Im
33
SCHMITT DE BEM, LEONARDO e MARTINELLI, JOÃO PAULO. Ob. Cit. P. 127.
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de maior gravidade, permite de forma expressa que ela seja realizada após a sentença
S
RE
condenatória (art. 4º, §5º, da Lei Federal nº 12.850/13)34.
OA
Assim, se entre acordo de colaboração premiada e acordo de não persecução
penal existe algum grau de aproximação, em razão da exigência de um
AS
comportamento de colaboração por parte do autor do fato, com maior razão se deve
AN
aceitar a possibilidade de que, tal como se permite em relação ao primeiro, seja
NT
franqueada, à luz do princípio da isonomia, a celebração do segundo após a sentença
:03 SA
condenatória.
:58 E
14 A D
penal condenatória, restaria o limite trânsito em julgado, que é, para diversos autores,
uma barreira intransponível à aplicação do ANPP, sobretudo porque haveria
3 - AN
de proposta de ANPP”35.
1/2 OL
penal em questão de negócio jurídico processual que visa projetar efeitos sobre
determinada relação jurídica, a existência de um processo em curso –
Em .428
.6 51
57
34
Como observa VINICIUS VASCONCELLOS, “o regramento introduzido pela Lei 12.850/13 foi claro ao admitir a
colaboração em qualquer etapa da persecução penal, ainda que após o início do processo, o proferimento da
r: 3
sentença ou, inclusive, o trânsito em julgado da condenação (...) Desse modo, existe a possibilidade de a
cooperação se realizar após o início do processo (colaboração intercorrente) ou em momento posterior ao
sentenciamento em primeiro grau (colaboração tardia), concretizando-se em âmbito recursal. Como explicita
po
Execuções Penais’”. Colaboração premiada no processo penal. 3ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
2020. Pp. 274/275.
s
pre
35
MADEIRA DEZEM, GUILHERME..Ob. cit. P. RB-5.1/RB-5.4.
Im
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independentemente da fase processual em que esteja - parece ser um limite que não
S
RE
pode ser transposto.
OA
Esse tema já foi avaliado por ocasião da edição da Lei Federal nº 9.099/95, em
relação aos institutos despenalizantes nela inseridos, tendo doutrina bastante
AS
capacitada ponderado à época que “os casos já julgados definitivamente (é dizer, com
AN
trânsito em julgado) não serão obviamente ressuscitados. Estamos diante de institutos
NT
processuais ou pré-processuais que exigem, claramente, processo penal de
:03 SA
conhecimento em curso ou na iminência de ser iniciado. Se já findo, nada mais pode
ser feito. Uma lei nova puramente penal benéfica (diminuição de pena, por exemplo)
:58 E
14 A D
alcançaria inclusive a coisa julgada material (nos termos do que dispõe o art. 2º do CP),
mas jamais quem já tivesse cumprido a sanção fixada. Do mesmo modo, um instituto
3 - AN
processual novo (mesmo que benéfico) só pode incidir sobre o processo não
02 LY
encerrado”37.
1/2 OL
adequada ao tema ora em exame, tendo em vista que “Não se desconhece que o art.
: 1 -77
2º, caput, do Código Penal, prevê a aplicação da lei penal mais benéfica, mesmo após
o trânsito em julgado da condenação penal. Mas essa regra se aplica aos casos de
Em .428
A solução ora proposta, isto é, que o limite de retroatividade seja definido pelo
r: 3
situações já definidas no passado, permitindo que os casos ainda em curso possam ser
s so
pre
37
GRINOVER, ADA PELLEGRINI et al. Juizados Especiais Criminais. 5ª ed. São Paulo: RT, 2005. P. 53.
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38
BADARÓ, GUSTAVO. Ob. cit. Página RB-2.1/RB-2.7.
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resolvidos a partir da nova regra que concede diversificação da pena criminal, com
S
RE
redução de danos aos envolvidos.
OA
Certo é, Exas., que sobejam argumentos para que se rejeite a proposta de uma
AS
aplicação retroativa estreita, sobretudo ante a consideração da vocação da norma de
priorizar os recursos estatais para os casos mais graves e dar uma nova oportunidade
AN
aos cidadãos de impedirem uma condenação penal ou os efeitos dela derivados.
NT
:03 SA
V. NECESSIDADE DE CONFISSÃO PRÉVIA
:58 E
A tradição do processo penal brasileiro sempre situou o acusado como um
14 A D
indivíduo que oferece resistência às atividades de persecução penal, não sendo
3 - AN
esperado que ele contribuísse de forma efetiva para a consecução das atividades
estatais.
02 LY
1/2 OL
quanto declarado pela lei que regula a colaboração premiada, não possuindo,
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portanto, vocação para impulsionar investigações ou incriminar terceiros, já que
S
RE
pressupõe uma situação em que a opinio delicti já está formada.
OA
Além disso, não gera ao seu declarante nenhum compromisso processual que
persista após a declaração de extinção de punibilidade, diversamente do que ocorre
AS
com a colaboração premiada.
AN
A confissão exigida pelo acordo de não persecução penal, neste ponto,
NT
representa renúncia de garantias processuais, que pode ou não ser considerado como
:03 SA
uma medida legítima, sobretudo ante a inexistência de uma finalidade para tal ato39.
:58 E
Sob tal perspectiva, o Estado oferece uma contrapartida à renúncia do direito
14 A D
ao silêncio prevista em lei para estimular a participação do acusado, que não possui
3 - AN
tal obrigação processual, sobretudo porque "a decisão de confessar decorre de uma
opção legítima e importante da defesa do investigado, além de ser necessariamente
02 LY
39
As posições acerca do tema são variadas. Entendendo não haver violação à Constituição: (...) “o dispositivo
em análise não anula a garantia constitucional do acusado de permanecer em silencio, descrita no art. 5o, LXIII,
Em .428
da Constituição Federal. Isso porque o investigado não e compelido a dizer a verdade ou de não permanecer em
silencio. A escolha pela intervenção ativa, isto e, de prestar declarações fidedignas sobre os fatos, desde que livre
e consciente, não viola aquela garantia constitucional” Rogério Sanches Cunha, Renee do Ó Souza, Francisco
51
Dirceu Barros e Rodrigo Leite Ferreira Cabral (orgs). Acordo de Não Persecução Penal, 3ª Ed. rev. e atual., São
Paulo: JusPodivm, 2020, p. 161. Em sentido contrário, há quem considere existir violação do texto constitucional:
.6
“Entendemos ser inconstitucional a exigência legal da confissão do investigado, por violar a prerrogativa de não
autoincriminação contida no art. 8º n. 2, alínea G da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que
57
assegura o direito de a pessoa não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”.
JUNQUEIRA, GUSTAVO. Lei Anticrime Comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 153-154. Ademais,
r: 3
destaca-se o posicionamento de GUILHERME NUCCI: “Neste ponto, é preciso destacar tratar-se de um acordo para
não haver persecução penal; assim sendo, obrigar o investigado a confessar formalmente o cometimento do
po
crime para depois fixar penas alternativas e outras condições não nos parece válido, ferindo o direito à imunidade
contra a autoacusação. Imagine-se que o investigado celebre o acordo e depois não o cumpra. O Ministério
Público pode pedir a rescisão do pacto e propor denúncia, lembrando, então, que, a essa altura, já terá havido
so
confissão por parte do acusado. Cremos que esse acordo possa e deva ser celebrado sem necessidade de
confissão plena e detalhada”. Curso de direito processual penal, 17ª ed, São Paulo: Ed. Forense, 2020. p. 245.
s
pre
40
CABRAL, RODRIGO LEITE. A confissão circunstanciada dos fatos como condição para a celebração do acordo de não
persecução penal. Disponível em Acordo de não Persecução Penal / Leonardo Schmitt de Bem, João Paulo
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A questão que se coloca frente a tal ordem de considerações é se haveria
S
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necessidade de que o acusado já tivesse confessado, no caso em curso, para que o
OA
benefício pudesse lhe ser estendido.
AS
processo penal e o caráter estratégico da confissão, não se pode aplicar um novo
AN
critério a uma situação estabelecida sobre um ambiente distinto, de modo que, se não
NT
era obrigatório ou exigível que o acusado confessasse a prática delitiva, o fato de ele
:03 SA
não ter formalizado tal comportamento antes da edição da lei não se presta a eliminar
o seu direito à celebração do acordo, caso realize tal declaração sobre os fatos durante
:58 E
14 A D
a negociação da avença.
Neste ponto, “não tendo havido a confissão pelo réu, deve-se converter o feito
3 - AN
possibilidade de fazê-la”41.
1/0 - P
que não é exigível do autor do fato por força de norma constitucional que garante o
direito ao silêncio – em casos anteriores à edição da lei é interpretar o conteúdo de
Em .428
uma norma constitucional em desfavor de seu titular, o que é incorreto por questão
51
de princípio.
.6
do acordo de não persecução penal, a fim de que durante as tratativas seja realizada
po
41
DE BEM, LEONARDO SCHMITT. Os requisitos do acordo de não persecução penal. Disponível em Acordo de não
Persecução Penal / Leonardo Schmitt de Bem, João Paulo Martinelli (organizadores). 1ª ed. São Paulo: D´Plácido,
Im
2020. p.202.
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Por fim, como se adiantou, essa declaração é efêmera, já que por não ser
S
RE
produzida em contraditório não se prestará a incriminar terceiros e, caso haja
OA
cumprimento das condições, nem mesmo ao autor do fato ela seria oponível, em tese,
diante da extinção de sua punibilidade.
AS
Desta forma, evidencia-se com certo grau de clareza que a exigência da
AN
confissão parece não desempenhar nenhuma função relevante no processo e, por se
NT
tratar de ato que impõe a renúncia a direito de índole constitucional, não pode ser
:03 SA
considerada como um requisito prévio a ser analisado nos casos já em curso.
Assim, denota-se que aos casos iniciados antes do início da lei, deverão ser
:58 E
14 A D
adotadas providências pela defesa junto ao Ministério Público, para que seja
apresentada a declaração do fato durante as tratativas do acordo de não persecução
3 - AN
penal, sendo despiciendo que tal medida tenha sido adotada antes da edição da lei
02 LY
VIII. CONCLUSÃO
: 1 -77
penal retroage em benefício do réu, mesmo nos casos com trânsito em julgado
r: 3
decretado;
po
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c) O acordo de não persecução penal estabelece nova condição de extinção de
S
RE
punibilidade (cumprimento do acordo) e se encaixa no conceito de norma
OA
processual com conteúdo material (limitação do poder de punir) e deve possuir
aplicação retroativa aos casos ocorridos antes do início de sua edição;
AS
d) A lei que introduziu o acordo de não persecução penal, a saber a Lei Federal nº
AN
13.964/19, não estabeleceu um critério para reger o conflito de direito
NT
intertemporal relacionado à aplicação retroativa da norma;
e) Como a lei de regência não estabeleceu um limite à capacidade de retroação
:03 SA
da norma, o tema deverá ser definido a partir das regras contidas na
:58 E
Constituição Federal, sendo certo que o art. 5º, XL, estabelece que a lei penal
14 A D
benigna retroage ainda que tenha havido o trânsito em julgado do processo
3 - AN
penal;
02 LY
demais limites apresentados até agora por doutrina e jurisprudência, dado que
sentenças e decisões recorríveis podem ser modificadas ou anuladas pela via
1/0 - P
recursal, permitindo que a norma, por possui conteúdo benéfico, possa ser
: 1 -77
aplicada retroativamente;
Em .428
h) A confissão exigida pela lei não necessita ser prévia, podendo ser realizada –
57
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firmes no compromisso com os preceitos democráticos instituídos na Constituição da
S
RE
República de 1988, agradecemos a deferência da autorização para participar no caso
OA
penal na condição de Amicus Curiae.
É o Parecer,
AS
De São Paulo para Brasília, em 11 de setembro de 2021.
AN
NT
:03 SA
:58 E
ALBERTO ZACHARIAS TORON
14 A D
MARINA PINHÃO COELHO
OAB/SP 65.371 e OAB/DF 40.063
ARAÚJO
OAB/SP 173.413
3 - AN
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