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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

PETIÇÃO Nº 10.820/DF – AUTOS FÍSICOS E SIGILOSOS

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RELATOR : MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
REQUERENTE : D.O. E OUTROS
REQUERIDO : C.B.S.
PETIÇÃO GCAA/PGR/MPF Nº 1529 - 93469/2023

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Excelentíssimo Senhor Ministro Relator,

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Subprocurador-Geral

da República infra-assinado, no exercício de suas funções constitucionais e

legais, vem à presença de Vossa Excelência, respeitosamente, em atenção aos

despachos datados de 27/01/2023 e 31/01/2023, expor e requerer o que segue.

I – CONTEXTUALIZAÇÃO FÁTICA

Na data de 8 de janeiro de 2023, uma turba violenta e

antidemocrática, insatisfeita com o resultado do pleito eleitoral de 2022,

almejando a abolição do Estado Democrático de Direito e a deposição do

governo legitimamente constituído, avançou contra as sedes dos Três Poderes

da República, exigindo célere e enérgica resposta estatal. A escalada da

violência ganhou contornos incompatíveis com o Estado de Direito, resultando

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na invasão e enorme depredação dos prédios do Palácio do Planalto, do

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Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

As condutas noticiadas caracterizam, em tese, a prática dos delitos

de associação criminosa (art. 288 do Código Penal), abolição violenta do

Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal), golpe de Estado

(art. 359-M do Código Penal), ameaça (art. 147 do Código Penal), perseguição

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(147-A, § 1º, inciso III, do Código Penal) e incitação ao crime (art. 286 do

Código Penal).

Entretanto, as responsabilidades penais devem ser apuradas (e

assim tem sido feito) na medida da culpabilidade de cada agente. Desse

modo, alguns dos envolvidos devem ser responsabilizados por delitos mais

graves e, consideradas as condições pessoais, a gravidade concreta dos fatos, o

risco para a instrução, a aplicação da lei penal e a ordem pública, ter a prisão

mantida, enquanto outros incidiram, em tese, em crimes menos graves, cujo

somatório de sanções máximas não ultrapassa os 4 anos e, por isso, devem ter

a prisão substituída por medidas cautelares diversas, como tendo sido

pleiteado pelo Ministério Público Federal.

Vejamos, doravante, a possibilidade ou não de acolhimento dos

pleitos contidos nos autos.

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II – DO PANORAMA RELATIVO AOS REQUERENTES LISTADOS NAS

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DECISÕES DE 27/01/2023 E 31/01/2023

Em 20 de janeiro de 2023 o sítio oficial do Supremo

Tribunal Federal noticiou a conversão de 942 (novecentas e quarenta duas)

prisões em flagrante em prisões preventivas1.

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Qualquer pessoa privada de liberdade tem direito de

reagir defensivamente à investida estatal que lhe restringe o status libertatis.

Para tanto, é indispensável que o imputado conheça sua

situação processual, de modo a ter aptidão para formular os pleitos

processuais adequados ao seu caso. É nesse sentido que o Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Políticos reconhece expressamente o direito do preso à

“informação” e o direito de reação processual, por meio de “recurso” - em

sentido lato – ao Poder Judiciário, o que se mostra em consonância com o art.

5º, XXXV, da Constituição Federal. Veja-se a redação do art. 9º, 2 e 4, do

referido diploma internacional:

2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das

razões da prisão e notificada, sem demora, das acusações

formuladas contra ela.

1 https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=500910&ori=1

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4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por

prisão ou encarceramento terá o direito de recorrer a um

tribunal para que este decida sobre a legalidade de seu

encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha

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sido ilegal.

Pondere-se que, ao se referir ao direito de informação do

preso sobre o teor das “acusações” contra ele formuladas, o Pacto

Internacional Sobre Civis e Políticos adota uma acepção ampla do termo, para

alcançar não apenas os casos em que houve efetiva propositura de ação penal,

mas todas as situações concretas de restrição ou ameaça a direitos de liberdade

na persecução penal. A propósito, são justamente os casos de prisão sem

acusação aqueles em que há margem superior de perpetuação da segregação

cautelar de forma ofensiva a direitos fundamentais, motivo porque não faria

sentido emprestar conotação restritiva ao termo acusação.

À luz desse raciocínio, também se tem interpretado

extensivamente o termo “acusados” no art. 5º, LV, da Constituição Federal, de

maneira a alcançar, na persecução penal, aqueles indivíduos que sofrem

medidas constritivas em etapa pré-processual.

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Com maior rigor essa lógica deve ser aplicada no

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expediente em tela, dado o grande número de manifestações a eles acostadas

relativas a diversos representados, consoante pormenorizado nos despachos

proferidos em 27 e 31 de janeiro de 2023.

Inicialmente, considerando que o Ministério Público

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Federal já ofereceu denúncia em desfavor de diversos representados na

petição em análise, imputando-lhes a prática de delitos mais graves e,

inclusive, com requerimento de conversão da prisão em flagrante em prisão

preventiva, passamos a análise do pedido de revogação da prisão preventiva

dos requerentes que se encontram nesta condição.

III – MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – HIPÓTESE CRIMINAL DOS ARTS.

163, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISOS I, II, III E IV, 288, PARÁGRAFO ÚNICO, 359-L E

359-M, TODOS DO CÓDIGO PENAL, E ART. 62, I, DA LEI Nº 9.605/1998) –

PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS E REQUISITOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR –

GRAVIDADE CONCRETA DOS CRIMES – RISCO À ORDEM PÚBLICA, INSTRUÇÃO

CRIMINAL E APLICAÇÃO DA LEI PENAL – MANUTENÇÃO DAS PRISÕES

Entre os requerentes já denunciados cujas provas coletadas até esse

momento indicam que se dirigiram à Praça dos Três Poderes, adentraram e

vandalizaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo

Tribunal Federal, executando, de mãos próprias, os crimes de abolição

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violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado

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e dano contra bem especialmente protegido, e que estão relacionados nas

decisões de 27/01/2023 e 31/01/2023, tem-se os seguintes:

1 Aécio Lucio Costa Pereira – eDoc (8041/8042);


2 Alice Nascimento dos Santos – eDoc (8044/8045);

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3 Claudiomiro da Rosa Soares – eDoc (7956/7972);
4 Diego Eduardo de Assis Medina – eDoc (8072);
5 Ilson Cesar Almeida de Oliveira – eDoc (8257/8264);
6 Matheus Dias Brasil – eDoc (8050/8051);
7 Regina Aparecida Modesto – eDoc (8460/8462);
8 Reginaldo Carlos Begiato Garcia – eDoc (8047/8048);

Esses agentes, a priori, incorreram nos crimes de associação

criminosa armada (artigo 288, parágrafo único, do Código Penal), abolição

violenta do Estado Democrático de Direito (artigo 359-L do Código Penal),

golpe de Estado (artigo 359-M do Código Penal), dano qualificado (artigo 163,

parágrafo único, incisos I, II, III e IV do Código Penal) e contra o ordenamento

urbano e o patrimônio cultural (artigo 62, I, da Lei nº 9.605/1998), tudo na

forma dos artigos 29, caput e 69, caput, do Código Penal.

Nos termos dos artigos 311, 312, caput e § 2º, e 315, caput e § 1º, todos

do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada, por

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decisão judicial devidamente motivada e fundamentada, em qualquer fase da

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investigação policial ou do processo penal, como garantia da ordem pública,

da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para

assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do

crime e indício suficiente de autoria (fumus comissi delicti) e de perigo gerado

pelo estado de liberdade do denunciado (periculum libertatis). Além disso, deve

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apoiar-se na existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a

aplicação da medida adotada.

De acordo com o artigo 313, inciso I, do Estatuto Processual Penal,

admite-se a decretação da custódia preventiva nos crimes dolosos punidos

com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos.

Ademais, ao apreciar individualmente a conduta dos agentes acima

elencados, como sói ocorrer em se tratando de Direito Penal e Direito

Processual Penal, nota-se que os atos apurados são gravíssimos, afigurando-se

a prisão preventiva como providência necessária e adequada no particular,

considerando que a liberdade destes agentes gera perigo concreto à garantia

da ordem pública, à instrução criminal e, em última análise, à própria

aplicação da lei penal ou, em outras palavras, à eficácia e à efetividade do

sistema de justiça criminal.

Não se pode desconsiderar o risco efetivo de reiteração dos atos

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criminosos e antidemocráticos noticiados nos presentes autos, considerando a

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clara expectativa de novas mobilizações e convocações de outras

“manifestações nacionais”, como a que ocorreria na data de 11 de janeiro de

2023, o que, inclusive, ensejou a determinação de uma série de providências

do E. Ministro Alexandre de Moraes nos autos da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental nº 519/DF2.

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De tal modo, a manutenção da constrição cautelar servirá tanto para

interromper a atividade criminosa como para assegurar a regularidade do

transcurso da persecução criminal e, em perspectiva, ao final, a própria

aplicação da lei penal.

Em liberdade, os agentes relacionados poderão encobrir os ilícitos e

alterar a verdade sobre os fatos, sobretudo mediante coação a testemunhas e

outros agentes envolvidos e ocultação de dados e documentos que revelem

suas ligações com terceiros. A constrição cautelar evitará a obstaculização da

ampla apuração dos fatos e a destruição de provas.

No caso, há elementos de convicção concretos que justificam, com

segurança, a medida ora postulada e, balanceados os interesses destes agentes

e os anseios da persecução penal e da sociedade, sem sacrifício de um em

detrimento do outro, as cautelares diversas da prisão mostram-se insuficientes

2 Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF519Decisao11dej


aneiro.pdf. Acesso em: 12 jan. 2023.

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para a tutela de bens jurídicos tão caros à sociedade.

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Ressalte-se, ainda, que, na forma do art. 316 do CPP, nenhum

elemento que altere a situação fático-processual foi apresentado, impondo-se a

manutenção da constrição cautelar.

Por fim, em relação ao pleito defensivo de concessão de prisão

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domiciliar aos acusados CLAUDIOMIRO DA ROSA SOARES e REGINA

APARECIDA MODESTO, o Ministério Público Federal requer sejam

submetidos à junta médica oficial para avaliar a real condição de saúde, a

eventual necessidade de cuidados específicos e continuados e a

impossibilidade de atendimento pelo sistema carcerário.

Por todo o exposto, o Ministério Público Federal, entendendo

necessária a preservação da ordem pública, da instrução criminal e da

aplicação da lei penal, requer, na forma do art. 312 do Código de Processo

Penal, a manutenção das prisões preventivas dos agentes antes relacionados.

Brasília, data da assinatura digital.

CARLOS FREDERICO SANTOS


SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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