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Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE NOVA FRIBURGO


Avenida Rui Barbosa, nº 233, Centro, Nova Friburgo – RJ – CEP.: 28.625-050
Tel.: (22) 2533.1319
pjcivnfr@mprj.mp.br

PROCESSO: 0003692-56.2021.8.19.0037/ 3ª Vara Cível/NF


AUTORA: , representada por sua genitora,

RÉU: GS – PLANO GLOBAL DE SAÚDE LTDA


_______________________________________________________________________

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

MM. DR. JUIZ:

Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c INDENIZATÓRIA COM


PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA entre as partes em referência, objetivando a parte
autora que a ré seja instada a arcar com os custos da “Terapia Ocupacional Especializada
em Integração Sensorial de Ayres”, independente de quantas sessões sejam necessárias,
com profissional particular enquanto não existir vaga com profissionais conveniados.

Promoção do Ministério Público, no índice 67, manifestando-se pelo


deferimento parcial da tutela de urgência requerida na inicial.

Despacho, no índice 71, deixando de designar a Audiência de Conciliação, bem


como determinando a intimação da parte ré para que se manifeste, no prazo de 72 horas,
sobre o pedido de antecipação de tutela, esclarecendo questões de natureza técnica, em
especial, a necessidade ou não do tratamento, o motivo da recusa do fornecimento do
tratamento ou ainda a ausência de urgência, sobre o plano de saúde firmado entre as
partes e sobre a possibilidade de custeio/reembolso do tratamento.

Manifestação da parte ré, no índice 90, informando que procedeu ao


agendamento de atendimento para a autora, com profissional habilitado.

A autora, no índice 95, reiterou o pedido de apreciação da tutela de urgência,


alegando que, apesar de ter sido atendida pelo profissional indicado pela ré, não foi
possível iniciar o tratamento, haja vista a ausência de vaga na clínica.

Contestação do GS – PLANO GLOBAL DE SAÚDE LTDA, no índice 106,


sustentando, em síntese, a existência de clínicas especializadas credenciadas ao plano de
saúde; a escassez de profissionais especializados no mercado; a alta demanda desses
profissionais; que não houve negativa por parte do plano de saúde, quanto aos
procedimentos solicitados, não sendo abusivo, portanto, o seu comportamento; que o plano
de saúde contratado pela autora é de menor custo mensal, o qual, sabidamente, possui
algum tipo de limitação, como consultas, procedimentos e exames, fruto de cálculos
atuariais e tecnicamente proporcional ao valor da mensalidade; a ausência de afronta aos
direitos da personalidade e o descabimento da inversão do ônus da prova.

Réplica: índice 152.

O Ministério Público, no índice 161, reiterou os termos da promoção lançada


no índice 67, no sentido da concessão parcial da tutela de urgência, e promoveu pela
intimação das partes para que manifestem o interesse na produção de outras provas.
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A parte ré, no índice 163, juntou documentos, demonstrando que a autora está
realizando as sessões de terapia ocupacional.

Despacho, no índice 167, determinando a intimação das partes, inclusive do


MP, para que, no prazo de DEZ DIAS, informem se possuem outras provas a produzir,
especificando-as corretamente e indicando os pontos a serem demonstrados, sob pena de
perda/indeferimento.

A parte ré, no índice 76, informou não possuir outras provas a produzir.

Manifestação da parte autora, no índice 182, informando não possuir mais


provas a produzir, requerendo o julgamento antecipado do pedido.

O Ministério Público, no índice 193, promoveu pela intimação da parte autora


para que se manifeste, especificamente, quanto à efetiva concessão do tratamento pelo
plano e sobre sua continuidade e regularidade, bem como pela intimação das partes para
que manifestem o interesse na realização de audiência de conciliação.

A autora, no índice 197, reiterou o pedido de julgamento antecipado do pedido.

No índice 205 a parte autora juntou laudo médico atualizado, indicando a


necessidade de ampliação do número de sessões de Terapia Ocupacional.

A parte ré, no índice 214, não se opôs ao aumento do número de sessões de


terapia ocupacional, para duas vezes por semana.

A autora, no índice 216, informou que apesar de ter solicitado, junto à empresa
ré, a ampliação do número de sessões de terapia, foi informada que tal questão deveria
ser resolvida neste processo, contrariando as alegações da própria ré, no índice 214.

Autos ao Ministério Público.

Relatados os autos em seus aspectos essenciais, passa o Ministério


Público a opinar.
PRELIMINARMENTE
DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO PEDIDO

A questão de mérito é exclusivamente de direito, não havendo necessidade de


produção de outras provas, notadamente em razão dos documentos que instruem o feito,
especialmente, dos laudos e declarações que instruem o feito, o que deixa patente a
possibilidade de julgamento antecipado do pedido, nos termos do art. 355, I, do novo
Código de Processo Civil.

Diante disso, manifesta-se o Ministério Público no sentido do julgamento


antecipado do pedido, no estado do processo.

DO FATO ALEGADO
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Consta da inicial que a autora é beneficiária do plano de saúde GS Fácil,


desde 11 de setembro de 2018 (índice 29), e, de acordo com o laudo médico apresentado
no índice 48 e do teor do índice 57, apresenta sinais sugestivos de transtorno do espectro
autista com atraso na linguagem e comunicação, estereotipias e desorganização sensorial,
sendo recomendada a “terapia ocupacional especializada em integração sensorial de
Ayres”. Alega ter tentado exaustivamente agendar uma consulta com os profissionais
credenciados ao plano e com especialidade na terapia indicada, sem, contudo, obter êxito,
conforme protocolos de atendimentos informados na inicial (fl. 4) e cópia das mensagens
eletrônicas com as clínicas credenciadas (índice 49).

Diante de todo esse quadro apresentado, a autora se viu obrigada a ingressar


com a presente demanda.

DO MÉRITO

Primeiramente, cumpre destacar que não restam dúvidas de que o caso se


amolda a uma relação de consumo, em razão da situação jurídica de consumidor do
demandante, nos termos do art. 2º da Lei 8.078/90, enquadrando-se o demandado na
qualidade de fornecedor, na forma do art. 3º do mesmo diploma legal.

Ademais, aplica-se à hipótese dos autos o Enunciado da Súmula nº 608 do


STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde,
salvo os administrados por entidades de autogestão.” (SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 11/04/2018, DJe 17/04/2018).

Diante disso, sendo as normas do Código de Defesa do Consumidor mais


benéficas, merecem aplicabilidade a fim de compensar os desequilíbrios contratuais,
vedando as chamadas “cláusulas abusivas”.

A controvérsia dos autos consiste em analisar se há limitação de números de


sessões em relação à terapia ocupacional especializada em integração sensorial de
Ayres.

Por sua vez, o laudo médico firmado pela neurologista infantil (índice 206)
demonstra a necessidade de aumento do número de sessões para duas a três vezes
semanais das seguintes terapias: fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia
com método ABA), haja vista apresentar atraso global do desenvolvimento,
comunicação, fala, e interação social, sendo os sintomas compatíveis com
transtorno do espectro autista (CID 10 F84.0).

Contudo, de acordo com as informações constantes nos autos, o plano de


saúde réu não está fornecendo as terapias na frequência necessária, havendo prejuízos
no tratamento da autora.

Acresce-se que, mesmo que o contrato obedeça às Resoluções do Ministério


da Saúde/ANS, ainda assim estará sujeito à revisão e invalidação em razão da existência
de cláusulas abusivas.
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No presente caso a autora é a parte vulnerável na relação jurídica de consumo


e, dessa forma, a interpretação das cláusulas contratuais deve ser feita de forma favorável
ao consumidor, nos termos do artigo 47 1 do Código de Defesa do Consumidor.

Quanto à obrigatoriedade do plano de saúde em fornecer medicamentos e


tratamentos aos pacientes, cumpre trazer a lume o seguinte entendimento do Superior
Tribunal de Justiça:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


AÇÃO COMINATÓRIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73.
INEXISTÊNCIA. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO. CLÁUSULA ABUSIVA. AGRAVO INTERNO
NÃO PROVIDO. 1. [...] 2. O Superior Tribunal de Justiça possui
entendimento de que a operadora do plano de saúde pode
delimitar as doenças passíveis de cobertura, mas não pode
restringir os procedimentos e as técnicas a serem utilizadas
no tratamento da enfermidade, mormente quando o
medicamento em questão está devidamente registrado na
ANVISA, como é o caso dos autos. 3. Agravo interno a que se
nega provimento.” (AgInt no AREsp 1.069.037/SP, Rel. Ministro
RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 27/6/2017, DJe
1º/8/2017 – sem destaque no original)

Logo, para a Quarta Turma do STJ, os planos de saúde não podem


delimitar/restringir os procedimentos, técnicas e medicamentos a serem utilizados na
enfermidade do paciente.

No mesmo sentido, é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,


o qual, inclusive, já sumulou a matéria:

SÚMULA TJ Nº 340 - Plano de saúde. Previsão de cobertura de


doença. Exclusão de meios e materiais ao tratamento. Cláusula
abusiva. "Ainda que admitida a possibilidade de o contrato de
plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do
consumidor, revela-se abusiva a que exclui o custeio dos
meios e materiais necessários ao melhor desempenho do
tratamento da doença coberta pelo plano." Referência:
Processo Administrativo nº. 0053831 70.2014.8.19.0000 -
Julgamento em 04/05/2015 - Relator: Desembargador Jesse
Torres. Votação por maioria.

No mais, em que pesem os argumentos utilizados pela ré para justificar a


impossibilidade de oferecimento da quantidade de sessões de terapias prescritas à autora,
a resposta não merece prosperar. Isto porque, a ANS, em decisão tomada no ano passado

1Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao


consumidor.
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- 2021, passou a prever, através da Resolução Normativa nº 469/2021, Anexo I, 106, 2 2,


número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e
fonoaudiólogos para o tratamento de autismo, como é o caso da autora, de modo que
não há que se falar em limitações de sessões ou não concessão dos serviços pleiteados.

Diante de todo exposto, no caso em tela, a imposição de restrição aos


tratamentos multidisciplinares à autora fere o princípio da dignidade da pessoa humana,
em razão da supremacia do direito fundamental à saúde, que merece ser resguardado.

Logo, diante dos elementos constantes nos autos, resta evidenciada a


obrigatoriedade do réu em conceder os serviços requeridos pela autora, nas
frequências e formas prescritas pelo médico responsável, surgindo, para o réu, o
dever de indenizar, tendo em vista que os fatos narrados ultrapassam a seara do
mero aborrecimento, diante da angústia suportada pela parte autora decorrente do
comportamento lesivo.

Nestes termos, cumpre colacionar a o entendimento do Tribunal de Justiça do


Estado do Rio de Janeiro disciplinado na Súmula 209, in verbis:

“Enseja dano moral a indevida recusa de internação ou serviços


hospitalares, inclusive home care, por parte do seguro saúde
somente obtidos mediante decisão judicial.”

Ademais, versa a presente hipótese de verdadeiro dano moral in re ipsa, ou


seja, presumido, decorrente do próprio evento danoso.

Contudo, quanto ao arbitramento do quantum indenizatório, é preciso destacar


a necessidade de observância aos princípios fundamentais da razoabilidade, da
proporcionalidade, da equidade, e ter por parâmetro os danos objetivamente considerados,
conquanto imateriais, para que não se transforme seu valor em insignificância jurídica, sem
nenhuma força indenizatória ou pedagógico-punitiva, ou se caracterize causa de
enriquecimento ilícito.

De certo, haja vista a falta de um parâmetro legal para uma valoração objetiva
quanto ao valor do dano moral, torna-se tarefa das mais penosas aos julgadores precisar
o tamanho do dano causado nas esferas mais íntimas de pessoas das mais diversas
sensibilidades.

Entretanto, a lição do Mestre Caio Mario, extraída de sua obra


Responsabilidade civil, pp. 315-316, serve de norte para esta árdua tarefa de arbitrar o
dano moral. Diz o preclaro Mestre:

“Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n. 176), na
reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I –
punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que
imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris,

22. Cobertura obrigatória em número ilimitado de sessões para pacientes com diagnóstico
primário ou secundário de transtornos globais do desenvolvimento (CID F84)." (NR)
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porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer


espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que
pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a
amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança”.

É preciso, portanto, atentar para as características pessoais do ofendido, as


circunstâncias em que se deu o evento danoso e para a capacidade econômica do ofensor,
a fim de que o valor arbitrado a título de danos morais tenha força efetiva no mundo dos
fatos.

Atuando o Ministério Público nestes autos, em razão da qualidade da parte


autora (incapaz) e como fiscal da ordem jurídica, cremos que a fixação desse valor não
deve ser objeto de expressa manifestação ministerial, deixando-a ao livre arbítrio e
convencimento motivado do julgador.

CONCLUSÃO

Diante de todo exposto e do que mais consta dos autos, manifesta-se o


Ministério Público no sentido da PROCEDÊNCIA do pedido autoral, nos termos ora
expostos, por ser medida de Direito e de Justiça.

Nova Friburgo,

Assinado com certificado digital

Hédel Nara Ramos Jr.


Promotor de Justiça
Matrícula nº 1.287

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