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PGM – PROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO


ANEXO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA VARA DA FAZENDA
PUBLICA DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO.

Processo nº 1059167-46.2023.8.26.0576

MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, pessoa


jurídica de direito público interno, cadastrada no CNPJ sob nº
46.588.950/0001-80, com sede na Av. Alberto Andaló, nº 3030, na
cidade de São José do Rio Preto, por seu procurador, que esta
subscreve, com endereço profissional constante no rodapé, local onde
receberá as intimações de estilo, vem, respeitosamente a presença de
Vossa Excelência, para apresentar CONTESTAÇÃO nos autos da
AÇÃO DECLARATÓRIA C.C. COM OBRIGAÇAO DE FAZER,
consubstanciada nas razões de fato e de direito aduzidas nos
parágrafos subsequentes.

1. Breve Relato dos Fatos

A parte requerente sustenta, resumidamente, que no dia


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23 de novembro de 2023, apresentou requerimento de licença médica


de 30 dias, com início em 22/11/2023 até 22/12/2023. Contudo, após
passar por perícia médica, a perita reduziu o prazo para 10 dias.
Sustenta, ainda, que seu atestado médico goza de presunção de
veracidade, assim como não teria havido divergência acerca de sua
condição física. Em razão disso, postula a procedência dessa demanda
no sentido de declarar o direito ao gozo da licença médica acima
aludida e, ainda, a obrigação de fazer consistente em afastá-la das
atividades laborativas por 30 dias. A liminar foi indeferida. Esse é o
breve resumo do necessário à contextualização dos fatos.

2. DA PERDA DO OBJETO POR CAUSA


SUPERVENIENTE

Inexoravelmente, a presente ação perdeu seu objeto. Isso


porque, com o indeferimento da liminar, houve o transcurso do
tempo para o gozo da licença médica de 30 dia, haja vista que o prazo
da licença era de 22 de novembro a 22 de dezembro do corrente
ano.

Ademais, as causas que deram ensejo à emissão do


atestado médico, ao que tudo indica, não existem mais, pois, caso
contrário, a parte requerente teria protocolado outro requerimento de
licença saúde, fato esse que não aconteceu, motivo pelo qual a licença
médica não poderá ser concedida após o prazo de vencimento do citado
prazo de trinta dias.

Isso significa dizer que a parte requerente não pode


pleitear o direito de gozar trinta dias de licença médica se ela não se
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encontra mais doente e, tal licença, também não pode ser convertida
em pecúnia, até porque não fez parte do seu pedido.

Dessa forma, o interesse processual deve ser aferido não


somente no momento da propositura da ação, mas durante toda a sua
tramitação, inclusive no momento em que será proferido o
pronunciamento judicial. Nesse aspecto é oportuno transcrever a lição
do Professor Celso Agrícola Barbi:

"..., o interesse deve existir no momento


em que a sentença é proferida. Portanto, se ele existia
no início e desapareceu naquela fase, a ação deve ser
rejeitada por falta de interesse. E, se o interesse,
inexistente inicialmente surgiu durante o processo,
não pode a sentença deixar de reconhecer sua
existência." (Ação declaratória principal e incidente. 4.
ed./2. tir. − Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 87)

Importante trazer à baila renomado ensinamento do


doutrinador cearense José de Albuquerque Rocha:

“O interesse de agir é justamente essa


necessidade que tem alguém de recorrer ao estado e
dele obter proteção para o direito que julgue ter sido
violado ou ameaçado de violação. Por conseguinte,
alguém só pode exercitar o poder de ação, ou seja, só
pode pedir a proteção jurisdicional do Estado, quando
tem interesse nessa prestação jurisdicional, interesse
que nasce justamente do fato de o seu pretenso direito
ter sido violado ou ameaçado de violação e da
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proibição da justiça.”

Assim, quando ocorre a carência de ação por causa


superveniente, efetivamente cai por terra um dos requisitos da ação,
qual seja: o interesse de agir, razão pela qual o processo deve ser
extinto sem apreciação de mérito, uma vez que perdeu seu objeto.

Pelo exposto, verifica-se o perecimento da pretensão


deduzida na inicial e a consequente ausência de interesse processual,
consubstanciado no binômio necessidade-utilidade da tutela
jurisdicional do estado, sobrevindo, por consequência, a perda
superveniente do objeto e que se pede seja julgado extinto o processo
sem resolução de mérito.

3. DO MÉRITO

Indubitavelmente, o objeto desta demanda,


irretorquivelmente, se limita à conduta da médica perita do Município,
a qual formou convencimento no sentido de que não era o caso da
concessão de licença médica pelo prazo de 30 dias. A perícia
administrativa é atribuição privativa de médico, desde que investido
em função que assegure a competência legal e administrativa do ato
profissional, com o objetivo de avaliar questões relacionadas à saúde
e capacidade laborativa de servidores públicos.

A perícia médica em questão foi conduzida em


conformidade com as diretrizes estabelecidas pela Resolução CFM nº
2.323/2022, a qual estipula normas específicas para profissionais
médicos que prestam atendimento ao trabalhador. Destaca-se, dentre
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essas normas, o § 3º, que outorga ao médico do trabalho a


prerrogativa de discordar dos termos de um atestado médico
emitido por outro médico, desde que tal discordância seja
devidamente registrada no prontuário, embasada nos achados clínicos,
e após a realização do adequado exame clínico do trabalhador.

Ademais, a referida perícia foi conduzida seguindo


princípios técnicos e imparciais, cujos objetivos incluíram:

• Subsidiar a alegação apresentada pelo periciando por


meio de evidências objetivas que fundamentem a situação por ele
alegada;

• Caracterizar o estado de saúde ou doença do periciando,


seja para viabilizar sua permanência no ambiente de trabalho ou
recomendar seu afastamento;

• Considerar períodos anteriores de afastamento e sua


efetiva contribuição para a melhora da doença ou tratamento;

• Evitar manter o trabalhador afastado por longos períodos


de suas atividades e ambiente, facilitando o processo de retorno ao
trabalho, sem prejuízo à sua saúde, e preservando o valor social do
trabalho como fator de dignidade humana;

• Determinar a incompatibilidade da condição de saúde


com as demandas da atividade profissional do servidor, considerando
seu perfil profissiográfico;

• Emitir conclusões periciais respaldadas por preceitos


legais e administrativos, determinando o tempo de afastamento,
legitimando, assim, as ações do Poder Executivo perante órgãos de
previdência, tribunais de contas, controladorias e demais entidades
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pertinentes.

Prossiga-se, agora, com a análise de alguns aspectos que


se considera relevantes em relação ao procedimento pericial como um
todo. Segundo Leonardo Biscaia do Conselho Regional de Medicina do
Estado do Paraná1 numa perícia médica “tem-se [...] duas figuras
muito bem determinadas, com suas próprias competências e suas
atividades características. A primeira é a do médico assistente, que
responde pelo diagnóstico, tratamento e acompanhamento do paciente
[...]. A segunda é a do perito médico previdenciário, que analisa o
impacto que a doença alegada para o afastamento do paciente [...]
tem sobre a sua capacidade de desempenhar suas atividades
laborativas.”

Tudo isso está definido de modo muito claro em uma


resolução do CFM publicada em 2008 (número 1.851), que sofreu
modificação recentemente, por meio da resolução 2.015 de 2013 –
além do que está disposto capítulo XI do Código de Ética Médica, sobre
auditoria e perícia médica.

O [médico] assistente está empenhado em utilizar todos os


meios e todo o seu conhecimento para beneficiar o seu paciente, com
quem mantém uma relação de confiança. O perito, por seu turno, não
baseia sua prática na relação médico/paciente e, portanto, não se
estabelece uma relação de confiança; na verdade, a relação entre

1
1 BISCAIA, Leonardo. Atestados médicos, médicos assistentes e benefícios previdenciários. Disponível
em:
<http://www.crmpr.org.br/Atestados+medicos+medicos+assistentes+e+beneficios+previdenciarios+13+1
4575.shtml>
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perito e paciente é caracterizada pela desconfiança mútua, tendo em


vista haver interesses pecuniários envolvidos nessa relação.

Ao perito, como dito acima, como funcionário público


designado para responder a determinadas questões formuladas
implícita ou explicitamente pelo Estado, cabe analisar as consequências
de um dado diagnóstico sobre a capacidade para o trabalho do
paciente, não sendo de sua responsabilidade o diagnóstico, o
tratamento nem o acompanhamento do paciente, embora esses
conhecimentos sejam indispensáveis para sua avaliação.

Ainda, segundo Elias Tavares de Araújo2, o “[...] médico do


trabalho é o que tem melhores condições para o desempenho da tarefa
[pericial]. Considerando que esse especialista tem como função pericial
monitorar os trabalhadores, em defesa de sua saúde, o surgimento da
incapacidade laboral é tido como uma intercorrência verificada no
processo de seu monitoramento; nada mais justo, mais técnico e social
do que reconhecer o fato e adotar o procedimento mais adequado para
o trabalhador.”

ARAÚJO continua argumentando que: “O atestado para


abonar faltas ao trabalho fornecido pelo médico assistente a seu
paciente, no caso de um trabalhador, tem motivado sérios
desentendimentos, envolvendo o requerente do benefício, o médico
perito da empresa, do Órgão público, da Previdência Social, e, às
vezes, o próprio médico atestante e até as representações sindicais dos

2 2 DE ARAÚJO, Elias Tavares. Perícia Médica. Disponível em:


<http://www.portalmedico.org.br/biblioteca _virtual/desetic/24.html>
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trabalhadores.”

No entender do trabalhador e, por vezes, do próprio médico


assistente, a recomendação contida no atestado não pode deixar de
ser atendida pelo médico perito, sob pena de se configurar o
cometimento de delito ético e infração legal. Se, por um lado, mostra
que o documento seria sempre tido como incontestável, não
permitindo outras avaliações sobre seu soberano poder de decisão, do
que deveria orgulhar-se a classe médica, por outro lado, as legislações
previdenciária e da administração pública não confirmam o acerto
desse entendimento.

Nem sempre o médico assistente tem acesso às


informações sobre as reais tarefas exercidas pelo trabalhador,
sobretudo determinadas peculiaridades inerentes às condições do
trabalho e como se realiza. Desse modo, por mais competente que seja
a avaliação médica, sem esse conhecimento torna-se impraticável
aferir-se, com segurança, a capacidade ou incapacidade laboral do
examinado. O trabalhador, ao omitir detalhes sobre a função que
realmente exerce, poderá induzir o médico que o atende a emitir
parecer equivocado sobre a necessidade ou não do afastamento.

No fim, ARAÚJO conclui que “o médico perito tem não só a


competência legal e administrativa, como, também, a responsabilidade
pela concessão ou indeferimento da licença médica.”

Conclui-se, portanto, que o médico perito não contesta,


invalida ou se opõe de maneira direta e arbitrária às recomendações
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do médico assistente do servidor. Em vez disso, detém a prerrogativa


de aplicar um discernimento diferenciado em relação à capacidade
laboral do indivíduo sob avaliação, sendo imperativo destacar que tal
discrepância não configura violação ética ou legal.

Aliás, o artigo 153, da LCM nº 05/90, preconiza que


no caso de licença de até 30 dias, haverá a necessidade de uma
inspeção, a qual será feita por médico do setor de saúde da
Prefeitura Municipal. Consta, ainda, do parágrafo terceiro, do
referido artigo, que o atestado só produzirá efeitos depois de
homologado pelo setor médico do respectivo órgão, senão
vejamos:

Art. 153 Para licença até 30 (trinta) dias, a inspeção será


feita por médico do setor de saúde da Prefeitura
Municipal.

§ 1º Sempre que necessário, a inspeção médica será


realizada na residência do funcionário ou no
estabelecimento hospitalar onde se encontrar internado.

§ 2º Inexistindo médico da Prefeitura Municipal no local


onde se encontra o funcionário, será aceito atestado
passado por médico particular.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o atestado só


produzirá efeitos depois de homologado pelo setor
médico do respectivo órgão.

Assim sendo, não basta simples atestado médico particular


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a fim de comprovar doença para automaticamente estar o servidor


liberado de seu emprego e suas funções, já que a lei dispõe em sentido
diverso, exigindo a realização de perícia, sendo que durante a
realização da perícia, a perita do Município entendeu que não era o
caso de a periciada gozar 30 dias de licença médica.

Vale ressaltar, ainda, que em observância aos princípios


éticos e ao sigilo médico, não é possível divulgar os motivos e o
conteúdo específico da avaliação realizada e documentada no
prontuário médico.

Tais informações podem ser disponibilizadas


exclusivamente pela médica perita, mediante solicitação do Poder
Judiciário para sua própria defesa ou mediante autorização de liberação
do sigilo profissional por parte do servidor, na qualidade de paciente,
motivo pelo qual, se a parte requerente quiser a juntada do prontuário
médico, deverá fazer requerimento para tanto, ou, em Vossa
Excelência entendendo que há necessidade da sua juntada poderá
determinar que o Município assim o proceda.

4. DO PEDIDO

Pelo exposto, o Município de São José do Rio Preto requer


a Vossa Excelência que se digne de acolher a preliminar de perda do
objeto, por causa superveniente e, por consequência, declarar a
extinção do feito, sem julgamento do mérito. Em não sendo esse o
entendimento, que seja julgada a presente ação IMPROCEDENTE,
condenando-se a parte requerente ao pagamento de todos os
consectários legais.
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Requer provar o alegado por todos meios de provas em


direito admitidos, em especial o depoimento da parte requerente,
oitivas de testemunhas, cujo rol será oferecido no momento processual
oportuno e, ainda, pela realização de prova pericial.

Nestes termos pede e espera deferimento.

São José do Rio Preto, data do protocolo.

FERNANDO LUIS DE ALBUQUERQUE

PROCURADOR DO MUNICÍPIO – OAB/SP 149.932

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