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Ilmo. Sr. Presidente da Comissão Processante instituída pela Portaria nº xxx/2015.

Processo Administrativo Disciplinar nº xxx / 2015.

Servidor: xxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxx.

Servidor, já qualificado, vem por seu procurador abaixo-assinado apresentar DEFESA, pelas
questões de fato e de direito adiante expostas.

DA TEMPESTIVIDADE DA DEFESA

Preliminarmente, informa a tempestividade da presente peça, uma vez que foi recebido em
05/05/2015 a notificação para apresentação de defesa escrita, contando-se a partir daí o prazo
de dez dias previsto no art. 225 do Estatuto do Servidor Público Mineiro (Lei nº 869/1952), o
que nos leva ao termo final em 17/05/2015. Isto porque aplicar-se-á a norma geral de
contagem de prazos de acordo com Código de Processo Civil (art. 184) que determina a
exclusão do primeiro dia, e inclusão do último, não iniciando a contagem em dia não útil. Daí
contar-se-ão os dias corridos, conforme indicado no art. 280 do já referido Estatuto, fazendo-
nos alcançar o dia 17 como prazo fatal para apresentação de defesa.

DO PRETENSO ILÍCITO

O Servidor supracitado foi indiciado (fl. 02) por haver, em tese, infringido o disposto no inciso
VII, art. 216, da Lei nº 869/52, bem como por incorrer no disposto no inciso II, art. 249, da
mesma norma, sujeitando-se à penalidade prevista no caput do mesmo artigo (desobediência
a ordens superiores e abandono de emprego, com aplicação da penalidade mais gravosa, qual
seja, a demissão a bem do serviço público).

DOS FATOS

Em XX/XX/XXXX, é instaurado Processo Administrativo Disciplinar, com a publicação da


Portaria nº xxx/2015 (fl. 03), com o objetivo de apurar a ocorrência ou não dos ilícitos já
citados, atendendo despacho do Presidente datado em 23/09/XXXX. Tal despacho (fl. 43) foi
motivado pelas considerações da Corregedora Chefe do Instituto (fl. 36/37), que informa não
ter o servidor comparecido às convocações efetuadas pela Divisão de Recursos Humanos
(DVRH), para acompanhamento de tratamento médico, como obrigação oriunda da Sindicância
Administrativa nº xx/2015 (fl. 07/19), instaurada em razão de pretenso abandono de emprego
(inciso II, art. 249, Lei nº 869/1952)– fl. 71.
Conforme se verifica pelos documentos juntados, o ora Indiciado é usuário de drogas e álcool
desde a adolescência (fl. 63/64), tendo passado por alguns tratamentos, sempre interrompidos
(fl. 41, 46, 53 e 55). Relatórios médicos acostados às fl. 65/67 indicam o acometimento de mau
físico crônico (Cid 10, B18 e F33.1), além dos vícios hoje reconhecidos pela medicina como
patologia (Cid 10, F10.6 e F19.2).

Resta claro que o Servidor não responde por si. Inicia o dia com o uso de entorpecentes, o que
faz com que esteja completamente bêbado e dopado no horário de sair para o trabalho.
Nestas condições sequer consegue vestir-se para sair. Isto quando lembra que precisa
trabalhar...

Importante ressaltar que se trata de pessoa simples, que apesar de toda essa trágica história
de vida, já possui 28 anos de bons serviços prestados ao Instituto, sendo elogiado e querido
pelas chefias e colegas de trabalho, nunca tendo demonstrado agressividade ou
desconsideração às ordens superiores. O Relatório Final da Sindicância Administrativa nº
xx/2015, que ora juntamos, relata que se trata de servidor eficiente na realização de tarefas
simples, pessoa inteligente, agradável, de fácil convivência, nunca se indispondo com colegas
ou segurados. Informa ainda que o seu problema é de se ausentar ao trabalho quando está
sob o efeito de drogas e álcool. Apresentando-se espontaneamente à Corregedoria, o então
Sindicado demonstrou preocupação com sua situação, aparentando interesse no tratamento,
acreditando que afastado de suas atividades possui mínimas chances de recuperação, já que é
no ambiente doméstico que encontra e utiliza substâncias entorpecentes.

Transcrevemos in verbis a fala da assistente social xxxx xxxxx xxxxxx, que acompanhou o caso,
e cujo relatório de visita está incluso no Relatório Final já citado:

Pelo que pudemos constatar o servidor durante vários anos vem sendo vítima de uma doença,
reconhecida pela organização mundial de saúde... Deseja e necessita urgentemente de
tratamento médico especializado. O desvio comportamental advindo deste tipo de doença não
pode ser considerado “malandragem”, “preguiça”, “indolência”. Este desvio é um sintoma de
doença. Está comprovado que esta doença não se combate com punição e sim com
tratamento sério e constante.

Iniciado o tratamento, a pedido do Servidor, o mesmo foi logo abandonado. Em situações


como essa, o papel da família é fundamental para o sucesso do tratamento. Porém, o Indiciado
foi abandonado pela esposa, perdeu a mãe, e a irmã, casada e mãe de família, não consegue
dedicar-se a ele.

Entendeu a comissão sindicante, com muita propriedade, que:


... O sindicado não apresentava condição de se auto-determinar totalmente e de entender as
conseqüências de seu ato, visto que sofre de transtornos mentais.

DO DIREITO

De acordo com o Estatuto do Servidor Público mineiro, configura abandono de cargo a


situação em que o servidor se encontra faltoso por mais de trinta dias consecutivos, ou por
mais de noventa dias intercalados, o que o sujeita à pena de demissão a bem do serviço
público (inciso II, art. 249).

Sem parâmetros no Direito Administrativo para análise da imputabilidade no caso em questão,


buscamos subsídio no Direito Penal que, segundo o Prof. Francisco de Assis Toledo (in
Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 2002), é a parte do ordenamento jurídico que,
estabelecendo e definindo o fato punível, dispõe sobre quem por ele deva responder, fixando
a pena ou medida de segurança cabível.

Tal ramo do Direito traz como um de seus princípios o da humanidade: que aponta o homem
como fim (e não como meio) das relações jurídicas, postulando a racionalidade (sentido
humano) e a proporcionalidade da pena. Já o Direito Processual Penal, também analisado de
forma análoga para o caso em questão, aponta os princípios:

- da verdade real, segundo o qual o julgador não deve se contentar com as provas levadas aos
autos para formar seu convencimento, devendo buscar as peças que retratam a verdade com
fidelidade;

- do favor do rei, que determina que se deve interpretar o benefício sempre a favor do réu (in
dubio pro reu);

Do Direito Administrativo extraímos ainda:

- o princípio da razoabilidade, que determina que os atos realizados pelo administrador público
devem ser pautados pela razão, pela lógica, por justificativas plausíveis; dentre as diversas
condutas a tomar, o administrador deve escolher a melhor para o caso;

- o princípio da proporcionalidade, indica que administrador deve realizar as condutas de


modo proporcional ao interesse público que ele pretende alcançar.
No presente caso, a condição sócio-econômica e patológica do Servidor, exclui a possibilidade
de sequer responder pelo presente procedimento, que dirá por outras condutas funcionais,
motivo pelo qual solicitamos à Comissão Processante, que considere sempre em relevo, a
pessoa, o ser humano ao qual é imputada a conduta, já que a norma não morre em si mesma,
mas busca uma aplicabilidade prática voltada para o servidor e para o serviço público, e não
para um ou outro separadamente. Neste sentido, observada a realidade fiel de sua situação,
verifica-se que não se trata de caso de punição, mas de tratamento, pois não resta configurado
o abandono de emprego. Não houve falta voluntária ao serviço. Não houve manifestação de
vontade autônoma. Condições excepcionais, patológicas, impedem que o Indiciado raciocine
sobre sua conduta e sobre as conseqüências daí decorrentes, o que requer extremo cuidado
na análise do caso e da opção pela aplicação ou não de sanção, podendo a letra seca da lei se
reverter em grande injustiça, ferindo mesmo o interesse público, no que diz respeito à
valorização do servidor e ao respeito à pessoa, itens constantes do atual plano de governo.

Voltando à analogia com o Direito Penal material, a teoria da culpabilidade, nos ensina que
ninguém pode ser culpado pelo resultado de fato não previsto. A culpabilidade (um dos
critérios para dosimetria da pena) está diretamente relacionada à previsibilidade do fato. Se o
fato não é previsível, não há que se falar em culpa. A previsibilidade do fato é individual,
pessoal, variando de pessoa para pessoa. Não se pune o agente sem avaliar os elementos
subjetivos presentes no resultado de sua ação. O que foge à esfera da previsibilidade foge
também à esfera da evitabilidade.

A exclusão da culpabilidade implica na impossibilidade de se exigir do agente conduta


diferente daquela; não se pode esperar conduta de acordo com o Direito. Não há crime se não
houver culpa.

Sobre o dolo, já que falamos em culpa, não há dúvidas: é a intenção clara na persecução do
objetivo, do resultado da conduta ilícita.

Não se atribui responsabilidade ao agente (imputabilidade) se ele não possui capacidade


psíquica, mental, para entender o caráter ilícito do fato e de agir, de determinar-se de acordo
com esse entendimento.

A própria comissão sindicante, como já transcrito acima, reconhece, por analogia, a


inimputabilidade do servidor, que não possui a mínima condição de responder por seus atos.

A legislação não define quem é imputável, mas sim quem é inimputável (aquele a quem não se
pode atribuir penalidade) adotando-se o critério biopsicológico, considerando questões
biológicas e psicológicas do indivíduo.
Segundo a teoria causal e finalística da ação, o comportamento humano é dominado ou
dominável pela vontade e a embriaguez alteram esta vontade. Nestes termos, dispõe o Código
Penal brasileiro:

Art. 28 -...

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito
ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente
de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.

Delmanto (in Código Penal Comentado, Renovar, 2000) informa que a lei equipara ao álcool
qualquer substância entorpecente, lembrando que o alcoolismo patológico, aquele crônico,
pode implicar em inimputabilidade (actio libera in causa), sendo incompatível com o elemento
subjetivo de determinadas condutas ilícitas.

A conduta proibida (o tipo, no Direito Penal), para a qual há previsão de sanção (pena, no
Direito Penal) compreende as características objetivas e subjetivas do fato punível. Os
elementos objetivos dizem respeito ao aspecto material (o bem protegido, o verbo que é a
essência da conduta, o agente, as circunstâncias, dentre outros). Já os elementos subjetivos
dizem respeito ao estado psíquico e anímico (volitivo) do agente.

Para que se configure uma conduta como ilícita e, conseqüentemente, punir o agente é
preciso identificar com clareza a intenção na obtenção do resultado, bem como de que age em
pleno gozo de suas faculdades psíquicas, o que não se vislumbra no caso em questão. Todas as
faltas são justificáveis, não configurando abandono de emprego.

Como já demonstramos, resta seriamente alterado o estado anímico do Indiciado, não


podendo, pois responder por uma conduta proibida, se sequer possui discernimento para
entender o conteúdo da regra que o acusam de burlar.

Não se trata de servidor desobediente e faltoso, mas sim de alguém abandonado pela família,
pelos amigos e pela sociedade. Punido já está... Precisa agora de tratamento.
Quando deixa de comparecer ao trabalho, o Servidor não se encontra em pleno gozo de suas
faculdades mentais e psíquicas, mas sim inconsciente, dopado, sob o efeito de substâncias
entorpecentes que lhe retiram completamente a capacidade de autocontrole. Desse modo,
não há que se falar em culpa e o dolo resta afastado ante a demonstração de interesse no
tratamento e da preocupação com o resultado, qual seja, a demissão a bem do serviço público.

O Estatuto do Servidor Público mineiro, Lei nº 869/1952, ao qual já nos referimos


anteriormente aponta que:

Art. 168 - A licença para tratamento de saúde será concedida a pedido do funcionário ou "ex-
officio".

Parágrafo único - Num e noutro caso de que cogita este artigo é indispensável a inspeção
médica, que deverá realizar-se, sempre que necessária, na residência do funcionário.

...

Art. 170 - Quando licenciado para tratamento de saúde, acidente no serviço de suas
atribuições, ou doença profissional, o funcionário receberá integralmente o vencimento ou a
remuneração e demais vantagens.

O Decreto nº 43.661/2003, que regulamenta a concessão de licença para tratamento de saúde


no Estado de Minas Gerais indica:

Art. 2º - A licença para tratamento de saúde será concedida por solicitação do servidor ou de
ofício.

Parágrafo único. Licença de ofício é aquela proveniente de inspeção médica realizada por
solicitação da chefia imediata ou por iniciativa do órgão competente para concedê-la.

...

Art. 4º - Para a concessão de licença para tratamento de saúde de que trata este Decreto será
necessária a presença, de pelo menos, uma das ocorrências:
I - impossibilidade, por razões de saúde, do desempenho das funções inerentes ao cargo do
servidor ou aproveitamento em outras, na forma prevista em lei ou regulamento;

...

Art. 18...

§ 3º A chefia imediata poderá requerer, mediante solicitação fundamentada, à unidade pericial


central ou às unidades periciais auxiliares do IPSEMG, a realização de inspeção médica de
ofício, para análise de casos que julgar convenientes.

Verifica-se, infelizmente, a falta de orientação adequada à chefia imediata do Servidor sobre a


necessidade de solicitação da licença para tratamento de saúde de ofício que, não tendo sido
promovida, prejudicou em demasia a situação financeira do servidor, em virtude do desconto
de faltas, além de colocá-lo em pretensa situação de abandono de emprego, o que gerou o
presente procedimento com o risco da conseqüência mais gravosa: demissão.

Injustiça! É o que será promovida caso a comissão processante leve a termo o presente
Processo Administrativo aplicando a penalidade máxima a quem não responde por si e por
seus atos.

DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, e, considerando que resta fartamente demonstrado que o Servidor não se
encontra em pleno gozo de suas faculdades psíquicas, em razão do uso constante e crônico de
substâncias entorpecentes,

Considerando que resta caracterizada situação patológica que exige concessão de licença para
tratamento de saúde, nos termos de regulamento próprio,

E considerando por fim que as situações anteriormente descritas desconfiguram os ilícitos de


desobediência a ordens superiores e de abandono de emprego,

Pede-se a absolvição sumária do Servidor, arquivando-se o presente feito, após determinação


do Presidente do Instituto para orientação às chefias do Indiciado acerca das solicitações para
concessão de licença para tratamento de saúde ex-officio.
Por ser a mais absoluta expressão da verdade e da Justiça, aguardamos deferimento.

Uberlândia/MG, xx de xxxxxxxxxxxxxxx 2010.

FULANO DE TAL

OAB/MG XXX.XXX

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