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DISCIPLINA

A persecução penal militar estadual


Prof. Conteudista Rafael Botelho

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SUMÁRIO
Bases legais da Persecução Penal Militar estadual .................................................................... 2
Fase pré-processual – Inquérito Policial Militar ............................................................................. 4
Características do Inquérito Policial Militar ..................................................................................... 5
Instauração do Inquérito Policial Militar ............................................................................................ 9
Processamento e julgamento dos crimes militares no âmbito estadual ................... 14
Da deserção praticada por militares estaduais ............................................................................17

Bases legais da Persecução Penal Militar estadual

Para que se consiga fazer uma análise sobre a lei processual penal militar
e de outros instrumentos aplicados por analogia, deve-se, primeiramente,
analisar a base do ordenamento jurídico, qual seja, a Constituição Federal de
1988. Servindo de alicerce para todo o sistema jurídico brasileiro, não é
diferente em relação ao Direito Processual Penal Militar.
Cabe salientar a existência de uma clara distinção entre a competência
da Justiça Militar da União e a Justiça militar Estadual, presente na própria
Constituição Federal, sendo tal distinção perceptível ao se analisar os dois
artigos que delineiam tais competências.
Ao passo que o artigo 124 da Constituição Federal de 1988 define como
sendo competência da Justiça Militar processar e julgar os crimes militares
definidos em Lei, salientando-se aqui que referido artigo está a tratar da
Justiça Militar da União, em seu artigo 125, parágrafo 4º, dispõe que copete à
Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei.
Assim, pode-se concluir que a Justiça Militar da União tem competência
para processar e julgar os crimes militares de interesse da União, seja quem
for o autor do crime, ao passo que à Justiça Militar dos estados copete o
processamento e julgamento somente dos militares estaduais, excluindo-se
assim réus outros que não os militares estaduais, entendendo-se os membros
das Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares.
Outro ponto importante merecedor de destaque referente aos mesmos
dispositivos legais é que a Justiça Militar da União tem competência apenas
criminal, não cabendo a ela conhecer de matéria estranha ao direito criminal
castrense. De outra banda, à Justiça Militar estadual tem uma competência
híbrida, sendo competente para conhecer de matéria criminal estadual, bem

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como de questões não criminais, que refiram-se a ações judiciais contra atos
disciplinares militares.
Com relação ao julgamento dos recursos advindos das ações de natureza
militar, ao Superior Tribunal Militar competente processar e julgar os recursos
advindos das ações criminais militares da União. Já no âmbito da justiça
militar dos estados, a competência para o processamento e julgamento dos
recursos dependerá da existência ou não de Tribunal Militar. Nos estados em
que o efetivo militar for maior que vinte mil militares estaduais, por proposta
do respectivo Tribunal de Justiça, poderão ser criados Tribunais de Justiça
Militares. Atualmente, somente três estados criaram seus Tribunais de Justiça
Militares, sendo eles São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Nos demais
estados, os recursos oriundos da Justiça militar estadual serão julgados pelos
próprios Tribunais de Justiça.
Adentrando ao Direito Processual Penal Militar propriamente dito, cabe
lembrar que os crimes dolosos cometidos por militares dos estados contra a
vida de civis não serão julgados pela Justiça Militar dos estados, mas sim pelo
Tribunal do Júri. Somente serão de competência da Justiça Militar, e aqui vale
ressaltar, Justiça Militar da União, os crimes dolos contra a vida de civis quando
praticados por militares das Forças Armadas e no cumprimento de
atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou
pelo Ministro de Estado da Defesa, em ação que envolva a segurança de
instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante, ou em
atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da
ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o
disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes
diplomas legais.
Nos casos em que o regramento processual penal militar for insuficiente,
deverá ser utilizada a legislação de processo penal comum, quando aplicável
ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar.
Observa-se que o regulamentado no artigo 6º do Código de Processo
Penal Militar, dispondo que excetuadas as normas relativas a organização de
Justiça, aos recursos e à execução de sentença, os processos da Justiça Militar
Estadual obedecerão às normas processuais previstas no Código de Processo
Penal Militar, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a que responderem os
militares estaduais, no que forem aplicáveis.

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Isso porque, no tocante a organização da Justiça Militar Estadual, cada
Estado-Membro detém competência legislativa, prevista
constitucionalmente, para se organizarem de acordo com suas
peculiaridades. No mesmo sentido, em relação aos recursos, que por serem
julgados pelos Tribunais de Justiça, ressalvados os três Estados-Membros que
têm Tribunal Militar Estadual, serão julgados de acordo com seus ritos
próprios. Também com relação ao cumprimento das sentenças, pela mesma
razão, objetivando o respeito as peculiaridades de cada estado.

Fase pré-processual – Inquérito Policial Militar

A fase de investigação, por não ser afeta a nenhum dos pontos citados
acima, é regulamentada pelo Código de Processo Penal Militar também em
âmbito estadual. Assim, seguem alguns pontos de destaque em relação ao
Inquérito Policial Militar quando tratar-se de crime militar de competência
estadual.
O artigo 7º do Código Processual Penal Castrense elenca as
autoridades a quem incumbe a função de polícia judiciária militar, aqui
também, cabendo alguns esclarecimentos, visto que existem claras distinções
entre as autoridades militares da União e dos estados.
Embora não haja uma correspondência direta entre as autoridades da
União elencadas no dispositivo legal e as autoridades militares estaduais,
existe uma certa correspondência entre elas, devendo tal correspondência ser
considerada mesmo que não exata.
Portanto, quanto às autoridades listadas no artigo 7º do Código de
Processo Penal Militar, em se tratando de Polícia Judiciária Militar Estadual,
deverão ser considerados como correspondentes o Comandante Geral, o
Chefe do Estado-Maior, os Comandantes Regionais e os Comandantes de
Unidades.
Quanto ao exercício de tal atribuição, tendo em vista que muitas vezes
as autoridades anteriormente listadas estarão em atividades outras,
normalmente ligadas a comando, a competência de Polícia Judiciária Militar
poderá ser delegada, se assim as circunstâncias permitirem.
Assim, os parágrafos do já referido artigo 7º regulamentam a forma
como esta delegação poderá se dar. Poderão ser delegadas a oficiais da ativa,
para fins especificados e por tempo limitado, devendo sempre recair em
oficial de posto superior ao do indiciado, seja este oficial da ativa, da reserva,
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remunerada ou não, ou reformado. Não sendo possível a designação de oficial
de posto superior ao do indiciado, poderá ser feita a de oficial do mesmo posto,
desde que mais antigo, salientando-se que se o indiciado é oficial da reserva
ou reformado, não prevalece, para a delegação, a antiguidade de posto.
Cabe a ressaltar que o encarregado do Inquérito Policial Militar é o
previsto no art. 15 do Código de Processo Penal Militar, que atuará por
delegação da autoridade policial militar. Referido dispositivo rege que: “Será
encarregado do inquérito, sempre que possível, oficial de posto não inferior a
capitão ou capitão-tenente, e, em se tratando de infração penal contra a
segurança nacional, sê-lo-a, sempre que possível, oficial superior, atendida,
em cada caso, a sua hierarquia, se oficial o indicado.”
As atribuições de Polícia Judiciária Miliar encontram-se no artigo 8º do
Código Processual Castrense, tais como apurar os crimes militares e os que
estão sob jurisdição da Justiça Militar, prestar informações e realizar
diligências aos juízes militares e aos órgão do Ministério Público quando
necessários, representar a autoridades judiciárias militares acerca da prisão
preventiva dentre outras medidas cabíveis, dentre outras atividades próprias
da atividade de polícia judiciária.

Características do Inquérito Policial Militar

O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, em tese,


configure crime militar, bem como sua autoria. Tem o caráter de instrução
provisória, cuja finalidade precípua é a de munir o Ministério Público com
elementos necessários à propositura da ação penal. Porém, cabe a ressalva
que as provas e perícias não repetíveis terão a natureza efetivamente
instrutórias da ação penal militar.

Como características do procedimento temo que ele é:


Escrito

Considerando-se a necessidade de o procedimento ser registrado para


posterior encaminhamento do Ministério Público, titular da ação penal, tal
característica é latente, sendo inclusive materializada no art. 22 do Código de
Processo Penal Militar que assim dispõe:
“O inquérito será encerrado com minucioso relatório, em que seu
encarregado mencionará as diligências feitas, as pessoas ouvidas e os
resultados obtidos, com indicação do dia, hora e lugar onde ocorreu o
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fato delituoso. Em conclusão dirá se há infração disciplinar a punir ou
indício de crime, pronunciando-se, neste último caso, justificadamente,
sobre a conveniência da prisão preventiva do indiciado, nos termos
legais.”

Dispensável

A finalidade do Inquérito Policial Militar é a coleta de elementos de


informação para que o titular da ação penal possa exercer seu múnus público
de promover a ação penal. Acaso tais elementos já sejam de domínio do
Ministério Público, possibilitando assim que a denúncia seja oferecida sem a
necessidade de maiores investigações, o Inquérito Policial Militar será
dispensável.
Tal característica fica latente no artigo 28 do Código de Processo Penal
Militar, que assim prevê:
O inquérito poderá ser dispensado, sem prejuízo de diligência
requisitada pelo MP: a.) quando o fato e sua autoria já estiverem
esclarecidos por documentos ou outras provas materiais; b.) nos crimes
contra a honra, quando decorrerem de escrito ou publicação, cujo autor
esteja identificado; c.) nos crimes previstos nos artigos 341 e 349 do CPM.

É cediço para a doutrina e jurisprudência que o referido rol tem caráter


meramente exemplificativo, sendo perfeitamente possível existirem outras
hipóteses em que o Inquérito possa ser dispensado.
Sigiloso

Esta característica encontra-se no art. 16 do diploma processual militar


de forma clara e direta, dispondo que o inquérito é sigiloso, sendo permitido
ao encarregado permitir que dele tome conhecimento o advogado do
indiciado.
Salienta-se que o referido sigilo não toca o juiz nem o promotor de
justiça, sendo que em relação ao advogado, deve ser observado o disposto na
Súmula Vinculante 14:
“é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de policial judiciária,
digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

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Ainda, o inquérito policial, em alguns aspectos, pode ser sigiloso, como
por exemplo as diligências ainda em andamento. Porém a negativa sem o
devido fundamento legal fere prerrogativa imprescindível ao exercício da
advocacia (7º, XIV, da Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos
Advogados do Brasil), além de poder constituir crime de abuso de autoridade,
nos termos do artigo 32 da lei 13.869/2019 Sendo assim, no que tange aos
elementos de prova que ainda não estão documentados, o sigilo se estende
ao defensor.

Inquisitório

Durante as investigações, o contraditório e a ampla defesa ficam


diferidos não sendo aplicados nesta fase pré-processual, mesmo porque nela
não há aplicação de nenhuma sanção por descumprimento pela própria
natureza da investigação vocacionada a colher elementos e indícios, que não
se confundem com provas. No entanto, eventual característica não impede
que o investigado seja acompanhado de seu defensor na oportunidade em
que for ser ouvido.

Discricionário

O encarregado do inquérito deverá conduzir as investigações de


maneira discricionária, de acordo com o seu julgo, não se confundindo, porém,
discricionariedade com arbitrariedade. As peculiaridades do caso em
concreto é que deverão traçar os rumos das investigações. A
discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei.
Nesta fase, os rigores procedimentais da fase judicial não estão presentes, mas
as ilegalidades não poderão ser cometidas.
Os artigos 12 e 13 do Código Processual Penal Militar trazem um rol
exemplificativo de diligências a serem determinadas pelo encarregado. E por
ser exemplificativo, o encarregado poderá determinar a realização de outras
diligências que entender necessárias.
O parágrafo único do referido artigo 13 prevê inclusive a realização de
reprodução simulada dos fatos:
“Para verificar a possibilidade de haver sido a infração praticada de
determinado modo, o encarregado do inquérito poderá proceder à
reprodução simulada dos fatos, desde que não contrarie a moralidade ou
a ordem pública, nem atente contra a hierarquia ou a disciplina militar.”
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Oficioso

Por oficiosidade deve-se entender que não é qualquer autoridade que


está autorizada a instaurar e presidir o Inquérito Policial Militar, devendo ser
um encarregado delegado para cada inquérito, ao contrário do que ocorre no
Inquérito Policial comum, em que a autoridade é o Delegado de Polícia.
Ainda em se tratando de oficiosidade, o próprio código prevê e disciplina
a atuação de dois agentes específicos, sendo eles o encarregado (art. 15) e o
escrivão (art. 11):
“Será encarregado do inquérito, sempre que possível, oficial de posto não
inferior a capitão ou capitão-tenente, e, em se tratando de infração penal
contra a segurança nacional, sê-lo-a, sempre que possível, oficial superior,
atendida, em cada caso, a sua hierarquia, se oficial o indicado.” e “A
designação de escrivão para o inquérito caberá ao respectivo
encarregado, se não tiver sido feita pela autoridade que lhe deu a
designação para aquele fim, recaindo em segundo ou primeiro tenente,
se o indiciado for oficial, e em sargento, subtenente ou suboficial, nos
demais cargos.”

A designação dependerá da pessoa a ser investigada, nos moldes do art.


7º. Os comandantes poderão delegar seu poder de investigação aos seus
subordinados. Caso não seja possível delegar as atribuições de encarregado a
oficial que seja superior ao investigado, deverá ser observado o critério da
antiguidade no mesmo posto.

Indisponível

Esta característica encontra previsão legal no art. 24 do Código de


Processo Penal Militar: Referido artigo denuncia a impossibilidade de os autos
do inquérito serem arquivados de ofício pela autoridade policial Militar, visto
ser uma atribuição do Poder Judiciário. O artigo assim dispõe
“A autoridade militar não poderá mandar arquivar autos de inquérito,
embora conclusivo da inexistência de crime ou de inimputabilidade do
indiciado.”

Entendendo a Autoridade Policial Militar ser caso de instauração de


Inquérito Policial Militar, isto quer dizer, existindo prova de materialidade e

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indícios de autoria, mesmo que o encarregado conclua pela atipicidade da
conduta praticada, não poderá arquivá-lo, devendo fazer a remessa ao titular
da ação penal que se assim entender fará a devida promoção de
arquivamento. O § 2º do art. 25 do diploma processual penal militar estabelece
que o Ministério Público poderá requerer o arquivamento dos autos, se
entender inadequada a instauração do inquérito.

Temporário

O aspecto temporal do inquérito encontra previsão no art. 20 do Código


Processual Penal Militar, dispondo que o inquérito deverá terminar dentro em
20 dias, se o indiciado estiver preso, contando esse prazo a partir do dia em
que se executar a ordem de prisão; ou no prazo de quarenta dias, quando o
indiciado estiver solto, contados a partir da data em que se instaurar o
inquérito.
Assim, expirado os prazos para conclusão do Inquérito Policial Militar, os
autos obrigatoriamente serão remetidos à autoridade judiciária competente
para que esta se manifeste sobre aspectos de legalidade do procedimento e
remessa ao órgão ministerial castrense para que este, entendendo pela
conformidade das investigações, ofereça ou não a denúncia decorrente.

Instauração do Inquérito Policial Militar

Uma vez que a autoridade militar tome conhecimento do fato, ou dos


fatos, convencendo-se da existência de provas de materialidade e indícios de
autoria de crime militar, deverá exarar Portaria para o início das investigações.
Portanto, a portaria é a peça inaugural do Inquérito Policial Militar, e nela
a autoridade de Polícia Judiciária Militar deve registrar haver tomado
conhecimento de infração de natureza militar, descrevendo-a de forma
sucinta, indicando, se assim entender, o suposto autor, e registrando a vítima
quando houver, além do dia, hora e local da prática delituosa, determinando,
desta forma, a instauração do procedimento investigativo, delegando
atribuições para que o encarregado diligencie na forma da lei, quando não
preferir ele próprio dirigir as investigações.

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Mas para que estes passos ocorram, a autoridade policial deve tomar
conhecimento da ocorrência de um crime militar para que instaure o
competente Inquérito. Este conhecimento da infração penal militar poderá se
dar por cognição imediata (quando a autoridade policial judiciária militar
toma conhecimento do fato por meios de suas atividades rotineiras e
cotidianas), por cognição mediata (quando toma conhecimento através da
vítima ou de terceiro), ou por cognição coercitiva (caso em que o policial
militar ou o bombeiro militar seja preso em flagrante delito).
Quanto às formas especificadas no artigo 10 do Código de Processo
Penal Miliar, referido artigo assim as elenca:
a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou
comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator;
b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que
em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e
confirmada, posteriormente, por ofício;
c) em virtude de requisição do Ministério público;
d) por decisão do Superior Tribunal Militar, nos termos do art. 25;
e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a
represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada de
quem tenha conhecimento de infração penal, cuja repressão caiba à Justiça
Militar;
f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte
indício da existência de infração penal militar.
Especificamente sobre cada uma das espécies elencadas no artigo 10,
seguem os apontamentos necessários:

Ex-Offício

A autoridade deverá instaurar o inquérito de ofício sempre quando


tomar conhecimento da ocorrência de um crime militar no exercício de suas
atividades de rotina, ou seja, deve instaurar o procedimento investigativo
quando, em razão de suas funções rotineiras, tomar conhecimento do fato,
independentemente de qualquer tipo de provocação externa, sob pena de
incorrer na conduta criminosa prevista no artigo 319 do Código Penal Militar,
prevaricação.

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Determinação ou Delegação de Autoridade Superior

A instauração do Inquérito Policial Militar pode ser determinada ou


delegada pela autoridade de Polícia Judiciária Militar, desde que respeitada a
cadeia de comando relacionada a referida autoridade. Em tal caso, o
subordinado atuará como longa manus daquela, não podendo recusar tais
atribuições.
Cabe aqui importante ressalva quanto a diferenciação entre a
determinação de instauração e a delegação para o exercício das atividades
típicas de Polícia Judiciária militar.
Ao tratar-se de determinação de instauração, refere-se à cadeia de
comando entre Comando e Unidades Subordinadas. Assim, quando o escalão
enquadrante determina a instauração de um Inquérito Policial Militar, a
Portaria de instauração será realizada pelo escalão enquadrado (unidade
subordinada ao Comando determinante), mas quem tomou conhecimento
do fato foi, na realidade, o escalão enquadrante.
Ao tratar-se e delegação, aqui sim refere-se a uma subordinação direta
entre Autoridade de Polícia Judiciária Militar e subalterno seu, que não é
autoridade, mas atuará no Inquérito Policial Miliar por delegação, ocasião em
que o delegado não espedirá a Portaria de instauração.
Por tal razão, entende-se ter havido uma imprecisão terminológica na
redação do §2º do artigo 7º do Código de Processo Penal Militar, visto que o
artigo trata do exercício da polícia judiciária militar, referindo em seu 2º
parágrafo delegação para instauração que inquérito policial militar, quando
deveria ter referido delegação para o exercício das funções de polícia judiciária
militar.

Requisição do Ministério Público

A instauração do inquérito poderá ocorrer por requisição do Ministério


Público, que levará por meio deste instrumento, ao conhecimento da
autoridade policial judiciária, a ocorrência de um crime, determinando ao
mesmo tempo que esta instaure o procedimento investigativo.
Incumbe ao Ministério Público dentre outras atribuições, promover
privativamente a ação penal pública e o controle externo da atividade policial,
bem como requisitar diligências investigatórias e a instauração de Inquérito
Policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações

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processuais, conforme preconizado no artigo. 129, inciso VIII, da Constituição
Federal.
Assim, ao receber a requisição do Ministério Público para a instauração
de procedimento investigatório, a autoridade de Polícia Judiciária Militar não
poderá descumpri-la, embora não exista subordinação desta em relação ao
Promotor de Justiça,. Tal recusa à determinação poderia configurar o delito de
prevaricação, caso a omissão decorrera de interesse ou sentimento pessoal.
Contudo, caso a autoridade verifique que a requisição é manifestamente
ilegal, não estará obrigada a atendê-la não incorrendo em qualquer
ilegalidade.

Decisão do Superior Tribunal Militar

Por se tratar o presente material de abordagem da persecução penal


militar estadual, como o Superior Tribunal Militar não detém competência
para processar e julgar os recursos na esfera estadual, o presente tópico será
deixado para abordagem em momento posterior, quando mais oportuno.

Requerimento do Ofendido ou do seu Representante Legal

A instauração do Inquérito Policial Militar pode ainda ser provocada por


meio de requerimento do ofendido ou seu representante legal, que deverá
conter narração do fato supostamente delituoso, bem com todas as suas
circunstâncias que se acercam do caso, tais como o local, data e hora,
individualização do autor e indicação de testemunhas, expondo ainda, as suas
razões.
Em se tratando de punibilidade estiver extinta, quando o requerimento
não fornecer elementos mínimos para dar início às investigações, quando for
dirigido à autoridade incompetente, ou quando o fato narrado não constituir
infração penal militar, o requerimento não poderá ser atendido pela
autoridade de polícia judiciária.

Requerimento de Qualquer Pessoa

Qualquer pessoa que tenha conhecimento da prática de infração penal


militar poderá requerer a instauração de IPM, o que se denomina de notitia
criminis. Assim, qualquer do povo poderá leva ao conhecimento da

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autoridade competente relato de fato que possa ser interpretado como
criminoso.
Aqui, cabe salientar que não é qualquer notícia crime que será levada a
cabo, ensejando a instauração de um Inquérito Policial Militar, devendo a
autoridade determinar que se realize uma apuração sumária e preliminar
para que se possa determinar a veracidade e legitimidade do comunicado.
Cabe destacar que, em se tratando noticia crime realizada por militar,
por força da alínea “e” do art. 10, do Código de Processo Penal Militar, visando
a preservação da hierarquia e disciplina, princípios basilares das instituições
militares, a notícia deverá ser realizada por meio de representação
devidamente autorizada. Por óbvio, não há de se falar em tal autorização para
casos em que o comunicante é civil.

Resultante de Sindicância

Por tratar-se de instrumento amplamente utilizado nas instituições


militares, as sindicâncias são instrumentos efetivos para se concluir pela
existência de um crime militar, visto que buscam apura fatos que, inclusive,
podem constituir-se em transgressões disciplinares de natureza grave,
praticadas por policiais militares, e as suas respectivas responsabilizações. É,
portanto, meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço, tratando-
se de ato administrativo.
Ocorre que, não raras às vezes no decorrer de uma sindicância, verificam-
se elementos que indicam indícios de crime de natureza militar, e ainda que
destituídas de caráter punitivo, podem provocar a instauração de inquérito.

Prisão em flagrante

Embora não relacionado no artigo 10, a prisão em flagrante delito


também poderá ser um desencadeador de um Inquérito Policial Militar, isto
se não contiver todos os elementos suficientes para que a denúncia possa ser
oferecida pelo Ministério Público, caso em que o inquerido será dispensável.
Os policiais e bombeiros militares também estão suscetíveis à chamada
prisão em flagrante delito, sendo que o militar estadual preso em flagrante
possui algumas garantias previstas no Código de Processo Penal Militar, seja
tal prisão realizada em razão de crime militar ou crime comum, estando estas
prerrogativas contidas no Código de Processo Penal Militar.

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Assim, é direito do militar estadual preso em flagrante:

1) Somente em caso de flagrante delito o militar poderá ser preso por autoridade policial, devendo ser
entregue imediatamente à autoridade militar mais próxima;

2) Só pode ficar retido na delegacia policial durante o tempo necessário à lavratura do flagrante;

3) O militar estadual preso provisoriamente em flagrante fica sob a responsabilidade do respectivo


comandante, durante o curso da ação penal e até que a sentença transite em julgado;

4) Caso não haja fundadas suspeitas em desfavor do militar conduzido, a autoridade militar é obrigada a
realizar o relaxamento da prisão.

Além disso, alguns procedimentos devem ser tomados,


obrigatoriamente, em caso de prisão em flagrante de militar estadual.
Auto de Prisão em Flagrante Delito Militar (APFDM) é o procedimento
administrativo inerente à Polícia Judiciária Militar. Apresentado o preso ao
comandante, autoridade correspondente ou à autoridade judiciária, serão
ouvidos o condutor e as testemunhas, bem como o acusado, lavrando-se o
auto.
Havendo fundadas suspeitas de infração penal militar, a autoridade
mandará recolhê-la à prisão e deverá ser confeccionada Nota de Culpa. O
APFDM deve ser remetido ao juiz competente imediatamente após a
lavratura.
Com isso, o preso fica imediatamente à disposição da autoridade
judiciária competente, que poderá relaxar a prisão, converter a prisão em
flagrante em prisão preventiva, ou ainda conceder liberdade provisória.
Caso seja observado alguma inconformidade em tais procedimentos, o
Auto de Prisão em Flagrante Delito Militar fica passível de ser anulado.

Processamento e julgamento dos crimes militares no âmbito


estadual

Os crimes de competência da Justiça Militar dos estados são os que se


enquadram no artigo 9º do Código Penal Militar, restringindo-se o universo de
jurisdicionados aos militares estaduais, por força do artigo 125, § 4º da
Constituição Federal.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, houve alteração
em relação à Justiça Militar Estadual, sendo acrescido do § 5º ao art. 125 da
Constituição Federal. Nele inseriu-se dentro da Justiça Militar Estadual a figura
do juiz monocrático (juiz de Direito togado), sendo este o presidente dos
Conselhos de Justiça, tanto o permanente quanto o especial. Ainda, será ele o

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competente para processar e julgar os crimes militares cometidos contra civis
(exceto os de competência do Tribunal do Júri).
Antes da Emenda Constitucional nº 45/2004 todos os processos em
trâmite na Justiça Militar Estadual eram processados e julgados pelo Conselho
de Justiça, que era formado por um juiz auditor e quatro oficiais militares.
Com o advento da citada emenda, inseriu-se na Justiça Militar Estadual
a figura do juiz monocrático para processar e julgar, singularmente, os crimes
militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares.
Outrossim, permaneceu com o Conselho de Justiça, sob a Presidência
do Juiz de Direito do Juízo Militar, a competência para processar e julgar os
demais crimes, ou seja, aqueles cometidos contra outro militar ou contra a
administração militar.
Sobre os crimes cometidos contra civil julgados pelo juízo monocrático,
dispõe o texto constitucional que a competência do Juiz de Direito para julgar
crimes militares não-dolosos contra a vida, cuja ação criminosa tenha sido
desencadeada contra um civil é do Juiz togado, monocraticamente.
Entretanto, não foram estabelecidos quais seriam esses crimes,
desencadeando correntes divergentes.
Pela primeira corrente interpretativa, o enfoque deve se concentrar nas
consequências do delito, verificando se algum civil, de alguma forma, sofreu
algum injusto em decorrência da prática delitiva. Por esta corrente, vários
crimes poderiam ser perpetrados contra civis, mesmo aqueles que
possuíssem capitulação entre os crimes contra a Administração Militar. Pela
segunda corrente, a razão de definição deveria ser a capitulação do delito, que
daria destaque ao bem jurídico tutelado, principalmente o sujeito passivo
diretamente atingido pelo crime. Nessa linha, os crimes contra o serviço
militar, contra a Administração Militar etc. estariam fora da conceituação.
Contudo, a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004,
manteve a existência do tradicional Conselho de Justiça, embora com
algumas modificações. O Conselho de Justiça tornou-se competente para
processar e julgar os demais crimes militares, que não sejam da competência
do juízo monocrático, ou seja, está excluída a competência do Conselho para
o processamento e julgamento dos crimes militares praticados contra civis e
as ações contra atos disciplinares, sendo que também não esclareceu quais
seriam “os demais crimes militares” de competência do Conselho de Justiça
que o § 5º do artigo 125 da Constituição Federal menciona.

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Para este caso, as mesmas correntes são levantadas como
solucionadoras da questão, seja a que tem como vítima civil a principal
prejudicada no delito, sendo que os crimes de competência do Conselho se
restringirão aos Crimes contra a Pessoa e alguns Crimes contra o Patrimônio,
desde que o patrimônio seja de particular, ambos descritos no Código Penal
Militar, seja a corrente que acredita que o legislador considera a vítima civil
aquele atingido pelo crime, independentemente de ter sido a vítima principal
ou não, em que se terá um leque menor da competência do Conselho, haja
vista que outros crimes serão inseridos na competência do juiz monocrático.
Para se definir qual seria a competência do juízo singular e qual seria a
competência dos Conselhos, posicionamento jurisprudencial adotou firmou-
se no sentido de que são de competência do Conselho de Justiça os crimes
propriamente militares, previstos apenas no Código Penal Militar que só
podem ser cometidos por militares, violando a disciplina, hierarquia, o dever
ou o serviço militar, e também os crimes impropriamente militares que tenha
a Administração Castrense como sujeito passivo principal e o civil como vítima
secundária, como, por exemplo, o delito de peculato-furto previsto no art. 303,
§ 2º, do Código Penal Militar.
O problema surge quando um militar pratica mais de um crime militar,
sendo um deles de competência do Juízo singular, por ter civil como vítima
principal, e, o outro, de competência do Conselho de Justiça, nos demais
crimes militares.
Nesse caso, são possibilidades a cisão dos processos e do julgamento
desde o início, o processo e julgamento apenas pelo Conselho de Justiça, o
processo e julgamento apenas pelo juiz singular, o processamento e o
julgamento em razão do delito de maior gravidade, a instrução probatória una
perante o colegiado, cindindo-se o processo apenas no momento do
julgamento, com proferimento de duas sentenças, sendo uma singular do juiz
de Direito e, a outra do Conselho de Justiça.
Ainda, importante destacar a ampliação da competência das justiças
militares com a entrada em vigor da Lei 13.491, de 21 de outubro de 2017, que
alterou o artigo 9º do Código Penal Militar, expandindo o rol de crimes
militares. Referida lei modificou a redação do inciso II do artigo 9º, tornando
crimes militares, além dos já previstos no Código Penal Militar, os previstos em
toda a legislação penal nacional, quando praticados no contexto das alíneas
do referido inciso.

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Como reflexo, muitos crimes que anteriormente somente poderia ser
considerados como comuns, e assim julgados pela justiça comum, passaram
a poder serem considerados também como crimes militares,
consequentemente de competência das Justiças Militares, tanto estadual
quando da União.

Da deserção praticada por militares estaduais

O crime de deserção, previsto no art. 187 do Código Penal Militar,


consuma-se pela ausência injustificada do militar, da unidade onde serve, ou
do lugar onde deveria permanecer, por mais de oito dias, sendo-lhe cominada
uma pena que varia de 6 meses a 2 anos de detenção.
Fato relevante é a existência de diferença substancial nos motivos que
determinam a deserção dos policiais e bombeiros militares se comparados
com aqueles predominantes nas Forças Armadas. Nesta, a incidência da
deserção ocorre, normalmente, dentre aqueles que estão prestando o serviço
militar inicial, obrigatório a todos os brasileiros, nos termos do art. 143 da
Constituição Federal, sendo inexpressiva a quantidade de desertores militares
de carreira, sejam oficiais ou praças.
A deserção tem efeitos civis danosos para aquele que a comete,
decorrente da ausência de documento comprobatório da regularidade da
situação militar do brasileiro. A falta do referido documento impede o
brasileiro impedimento de obter emprego público, de obter ou regularizar
cadastro de pessoa física –CPF ou título de eleitor, impedimento de
matricular-se em curso de nível superior dentre outras consequências.
Assim, aquele que comete a deserção, por cumprir o serviço militar
inicial, já se encontra muito restringido, à margem desse ritmo de vida
globalizado, deixando, portanto, de ser um cidadão em sua plenitude. Nas
Forças Armadas, quando se captura algum desertor esta comprovação, via de
regra é imediata.
Por outro lado, a deserção de policial ou bombeiro militar, ao que parece,
possui outros fundamentos. Principalmente porque estes militares são todos
profissionais de carreira que se incorporaram à Força de maneira consciente
e voluntária, por meio de concurso público. Desgostando do serviço, nada os
impediria de pedir sua exclusão voluntária.
Assim, as razões para que um militar estadual deserte parece não se
coadunar com as razões do jovem recruta que, muitas vezes por motivos
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desimportantes, deixa de se apresentar ao aquartelamento. Fato é que, prima
facie, a desatenção com que as forças de segurança pública são tratadas em
âmbito estadual pode ser considerado como importante fator concorrente
para a ocorrência da deserção neste público.
Nos termos do artigo 457, §§ 1º a 3º, do Código de Processo Penal Militar,
é possível imaginar que o desertor das forças auxiliares, sendo capturado ou
apresentando-se voluntariamente, considerados aptos para o serviço militar,
serão reincluídos (se praça sem estabilidade) ou revertido da agregação (se
estáveis) para serem, então processados, visto que somente na condição de
militar, o cidadão poderá responder ao crime de deserção (crime
propriamente militar).
Por inteligência do artigo 187 do Código Penal militar, o crime de
deserção configura-se após o transcurso de 8 dias sem que o militar se
apresente em sua unidade, ou que tenha faltado a lugar em que tenha o dever
de permanecer, salientando-se que o primeiro dia da contagem do referido
prazo inicia-se a zero horas do dia seguinte a constatação da ausência
injustificada do militar.
Uma vez consumado o crime, o comandante da unidade, ou autoridade
correspondente, ou ainda autoridade superior, fará lavrar o respectivo termo,
imediatamente, sendo por ele assinado e por duas testemunhas idôneas,
além do militar incumbido da lavratura.
Existe a previsão legal da deserção especial, capitulada no artigo 190 do
Código Penal Militar, que se constitui em deixar o militar de apresentar-se no
momento da partida do navio ou aeronave, de que é tripulante, ou do
deslocamento da unidade ou força em que serve. Contudo, pela análise do
referido tipo, fica demonstrado que a razão pela qual a configuração do delito
ocorre com a partida do navio ou aeronave é o tempo em que este navio ou
aeronave ficará sem retornar. Assim, teno em vista que, na maioria das vezes,
as embarcações ou aeronaves militares estaduais não costumam ficar mais
de 8 dias em viagem, ou mesmo pelo fato de o militar estadual, mesmo na
ausência de sua aeronave ou navio, poder se apresentar no Batalhão em que
serve, diretamente ao seu Comandante, fica evidenciada a dificuldade de
configuração deste crime em âmbito estadual.
Salienta-se que se o militar se apresentar ou for encontrado antes de
transcorridos os 8 dias, o mesmo não incorrerá em crime militar, o que não o
eime de responder disciplinarmente pela falta.

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Sendo capturado ou apresentando-se voluntariamente após
configurado o crime de deserção e lavrado o termo de deserção, o militar será
submetido a inspeção de saúde para fins de reincorporação. Tal procedimento
se faz necessário, visto que após a configuração do crime de deserção, o militar
é desligado, seja pela via da agregação, seja por via da desincorporação.
Pelo fato de o termo de deserção ter o caráter de instrução provisória e
destinar-se a fornecer os elementos necessários à propositura da ação penal,
sujeitando, desde logo, o desertor à prisão, a instauração de Inquérito Policial
Militar, ou respectiva representação por prisão provisória, tornam-se
desnecessárias.
Em caso de deserção de oficiais, o rito a ser seguindo encontra previsão
legal no Capítulo II do Título II do Código de Processo Penal Militar, ao passo
que se for o militar praça com ou sem estabilidade, a previsão legal encontra-
se o Capítulo III do mesmo Título II do Código de Processo Penal Militar.

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