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MATERIAL DE APOIO

DISCIPLINA: Direito Penal Militar (DPM)

AULA 01: Conceitos basilares

OBJETIVOS DESTA AULA

NESTA AULA, VOCÊ IRÁ:


1- Conceituar o Direito Penal Militar.
2- Definir o crime militar e o militar.
3- Identificar o crime propriamente militar e o impropriamente militar.

INTRODUÇÃO:

Na presente aula, voltaremos a atenção para alguns conceitos básicos, conhecendo as


definições de Direito Penal Militar, crime militar e militar, além do crime propriamente e
impropriamente militar.

CONTEÚDO:

1. Direito Penal Militar

O Direito Penal Militar (DPM) trata de normas que são definidas como de direito
material ou substantivo, enquanto as de direito formal ou adjetivo são relativas ao Direito
Processual Penal Militar. O diploma legal que reúne as normas de direito material é o
Código Penal Militar, instituído pelo Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969.
É um direito penal especial uma vez que suas normas se aplicam a um grupo
específico de pessoas, os militares, resguardando valores e deveres peculiares. Sua
natureza especial é corroborada pela carta magna quando estabelece as Justiças
Militares.
Podemos definir o Direito Penal Militar como o conjunto de regras jurídicas que tem
como escopo garantir o perfeito cumprimento das missões constitucionais pertinentes às
Instituições Militares.
Álvaro Mayrink da Costa sustenta que o Direito Penal Militar possui objeto
específico, porque se constrói sobre uma categoria de bens e interesses que lhe é
privativa por natureza. Se os bens jurídicos, penalmente considerados, comportam, por
natureza, uma diferenciação em categorias e exigem tratamento jurídico diverso, dão
origem a ordenamentos autônomos.
No que se refere ao conceito de Direito Penal Militar, vale reproduzir os
ensinamentos de Ione de Souza Cruz e Claudio Amin Miguel quando o definem como “um
ramo do Direito Penal, especial, criado não com a finalidade de definir crimes para
militares, mas sim de criar regras jurídicas destinadas à proteção das instituições militares
e o cumprimento de seus objetivos constitucionais”.
No mesmo sentido, Cícero Robson Coimbra Neves & Marcello Streifinger definem
o Direito Penal Militar da seguinte maneira:

Conjunto de normas jurídicas que têm por objeto a determinação de


infrações penais, com suas consequentes medidas coercitivas em face da
violação, e ainda, pela garantia dos bens juridicamente tutelados,
mormente a regularidade de ação das forças militares, proteger a
ordem jurídica militar, fomentando o salutar desenvolver das missões
precípuas atribuídas às Forças Armadas e às Forças Auxiliares.

Se o Direito Penal Militar tem como principal escopo proteger as Instituições


Militares, seus valores e bens jurídicos, por consequência também tutelará os princípios
basilares da hierarquia e disciplina, previstos na Constituição Federal, nos seus artigos
42 e 142:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros


Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina,
são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e


pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem.

Com efeito, tudo aquilo que viola a Instituição viola a sua base, o seu alicerce, os
seus principais pilares, que no caso são os princípios da hierarquia e disciplina.

INSTITUIÇÕES MILITARES

DISCIPLINA
HIERARQUIA
Definido o Direito Penal Militar passamos para o estudo do crime militar e suas
especificidades.

2. Crime militar

Reconhecer o crime militar não é simples, requer um vasto conhecimento sobre as


hipóteses legais dispostas no Código Penal Militar. Em razão disso, diversos doutrinadores
destacam citação de Júlio Fabrini Mirabete como referência dessa dificuldade: “Árdua, por
vezes, é a tarefa de distinguir se o fato é crime comum ou militar, principalmente nos casos
de ilícitos praticados por policiais militares”.
Portanto, não são apenas os policiais militares que enfrentam dificuldade no
momento de identificar o crime militar, mas também os principais juristas e operadores do
direito.
O critério adotado pelo Direito Positivo brasileiro para a definição do crime militar, a
exemplo da Itália e da Alemanha, é o ratione legis ou critério objetivo, desde a
Constituição de 1946. É um critério estabelecido pela CF/88 quando expressa a
competência da Justiça Militar em seus arts. 124 e 125, § 4º, também citado no inciso LXI,
do art. 5º, do mesmo diploma legal.

Art. 5º - LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos
de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares


definidos em lei.

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios


estabelecidos nesta Constituição.

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos


Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra
atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima
for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da
patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)

Dessa forma, o crime militar é aquele assim definido na lei, ou seja, no Código
Penal Militar (CPM). Sendo assim, um fato é considerado crime militar quando
corresponder a alguma conduta taxativamente prevista no CPM.
Indispensável é o estudo dos crimes militares devido a sua natureza especial,
dificuldade de conceituação e interpretação. É interessante destacarmos que nos crimes
militares haverá sempre uma lesão de um bem ou interesse jurídico tutelado pelo
ordenamento penal militar. Independente do conceito, importante é a compreensão de que
os crimes militares visam à defesa de tudo aquilo que consubstancia a razão de ser das
instituições militares, dessa forma, qualquer conduta que atente contra a ordem militar será
uma infração penal militar, seja o agente militar ou civil.
Célio Lobão define o crime militar da seguinte forma:

[...] é a infração penal prevista na lei penal militar que lesiona bens ou
interesses vinculados à destinação constitucional das instituições militares, às
suas atribuições
legais, ao seu funcionamento, à sua própria existência, no aspecto particular
da disciplina, da hierarquia, da proteção à autoridade militar e ao serviço
militar.

As ofensas definidas na lei repressiva castrense que dizem respeito à


destinação constitucional, às atribuições legais das instituições militares, à
autoridade militar, ao serviço militar, têm, como agentes, tanto o civil quanto
o militar, enquanto as que atingem a disciplina e a hierarquia têm como
destinatário somente o militar.

Para verificar a existência de um crime militar, em primeiro lugar, é preciso


encontrar previsão do fato na parte especial do CPM. Se não há previsão, o fato não
configura um crime militar. Havendo previsão, passa-se para a segunda parte que é
verificar se o fato criminoso se enquadra em uma das hipóteses dos Arts. 9º e 10º,
também do CPM, tratando o primeiro dos crimes militares em tempo de paz e o segundo
em tempo de guerra.
Nosso objeto de estudo será o art. 9º, haja vista a sua maior pertinência e
relevância para as rotinas policiais militares. O texto do Art. 9º, crimes militares em tempo
de paz, merece transcrição por ser o mais utilizado:

Crimes militares em tempo de paz


Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de


modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja
o agente, salvo disposição especial;

II - os crimes previstos neste Código, embora também o


sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra


militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado,


em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou
reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço, em comissão de natureza


militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração
militar contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da


função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora
do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou
reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

d) por militar durante o período de manobras ou exercício,


contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado,
contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa
militar;

f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que,


embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou
qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar,
para a prática de ato ilegal;

f) revogada. (Vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por


civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os
compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem


administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de


atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da
Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão,


vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento,
acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar


em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância,
garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária,
quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a
determinação legal superior.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra
a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.
(Parágrafo incluído pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a
vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo
quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art.
303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de
Aeronáutica. (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011)

O art. 9º do CPM será melhor estudado mais a frente, pois requer uma análise
minuciosa de suas diversas hipóteses, a fim de que seja bem compreendido e,
posteriormente, aplicado corretamente no exercício do poder de polícia judiciária militar.

Para identificar o crime militar são encontradas algumas dificuldades principais,


sobretudo quando se trata de infrações que lesionam bens jurídicos das forças auxiliares:

  Mesma Legislação Penal Militar para forças armadas e auxiliares.


 Competências constitucionais diferentes da Justiça Militar da União e Justiça
Militar
 Estadual.
  O código penal militar não define os crimes militares, mas apenas enumera
hipóteses.

  Jurisprudência de diversos tribunais civis e militares.
 Necessidade de reforma da Legislação Penal Militar.

2.1 Conceito de militar

O conceito de militar, para fins de aplicação do Direito Penal Militar, está previsto no
art. 22 do Código Penal Militar:

Pessoa considerada militar


Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código,
qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às
forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à
disciplina militar.

Como se observa, este artigo do CPM apenas prevê como militares as pessoas
incorporadas às forças armadas, não fazendo menção aos militares estaduais integrantes
das Forças Auxiliares.
Desta forma, o art. 22 do CPM precisa ser complementado pelo art. 42 da Lei Maior,
trazendo o seguinte mandamento:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares,


instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares
dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.(Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Sendo assim, há que se fazer uma interpretação sistemática do art. 22 do CPM com
o art. 42 da Constituição Federal/88, eis que esta ampliou o conceito de militar, incluindo os
representantes das Forças Auxiliares Estaduais.

O importante é sabermos que não obstante a ausência dos militares estaduais no


preceito disposto no Código Penal Militar, esses também devem ser considerados para fins
de aplicação da Lei Castrense, de modo a respeitar o texto constitucional no tocante a
ampliação do conceito de militar.

3. Crime propriamente militar e o impropriamente militar


A teoria clássica, adotada por Célio Lobão e Jorge César de Assis, distingue duas
categorias de crimes militares, quais sejam: os crimes propriamente militares e os
impropriamente militares. O alicerce para esta doutrina é o Direito Romano que já aceitava
a diferença entre as categorias de crimes militares.
Mesmo antes da CF de 1988, a doutrina e a jurisprudência já adotavam essa
distinção, contudo, sem embasamento legal. A atual CF prevê a distinção anteriormente
utilizada, no seu art. 5º, inc. LXI, com a seguinte redação: “ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente,
salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Este dispositivo ressalta a importância da distinção de categorias, sobretudo quando
a prática de crime propriamente militar é hipótese de exceção constitucional de privação de
liberdade. Não obstante a importância de diferenciar os conceitos de crime propriamente e
impropriamente militares, não há qualquer definição legal dos termos, ficando a cargo da
doutrina o preenchimento dessa lacuna.

3.1 Crimes propriamente militares

Os crimes puramente militares, ou propriamente militares, ou militares próprios, no


entendimento de Célio Lobão, são aqueles que, previstos no Código Penal Militar,
descrevem uma infração penal militar específica e funcional do ocupante do cargo
militar, que lesiona bens ou interesses das instituições militares, no aspecto particular da
disciplina, da hierarquia, do serviço e do dever militar. São também conhecidos como o
“crime do Soldado”, pois só podem ser cometidos pelos militares, consistem em
violações de deveres que lhes são próprios.
Dentre os crimes propriamente militares, cabe citar a deserção (Art. 187.
Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve
permanecer, por mais de oito dias), o abandono de posto (Art. 195. Abandonar, sem
ordem superior, o posto ou lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou o serviço que
lhe cumpria, antes de terminá-lo), dormir em serviço (Art. 203. Dormir o militar, quando
em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em situação equivalente, ou, não sendo
oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao leme, de ronda ou em
qualquer serviço de natureza semelhante) e a recusa de obediência (Art. 387. Praticar,
em presença do inimigo, qualquer dos crimes definidos nos arts. 163 e 16), sendo este
último crime militar em tempo de guerra com a sanção máxima de pena de morte. Também
são propriamente militares os crimes de motim e revolta (arts. 149 a 153), violência
contra superior (art. 157), reunião ilícita (art. 165), publicação ou crítica indevida (art.
166) e desacato a superior (art. 298).
Ainda quanto ao crime propriamente militar, vale salientar a relevância de sua
definição no que tange a prisão do indiciado feita pelo encarregado, prevista no art. 18, do
CPPM. Passando rapidamente pelo Direito Processual Penal Militar, temos que a doutrina
majoritária entende que no caso da prisão do indiciado pelo encarregado, esta só será
possível nas hipóteses de crime propriamente militar, face ao art. 5º, inciso LVI, da CF/88.
Destarte, é mais um caso que demonstra a importância de conhecer a diferença entre o
crime propriamente militar e o impropriamente militar. O art. 18 versa sobre a detenção do
indiciado:

Detenção de indiciado

Art. 18. Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar


detido, durante as investigações policiais, até trinta dias, comunicando-
se a detenção à autoridade judiciária competente. Esse prazo poderá ser
prorrogado, por mais vinte dias, pelo comandante da Região, Distrito Naval
ou Zona Aérea, mediante solicitação fundamentada do encarregado do
inquérito e por via hierárquica.

Sobre a prisão provisória do indiciado pelo encarregado, cumpre destacar os


ensinamentos de Célio Lobão:
“O encarregado do inquérito poderá determinar a prisão provisória somente
de militar, e nos crimes propriamente militares. A prisão é limitada a 30 dias,
prorrogável por mais 20 dias pelo Comandante do Distrito Naval, da Região
Militar ou da Zona Aérea, conforme o caso. Segundo nosso entendimento, a
própria autoridade autorizada pela Constituição para prender o militar, tem
atribuição para prorrogar a medida coercitiva por ela decretada. A medida
coercitiva será comunicada ao Juiz que, após ouvir o MP, relaxará a prisão
se considerá-la ilegal. Havendo necessidade do recolhimento por mais
tempo, além dos 50 dias, compete ao Juiz decretar a prisão preventiva,
mediante representação do encarregado do inquérito ou a requerimento do
MP, desde que atendidos os requisitos exigidos para a medida cautelar.
Vedado ao encarregado do IPM, ou outra autoridade militar, determinar a
prisão de civil, em qualquer hipótese, inclusive a do militar no crime
impropriamente militar. Se o fizer, responderá por crime de abuso de
autoridade (arts. 5º, LXI, da CF, 18, 254 e 255 do CPPM)”.

Sendo assim, o crime propriamente militar não pode ser cometido por civil e, por
conseguinte, este não pode ser preso pela exceção constitucional da privação de liberdade
estatuída no Art. 5º, previsão que subordina apenas os militares. Estes sim podem ser
presos sem estarem em flagrante delito e inexistindo ordem escrita e fundamentada de
autoridade judicial competente. O direito constitucional expresso no inciso LXI, do Art. 5º, é
única e exclusivamente direcionado aos civis, havendo ressalva quanto a sua aplicação
aos militares nos casos de crime propriamente militar ou transgressão disciplinar.
Em síntese, podemos definir o crime propriamente militar como aquele que só tem
previsão no Código Penal Militar e só pode ser praticado pelo militar. Nas palavras de
Jorge Alberto Romeiro é aquele cuja ação penal somente pode ser proposta contra
militar.
Donde se conclui a vontade constitucional inequívoca de tratamento diferenciado
entre civis e militares, permitindo-se a privação de liberdade do militar pelo mero
cometimento de transgressão disciplinar, fato que retrata a extrema importância da
manutenção da disciplina militar, princípio basilar das instituições castrenses.

3.2. Crimes impropriamente militares


A outra espécie de crime militar é a do crime impropriamente militar, crime militar
impróprio ou acidentalmente militares.
Jorge César de Assis entende que o crime militar impróprio é aquele que está
definido tanto no Código Penal Castrense quanto no Código Penal comum e, que, por um
artifício legal tornam-se militares por se enquadrarem em uma das várias hipóteses do inc.
II do art. 9º do diploma militar repressivo.
Para Telma Angélica Figueiredo “os delitos acidentalmente militares constituem-se
em uma violação da lei, ao ferirem interesses sociais confiados à administração militar, ou
acarretarem dano ao serviço militar”.
Sintetizando a questão, os crimes militares são ramificados em duas espécies pela
Teoria Clássica, sejam os crimes propriamente militares e os impropriamente. Se os
propriamente militares são aqueles os quais o sujeito ativo só pode ser
militar,imediatamente, e por dedução, conclui-se que os crimes impropriamente militares
são os que podem ser cometidos tanto por militares quanto por civis.
Célio Lobão entende que o crime impropriamente militar é a infração penal prevista
no Código Penal Militar que, não sendo específica e funcional da profissão do soldado,
lesiona bens ou interesses militares relacionados com a destinação constitucional e legal
das instituições castrenses.
Os crimes impropriamente militares podem ser previstos exclusivamente no CPM,
podem ser definidos no CPM e de forma diversa no Código Penal (CP), ou ainda, descritos
de forma idêntica na legislação penal militar e comum. O crime de violência contra militar
de serviço (Art. 158. Praticar violência contra oficial de dia, de serviço, ou de quarto, ou
contra sentinela, vigia ou plantão) é um exemplo de crime impropriamente militar que só
tem previsão no CPM. O crime de incêndio (CPM: Art. 268. Causar incêndio em lugar
sujeito à administração militar, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio
de outrem; e CP: Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física
ou o patrimônio de outrem) está definido nas duas leis penais, mas de forma diferente. Por
último, para exemplificar a definição idêntica nos dois códigos, cumpre citar o clássico
crime de homicídio, que em ambos os códigos descreve a conduta de “matar alguém”.
Também são exemplos de crimes impropriamente militares: desacato a militar (art.
299), desobediência (art. 301) e lesão corporal (Art. 209).

CONCLUSÃO:

Os crimes propriamente são aqueles que só podem ser praticados pelo militar,
enquanto os crimes impropriamente militares são aqueles que têm previsão no
Código Penal Militar, mas podem ser praticados tanto por militares como por civis.

Como se vê, essas são as distinções entre o crime propriamente e impropriamente


militares, necessárias para estabelecer o impedimento ou a possibilidade de privação da
liberdade do militar, constituindo exceção do direito constitucional preceituado no inciso
LXI, do Art. 5º da CF.
CONTEUDISTA: CAP PM PEDRO (RG 80.450)
SÍNTESE DA AULA

NESTA AULA, VOCÊ:


1- Conceituou o Direito Penal Militar;
2- Definiu o crime militar e o militar;
3- Identificou o crime propriamente militar e o impropriamente militar.

MATERIAIS PARA CONSULTA:

ASSIS, Jorge César de. Curso de Direito Disciplinar Militar – Da Simples Transgressão ao Processo
Administrativo. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2009.

. Comentários ao Código Penal Militar: Comentários – Doutrina – Jurisprudência dos


Tribunais Militares e Tribunais Superiores. 6ª ed. Curitiba: Juruá, 2008.

COSTA, Álvaro Mayrink da Costa. Crime Militar. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978.

CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL; Cláudio Amin. Elementos de Direito Penal Militar – Parte Geral. Rio
de Janeiro: Lumen Júris, 2005.

FIGUEIREDO, Telma Angélica. Excludentes de Ilicitude no Direito Penal Militar. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004.

LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Apontamentos de Direito Penal Militar –
Vol. 1 – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2005.

APRENDA MAIS!
Um estudo acerca da natureza jurídica do Direito Penal Militar
http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/natjurdirpenmil.pdf

A Necessidade da Reforma do Direito Militar


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/anecessidade.pdf

Direito Penal Militar Juvenil (?)


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/dirpenalmiljuvenil.pdf
MATERIAL DE APOIO

DISCIPLINA: Direito Penal Militar (DPM)

AULA 02: Distinções importantes

OBJETIVOS DESTA AULA

NESTA AULA, VOCÊ IRÁ:


4- Diferenciar o crime militar do crime comum.
5- Compreender as fases de identificação do crime militar.
6- Diferenciar o crime militar da transgressão disciplinar.

INTRODUÇÃO:

Na presente aula, estudaremos distinções fundamentais no Direito Penal Militar. Aprenderemos as


fases de identificação do crime militar nas forças auxiliares, bem como a diferença entre a infração
penal castrense e a transgressão disciplinar.

CONTEÚDO:

1. Diferença entre o crime militar e o crime comum

No estudo da diferenciação entre crime militar e comum, utilizaremos o critério


adotado por Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger, no livro Apontamentos de
Direito Penal Militar, volume 1 – Parte Geral.
Os autores asseveram que a tipicidade é fundamental para distinguir a infração
penal militar da comum, e, para tal, definem três passos que facilitam a distinção,
sintetizados em três indagações.

Primeiro passo: O fato previsto como delito na Parte Especial do Código Penal Militar
contém descrição semelhante na legislação penal comum?
Segundo passo: Há previsão das circunstâncias em um dos incisos do art. 9º do CPM?

Terceiro passo: O sujeito ativo do crime pode ser processado e julgado pela Justiça Militar,
que apreciará o delito (arts. 124 e 125, § 4º, da CF)?

No caso das três respostas serem afirmativas o crime será militar. Os autores
lembram ainda, que a conclusão por crime depende também da análise da antijuridicidade e,
para os adeptos da teoria tripartida, da culpabilidade.
Importante notarmos que para haver dúvida sobre a natureza do crime ele tem que
estar previsto na parte especial do CPM. Sendo assim, antes de iniciarmos as perguntas
precisamos verificar se há subsunção do fato com algum tipo penal do CPM, caso contrário
o crime será comum ou fato atípico. Da mesma forma, o fato previsto na parte especial do
CPM tem que ter descrição semelhante na legislação penal comum ou então não haverá
dúvida. A descrição semelhante abarca os crimes definidos de modo diverso ou igual na
legislação penal comum.
Entretanto, é preciso compreender que o procedimento citado é apenas um meio
célere de verificação do crime militar, e, de maneira residual, do comum. As três perguntas
definidas pelos autores têm como objetivo facilitar a constatação dos crimes e não devem
ser analisadas de forma absoluta.
Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger apresentam exemplos que
merecem a transcrição para fins didáticos e de fixação do procedimento aludido.

Os exemplos são os seguintes:

Exemplo 1: Soldado PM, de folga, intervém em roubo a uma casa lotérica e entre em
confronto com os roubadores; ferindo mortalmente um deles, vem posteriormente a saber
que o morto também é policial militar da ativa. Nesse caso, vamos responder às questões:

1ª) Sim, há o tipo “homicídio no art. 205 do CPM, e o crime contém igual definição
no Código Penal.
2ª) Sim, por ter sido cometido por policial militar da ativa e por ter igual definição no
Código Penal, aplicamos o inciso II do art. 9º, enquadrando-se na alínea a, já que o sujeito
passivo também é militar da ativa.
3ª) Sim, nos termos do § 4º do art. 125 da CF, a Justiça Militar Estadual julga policial
militar.
Exemplo 1 - Crime Militar

Exemplo 2: Civil, membro de organização criminosa, ingressa em quartel da PM e com a


pura e simples intenção de afetar o moral da tropa, desacreditando a força policial estadual,
escolhe um soldado PM (no quartel de folga e fardado), praticando contra ele o crime de
homicídio. Respondamos às questões:

1ª) Sim, há o tipo “homicídio” no art. 205 do CPM, e o crime contém igual definição
no Código Penal.
2ª) Sim, por ter sido cometido por civil que almejava atingir a Corporação, em lugar
sujeito à Administração Militar, aplicamos a alínea b do inciso III do art. 9º.
3ª) Não, nos termos do § 4º do art. 125 da CF, a Justiça Militar Estadual não é
competente para julgar civis.
Exemplo 2 – Crime comum.

Exemplo 3: Civil, membro da instituição guerrilheira, ingressa em quartel do Exército


Brasileiro e com a pura e simples intenção de afetar o moral da tropa, desacreditando as
Forças Armadas, escolho um soldado (de folga e fardado) praticando contra ele o crime de
homicídio. Vejamos as respostas:

1ª) Sim, há o tipo “homicídio” no art. 205 do CPM, e o crime contém igual definição
no Código Penal;
2ª) Sim, por ter sido cometido por civil que almejava atingir a Corporação, em lugar
sujeito à Administração Militar, aplicamos a alínea b do inciso III do art. 9º.
3ª) Sim, nos termos do art. 124 da CF, a Justiça Militar Federal é competente para
julgar qualquer pessoa que pratique crime militar.
Exemplo 3 – Crime militar.

Dessa forma, para definirmos se um fato corresponde a um crime militar, em âmbito


estadual, temos a seguinte fórmula:

1º - Verificar se o fato é previsto como crime na parte especial do CPM.


2º - Verificar se o fato se enquadra em uma das hipóteses do art. 9º do CPM.
3º - Verificar se o sujeito ativo pode ser julgado pela Justiça Militar do Estado.

Se todas as verificações forem positivas o fato configura um delito castrense e será


julgado pela Justiça Militar Estadual.

Com efeito, há que se conhecer bem o tipo legal dos crimes militares e suas
hipóteses de configuração do art. 9º, de modo a diferenciar o delito castrense do crime
comum pela regra da exclusão, ou seja, se o fato não constitui crime militar será então uma
infração penal comum. Isso, por óbvio, no caso de realmente ser um delito, pois poderá
também ser considerado um fato atípico, como ocorre, por exemplo, com o civil que pratica
um crime previsto no CPM, mas sem equivalente no CP.
Existem alguns crimes muito comuns ao dia-a-dia policial que não são considerados
militares pelo fato de não preencherem os requisitos da primeira fase de identificação do
crime militar, qual seja a subsunção a um tipo da parte especial do Código Penal Militar.
Dentre eles podemos destacar o crime de abuso de autoridade, quadrilha ou bando, porte
ilegal de arma e disparo de arma de fogo.
No caso específico do abuso de autoridade, sendo um crime de ações múltiplas
prevê diversas condutas. Havendo lesão corporal, o policial militar responderá pelo crime do
Código Penal Militar se o ilícito for enquadrado em uma das circunstâncias do art. 9º. Se o
abuso não resultar em lesão corporal, responderá pelas condutas da lei 4.898-65 que regula
os casos de abuso de autoridade. Cabe destacar o art. 3 desta lei, porquanto prevê
condutas que podem ocorrer no cotidiano da atividade policial, quando o militar não cumpre
os ensinamentos que lhes foram transmitidos no período de formação:
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;

c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.


(Incluído pela Lei nº 6.657,de 05/06/79)

Dessa forma, é possível o policial militar responder pelo abuso de autoridade e pelo
crime militar de lesão corporal previsto no art. 209 do Código Penal Militar, salientando que o
crime militar só existirá quando a conduta resultar em lesão.
O policial militar, pelos mesmos motivos do abuso de autoridade, também poderá
responder pela infração penal comum e militar na hipótese da prática de tortura, resultando
em lesão corporal. A Lei 9.455/97 prevê as seguintes condutas:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,


causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou


de terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com


emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou
mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter
preventivo.

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a


medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da
prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o


dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro
anos.

§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a


pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de
oito a dezesseis anos.

O crime de quadrilha ou bando não tem previsão no CPM, razão pela qual não
caracterizará uma infração penal castrense. Deste modo, o policial militar que figurar como
integrante de uma quadrilha responderá pelo crime na justiça comum.
Os crimes de porte ilegal de arma de fogo e disparo de arma de fogo, comuns ao
cotidiano policial militar, pelas mesmas razões do delito de quadrilha ou bando, não serão
considerados crimes militares, haja vista não possuírem previsão na parte especial do CPM.
Tais delitos estão previstos na Lei 10.826/2003, nos arts. 14, 15 e 16:

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob
guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a
arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1)

Disparo de arma de fogo

Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em


suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa
conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. (Vide
Adin 3.112-1)

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito


Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso
proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal
ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de
arma de fogo ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a
torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de
dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com
numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado,
suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo,
acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de
qualquer forma, munição ou explosivo.
O mesmo não ocorre no caso dos entorpecentes. O Código Penal Militar possui
previsão expressa do delito de entorpecentes no seu art. 290, no entanto é preciso observar
as condições impostas pelo dispositivo legal:

Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar:

Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que


gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para
uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo
substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica,
em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, até cinco anos.

Casos assimilados

1º Na mesma pena incorre, ainda que o fato incriminado ocorra em lugar


não sujeito à administração militar:

I - o militar que fornece, de qualquer forma, substância entorpecente ou que


determine dependência física ou psíquica a outro militar;

II - o militar que, em serviço ou em missão de natureza militar, no


país ou no estrangeiro, pratica qualquer dos fatos especificados no
artigo;

III - quem fornece, ministra ou entrega, de qualquer forma,


substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica a
militar em serviço, ou em manobras ou exercício.

Na hipótese do inciso III, o civil não será considerado no âmbito estadual, uma vez
que não é julgado pelas Justiças Militares Estaduais.
Destarte, no tocante aos crimes relacionados a entorpecentes o militar pode praticar
um delito castrense, havendo subsunção ao art. 290 e enquadramento em uma das
circunstâncias do art. 9º. A Lei 11.343/06 – Nova lei de drogas – só se aplica para o militar
nos casos que não configurarem o crime do art. 290 do Código Penal Militar, por exemplo na
hipótese do militar que, de folga, que faz uso de entorpecente, fora de local sujeito à
administração militar e sem fornecer a substância entorpecente para outro militar.
Por fim, cabe trazer à baila uma decisão recente do Tribunal de Justiça Militar do
Estado de São Paulo, demonstrando a plena aplicabilidade do art. 290, mesmo após a Lei
11.343/06 entrar em vigor:
APELACAO Nº 006263/10 (Feito nº 058893/10 4A AUDITORIA )
Relator: FERNANDO PEREIRA

Órgão: 1ª Câmara
Votação: Unânime

Julgamento: 02/08/2011

Ementa:

POLICIAL MILITAR - Apelação Criminal - Condenação em Primeira


Instância pela prática do crime previsto no art. 290 do CPM - Apelo
pleiteando a absolvição nos termos da alínea "a", primeira parte ou da alínea
"c" do art. 439 do CPPM - Decisão de primeiro grau que abordou com
propriedade todos os aspectos que cercaram a prática do crime - Conjunto
probatório comprovando a conduta criminosa do apelante - Recurso de
apelação que não comporta provimento.

Decisão:

"A E. Primeira Câmara do TJME, à unanimidade de votos, negou provimento


ao apelo, de conformidade com o relatório e voto do E. Relator, que ficam
fazendo parte do acórdão".

Acórdão na íntegra - http://www.tjmsp.jus.br/SMD/3820.pdf

“Cabo PM RE 991858-2, foi denunciado perante a 4ª Auditoria Militar como


incurso no artigo 290, caput, do Código Penal Militar (CPM), porque no dia 4
de setembro de 2010, por volta das 23:00 horas, trazia consigo e guardava
0,74g de cocaína, acondicionada em um flaconete, substância entorpecente,
capaz de causar dependência física e psíquica a seus usuários, em lugar
sujeito à Administração Militar, sem que para tanto tivesse autorização e,
portanto, em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

2. A diferença entre o crime militar e a transgressão disciplinar

Não é incomum o militar, no exercício do poder de polícia judiciária militar ou no


exercício do poder disciplinar (Administração), que difere do poder punitivo (Justiça Penal),
ter muitas dúvidas no momento de definir se um fato configura um crime ou mera
transgressão disciplinar.
Por este motivo, é extremamente importante a compreensão da diferença entre o
crime militar e a transgressão disciplinar. Este conhecimento traz contribuição significativa
nas práticas rotineiras atinentes às decisões de justiça e disciplina das forças auxiliares.
Diante disso, é preciso, em primeiro lugar, relembrarmos o conceito de crime militar.
Nesta oportunidade, o conceito que mais interessa é o amplo, que trata da conduta que viola
bens jurídicos e interesses das Instituições militares, ao contrário do conceito restrito, que
preceitua o crime militar como aquele assim definido em lei.
Portanto, para fins de diferenciação do crime militar e transgressão disciplinar, cabe
reproduzir novamente os ensinamentos de Célio Lobão:

[...] é a infração penal prevista na lei penal militar que lesiona bens ou
interesses vinculados à destinação constitucional das instituições militares, às
suas atribuições legais, ao seu funcionamento, à sua própria existência, no
aspecto particular da disciplina, da hierarquia, da proteção à autoridade militar
e ao serviço militar.

As ofensas definidas na lei repressiva castrense que dizem respeito à


destinação constitucional, às atribuições legais das instituições militares, à
autoridade militar, ao serviço militar, têm, como agentes, tanto o civil quanto o
militar, enquanto as que atingem a disciplina e a hierarquia têm como
destinatário somente o militar.

A transgressão disciplinar é definida nos mais diversos regulamentos disciplinares


das Forças Armadas e Auxiliares.
O art. 14, do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
(RDPMERJ / R-9), Decreto nº. 6.579, DE 05 DE MARÇO DE 1983, define que:

São Transgressões

Art. 14 - São transgressões disciplinares:

I - Todas as ações ou omissões contrárias à Disciplina Policial Militar,


especificadas no Anexo I do presente Regulamento;

II - Todas as ações, omissões ou atos, não especificados na relação de


transgressões do Anexo citado, que afetem a honra pessoal, o Pundonor
Policial Militar, o decoro da classe ou o sentimento do dever e outras
prescrições contidas no Estatuto dos Policiais Militares, leis e regulamentos,
bem como os praticados contra regras e ordens de serviço estabelecidas por
autoridades competentes.

Ocorre que em alguns casos uma mesma conduta violadora poderá configurar um
crime e, simultaneamente, uma transgressão disciplinar. Isso porque a prática de um crime,
sobretudo nos delitos funcionais, exigirá uma avaliação da repercussão ética e disciplinar
deste fato. Assim como em alguns casos, a conduta poderá ser apenas criminosa ou
somente uma infração administrativa. A dificuldade está justamente na definição do caso
concreto, ou seja, em definir pela existência de uma ou outra hipótese, ou pela coexistência
das duas.
Vale frisar ainda que se um fato criminoso foi apurado, estando em fase de
persecução criminal ou julgamento judicial, ou seja, sem haver trânsito em julgado, a
Administração poderá apreciar o aspecto disciplinar independente da decisão judicial, no
caso de entender pela existência de elementos suficientes que permitam a avaliação
administrativa. Tal possibilidade tem como base o princípio da independência das instâncias,
previsto no art. 2º da CF/88.
Consubstanciando a idéia de independência das esferas, Hely Lopes Meirelles
preceitua que a mesma infração pode dar ensejo a punição administrativa (disciplinar) e a
punição penal (criminal), porque aquela é sempre um minus (menos) em relação a esta.
Concluindo que em razão disso toda condenação criminal por delito funcional acarreta a
punição disciplinar, mas nem toda falta administrativa exige sanção penal.

Nesse sentido, o art. 35 do RDPMERJ e seus incisos, versando que:

Inciso 1º - As comunicações civis, penais e disciplinares poderão cumular-se,


sendo umas e outras independentes entre si, bem assim as instâncias civis,
penal e administrativa.
Inciso 2º - A absolvição criminal só afasta a responsabilidade administrativa e
civil quando reconhecer provada a inexistência do fato ou negada a sua
autoria.
Inciso 3º - A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público
é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante averiguação,
sindicância ou processo administrativo disciplinar, independentemente do
processo civil ou criminal a que eventualmente se sujeite o Policial Militar
pelo mesmo fato, assegurados o contraditório e a ampla defesa”.

Ione de Souza Cruz & Claudio Amin Miguel lembram que um fato pode ser, ao
mesmo tempo, definido como crime militar e transgressão disciplinar, como por exemplo o
abandono de posto. Nesses casos, o critério a ser levado em consideração é o do grau de
violação do bem jurídico tutelado. Portanto, a definição pelo crime ou pela transgressão
dependerá da análise do caso concreto.
Dentre os principais casos que geram dúvidas na diferenciação do crime e
transgressão disciplinar estão os de abandono de posto e o de dormir em serviço.
Vale destacar decisão do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo
entendendo em um caso concreto de abandono de posto pela existência de mera infração
disciplinar.

APELACAO Nº 006245/10 (Feito nº 055633/09 4A AUDITORIA )


Relator: EVANIR FERREIRA CASTILHO
Órgão: 1ª Câmara
Votação: Maioria
Julgamento: 20/03/2012

Ementa:
Policial Militar - Apelação criminal - Crime de abandono de posto - Sentença absolutória com
fulcro na alínea "e" do artigo 439 do CPPM - Irresignação Ministerial - Punição pelos mesmos
fatos na seara administrativa - Permanência disciplinar de oito dias - Independência das
Instâncias - Entretanto, penalidade suficiente para a prevenção de nova ocorrência - Eventual
condenação não teria o caráter reeducativo - Policial de bom caráter e extrema dedicação -
Ausência de dolo em sua conduta - Infração penal não caracterizada - Recurso ministerial a
que se nega provimento.

Decisão:
"A E. Primeira Câmara do TJME, por maioria de votos (2x1), negou provimento ao apelo
ministerial, de conformidade com o relatório e voto do E. Relator, que ficam fazendo parte do
acórdão. Vencido o E. Juiz Paulo A. Casseb, que dava provimento".

Acórdão na íntegra: http://www.tjmsp.jus.br/SMD/4528.pdf


No mesmo sentido, o TJM-SP decidiu pela transgressão disciplinar em um caso do
tipo penal de dormir em serviço, hipótese que também gera muita controvérsia a respeito da
definição de crime ou infração administrativa:

APELACAO Nº 005851/08 (Feito nº 044795/06 1a AUDITORIA)


Relator: ORLANDO EDUARDO GERALDI
Orgão: 2ª Câmara
Votação: Unânime
Julgamento: 18/03/2010

Indexação: Dormir em serviço. Absolvição.

Ementa:
Absolvem-se da acusação de dormir em serviço os policiais militares que, impedidos de
prosseguir no patrulhamento por defeito no sistema elétrico da única viatura disponível, são
surpreendidos dormindo no interior do veículo, estacionado no interior do quartel, se há dúvida de
que haviam premeditado os momentos de sono.

Decisão:
"A E. SEGUNDA CÂMARA DO TJME, À UNANIMIDADE DE VOTOS, NEGOU PROVIMENTO
AO APELO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE CONFORMIDADE COM O
RELATÓRIO E VOTO DO E. JUIZ RELATOR, QUE FICAM FAZENDO PARTE DO ACÓRDÃO".

Acórdão na íntegra: http://www.tjmsp.jus.br/SMD/2201.pdf

O ilustre Procurador de Justiça ressaltou que é necessário perquirir sobre a extensão do


dano para aferir a tipicidade da conduta, sendo diminuta a ofensa ao dever militar no presente
feito. Segundo as fotos, os bancos não estavam tão reclinados ao ponto de se acomodar para
dormir mas, sim, para descanso. Não houve qualquer outra ação preparatória para o ato de dormir
e o benefício da dúvida deve ser levado em conta, tendo sido bastante razoáveis as explicações
dadas pelo Aspirante para não ter dado voz de prisão aos réus.
Os acusados noticiaram ao COPOM o recolhimento da viatura à Subunidade em razão
de problemas elétricos, o que foi confirmado pelo Asp Of Argolo e pelo Tenente Elton (fls. 176,
180). O Aspirante disse ter examinado o veículo posteriormente e constatado o defeito alegado pelos
militares.
As fotografias tiradas pelo Asp Of Argolo e acostadas às fls. 08/11 demonstram que os réus
estavam adormecidos, circunstância que foi confirmada pelo Tenente Elton e admitida pelos
acusados, após lhes serem exibidas as fotos. No entanto, negaram a intenção deliberada de dormir
e alegaram terem sido vencidos pelo cansaço.
Não foi dada voz de prisão em flagrante, pois o Aspirante entendeu tratar-se de
infração disciplinar, e não de crime, por ausência de preparativos para o ato de dormir.
A justificativa dada pelo Asp Argolo, como bem observado pelo nobre Procurador de
Justiça, é razoável. Ademais, a mensuração de dolo ou culpa na situação em que se deram os
fatos pode ser melhor aferida por quem se deparou com o ocorrido.
Embora o tipo penal em questão seja crime de perigo, e não de dano, é relevante a
constatação de que a integridade física dos milicianos e o patrimônio que custodiavam não
foram expostos a risco, eis que a viatura estava estacionada no interior do quartel. Conforme
noticiado nos autos, não havia outra viatura para que os acusados prosseguissem no patrulhamento.

Jorge César de Assis ensina que o crime militar é toda violação acentuada ao dever
militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão disciplinar
porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples.
Outrossim, a relação entre crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe
entre crime e contravenção penal. Conclui o mesmo autor que a diferença entre crime militar
e transgressão disciplinar será apenas da intensidade da referida violação das
obrigações e deveres, mostrando ainda a estreita ligação entre o Direito Penal Militar e o
Direito Disciplinar.
Neste diapasão, Cícero Robson Coimbra Neves & Marcello Streifinger discorrem
sobre a intervenção administrativa e penal:

O instrumento mais elementar é sem dúvida o Direito Administrativo


Disciplinar Militar, que é suficiente para resolver boa parte das condutas
indisciplinadas. Em alguns casos, porém, a intervenção necessita ser mais
rígida, mais contundente, desde que haja a turbação de um bem jurídico-
penal de tal grandeza que justifique o desencadeamento da persecução
criminal.

Perante o exposto, verifica-se a necessidade de apreciar o caso concreto para


avaliar o grau de violação do bem jurídico tutelado, a intensidade da lesão provocada, e a
partir daí definir se o fato constitui um crime ou uma transgressão disciplinar, visto que
ambos resultam em uma violação de um dever. Essa diferenciação não é simples, mas é
fundamental para a boa prática da justiça e disciplina nas Instituições Militares. O estudo de
jurisprudências pertinentes ao fato que está sendo analisado traz enorme contribuição no
cumprimento desse ofício.

CONTEUDISTA: CAP PM PEDRO (RG 80.450)

SÍNTESE DA AULA

NESTA AULA, VOCÊ:


4- Diferenciou o crime militar do crime comum;
5- Compreendeu as fases de identificação do crime militar; e
6- Entendeu a diferença entre o crime militar e a transgressão disciplinar.
MATERIAIS PARA CONSULTA:

ASSIS, Jorge César de. Curso de Direito Disciplinar Militar – Da Simples Transgressão ao Processo
Administrativo. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2009.

. Comentários ao Código Penal Militar: Comentários – Doutrina – Jurisprudência dos


Tribunais Militares e Tribunais Superiores. 6ª ed. Curitiba: Juruá, 2008.

COSTA, Álvaro Mayrink da Costa. Crime Militar. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978.

CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL; Cláudio Amin. Elementos de Direito Penal Militar – Parte Geral. Rio
de Janeiro: Lumen Júris, 2005.

FIGUEIREDO, Telma Angélica. Excludentes de Ilicitude no Direito Penal Militar. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004.

LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Apontamentos de Direito Penal Militar –
Vol. 1 – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2005.

APRENDA MAIS!

Abandono de posto: crime ou transgressão disciplinar?


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/abandonoposto.pdf

Crime militar e crime comum. Conceitos e diferenças.


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/crimemilitarecomum.pdf

Dormir em serviço: crime militar ou transgressão disciplinar?


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/delitodosono.pdf

O casal de militares perante a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06)


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/casalmilitares.pdf
Os crimes cometidos à luz da Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha – envolvendo militares cônjuges
e os seus reflexos na jurisdição e na administração militares.
http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/violencia_domestica-1.pdf

Peculiaridades da embriaguez em serviço


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/embriaguezservico.pdf
MATERIAL DE APOIO

DISCIPLINA: Direito Penal Militar (DPM)

AULA 03: Art. 9º - Incisos I e II

OBJETIVOS DESTA AULA

NESTA AULA, VOCÊ IRÁ:


7- Analisar as circunstâncias do crime militar do inciso I do art. 9º do CPM.
8- Compreender as hipóteses de configuração do delito castrense do inciso II do art. 9º.
9- Conhecer jurisprudências pertinentes.

INTRODUÇÃO:

Na presente aula, estudaremos as hipóteses de configuração do crime militar previstas nos


incisos I e II do art. 9º do Código Penal Militar. Para facilitar o aprendizado analisaremos
jurisprudências pertinentes as circunstâncias desses incisos.

CONTEÚDO:

1. Art. 9º - Inciso I

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal
comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

Para Ramagem Badaró, os crimes descritos no inciso I do art. 9º do Código Penal


Militar são os denominados de propriamente militares ou de definição adaptável ao Código
Militar.
Uma segunda linha doutrinária entende que este dispositivo não trata apenas dos
crimes propriamente militares, pois, há previsão neste inciso da prática de infração penal
militar por qualquer agente, o que excluiria a hipótese de crime militar próprio.
Vimos na aula 1 que a melhor definição para o crime propriamente militar é aquele
que só o militar pode praticar, razão pela qual a segunda linha doutrinária se mostra mais
adequada.
Verifica-se que no inciso I, o enquadramento no crime propriamente militar seria
unicamente na prática de crime não previsto na lei penal comum (“nela não previstos”)
somada a disposição especial, que versa sobre as previsões que afastam a incidência de
qualquer agente, ou seja, aquelas disposições que prevêem a característica de militar do
sujeito ativo. Como o que ocorre no crime de Deserção.

Deserção
Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do
lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.

Vale frisar que a “disposição especial” também poderá prever a condição de civil do
agente, e, por conseguinte, excluirá a hipótese do militar como sujeito ativo. É o que
acontece no crime de Insubmissão (Ar. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à
incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes
do ato oficial de incorporação).
Importante lembrar que o crime pode ter previsão apenas no CPM e não ser
propriamente militar, sendo possível o civil figurar como sujeito ativo nos crimes de
competência da Justiça Militar da União. É o caso do crime de “Violência contra militar de
serviço” (Art. 158. Praticar violência contra oficial de dia, de serviço, ou de quarto, ou contra
sentinela, vigia ou plantão), que só tem previsão no CPM, mas não é propriamente militar.
Sob a óptica das forças auxiliares, o inciso I gera maiores confusões, eis que a
expressão “qualquer que seja o agente” não se aplica, por força da competência
constitucional da Justiça Militar Estadual, limitando-se a julgar e processar os militares
estaduais, eliminando a hipótese do civil.
Sobre a análise do inciso I, Célio Lobão ensina que a 1ª parte do inciso I trata de
crimes impropriamente militares, definidos de modo diverso no Código Penal Militar e no
Código Penal, isto é, de figuras delituosas cujas descrições típicas não são idênticas nos
dois diplomas repressivos. Por exemplo: incitamento (Art. 155 do CPM e art. 286 do CP);
apologia (art. 156 do CPM e art. 287 do CP); amotinamento de presos (art. 182 do CPM e
art. 354 do CP); ato obsceno (art. 239 do CPM e art. 233 do CP); escrito ou objeto obsceno
(art. 234 do CPM e art. 234 do CP); desacato a militar (art. 299 do CPM e art. 331 do CP);
desobediência (art. 301 do CPM e art. 330 do CP); falsificação de documento (art. 311 do
CPM e art. 297 do CP); Falsidade ideológica (art. 312 do CPM e art. 299 do CP); incêndio
(art. 268 do CPM e art. 250 do CP).
O mesmo autor continua o estudo do inciso I asseverando que na sua 2ª parte trata
dos crimes propriamente militares e, também, os impropriamente militares sem definição na
lei penal comum.
São exemplos de crimes somente previstos no CPM: desrespeito a superior (art.
160), a insubmissão (art. 183), aliciação (art. 154), violência contra militar em serviço (art.
158) e a deserção (art. 187).

INCISO I APLICADO NAS FORÇAS AUXILIARES

1 – Crimes do CPM, previstos de modo diverso ou não previstos no CP + sujeito


ativo militar da ativa = crime militar;

2 – Crimes do CPM, previstos de modo diverso ou não previstos no CP + sujeito


ativo militar inativo + circunstâncias do inciso III = crime militar; O inciso I, por si só,
não se aplica ao militar inativo, é preciso cumprir também as condições do inciso III.

3 – Sujeito ativo civil.


. Crimes previstos de modo diverso no CP – responde pelo crime equivalente
do CP, na Justiça Comum.
. Crimes não previstos no CP, ou seja, somente previstos no CPM = Fato
atípico. A Justiça Militar Estadual não julga o civil, de acordo com o art. 125, § 4º da
CF/88.

2. Art. 9º - Inciso II, alínea a

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na
lei penal comum, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma


situação ou assemelhado;

Inicialmente, cabe salientar que os crimes previstos no inciso II são os chamados


impropriamente militares, eis que podem ter como sujeito o civil, como por exemplo no
homicídio ou na lesão corporal.
Nesta alínea é importante notarmos que o legislador não impõe qualquer condição
diferente da situação de atividade. De modo que não é preciso que o militar esteja de
serviço ou atuando em razão da função, ou mesmo em local sujeito a administração, mas
tão somente que seja militar da ativa, tanto o sujeito ativo como o passivo.
Por este motivo, a doutrina majoritária define que se um militar da ativa pratica um
crime previsto no CPM contra outro militar da ativa, tal fato sempre configurará um crime
militar. Vale destacar que também não é necessário que um conheça a condição de militar
do outro. O mesmo não ocorre com a condição de superior ou de inferior, é que dispõe o
inciso I do artigo 47:

Art. 47. Deixam de ser elementos constitutivos do crime:

I - a qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do


agente;

Não obstante o entendimento tradicional e predominante da doutrina de que no


crime praticado por militar da ativa contra militar da ativa, havendo previsão no CPM, será
sempre considerado crime militar, independente de estar de serviço, do local e motivação do
crime, existem decisões recentes do STF em sentido contrário:

RHC 111025 / RJ - RIO DE JANEIRO


RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 10/04/2012 Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-079 DIVULG 23-04-2012 PUBLIC 24-04-2012
Parte(s)
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
RECTE.(S) : FERNANDO JOSÉ GONÇALVES JÚNIOR
ADV.(A/S) : ALBERTO SILVA DOS SANTOS LOUVERA
RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Ementa
Recurso ordinário em habeas corpus. 2. Homicídio qualificado praticado por
militar da ativa contra militar do Corpo de Bombeiros da ativa. Delito
praticado fora do lugar sujeito à administração militar e por motivos pessoais.
3. Competência da Justiça comum. Tribunal do júri. 4. Recurso a que se nega
provimento.

Decisão
Negado provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator.
Decisão unânime. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª
Turma, 10.04.2012.
“Neste recurso ordinário em habeas corpus, reitera os fundamentos
submetidos a exame da Corte estadual e do Superior Tribunal de Justiça,
sustentando, em síntese, a incompetência da Justiça comum, por meio do tribunal
do júri, para julgamento do delito de homicídio praticado por policial militar
contra bombeiro militar, ainda que cometido por razões estranhas ao serviço.”
“Na espécie, não obstante a condição de militar da ativa tanto do
recorrente quanto da vítima, verifico que o delito foi praticado em uma
universidade, portanto fora de lugar sujeito à administração militar. Além disso,
segundo consta da denúncia, a motivação do crime (cobrança de dívida
particular) não estaria relacionada com as atividades militares, não
vislumbrando qualquer agressão aos bens jurídicos tipicamente associados à
função castrense. Desse modo, não há como acolher o pleito da defesa para que
seja determinada a incompetência da Justiça comum, porquanto a competência
do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes contra a vida prevalece
sobre a da Justiça Militar em se tratando de fato circunscrito ao âmbito
privado, sem nexo relevante com as atividades castrenses. (HC 103812, Min.
Cármen Lúcia, redator p/acórdão: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
29/11/2011, DJ 17.2.2012)”.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1935683

Em que pese o entendimento do STF no caso em tela, o art. 9º, inciso II, alínea a, não
prevê qualquer condição para a caracterização do delito militar, exige tão somente a
previsão do crime no CPM e a condição de militar da ativa do sujeito ativo e passivo. É o
que verificamos nos seguintes julgados:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO


APELACAO Nº 006297/11 (Feito nº 059389/10 4A AUDITORIA )
Relator: AVIVALDI NOGUEIRA JUNIOR
Orgão: 2ª Câmara
Votação: Maioria
Julgamento: 28/07/2011

Ementa:
POLICIAL MILITAR - DIREITO PENAL MILITAR - HOMICÍDIO
QUALIFICADO. Artigo 205, § 2º, inciso I, do Código Penal Militar. Delito
configurado. Apelo não provido. Policial militar que, em horário de folga e
civilmente trajado, por motivo fútil, dispara tiro contra a cabeça de outro
policial militar, que com ele estava na mesa de um bar, também em horário
de folga - Vítima civil que presenciou os fatos e confirmou a desproporção
entre o crime e sua causa moral.

Decisão:
"A E. Segunda Câmara do TJME, por maioria de votos (2X1), negou
provimento ao apelo, de conformidade com o relatório e voto do E. Relator,
que ficam fazendo parte do acórdão. Vencido o E. Juiz Revisor Paulo
Prazak, que dava parcial provimento ao apelo, mantendo a condenação,
todavia, apenas a título de homicídio simples, fixando a pena no seu mínimo
legal".
“Aos 20 dias do mês de janeiro de 2011 realizou-se a Sessão de Julgamento,
conforme Ata de fls. 270/272. Na r. Sentença encartada aos autos (fls.
273/289), consta a decisão do Conselho Permanente de Justiça que, à
unanimidade, condenou o Acusado pela prática do crime previsto no artigo
205, § 2º, inciso I, c.c. o artigo 9º, inciso II, alínea “a”, ambos do Código
Penal Militar, à pena de 18 (dezoito) anos de reclusão, a ser inicialmente
cumprida no regime fechado.” http://www.tjmsp.jus.br/SMD/3827.pdf

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE


JANEIRO QUINTA CÂMARA CRIMINAL
CONFLITO DE JURISDIÇÃO N 2008.055.00358
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITAR
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA QUARTA VARA CRIMINAL DE NOVA
IGUAÇU
RELATOR: DES. CAIRO ÍTALO FRANÇA DAVID

EMENTA:
Crimes previstos inicialmente no artigo 121, § 2º, inciso II, na forma do
artigo 14, II, ambos do Código Penal, em concurso material. Tentativa de
homicídio recíproca e acusado e vítima eram policiais militares, que
estavam de folga, sem farda e um não sabia que o outro era integrante
da mesma corporação. Conflito de jurisdição. O suscitante, Juízo da
Auditoria da Justiça Militar do Estado do Rio de Janeiro, entendeu que a
competência seria da justiça comum, porque acusado e vítima estavam
de folga, fora do exercício de sua função policial, em local não sujeito à
administração militar, ambos ignorando por completo, a condição militar
um do outro. 1 – A despeito das considerações supra, o artigo 9º do
Código Penal Militar estabelece que é crime de natureza castrense o
cometido por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra
militar na mesma situação ou assemelhado. Em atividade, não significa
em serviço e sim que não se trata de membro da corporação reformado
ou da reserva. Tanto isso é verdade, que na alínea “c” do referido
dispositivo legal, há referência expressa a militar “em serviço”, o que
significa que essa expressão não é semelhante à de “militar em situação
de atividade”. 2 – Não podemos criar restrições, fazendo uma
interpretação extensiva da lei. 3 – Este Magistrado filia-se à corrente
jurisprudencial que entende que militar em atividade é antônimo de
militar de folga. Em sendo assim, uma simples interpretação gramatical
do que dispõe o artigo 9º do CPM, alínea “a”, nos conduz à conclusão
de que é crime militar o cometido por miliciano em atividade contra
outro militar em idêntica situação, pouco importando se estão de
serviço ou de folga. 3 – Conflito conhecido e não provido, firmando-se a
competência do suscitante.
“Conflito Negativo de Jurisdição que tem como suscitante o Juízo de
Direito da Auditoria de Justiça Militar deste Estado e suscitado o Juízo de
Direito da Quarta Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu, já que este
último declinou de sua competência em razão de serem acusado e vítima
policiais militares, em plena atividade à época do fato, com fulcro no artigo 9º,
inciso II, alínea “a” do Código Penal Militar, remetendo os autos ao juízo
suscitante, fl. 15.
Por sua vez o suscitante às fls. 29/31, por entender que a
competência do juízo militar, in casu, é fixada verificando-se se o policial, no
momento do cometimento do delito, encontrava-se em pleno exercício da as
função e por estarem os envolvidos de folga, além do fato de que não se
conheciam e, portanto, ignoravam a qualidade de militar um do outro,
suscitou o presente conflito negativo com base no artigo 114, caput, in fine,
do Código de Processo Penal Militar e artigo 116 § 1º do Código de Processo
Penal.
Disse que a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal
Federal, vem-se solidificando no sentido de que em tais casos não basta
apenas que os envolvidos sejam militares da ativa, mas entendendo que nas
hipóteses em que o autor e vítima encontram-se de folga, e assim afastados
da função policial e em local não sujeito à administração militar, trata-se de
crime de competência da justiça comum.
(...)
Constata-se também que no caso da alínea “a”, pouco importa se
os militares se encontravam de serviço ou de folga, assim como se
utilizavam fardas ou se motivação para o cometimento do delito seja ou
não alheia à função que desempenhavam.
(...)
No caso em exame e segundo a denúncia verifica-se que se trata de
crime definido no artigo 121, § 2º, inciso II c/c artigo 14, inciso II, na forma do
artigo 69 do Código Penal, em que são autores e vítima militares
pertencente à Polícia
Militar deste Estado e à época todos em situação ativa naquela
corporação, pouco importando se estavam de folga, com ou sem farda,
eis que tais condições não são exigidas para a fixação da competência.
Destarte, voto pelo conhecimento e provimento do presente conflito,
fixando a competência no juízo suscitante”.

Portanto, a mencionada decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


não seguiu as decisões do Supremo Tribunal Federal e se alinhou a doutrina tradicional,
definindo que na hipótese da alínea a pouco importa se os militares estão sem farda, de
folga ou em local não sujeito à administração militar, uma vez que a alínea não prevê tais
requisitos.
Já estudamos o conceito de militar e vimos que ele está previsto no art. 22 do CPM:

Pessoa considerada militar


Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer
pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças
armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina
militar.

Também vimos que este conceito deve ser interpretado de maneira sistemática com
o mandamento do art. 42 e 125 § 4º, incluindo os militares dos Estados e ampliando o
conceito de militar do art. 22 do CPM.

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros


Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são
militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios


estabelecidos nesta Constituição.

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos


Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos
disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for
civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da
patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)

Quanto à situação de atividade prevista na alínea a, impende reproduzir os


comentários feitos por Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger, na obra
Apontamentos de Direito Penal Militar:
A extensão do tipo, portanto, refere-se ao militar da ativa, compreendido
como tal aquele que esteja de folga, licenciado (mesmo que para fins
particulares) ou em local não sujeito à Administração Militar. Portanto, para a
configuração dessa hipótese jurídica, consideraremos militar da ativa o
policial militar que exerce suas funções rotineiras no serviço policial
militar que lhe é afeto, mesmo que no momento do crime esteja
licenciado, de folga, em trajes civis e fora do quartel. Em suma, a
situação de atividade inicia-se com a incorporação e encerra-se com a
exclusão do miliciano da força a que pertence ou com sua passagem para a
inatividade.

No caso do agregado, seguiremos o entendimento dos mesmos autores,


considerando, para fins penais militares, como militar da ativa.
O art. 12 do CPM prevê uma equiparação do militar da reserva ou reformado a
militar da ativa, versando que: O militar da reserva ou reformado, empregado na
administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da
aplicação da lei penal militar. Nesta hipótese, o militar inativo praticará crime militar nas
mesmas circunstâncias do militar da ativa, ou seja, serão aplicados os incisos I e II, do art.
9º, e não o inciso III.
Outro aspecto interessante de observar é o de que os militares estaduais e federais
não devem ter equivalência no momento de analisar as hipóteses de crime militar. Doutrina
e jurisprudência majoritárias entendem que o militar estadual é visto como civil pela Justiça
Militar Federal e vice-versa. Por este motivo, Célio Lobão afirma que militar, perante a
Justiça Militar federal, é, única e exclusivamente, quem se encontra incorporado às Forças
Armadas, e ainda, militar perante a Justiça Militar estadual, é, tão somente, quem integra a
Polícia Militar ou o Corpo de Bombeiros Militares.
Portanto, ambos são considerados militares para fins de aplicação do CPM, no
entanto, quando militares estaduais e federais praticam crimes entre si, não serão
considerados militares em todos os casos, é preciso avaliar o caso concreto, pois, em regra,
um será civil para o outro, ressalvados alguns casos e entendimentos específicos.
Nesse sentido, seria a Justiça Comum a competente para julgar militar Federal que,
de folga, cometa crime contra policial militar em serviço de policiamento ostensivo.
Entretanto, o Superior Tribunal Militar entendeu no Recurso Criminal nº 2004.01.007204-2
que graduado da Marinha praticou crime militar ao desacatar integrantes de patrulha da
Polícia Militar Estadual, em pleno exercício de suas funções de policiamento ostensivo,
visando à manutenção da ordem e segurança públicas:

RECURSO CRIMINAL - DESACATO A MILITAR - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - COMPETÊNCIA.

Denúncia oferecida contra graduado da Marinha que desacatou integrantes


de patrulha da Polícia Militar Estadual, em pleno exercício de suas funções de
policiamento ostensivo, visando à manutenção da ordem e segurança
públicas. Peça acusatória rejeitada por considerar que o fato não constitui
infração penal da competência desta Justiça Militar da União, sendo
determinada a remessa dos autos à Justiça Estadual. Demonstrado que, ao
início da ocorrência, os policiais militares não sabiam que o agente ativo era
militar federal, porém este, embora em momento de lazer e em local não
sujeito à administração militar, sabia que a guarnição era constituída de
militares, pois estavam fardados, o que lhe obrigava a
adotar conduta condizente com a disciplina imposta aos integrantes das
Forças Armadas. Trata-se de delito praticado por militar federal contra outros
militares, membros da Polícia Militar Estadual, todos em situação de
atividade. Conceito de militar constante do art. 22 do CPM, derrogado pela
EC nº 18/98, integrante da Carta Política promulgada em 5 de outubro de
1988, concluindo-se que os membros das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros são considerados militares para todos os efeitos e, por força do
art. 6º do CPPM, submetem-se aos princípios da hierarquia e da disciplina
consolidados na lei substantiva castrense.

No mesmo diapasão os Embargos nº 2003.01.007044-7, do STM:

Acórdão

Num: 2003.01.007044-7 UF: RS Decisão: 30/10/2003


Proc: EMB(FO) - EMBARGOS (FO) Cód. 160
Publicação

Data da Publicação: 09/04/2003 Vol: Veículo:

Ementa

EMENTA - EMBARGOS - ILÍCITO PENAL PRATICADO POR MILITAR DAS


FORÇAS ARMADAS CONTRA POLÍCIAL MILITAR ESTADUAL.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA PELO TRIBUNAL. SÚMULA 709 DO STF. Preliminar de não-
conhecimento dos presentes embargos, por intempestividade suscitada pela
Procuradoria-Geral da Justiça Militar, rejeitada por unanimidade de votos. No
mérito, compete à Justiça Militar da União processar e julgar crime
praticado por Militar das Forças Armadas, em situação de atividade,
contra Militar da Polícia Estadual, na mesma situação, por força da
Constituição Federal (artigos 124, c/c artigos 109, inciso IV, 42 e 142) e do
CPM (artigo 9º, inciso II, alínea "a"). O Acórdão que dá provimento ao recurso
contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento, o que
afasta a alegação de supressão de instância. Decisão por maioria.

No Recurso em Sentido Estrito nº 0000114-81.2010.7.07.0007, o STM entendeu que


a Justiça Militar da União é a competente para julgar crime militar praticado por policial
militar estadual contra oficial das forças armadas:

Num: 0000114-81.2010.7.07.0007
(2009.01.007687-0) UF: PE Decisão:

03/08/2010
Proc: RSE(FO) - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (FO) Cód. 320

Recurso em Sentido Estrito. Rejeição de Denúncia. Competência da Justiça


Militar para julgar Policial Militar. Preliminar de não conhecimento do recurso
suscitada pela Procuradoria-Geral da Justiça Militar. Inadmissão do recurso
no tocante ao conflito negativo de competência encaminhado ao egrégio
Superior Tribunal de Justiça, com base no art. 105, inciso I, alínea d, da
Constituição Federal, c/c o art. 112, inciso I, alínea b, do CPPM. Preliminar
rejeitada. Decisão unânime. Decisão da Juíza-Auditora Substituta da
Auditoria da 7ª CJM, proferida nos autos do Registro nº 13/09, que declarou a
incompetência da Justiça Militar da União para processar e julgar Policial
Militar. Em decisão de 14 de agosto de 2009, a Juíza-Auditora Substituta da
Auditoria da 7ª CJM assentou que a conduta atribuída ao Policial Militar
constitui crime militar a ser apreciado pela Justiça Militar do Estado da
Paraíba. O Órgão Ministerial pede o recebimento da Denúncia por se tratar
de crime militar de competência da Justiça Militar da União em razão do
disposto no art. 9º, inciso II, alínea a, do CPM e, também, em virtude do
estabelecido na Emenda Constitucional nº 18/98. Entendimento do STM que,
sendo o delito praticado por policial militar estadual, em detrimento de oficial
das Forças Armadas, independentemente do local onde seja praticado,
aplicam-se as regras contidas no CPM. Consoante a Emenda Constitucional
nº 18/98, o militar integrante das FFAA e o policial militar integrante das
corporações dos Estados são militares da ativa, sendo o primeiro da esfera
federal e o segundo da esfera estadual. Competência da Justiça Castrense
firmada quando a conduta é praticada por policiais militares contra militares
das Forças Armadas, conformando-se à hipótese do art. 9º, inciso II, alínea a,
do CPM, dada a qualidade de militar atribuída aos integrantes das
Corporações Policiais Militares com o advento da Emenda Constitucional nº
18/98. Declarada a competência da Justiça Militar da União para processar e
julgar o feito e, de ofício, concedido Habeas Corpus para determinar o
trancamento do Procedimento nº 13/09, em trâmite perante a Auditoria da 7ª
CJM. Decisão por maioria.

Esses são exemplos de casos nos quais os militares federais e estaduais foram
considerados militares em crimes que praticaram um contra o outro. Em que pese tais
entendimentos, em regra serão considerados civis quando figurarem como sujeito ativo e
passivo de delito castrense. É o que defende a doutrina majoritária. Cabe destacar julgado
do STF seguindo a doutrina majoritária:

EMENTA: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL COMUM E


JUSTIÇA MILITAR. CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES - AGENTES:
CONSCRITOS DO EXÉRCITO BRASILEIRO - VÍTIMA: PRAÇA DA POLÍCIA
MILITAR. 1. Praça da Polícia Militar, em serviço, procedendo à revista de dois
conscritos do exército, de folga, fora da área de administração militar, veio a
ser agredido física e moralmente por estes, resultando lesões corporais leves.
2. A leitura do artigo 42 da Constituição Federal não autoriza o intérprete a
concluir pela equiparação dos integrantes das Polícias Militares Estaduais
aos Componentes das Forças Armadas, para fins de Justiça. 3.
Impossibilidade de enquadramento no artigo 9º e incisos, do Código Penal
Militar, que enumera, taxativamente os crimes de natureza militar.
Precedentes da Corte. Conflito conhecido, assegurada a competência da
Justiça Comum.(CC 7051, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal
Pleno, julgado em 17/04/1997, DJ 09-03-2001 PP-00103 EMENT VOL-02022-
01 PP-00098)

Vale destacar que o militar estadual pode praticar um crime que viole bens e
interesses jurídicos das Forças Armadas, sendo considerado delito militar por se enquadrar
nas mesmas hipóteses que o civil incidiria, quais sejam as previstas no art. 9º, inciso III.
Neste caso, o crime será considerado castrense, não pela condição de militar do sujeito
ativo, mas porque o praticou em circunstâncias específicas que não exigem a qualidade de
militar. Lembrando que a Justiça Militar da União julga tanto o militar como o civil.
Estudaremos o inciso III mais a frente.
No que se refere ao crime, previsto no CPM, praticado por militares estaduais de
Estados distintos o entendimento predominante é de que há crime militar e a competência
será da Justiça Militar do Estado do sujeito ativo do crime, ou seja, do militar que praticou o
crime. Nesse caso, a instauração do inquérito policial militar será de acordo com a atribuição
territorial.
Dessa forma, se um policial militar do Estado do Rio de Janeiro pratica um crime
militar contra um policial do Estado de São Paulo, sendo o crime praticado neste Estado, a
atribuição de apuração será da polícia de São Paulo, enquanto o militar será julgado na
Justiça Militar do Rio de Janeiro. É o que preconiza a súmula 78 do STJ: “Compete à Justiça
Militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o delito tenha sido
praticado em outra unidade federativa”.
Uma outra questão que gera dúvidas é a do delito cometido por um cônjuge ou
companheiro contra o outro, quando ambos são militares da ativa. Célio Lobão esclarece a
hipótese definindo que se a ocorrência diz respeito à vida em comum, permanecendo nos
limites da relação conjugal ou de companheiros, sem reflexos na disciplina e na hierarquia
militar; permanecerá no âmbito da jurisdição comum. O autor ainda cita uma decisão da
Corte Suprema, segundo a qual a administração militar “não interfere na privacidade do lar
conjugal, máxime no relacionamento do casal”.
Os crimes que se enquadram na alínea a, do inciso II, são aqueles que possuem
igual definição no Código Penal comum, razão pela qual são classificados como crimes
impropriamente militares. Célio Lobão enumera, com base na alínea a, as hipóteses de
crime comum um militar nas respectivas combinações de sujeito ativo e passivo, da seguinte
maneira:

I – sujeitos ativo e passivo militares (art. 22), isto é, integrantes das Forças
Armadas: crime militar da competência da Justiça Militar federal;

II – sujeitos ativo e passivo militares estaduais, isto é, policial militar e


bombeiro militar: crime militar da competência da Justiça Militar estadual (art.
125, § 4º, da Constituição);

III – sujeito ativo e passivo policial militar e bombeiro militar de corporações


pertencentes a unidades federativas diversas: crime militar da competência
da Justiça Militar da unidade federativa de origem da corporação do sujeito
ativo (orientação jurisprudencial);

IV – sujeito ativo integrante das Forças Armadas e sujeito passivo policial


militar ou bombeiro militar: crime comum;

V – sujeito ativo policial militar ou bombeiro militar e sujeito passivo integrante


das Forças Armadas: crime comum.

São exemplos de crimes que possuem igual definição no CPM e CP: homicídio, lesão
corporal e concussão.

Homicídio simples - CPM


Art. 205. Matar alguém:

Homicídio simples - CP
Art. 121. Matar alguém:
Lesão leve - CPM
Art. 209. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Lesão corporal - CP
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Concussão - CPM
Art. 305. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Concussão - CP

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida:

Por fim, cumpre frisar que a figura do assemelhado não mais existe, razão pela qual
esta parte da alínea a deve ser desconsiderada.

3. Art. 9º - Inciso II, alínea b

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na
lei penal comum, quando praticados:

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à


administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou
civil;

A alínea b do inciso II versa que será crime militar aquele praticado: por militar em
situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra
militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
Esta alínea prevê como sujeito passivo qualquer pessoa que não seja militar da ativa,
bem como assinala que o crime deve ser praticado em local sujeito à administração militar.
Não há muito o que debater nesta hipótese, o principal é definirmos o que seria o
lugar sujeito à administração militar. Célio Lobão conceitua o lugar sujeito à administração
militar como aquele “que pertence ao patrimônio das Forças Armadas, da Polícia Militar ou
do Corpo de Bombeiros Militares ou encontra-se sob a administração dessas instituições
militares, por disposição legal ou ordem igualmente legal de autoridade competente”.
Acrescenta que o local pode ser imóvel ou móvel, como veículo, embarcação, aeronave, etc.
Vale salientar que a residência do militar não é considerada local sob a administração
militar, mesmo que se encontre em áreas militares, como é o caso das vilas residenciais,
muito comum nas forças armadas. Aqui cabe lembrar o preceito constitucional do inciso XI
do artigo 5º, declarando que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador. Note-se que apenas a residência não é
considerada, no entanto as áreas comuns das vilas serão locais sob a administração militar.
Célio Lobão cita orientação jurisprudencial proferida pelo STM entendendo que “constitui
crime comum o praticado por militar contra civil, em casa particular, situada em vila
residencial, embora em zona sob a administração militar. A administração militar não
penetra no interior das casas cedidas a oficiais e praças, interferindo nas suas relações civis
e de suas famílias.”
Definido o lugar sujeito à administração militar passamos para o estudo das alíneas
“c” e “d” do inciso II do art. 9º do CPM.

4. Art. 9º Inciso II, alíneas c e d

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na
lei penal comum, quando praticados:

c) por militar em serviço, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora
do lugar sujeito a administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou
assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza


militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra
militar da reserva, ou reformado, ou civil; (Redação dada pela Lei nº 9.299, de
8.8.1996)

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva,


ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

Inicialmente, vale notar que a alínea c foi alterada pela Lei nº 9.299, de 08.08.1996,
trazendo significante modificação pelo fato de incluir a expressão “ou atuando em razão da
função”. Hipótese muito comum nas forças auxiliares, em razão dos deveres legais previstos
no art. 301 do Código de Processo Penal e art. 144 da Constituição Federal, nos seguintes
termos:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes


deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de


todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;

II - polícia
rodoviária federal; III -
polícia ferroviária
federal; IV - polícias
civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

É o que o autor Jorge César de Assis chamou de crime militar em razão do dever
jurídico de agir: o policial militar que, à paisana, e de folga, e com armamento particular,
comete o fato delituoso por ter se colocado em serviço, intervindo numa situação de
flagrância.
As alíneas c e d serão abordadas na mesma parte do estudo, pois, na realidade,
abarcam diversas situações que, basicamente, se resumem na expressão “em serviço ou
atuando em razão da função”. Comissão de natureza militar, formatura, manobras ou
exercício, são circunstancias que caracterizam um serviço.
Nessas alíneas também temos como sujeito passivo qualquer pessoa que não seja
militar da ativa.
Quanto ao conceito de serviço, cumpre reproduzir os ensinamentos do insigne autor
Célio Lobão:

Militar em serviço é o que se encontra exercendo função do cargo militar,


permanente ou temporário, decorrente de lei, decreto, regulamento, ato,
portaria, instrução, ordem verbal ou escrita de autoridade militar competente.
Pode ser função de natureza militar ou outro serviço executado pelo militar
nessa qualidade.

A ordem deve ter suporte legal, caso contrário, não ocorre a condição de
militar em serviço. Já tivemos a oportunidade de decidir que o militar
encarregado pelo comandante de apurar furto de gado de particular não se
encontra em serviço, o que é diferente se o gado pertencesse à
administração militar. Nessa última hipótese, o agente estaria em serviço,
embora não se encontrasse em função de natureza militar.

Como serviço, entende-se os destinados à limpeza e à higiene das


instalações militares, ao abastecimento de gêneros alimentícios e de seu
preparo, a conservação de imóveis, de material bélico, conservação e
utilização dos meios de transporte militar, dos locais destinados ao esporte, à
diversão, indispensáveis para sanidade mental da tropa, aliviando-a das
tensões resultantes dos exercícios, dos treinamentos e da própria rigidez da
disciplina militar. Serviço alcança, igualmente, função de natureza militar, que
constitui requisito da alínea d do inciso III. Esta é a espécie, da qual aquele é
o gênero.

Militar em serviço não se confunde com militar em situação de atividade, na


ativa ou no serviço ativo. O militar em serviço exerce função de seu cargo
militar, incluindo-se formatura, manobra, exercício, comissão de natureza
militar. Obviamente, só o militar em situação de atividade exerce função do
cargo militar, embora nem sempre esteja no exercício dessa função.
A súmula 06 do STJ, de 07 de junho de 1990, versa que “compete à Justiça Comum
Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de
Polícia Militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade”. No
entanto, o STF decidiu em sentido contrário:
Ementa: Conflito de competência. Acidente de trânsito. Viatura militar e
civil. Compete à Justiça Militar processar e julgar delito decorrente de
acidente de trânsito envolvendo viatura de policial militar. Recurso conhecido
e provido. (STF –

RE 146.816-SP – Red. p/o acórdão Min. Nelson Jobim – Informativo, n.


266, Brasília, 29.04 a 03.05.2002)

No mesmo sentido, Célio Lobão afirma que a súmula 06 do STJ foi reformada por
decisão do Supremo Tribunal Federal: “Crime militar cometido por policial da ativa, em
serviço de patrulhamento, contra civil (artigos 9º, II, c, e 210 do Código Penal Militar). É
competente, para o julgamento, a Justiça Militar estadual, de acordo com o § 4º do art.
125 da Constituição Federal”. (RE nº 135.195 – 1ª T., unânime, Ac. de 06.08.91.)
Adotando o mesmo entendimento, o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo decidiu:

APELACAO Nº 006128/10 (Feito nº 051816/08 4A AUDITORIA )

Relator: PAULO A. CASSEB


Órgão: 1ª Câmara
Votação: Unânime
Julgamento: 14/12/2010

Ementa:

POLICIAL MILITAR - Sentença Condenatória - Apelo defensivo pugnando


anulação do processo ou absolvição com fulcro no art. 439, alínea "b" do
CPPM - Denúncia imputou a prática dos crimes de lesão culposa (art. 210, §§
1º e 2º, do CPM) e ameaça (art. 223, "caput", do CPM) a Eder Escudeiro e do
delito de ameaça a Cauê de Souza Carvalho - Rejeitadas as preliminares de
incompetência da Justiça Militar e de necessidade de realização de
reprodução simulada dos fatos -

Competência da Justiça Militar reafirmada, mesmo no caso de acidente


de trânsito - Afastada a Súmula 06 do E. Superior Tribunal de Justiça -
Deficiência na sinalização de chão decorrente da ausência de faixa divisória
do tráfego na via - Impossibilidade de se precisar a posição exata dos
veículos no momento do acidente - Probabilidade de que ambos pudessem
ter extrapolado os limites - Depoimentos das testemunhas de acusação civis
devem ser analisados com reservas - Fragilidade da prova oral - Intimidação
sofrida pelos milicianos por parte das pessoas presentes - A situação pessoal
das vítimas dificultou a prestação de socorro e facilitou o abandono do local -
Afastada a caracterização do tipo penal da ameaça - Reforma da r. sentença
"a quo" - Absolvição dos acusados com fulcro no art. 439, alínea "e" do
Código de Processo Penal Militar - Provimento dos recursos - Decisão
unânime.

Decisão:

"A E. PRIMEIRA CÂMARA DO TJME, À UNANIMIDADE DE VOTOS,


REJEITOU AS PRELIMINARES ARGUIDAS E NO MÉRITO, TAMBÉM À
UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO APELO INTERPOSTO, DE
CONFORMIDADE COM O RELATÓRIO E VOTO DO E. RELATOR, QUE
FICAM FAZENDO PARTE DO ACÓRDÃO".

Acórdão na integra - http://www.tjmsp.jus.br/SMD/3041.pdf

RECURSO INOMINADO Nº 000036/04 (Feito nº 038100/04 1a


AUDITORIA)
Relator: LOURIVAL COSTA RAMOS

Órgão: 2ª Câmara

Votação: Unânime

Julgamento: 05/08/2004

Indexação:

Recurso Inominado - Acidente de Trânsito - Policial Militar em serviço


dirigindo viatura militar, com vítima civil - Competência da Justiça
Militar Estadual - Inteligência do artigo 9º, inciso II, alínea "a" c/c artigo
210, ambos do CPM - Súmula nº 06 do STJ - Inaplicabilidade.

Ementa:

Incabível a alegação de incompetência da Justiça Militar para julgamento do


caso em questão, sob argumentação de que ocorreu crime comum, por
tratar-se de crime militar, nos termos do artigo 124 da Constituição Federal.
Ausente o efeito vinculante, não há obrigatoriedade de aplicação da
Súmula nº 06 do STJ nos julgados desta Corte Militar. Inexiste conflito
aparente de normas entre o Código de Trânsito e o Código Penal Militar -
ambas as legislações especializadas - eis que tutelam bens jurídicos
distintos.

Decisão:

``A E. SEGUNDA CAMARA DO TJME, A UNANIMIDADE DE VOTOS,


ACOLHENDO O R. PARECER DA DOUTA PROCURADORIA DE JUSTICA,
NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL, HOMOLOGANDO,
ASSIM, A DECISAO DO D. JUIZO `A QUO`, DECLARANDO COMPETENTE
ESTA JUSTICA MILITAR PARA PROCESSAR E JULGAR EVENTUAL
DELITO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRANSITO, ENVOLVENDO
VIATURA MILITAR, CONDUZIDA POR POLICIAL MILITAR.``

Acórdão na integra - http://www.tjmsp.jus.br/SMD/0226.pdf

Outrossim, cumpre ressaltar a superação da súmula 297 do STF: Oficiais e praças


das milícias dos estados no exercício de função policial civil não são considerados militares
para efeitos penais, sendo competente a justiça comum para julgar os crimes cometidos por
ou contra eles. (Superada pelo RHC 56049-RTJ 87/47 e HC 82142-RTJ 187/670). Desta
forma, não é exigido o exercício de função militar por parte dos militares estaduais, mas tão
somente que estejam em serviço, inclusive o de policiamento ostensivo e de trânsito. É o
que ser verifica na seguinte decisão do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo:

APELACAO Nº 005722/07 (Feito nº 037888/04 2a AUDITORIA )

Relator: FERNANDO PEREIRA


Órgão:1ªCâmara

Votação:Unânime

Julgamento:30/06/2010

Ementa:

POLICIAL MILITAR - Apelação Criminal - Condenação em Primeira Instância


pela prática do crime de concussão - Apelo sustentando as teses de crime
impossível e da incompetência da Justiça Militar - Caracterização do crime de
concussão - Delito formal que se consumou com a exigência - Sólido conjunto
probatório - Crime praticado por militar em serviço contra civil - Art. 9º, inciso
II, alínea "c", do CPM - Entendimento de tratar-se o policiamento de trânsito
de atividade civil previsto na Súmula 297 do STF - Enunciado já
considerado superado pelo próprio STF desde a E.C. nº 7, de 1997 -
Recurso não provido.

Decisão:

"A E. Primeira Câmara do TJME, à unanimidade de votos, negou provimento


ao apelo interposto, de conformidade com o relatório e voto do E. Relator,
que ficam fazendo parte do acórdão".

http://www.tjmsp.jus.br/SMD/2864.pdf

No caso do militar que abandona o posto para praticar um crime é preciso avaliar as
condutas separadamente. Na primeira, o militar está de serviço e deixa o seu posto sem
ordem ou autorização, incidindo na infração penal militar de abandono de posto. Todavia, na
segunda conduta delitiva, o militar não será considerado como “estando de serviço”, razão
pela qual o crime será comum, ressalvada a hipótese de configurar outro crime militar que
não exija como circunstância configuradora o “estar de serviço”. É o que ocorre quando um
militar da ativa abandona o seu posto para praticar homicídio contra outro militar da ativa
que está de folga em sua casa. Nesse caso o crime de homicídio será militar, pois a alínea a
do inciso II não exige que esteja de serviço.

5. Art. 9º - Inciso II, alínea e

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na
lei penal comum, quando praticados:

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a


administração militar, ou a ordem administrativa militar;

Na alínea e, temos como sujeito ativo o militar da ativa e como sujeito passivo a
Administração Militar. A alínea e do inciso II define que haverá crime militar quando
praticado “por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a
administração militar, ou a ordem administrativa militar”.
Resta conceituar o patrimônio sob a administração militar e a ordem administrativa
militar para melhor compreensão dessa hipótese.
Os autores Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger lecionam que o
patrimônio sob a Administração Militar abrange, além dos bens pertencentes à Força Militar,
os de propriedade de pessoas naturais e jurídicas que, por alguma razão, encontram-se sob
responsabilidade da Administração Militar. Acrescentam que não fazem parte do patrimônio
sob a administração militar os bens de entidades civis, ainda que compostas por militares,
como por exemplo clubes, associações, cooperativas etc.
Importante notar que o requisito em tela não exige que o bem pertença à
administração militar, mas tão somente que esteja sob a sua administração.
A ordem administrativa militar, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes,
trata da organização, existência e finalidade das instituições militares, assim como o seu
prestígio moral.

6. Art. 9º - Inciso II, alínea f

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na
lei penal comum, quando praticados:

f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em


serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob
guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal;

f) revogada. (Vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

A súmula 47 do STJ versa que “compete à Justiça Militar processar e julgar crime
cometido por militar contra civil, com emprego de arma pertencente à corporação, mesmo
não estando em serviço”. (STJ Súmula nº 47 - 20/08/1992 - DJ 25.08.1992. Competência -
Processo e Julgamento - Crime Cometido por Militar Contra Civil - Arma da
Corporação)
No entanto, tal entendimento foi superado pela Lei 9.299/96, quando revogou a alínea
f do inc. II do art. 9º do CPM.
Portanto, o uso de armamento de propriedade militar para a prática de ato ilegal, por
si só, não mais configura um crime militar, exigindo que a conduta esteja enquadrara em
outras hipóteses do art. 9º para que seja considerado um delito castrense.
Sendo assim, o policial militar que de folga comete homicídio contra um civil, por
razões absolutamente particulares, não cometerá um crime militar, mas comum, ainda que
utilize armamento da Polícia Militar. Cabe a observação da motivação por razões
absolutamente particulares, pois se o policial militar praticar um homicídio ao atuar em razão
da função, mesmo de folga, o fato poderá, nesta hipótese, configurar um crime militar.

CONTEUDISTA: CAP PM PEDRO (RG 80.450)


SÍNTESE DA AULA

NESTA AULA, VOCÊ:


7- Compreendeu as circunstâncias do crime militar do inciso I do art. 9º do CPM;
8- Identificou as hipóteses de configuração do delito castrense do inciso II do art. 9º; e
9- Entendeu as jurisprudências pertinentes aos casos estudados.

MATERIAIS PARA CONSULTA:

ASSIS, Jorge César de. Curso de Direito Disciplinar Militar – Da Simples Transgressão ao Processo
Administrativo. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2009.

. Comentários ao Código Penal Militar: Comentários – Doutrina – Jurisprudência dos


Tribunais Militares e Tribunais Superiores. 6ª ed. Curitiba: Juruá, 2008.

COSTA, Álvaro Mayrink da Costa. Crime Militar. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978.

CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL; Cláudio Amin. Elementos de Direito Penal Militar – Parte Geral. Rio
de Janeiro: Lumen Júris, 2005.

FIGUEIREDO, Telma Angélica. Excludentes de Ilicitude no Direito Penal Militar. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004.

LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Apontamentos de Direito Penal Militar –
Vol. 1 – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2005.

APRENDA MAIS!

Art. 9º do CPM: a ofensa às Instituições Militares como elemento determinante na


caracterização do crime militar
http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/tipicidade_indireta.pdf

Art. 9º do CPM: uma nova proposta de interpretação


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/art9cpm.pdf

Qualquer crime cometido por PM de serviço é crime militar?


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/crimemilitarservico.pdf
MATERIAL DE APOIO

DISCIPLINA: Direito Penal Militar (DPM)

AULA 04: Art. 9º - Inciso III e o crime militar doloso contra a vida de civil

OBJETIVOS DESTA AULA

NESTA AULA, VOCÊ IRÁ:


10- Analisar as circunstâncias do crime militar do inciso III do art. 9º do COM;
11- Compreender as peculiaridades do crime militar doloso contra a vida de civil; e
12- Conhecer jurisprudências pertinentes.

INTRODUÇÃO:

Na presente aula, estudaremos as hipóteses de configuração do crime militar previstas no inciso III
do art. 9º do Código Penal Militar, bem como as peculiaridades do crime militar doloso contra a vida
de civil. Para facilitar o aprendizado analisaremos jurisprudências pertinentes aos casos dessa aula.

CONTEÚDO:

1. Art. 9º - Inciso III

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as
instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso
I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa


militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou


assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no
exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância,
observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de
natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação
da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para
aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Este inciso é um tanto controvertido no que se refere às forças auxiliares, uma vez que
parte da doutrina entende que não é aplicado na Justiça Militar Estadual, enquanto outra
parte entende que é possível a sua aplicação para os militares inativos, ou seja, da reserva
remunerada e reformados.
Integrando a corrente que sustenta a não aplicabilidade do inciso III no âmbito
estadual, Célio Lobão defende que este inciso coloca o militar inativo ao lado do civil e, por
este motivo, seriam considerados civis para efeito da aplicação do Código Penal castrense,
pois não estão incorporados às Forças Armadas, à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros
Militares. A única exceção seria o militar da reserva convocado para o serviço ativo. Como o
civil não é julgado pela Justiça Militar Estadual o militar inativo teria o mesmo tratamento
deste, praticando apenas o crime análogo previsto no Código Penal.
O fato é que a jurisprudência aponta a possibilidade de julgar os militares inativos, com
base no art. 9º, inciso III, do CPM, sobretudo nos Tribunais de Justiça Militar dos Estados de
Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. De modo que na prática o militar inativo é
julgado, sendo possível figurar como sujeito ativo de delito militar. É o que se observa nos
seguintes julgados:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO


HABEAS CORPUS Nº 002276/11 (Feito nº 061722/11 3a
AUDITORIA ) Relator: EVANIR FERREIRA CASTILHO Orgão: 1ª
Câmara

Votação: Unânime
Julgamento: 20/09/2011

Ementa:

Policial Militar - Habeas Corpus - Pleiteado o trancamento da ação penal -


Alegação de incompetência desta Justiça Militar para processar e julgar
policial reformado - Improcedência - Conduta delitiva contra militar em função
de natureza militar - Inteligência do artigo 9º, inciso III, letra "d" do CPM em
consonância com o artigo 13 do mesmo Codex - Inexistência de ilegalidade
na instauração da persecução penal - Ordem denegada.

Decisão:

"A E. Primeira Câmara do TJME, à unanimidade de votos, denegou a ordem,


de conformidade com o relatório e voto do E. Relator, que ficam fazendo
parte do acórdão".

Acórdão na íntegra - http://www.tjmsp.jus.br/SMD/3969.pdf


“O Paciente, na época dos fatos ostentava a condição de policial militar
reformado, encontrava-se fora de local sujeito à administração militar,
praticou conduta compatível com a descrição dos artigos 299, 223 e 301 do
Código Penal Militar. O sujeito passivo secundário era policial militar atuando
em razão do serviço, na vigilância e preservação da ordem pública.

Ademais o citado artigo em consonância com o disposto no artigo 13 do

Código Penal Militar que determina:

“O militar da reserva, ou reformado, conserva as responsabilidades e


prerrogativas do posto ou graduação para o efeito de aplicação da lei penal
militar, quando pratica ou contra ele é praticado crime militar”.

Esclarece e elimina toda e qualquer discrepância, eventual, que o Militar


reformado, continua a ser jurisdicionado da Justiça Militar. E nessa condição
de policial reformado, não há como se questionar que os crimes militares
definidos em lei, por ele praticados, como, in tese, demonstra a espécie,
possam deixar de serem julgados por esta Justiça Especializada”.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS


GERAIS EMBARGOS INFRINGENTES Nº 149

Referência: Processo de Competência Originária nº 10 (IPM de Portaria


020/2001)

Relator: Juiz Cel PM Paulo Duarte Pereira

Revisor: Juiz Décio de Carvalho Mitre

Data Julgamento: 13/03/2003

Data Publicação: 20/05/2003

Sumário: Embargos Infringentes do julgado - Processo de competência


originária - Cabimento - Competência da Justiça Militar - Oficial QOR contra
oficial da ativa.

Ementa: - Mesmo na unanimidade de votos do v. acórdão, em processos de


competência originária, cabem embargos infringentes do julgado. - Ainda que
fora do lugar sujeito à administração militar, os crimes praticados por
militar da reserva contra militares da ativa, em serviço legalmente
constituído, são considerados de natureza militar. - Se inexistem razões
que suportem

modificações no acórdão embargado, deve ser mantido pelos seus próprios


fundamentos jurídicos.

Decisão: Unânime. NEGARAM PROVIMENTO.

Acórdão na íntegra
http://www.tjm.consultajurisprudencia.mg.gov.br/jcab/recursos/EMBARGOSIN
FRIN
GENTESNo149.pdf

TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE DO RIO GRANDE


DO SUL Nro e Ano do Acórdão: 3581-2012

Nome do Juiz Relator: Juiz Fernando Guerreiro de Lemos


Tipo: Recurso em sentido estrito

Ementa: RSE. MILITAR DA RESERVA. CRIME PRATICADO CONTRA


MILITAR DE SERVIÇO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR.
PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME. É competente a
Justiça Militar Estadual para processar e julgar policial militar da reserva
que pratica crime previsto noCódigo Penal Militar contra policial militar
do serviço ativo no exercício do policiamento ostensivo e na
preservação da ordem pública (arts. 9º, inc. III, letra “d”, e 13, ambos do
CPM). Com efeito, quando um militar da reserva pratica uma ação contra um
militar de serviço, são atingidas as próprias instituições militares, in casu, a
polícia militar. Ademais, percebe-se claramente na narrativa da peça incoativa
que o réu, em tese, atingiu, com a sua conduta, bens tutelados pela lei
castrense, especialmente a disciplina. Recurso provido. Unanimidade.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça Militar do Estado, em Porto Alegre,


12 de dezembro de 2012.

Acórdão na íntegra
http://www.tjmrs.jus.br/jurisprudencia/arquivo_jurisprudencia.asp?pIndice=595
8

Quanto aos civis, o entendimento predominante é o de que não praticam crimes


militares em âmbito estadual, respondem apenas pelo crime equivalente do Código Penal
comum, caso haja. Não havendo, o fato é atípico. Portanto, não vamos considerar a prática
de crime militar por parte do civil, apesar de haver quem entenda ser possível, conforme
prevê a súmula nº 53 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum Estadual
processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”.
No que se refere ao civil não praticar crime militar, cumpre salientar os ensinamentos
de Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger:

Ainda com relação aos elementos contidos no inciso III, deve-se frisar que a
Justiça Militar Estadual, por força do § 4º do art. 125 da CF, não tem
competência para julgar civis, o que resulta em atipicidade, no Código
Penal Militar, dos fatos praticados por civis. Em outras palavras, para as
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, o inciso III somente
pode ser aplicado à possibilidade de cometimento de crime militar por
militar da reserva ou reformado. (grifei)

Vale frisar que os autores, assim como a jurisprudência pacífica dos Tribunais de
Justiça Militar Estadual, frisam a possibilidade do militar inativo cometer o delito militar,
sendo uma referência doutrinária desta hipótese.
O § 4º do art. 125 da CF versa que “compete à Justiça Militar estadual processar e
julgar os militares dos Estados (não autoriza julgar civis), nos crimes militares
definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.(grifei)
Sendo assim, a JME não julga o civil, somente tem competência para processar e
julgar os militares dos Estados. Por conseguinte, há entendimento dominante no sentido de
que o civil não pratica crime militar em âmbito estadual.
Sobre a não aplicação do inciso III na JME, cumpre citar um artigo interessante escrito
por Edmar Martins, publicado no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, intitulado
“O crime militar praticado por militar estadual e seus requisitos”.
http://www2.forumseguranca.org.br/node/22201
Sobre a possibilidade do civil praticar delito militar, vale a leitura do artigo “Crimes
militares praticados por civil contra as instituições militares estaduais”, de autoria de João
Paulo Fiúza da Silva, publicado no site Jus Navigandi.

http://jus.com.br/revista/texto/22380/crimes-militares-praticados-por-civil-contra-as-
instituicoes-militares-estaduais

Passamos para o estudo individualizado das alíneas.

2. Art. 9º - Inciso III, alínea a

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as
instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso
I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa


militar;

Não há muito o que debater a respeito desta hipótese, cabendo apenas definir o
patrimônio sob a administração militar e a ordem administrativa militar, o que já foi feito
quando estudamos a alínea e do inciso II do art. 9º. No entanto, destacaremos novamente
os conceitos para fins de fixação desse conhecimento.
Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger lecionam que o patrimônio sob a
Administração Militar abrange, além dos bens pertencentes à Força Militar, os de
propriedade de pessoas naturais e jurídicas que, por alguma razão, encontram-se sob
responsabilidade da Administração Militar. Acrescentam que não fazem parte do patrimônio
sob a administração militar os bens de entidades civis, ainda que compostas por militares,
como por exemplo clubes, associações, cooperativas etc.
Importante notar que o requisito em tela não exige que o bem pertença à administração
militar, mas tão somente que esteja sob a sua administração.
A ordem administrativa militar, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes,
trata da organização, existência e finalidade das instituições militares, assim como o seu
prestígio moral.
Portanto, em âmbito estadual, a alínea a tem como sujeito ativo o militar da reserva
remunerada ou reformado e como sujeito passivo o patrimônio sob a administração militar
ou ordem administrativa militar.

3. Art. 9º - Inciso III, alínea b


III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as
instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso
I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou
assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no
exercício de função inerente ao seu cargo;

O conceito de lugar sujeito à administração militar também foi estudado na alínea b do


inciso II do art. 9º, oportunidade na qual observamos que o autor Célio Lobão conceitua o
lugar sujeito à administração militar como aquele “que pertence ao patrimônio das Forças
Armadas, da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militares ou encontra-se sob a
administração dessas instituições militares, por disposição legal ou ordem igualmente legal
de autoridade competente”. Acrescenta que o local pode ser imóvel ou móvel, como veículo,
embarcação, aeronave, etc.
A alínea em questão, em âmbito estadual, tem como sujeito ativo o militar da reserva
remunerada ou reformado e como sujeito passivo o militar da ativa e o funcionário de
Ministério Militar ou Justiça Militar no exercício de função, com a circunstância específica de
estarem esses em local sujeito à administração militar.
Surge uma divergência no que tange ao funcionário de Ministério Militar ou Justiça
Militar no exercício de função, havendo entendimento pela inconstitucionalidade dessa
previsão. Célio Lobão assevera que:

Quanto ao servidor público civil lotado em repartição militar e o da Justiça


Militar, a inconstitucionalidade é flagrante. Segundo a atual Constituição (art.
109, IV) e a Emenda Constitucional de 1969 (art. 125, IV), sob cuja égide foi
editado o Código Penal Militar, compete à Justiça Federal conhecer dos
crimes praticados contra servidor público federal, no exercício da função de
seu cargo. Logo, nesse particular o inciso III já nasceu inconstitucional.

Para Ivone de Souza Cruz e Claudio Amin Miguel, a hipótese da alínea b deve ocorrer
em local sujeito à administração militar para que configure um delito castrense.
Importante lembrar que o dispositivo salienta que o funcionário de Ministério Militar ou
Justiça Militar precisa estar no exercício de função inerente ao seu cargo.
A hipótese mais comum, naturalmente, será a do crime militar praticado por inativo
contra o militar da ativa, quando estiverem em local sujeito à administração militar.
Estudando a jurisprudência pátria, verifica-se que a alínea b do inciso III ocorre com
freqüência nas Unidades Militares de atendimento médico e odontológico, onde militares
inativos constantemente têm contato com militares da ativa, muitas vezes do quadro de
saúde das respectivas Corporações, durante algum tratamento. Vale trazer à baila um
julgado com esta hipótese para melhor visualização da matéria em questão:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 248

Referência: Proc. nº 30.715/2ª AJME


Relator: Juiz Cel PM Rúbio Paulino Coelho
Data Julgamento: 26/02/2008

Data Publicação: 12/03/2008


Sumário: Recurso em sentido estrito - Ameaça - Rejeição da denúncia pelo
Juízo Militar - Competência da Justiça Militar - Provimento do recurso.
Ementa: Se a vítima é Major PM QOS e exercia a sua função de dentista,
em unidade sujeita à Administração Militar, ao ser ameaçada por um
Major da reserva, configurou-se a prática de crime militar e competente
é a Justiça Militar para processar e julgar o feito, apurado pelo instrumento
próprio, que é o IPM.- Razão assiste à irresignação do Ministério Público, eis
que houve violação ao dever militar e aos preceitos de hierarquia e disciplina,
que são essenciais nas instituições militares, que se estendem e se aplicam
inclusive, aos militares da reserva e reformados. - Provimento do recurso.

Decisão: Unânime. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO


PÚBLICO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR
PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO.

Acórdão na íntegra

http://www.tjm.consultajurisprudencia.mg.gov.br/jcab/recursos/RECURSOEM
SENTI
DOESTRITONo248.pdf

Por fim, cumpre frisar que se um militar inativo cometer um crime contra outro militar
inativo, em local sujeito à administração militar, este delito será comum, uma vez que não
configura nenhuma das hipóteses do inciso III do art. 9º.

4. Art. 9º - Inciso III, alínea c

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as
instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso
I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância,


observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

Esta alínea trata de crimes cujo sujeito ativo, na esfera estadual, é o militar inativo,
praticando o delito em face de militares da ativa em determinadas circunstâncias, quais
sejam em formatura, durante o período de prontidão, vigilância, exploração, exercício,
acampamento, acantonamento ou manobras.
O acantonamento é a área de alojamento do efetivo em local construído. Já o
acampamento consiste no local de estacionamento da tropa em área não construída.
A hipótese da alínea em tela exige tão somente o conhecimento de circunstâncias do
dia-a-dia para a caracterização do crime, razão pela qual não é preciso discorrer
demasiadamente sobre a sua previsão.

5. Art. 9º - Inciso III, alínea d

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as
instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso
I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de
natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação
da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para
aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Para aplicação nas Forças Auxiliares, este dispositivo, no caso da garantia e


preservação da ordem pública, não exigirá a requisição legal, uma vez que trata de missão
constitucional precípua das Corporações Militares Estaduais, como se depreende do art.
144, da Constituição Federal.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade


de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia
rodoviária federal; III -
polícia ferroviária
federal; IV - polícias
civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros


militares. (...)

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da


ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

No que se refere às Forças Armadas, esta possibilidade será excepcional. De modo


que será admitida quando legalmente requisitada ou mediante o efetivo emprego dos
militares federais durante Cooperação do Governo Federal com as Unidades Federativas. À
guisa de exemplo podemos citar a histórica tomada do Complexo do Alemão que teve a
participação das Corporações militares federais e estaduais, em novembro de 2010, bem
como a implementação da Força de Pacificação neste mesmo local, sob o comando do
Exército Brasileiro.
Por fim, cabe salientar um recente julgado da presente alínea, proferido pelo Tribunal
de Justiça Militar do Rio Grande do Sul:

Nro e Ano do Acórdão: 1367-2012

Nome do Juiz Relator: Juiz Antonio Carlos Maciel Rodrigues


Tipo: Recurso em sentido estrito

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR. POLICIAL MILITAR DA


RESERVA. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. COMPETÊNCIA. RECURSO EM
SENTIDO

ESTRITO. PROVIMENTO. 1. É competente a Justiça Militar Estadual para


processar e julgar policial militar da reserva, quando pratica crime
previsto no
Código Penal Militar, contra policiais militares do serviço ativo, no
exercício do policiamento ostensivo e na preservação da ordem pública
(arts. 9º, inc. III, letra “d”, e 13, ambos do CPM). 2. Recurso em sentido
estrito do Ministério Público provido. Decisão unânime.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça Militar, em Porto Alegre, 04 de


julho de 2012.

Acórdão na íntegra

http://www.tjmrs.jus.br/jurisprudencia/arquivo_jurisprudencia.asp?pIndice=578
0

6. Art. 9º Parágrafo único

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e
cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum. (Parágrafo incluído
pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e
cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando
praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565,
de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica. (Redação dada pela
Lei nº 12.432, de 2011)

A ressalva do parágrafo único não tem pertinência para os militares dos estados uma
vez que trata de hipótese aplicada exclusivamente em ações da Força Aérea Brasileira, na
forma do art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica, versando sobre a possibilidade de
destruir ou abater aeronaves que violem tal dispositivo normativo, bem como as
determinações da autoridade aeronáutica.

A primeira parte é a que interessa as forças auxiliares, sendo a redação introduzida


pela Lei 9.299 de 1996: “Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando
dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.
(Parágrafo incluído pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)”.
Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger asseveram que para boa parte da
doutrina está Lei apresentou inconstitucionalidade flagrante, visto que suprimiu as
competências constitucionais da Justiça Militar da União e dos Estados, previstas no art. 124
e no § 4º do art. 125. Importante notar que à época da aprovação da Lei 9.299 ainda não
vigorava a Emenda Constitucional nº 45, que trouxe nova redação para a competência
constitucional da Justiça Militar Estadual.
A supressão de competência constitucional das Justiças Militares ocorreu porque
ambas julgavam o crime militar doloso contra a vida de civil, antes da introdução do
parágrafo único do art. 9º. A inconstitucionalidade seria clara pelo fato de uma norma
infraconstitucional não poder afrontar a Lei Maior, ou seja, a Constituição Federal.
Sintetizando, se a competência constitucional autorizava o julgamento deste crime pelas
Justiças Militares, não poderia uma Lei Ordinária restringir tal competência.
No mesmo sentido a inserção do parágrafo único também violava o princípio do juiz
natural, previsto nos incisos XXXVII e LIII, in verbis: XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de
exceção; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente. Considerando que a autoridade competente, definida pela Lei Maior, seria a
integrante da Justiça Militar, federal ou estadual.
Com efeito, pela redação do parágrafo único, conclui-se que o seu conteúdo trata de
norma de direito penal militar adjetivo, ou seja, processual, isso fica claro pela leitura do
texto - serão da competência da justiça comum. A intenção foi de transferir a competência
de julgamento e não determinar que o crime fosse considerado comum. Idéia esta,
corroborada pela mesma Lei 9.299/1996, em seu art. 2º, quando altera a redação do art. 82
do Código de Processo Penal Militar:

Art. 2° O caput do art. 82 do Decreto-lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969 -


Código de Processo Penal Militar, passa a vigorar com a seguinte redação,
acrescido, ainda, o seguinte § 2°, passando o atual parágrafo único a § 1° :

"Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida
praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:

...........................................................................................

§ 1° ....................................................................................

§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça


Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça
comum." (grifei)

Destarte, a própria Lei 9.299/1996 prevê que o fato continuará sendo apurado por
inquérito policial militar (IPM) e posteriormente encaminhado à justiça comum, pela justiça
militar. Por conseguinte, o crime não deixou de ser militar, já que investigado por IPM.
Inobstante a previsão legal da norma infraconstitucional em questão, o Superior
Tribunal de Justiça, como cita Célio Lobão na sua obra Direito Penal Militar, em acórdão
proferido no CC. Nº 17.665, sustenta que a norma é de “conteúdo material. Não lei
processual penal”. E prossegue: “quando a lei determinar que o delito deixará de ser julgado
pela Justiça Militar, lógico, desqualifica-o da natureza anterior. Vale dizer, deixou de ser
crime militar para ingressar na regra geral – crime comum”. Julgamento realizado em 27 de
novembro de 1996.
Sendo assim, o STJ entendeu que o crime passou a ser comum, porquanto a norma
prevista na Lei 9.299/1996 seria de conteúdo material. Em sentido contrário, Célio Lobão
profere insigne comentário a respeito do tema:
A Lei nº 9.299/96 não retirou os crimes dolosos contra a vida da categoria de
crime militar, como conseqüência não podem ser julgados pela Justiça
comum, sem violação da Lei Fundamental. Se não houvesse o açodamento
de fazer-se uma lei para dar satisfação às ONGs internacionais, para
satisfazer interesses eleitoreiros, a redação do parágrafo único seria outra:
“Não se consideram militares, os crimes dolosos contra a vida, cometidos nas
circunstâncias das alíneas b, c, e d, do inciso II”. Nessa hipótese, a lei declara
(e pode fazê-lo) que esses delitos deixam de ser militares. Dessa maneira, as
infrações penais escapam da competência da Justiça Militar, sem
inconstitucionalidade.

Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger citam o julgamento da ADIn


1.494-DF, ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – Adepol – com o
escopo de declarar inconstitucional a Lei 9.299/96:

“Crimes dolosos contra a vida. Inquérito. Julgada medida cautelar em ação


direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Delegados de
Polícia do Brasil – Adepol – contra a Lei 9.299/96, que, ao dar nova redação
ao art. 82 do Código de Processo Penal Militar, determina que ‘nos crimes
dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os
autos do inquérito policial militar à Justiça Comum’. Afastando a tese da
autora de que a apuração dos referidos crimes deveria ser feita em
inquérito policial civil e não em inquérito policial militar, o Tribunal, por
maioria, indeferiu a liminar por ausência de relevância na argüição de ofensa
ao inciso IV do § 1º e ao § 4º do art. 144 da CF, que atribuem às polícias
federal e civil o exercício das funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares. Considerou-se que o dispositivo
impugnado não impede a instauração paralela de inquérito pela polícia
civil. Vencidos os Ministros Celso de Mello, relator, Maurício Corrêa, Ilmar
Galvão e Sepúlveda Pertence” (ADIn 1.494-DF, rel. p/ o acórdão Min. Marco
Aurélio, DJU, 20-4-1997)

Dessa forma, o STF entendeu ser cabível a instauração de inquérito policial militar para
apurar o crime doloso contra a vida de civil, quando praticado nas hipóteses previstas no
Código Penal Militar, reconhecendo a natureza militar do delito. No entanto, destacou que
não é vedada a instauração paralela de inquérito pela polícia civil.
A Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, trouxe nova redação para
o art. 125 § 4º da Carta Magna:

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos


Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos
disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima
for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da
patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)

Redação antiga

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais


militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei, cabendo
tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e
da graduação das praças.

A partir desta nova redação, em âmbito estadual, a inconstitucionalidade da Lei


9.299/1996 restou superada, haja vista não restringir mais a competência constitucional da
Justiça Militar Estadual. Entretanto, na esfera federal, a redação do art. 124 se manteve a
mesma, razão pela qual a Lei 9.299/1996 continuou sendo considerada inconstitucional para
aplicação na Justiça Militar da União. É o que se verifica na jurisprudência do Superior
Tribunal Militar:

Acórdão

Num: 1997.01.006449-0 UF: RJ Decisão: 17/03/1998

Proc: RSE(FO) - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (FO) Cód. 320


Publicação

Data da Publicação: 22/04/1998 Vol: Veículo:


Ementa

RECURSO CRIMINAL. Competência da Justiça Militar da União.


Inconstitucionalidade, declarada incidenter tantum, da Lei nº 9299 de
1996, no que se refere ao parágrafo único do art. 9º do CPM e ao caput do
art. 82 e seu parágrafo 2º do CPPM. Desde a sanção da Lei nº 9299 de 1996,
com o Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional para modificá-la,
verifica-se que seu texto resultou equivocado. Enquanto não ocorre a
alteração do texto legal pela via legislativa, o remédio é a declaração de sua
inconstitucionalidade incidenter tantum, conforme dispõe o Art. 97 da CF.
Antecedentes da Corte (RCr nº 6348-5/PE). Provido o recurso do RMPM e
declarada a competência da Justiça Militar da União para atuar no feito.
Decisão unânime. (grifei)

Diante de toda essa discussão, o importante é verificarmos que o crime militar doloso
contra a vida de civil não perdeu a sua natureza castrense, apenas teve o seu julgamento
deslocado para a justiça comum. Porém, em que pese continuar sendo um crime militar, o
STF entendeu que a polícia civil também pode instaurar inquérito policial para investigar os
fatos.
Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger encerram muito bem o debate
sobre o assunto, apresentando a seguinte conclusão:

“(...) conclui-se que, na esfera estadual, o crime doloso contra a vida de civil
continua a ser crime militar, havendo, porém, a competência de julgamento
pelo Tribunal do Júri.

(...)

Os crimes dolosos contra a vida de civis, perpetrados por militares dos


Estados, ao encontrarem a plena tipicidade no Código Penal Militar, serão de
atribuição apuratória das autoridades de polícia judiciária militar (entenda-se:
do Comandante de Unidade e, nos casos de delegação, do Oficial de serviço
delegado). Como reflexo, as medidas previstas no art. 12 do CPPM devem
ser encetadas pelo Oficial com atribuição de polícia judiciária militar, e não
pelo Delegado de Polícia”.
Importante lembrarmos que as dúvidas geradas pela Lei 9.299/96, bem como pela EC
nº 45/2004, abarcam as hipóteses de crime militar doloso contra a vida de civil, não havendo
incertezas nos casos de crime militar culposo contra a vida de civil e no crime militar doloso
ou culposo contra a vida de militar. Em tais casos, o entendimento é pacífico no sentido de
serem crimes militares, apurados pelas Instituições Militares e julgados pelas Justiças
Militares, com base em suas respectivas competências constitucionais. Impende salientar
julgado recente do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo relativo ao crime de
homicídio de militar da ativa contra militar da ativa:

APELACAO Nº 006297/11 (Feito nº 059389/10 4A AUDITORIA )


Relator: AVIVALDI NOGUEIRA JUNIOR
Orgão: 2ª Câmara

Votação: Maioria
Julgamento: 28/07/2011

Ementa:

POLICIAL MILITAR - DIREITO PENAL MILITAR - HOMICÍDIO


QUALIFICADO. Artigo 205, § 2º, inciso I, do Código Penal Militar. Delito
configurado. Apelo não provido. Policial militar que, em horário de folga e
civilmente trajado, por motivo fútil, dispara tiro contra a cabeça de outro
policial militar, que com ele estava na mesa de um bar, também em horário
de folga - Vítima civil que presenciou os fatos e confirmou a desproporção
entre o crime e sua causa moral.

Decisão:

"A E. Segunda Câmara do TJME, por maioria de votos (2X1), negou


provimento ao apelo, de conformidade com o relatório e voto do E. Relator,
que ficam fazendo parte do acórdão. Vencido o E. Juiz Revisor Paulo Prazak,
que dava parcial provimento ao apelo, mantendo a condenação, todavia,
apenas a título de homicídio simples, fixando a pena no seu mínimo legal".

Acórdão na íntegra - http://www.tjmsp.jus.br/SMD/3827.pdf

No mesmo sentido, o policial militar da ativa que pratica o crime de homicídio doloso
contra outro policial militar da ativa dentro do quartel, indubitavelmente, será de competência
da Justiça Militar Estadual e a investigação será de atribuição da Polícia Militar, consoante o
disposto no § 4º do art. 144 da Constituição Federal: § 4º - às polícias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções
de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (grifei)

Para se aprofundar no tema, vale a leitura do artigo escrito por Cícero Robson Coimbra
Neves, publicado no site Jus Navigandi, sob o título de “Crimes dolosos, praticados por
militares dos Estados, contra a vida de civis”.

http://jus.com.br/revista/texto/7416/crimes-dolosos-praticados-por-militares-dos-estados-
contra-a-vida-de-civis

CONTEUDISTA: CAP PM PEDRO (RG 80.450)


SÍNTESE DA AULA

NESTA AULA, VERIFIQUE SE VOCÊ:


10- Compreendeu as circunstâncias do crime militar do inciso III do art. 9º do CPM;
11- Identificou as peculiaridades do crime militar doloso contra a vida de civil; e
12- Entendeu as jurisprudências pertinentes aos casos estudados.

MATERIAIS PARA CONSULTA:

ASSIS, Jorge César de. Curso de Direito Disciplinar Militar – Da Simples Transgressão ao Processo
Administrativo. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2009.

. Comentários ao Código Penal Militar: Comentários – Doutrina – Jurisprudência dos


Tribunais Militares e Tribunais Superiores. 6ª ed. Curitiba: Juruá, 2008.

COSTA, Álvaro Mayrink da Costa. Crime Militar. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978.

CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL; Cláudio Amin. Elementos de Direito Penal Militar – Parte Geral. Rio
de Janeiro: Lumen Júris, 2005.

FIGUEIREDO, Telma Angélica. Excludentes de Ilicitude no Direito Penal Militar. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004.

LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Apontamentos de Direito Penal Militar –
Vol. 1 – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2005.

APRENDA MAIS!

Crimes dolosos contra a vida praticados por militares estaduais contra civis e a competência da
Justiça Militar Estadual – Breves considerações
http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/crimesdolosos.pdf

Inconstitucionalidade da lei que altera o foro militar e a Emenda Constitucional nº 45/2004


http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/inconstitucion.pdf
Crimes dolosos, praticados por militares dos Estados, contra a vida de civis
http://jus.com.br/revista/texto/7416/crimes-dolosos-praticados-por-militares-dos-estados-contra-a-
vida-de-civis

O crime militar praticado por militar estadual e seus requisitos


http://www2.forumseguranca.org.br/node/22201

Crimes militares praticados por civil contra as instituições militares estaduais


http://jus.com.br/revista/texto/22380/crimes-militares-praticados-por-civil-contra-as-instituicoes-
militares-estaduais

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