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O MILITARISMO NO BRASIL EM TEMPO DE PAZ.

José Gomes dos Santos

RESUMO

O presente estudo dispõe como objetivo revisitar o Processo penal militar e sua aplicação,
fazendo uma breve análise do seu contexto histórico, sua aplicação em tempos de paz e em tempo
de guerra. Interessa abordar o decreto 1001/69 e seu objetivo, com o foco em destacar a garantia
da manutenção dos bens jurídicos e da hierarquia.

Além disso, o estudo em tela, trata com um olhar crítico o militarismo do Brasil e suas
amarras institucionais e seu reflexo nas formas de governo e controle na sociedade, bem como, as
normas e institucionais e princípios estabelecidos pela constituição.

Por fim, expõe o papel da Constituição Penal Militar e suas colocações diante dos direitos
e deveres dos militares, bem como, a classificação dos crimes militares e de suas formas de
penalidades.

Palavras-chave: Militarismo, Direito Penal Militar, Constituição, Direito.


ABSTRACT

The present study aims to revisit the Military Criminal Procedure and its application, making a
brief analysis of its historical context, its application in times of peace and in times of war. It is
interesting to address decree 1001/69 and its objective, with a focus on ensuring the maintenance
of legal assets and hierarchy.

In addition, the study on screen deals with a critical look at the militarism of Brazil and its
institutional ties and its reflection on the forms of government and control in society, as well as
the institutional norms and principles established by the constitution.

Finally, it exposes the role of the Military Criminal Constitution and its placements regarding the
rights and duties of the military, as well as the classification of military crimes and their forms of
penalties.

Keywords: Militarism, Military Criminal Law, Constitution, Law.


1 INTRODUÇÃO

Muitas mudanças ocorreram na sociedade brasileira após a promulgação da constituição de 1988,


direitos fundamentais foram implementados, a democracia foi restabelecida de forma mais
sistemática e o Estado tomou para si alguns deveres assumidos como direito da população.

Mas, alguns pontos, que já eram enraizados na sociedade, permaneceram e vigoram até os tempos
atuais. Pontos como, os pilares do militarismo: a disciplina e a hierarquia, usados como
instrumento de manutenção do poder e de controle, indo para além da garantia da segurança.

Assim, é estabelecido o Código que regulamenta os poderes e deveres dos militares, ressaltando o
princípio da extraterritorialidade e aplicando-se a lei penal militar no território brasileiro e fora
dele

Por fim, o estudo tem como metodologia revisão integrativa de bibliografias já tornadas públicas
em relação ao tema do estudo, sendo elas pesquisas publicadas em revistas científicas,
congressos, simpósios, monografias de graduação, dissertações de mestrado, teses de doutorado,
relatórios de pós-doutoramento e livros pertinentes ao conteúdo exposto, publicadas nas
plataformas do Scielo e Pubmed.

2 BREVE HISTÓRICO

O militarismo é definido por alguns autores como uma força de defesa e instrumento de
manutenção do poder, onde procedem regras que refletem no externo, em prol daquele que detém
o controle desse poder (LEMOS, 2014). De acordo com Abrantes, “Militarismo é aquela
filosofia, atitudes e atos de um governo que prepara, promove e continua a usar o poder militar a
fim de resolver problemas ou de adquirir aquilo que deseja” (ABRANTES, 2014, p. 17).

No Brasil, esse instrumento de manutenção do poder remete-se ao descobrimento e colonização


do território e diversas outras ações onde o poder militar foi usado a fim de adquirir aquilo que
era desejado, bem como a batalha dos Guarapes, em 1648 e outros agrupamentos (LEMOS,
2014).

Ainda de acordo com a obra de Lemos (2014), é possível destacar outras ações das forças
militares

As forças militares são usadas, também, para reprimir ou intervir em vários


movimentos, entre eles: a Inconfidência Mineira, na qual Tiradentes foi morto e
esquartejado. Sodré (2010, p. 66) observa que “Tiradentes é elemento da
pequena burguesia, a embrionária e precoce pequena burguesia que a mineração
faz surgir na colônia”

Assim, essas forças de defesa podem ser usadas para além da garantia de segurança, podem ser
usadas, a partir de um ordem superior, para domínio do poder e disciplina. Posto isso, o decreto
1001/69 foi criado na ditadura militar, visando assegurar os bens jurídicos de maior relevância,
como a hierarquia e a disciplina militar, o que o difere do direito penal comum, que visa proteger
os bens como direito à vida. O Processo penal militar e sua aplicação é regido pelo Código Penal
do Militar e é definido em seu primeiro artigo. Ainda, sugere aplicação no espaço e no tempo de
paz e de guerra em seu Art 4º.

O Estatuto dos Militares, Lei federal nº 6.880, faz referência à hierarquia e disciplina assegurada
também pelo decreto 1001/69.

Art.14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas.


A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico. § 1º A
hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da
estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações;
dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na
graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à
seqüência de autoridade. § 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento
integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o
organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico,
traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada
um dos componentes desse organismo.
Vigente até então, o direito penal militar sofreu pouquíssimas mudanças desde a constituição
promulgada em 1988. Alguns de seus artigos não foram recepcionados pela norma constitucional
pois ferem fortemente direitos fundamentais, tidos como cláusulas pétreas. Uma importante
mudança no código penal militar ocorreu com a lei 13.491/17, que mudou a competência para o
julgamento de crimes dolosos contra a vida de civil, que agora são julgados pelo rito do tribunal
do Júri.

A Constituição de 88 impõe um regramento singular aos militares, tal como:

DAS FORÇAS ARMADAS Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela


Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob
a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem.

As polícias ostensivas estaduais e também ao corpo de bombeiros, através dos artigos 42 e 144

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares,


instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (...) Art.144 [...] § 6º - As polícias
militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército,
subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados,
do Distrito Federal e dos Territórios.

3 MILITARISMO NO TEMPO DE PAZ

Cabe aplicação das normas previstas no Código Penal do Militar nas circunstâncias mencionadas
no Art; 4º

Art. 4º Sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional,


aplicam-se as normas deste Código:

I -em tempo de paz:

a) Em todo o território nacional;


b) Fora do território nacional ou em lugar de extraterritorialidade brasileira,
quando se tratar de crime que atente contra as instituições militares ou a
segurança nacional, ainda que seja o agente processado ou tenha sido julgado
pela justiça estrangeira;
c) Fora do território nacional, em zona ou lugar sob administração ou vigilância
da força militar brasileira, ou em ligação com esta, de força militar estrangeira
no cumprimento de missão de caráter internacional ou extraterritorial;
d)A Bordo de navios, ou quaisquer outras embarcações, e de aeronaves, onde
quer que se encontrem, ainda que de propriedade privada, desde que estejam sob
comando militar ou militarmente utilizados ou ocupados por ordem de
autoridade militar competente;
e)A Bordo de aeronaves e navios estrangeiros desde que em lugar sujeito à
administração militar, e a infração atente contra as instituições militares ou a
segurança nacional; (DECRETO-LEI Nº 1.002, DE 21 DE OUTUBRO DE
1969)

Sobre aplicação no espaço e no tempo, Código Penal do Militar adota o princípio da


extraterritorialidade, aplicando-se a lei penal militar em todo território brasileiro e também fora
dele. Estritamente, sobre o Art. 4º, faz referência sobre a lei excepcional ou temporária, podendo
assim ser criada num contexto de guerra e com o tempo de vigência pré-estabelecido.

Tempo de guerra

II - em tempo de guerra:

a) aos mesmos casos previstos para o tempo de paz;

b) em zona, espaço ou lugar onde se realizem operações de força militar


brasileira, ou estrangeira que lhe seja aliada, ou cuja defesa, proteção ou
vigilância interesse à segurança nacional, ou ao bom êxito daquelas operações;

c) em território estrangeiro militarmente ocupado. (DECRETO-LEI Nº 1.002,


DE 21 DE OUTUBRO DE 1969)

O Código Penal Militar tem como principal função assegurar a disciplina militar para
manutenção das hierarquias e de seus alicerces institucionais. São considerados crimes militares
atos como: motim, revolta, organização de grupo para prática de violência, aliciação e incitação,
violência contra superior ou militar, violência contra militar em serviço, desrespeito a superior e a
símbolo nacional, usurpação, abuso de autoridade, violência contra inferior, violação de sigilo
profissional e outros, são sujeitos a detenção e reclusão; (DECRETO-LEI Nº 1.002, DE 21 DE
OUTUBRO DE 1969)

Vieira (2009, p. 455) cita artigo do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional Escola
Superior do Ministério Público de São Paulo fazendo referência ao regime de cumprimento da
pena militar:

No Código Penal Militar, as penas privativas de liberdade não são executadas


em forma progressiva, porque não existem os regimes fechado, semi-aberto e
aberto. A pena, pelo Código, se de até dois anos de detenção ou de reclusão, é
convertida em prisão e cumprida pelo Oficial em recinto de estabelecimento
militar (quartel) e pela praça, em estabelecimento penal militar (prisão militar) –
Art. 59, I e II, do CPM (grifo do autor). Se superior a dois anos, a pena de
detenção ou reclusão é cumprida pela praça ou oficial em penitenciária militar e,
na falta dessa, em estabelecimento prisional civil, ficando o militar sujeito ao
regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões,
também, poderá gozar (Art. 61 do CPM). A execução da pena compete ao
auditor da Auditoria por onde correu o processo (Art. 588 do CPPM). A
suspensão condicional da execução da pena (sursis) e o livramento condicional
são os benefícios previstos no Código Penal Militar (Art. 84 e Art.89, do CPM).
O Código de Processo Penal Militar, em seus artigos 643 e 650, disciplina o
indulto, a comutação e a anistia, que são benefícios estabelecidos na
Constituição Federal. (Artigo 84, XII, Artigo 48, VIII e Artigo 5º, XLIII, da CF).
No Estado de São Paulo foi criado por lei o Presídio Militar “Romão Gomes”
que, por ter características de penitenciária militar e de estabelecimento militar
(quartel), destina-se ao internamento dos militares, oficiais e praças, qualquer
que seja a pena (Artigo 92 da Lei número 5.048, de 22 de dezembro de 1958).
Na Justiça Militar do Estado de São Paulo, em face da existência de Presídio
Militar e do elevado número de presos, foi criado pela Lei número 333, de 8 de
julho de 1974, um cargo de Juiz Auditor para as execuções criminais das penas
impostas aos militares estaduais. Por isso, as Auditorias não mais executam
penas, mas sim: expedem carta de guia para o Juízo das Execuções.

Ainda, é possível ressaltar que a lei assegura o sentenciado militar, mas, se excluído das forças
militares, cabe cumprir pena em estabelecimento prisional sujeito à arbítrio civil. A legislação
prevê prisão especial aos militares, porém o exclui de outros tipos de benefícios. A prisão militar
acaba quando o sujeito é excluído da corporação, passa para a condição de civil e tem como
agravante o fato que, no caso dos policiais, existirá a possibilidade de terem que cumprir pena
com detentos que ele mesmo prendeu durante operações.
A justiça militar Estadual não faz julgamentos de civis em nenhuma hipótese, nem mesmo em
concurso com militar. Quando houver crimes em concursos com militares haverá separação,
cisão processual. Já a justiça militar da união, julga civis, e julga também militares da união,
sendo esses os militares das forças armadas. Posto isso, faz necessário destacar que no Brasil
existem somente 3 tribunais de justiça militar estaduais, sendo em SC, MG e RS.

CONCLUSÃO

Através da análise feita ao decorrer das pesquisas, evidencia-se que a criação do decreto 1001/69
foi resultado dos acontecimentos da ditadura militar e das mudanças decorrentes no cenário
jurídico. Ainda, destaca as poucas mudanças ocorridas no direito penal desde a promulgação da
constituição de 1988.

Sobre a aplicação no espaço e no tempo, o CPM adota o princípio de extraterritorialidade


aplicando em território brasileiro e também fora dele, sendo em tempo de paz ou em tempo de
guerra. Referente ao tempo de paz e tempo de guerra, a maior diferença encontrada é o tempo de
vigência que pode ser pré-estabelecido e as formas de penas, que podem ser aplicadas de formas
mais severas, como por exemplo a pena de morte, executada por fuzilamento.

Por fim, adentra também na competência de julgamento dos crimes, especificando os


julgamentos dos militares e suas formas de penas. Ressalta ainda a diferença para as penas de
privação de liberdade, destacando que essas não são executadas em forma progressiva pois não
existem regimes fechados e semiaberto e aberto. A partir disso, foi possível compreender as
diferenças do militarismo no Brasil em tempos de paz e tempos de guerra e ainda a crítica
acometida às formas de aplicação da pena de privação de liberdade.
REFERÊNCIAS

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