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O presente trabalho é resultado do Grupo de Estudos em Direito Militar realizado na Academia
Brasileira de Direito Constitucional no anos de 2010/2011.
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Mestre em Direito Constitucional pela UNIVALI. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela
ABDConst. Pós-Graduado em Direito Criminal pela UNICURITIBA. Coordenador do Grupo de
Estudos em Direito Militar da ABDConst. Advogado.
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Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Pós-Graduado em Direito
Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.
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Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Pós-Graduado pela Escola da
Magistratura Federal. Advogado.
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Bacharel em Segurança Pública, pela Academia Policial Militar do Guatupê. Bacharel em Direito
pela Universidade Campos de Andrade. Pós-Graduado em Direito Militar pela Universidade
Anhanguera-UNIDERP-LFG. Capitão QOPM/PR.
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Bacharel em Segurança Pública, pela Academia Policial Militar do Guatupê. 2º Tenente QOPM/PR
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Estudante de Direito na Faculdade Educacional de Araucária. Soldado QPM 1-0 da PMPR.
Anais do X Simpósio Nacional de Direito Constitucional 240
A necessidade de interpretação do direito militar...
INTRODUÇÃO
Lenio Luiz Streck (2009, p. 37), analisa este contexto constitucional dizendo:
vista que tal campo jurídico não pode ser uma “ilha” no ordenamento jurídico
nacional, mas sim, estar em harmonia com os preceitos constitucionais e seu
conteúdo principiológico.
Por este vértice, é certo que, essa classe – militar, vem sofrendo, às duras
penas, o reflexo de uma ordenação jurídica penal – formal e material, chancelada
nos idos de 1969, quando imperava um regime ditatorial com poderes absolutos,
advindo do Ato Institucional 5, de 13 de dezembro de 1968, cessando seus efeitos,
somente em 13 de outubro de 1978 quando a Emenda Constitucional 11 foi
promulgada, revogando todos estes atos institucionais arbitrários, contrários ao
interesse da Constituição Federal de 1967.
Por isso, os povos que, decidindo querer ter Forças Armadas, desejam viver
em sistemas democráticos no âmbito de Estados de Direito exigem
disciplina aos elementos das forças armadas no quadro de obediência à sua
hierarquia e em respeito das normas legais e regulamentares que pautam a
sua actividade de serviço. A Comunidade, através das leis, confere à
hierarquia militar a garantia de que a disciplina é mantida pela aplicação de
normas aprovadas por ela, através dos seus representantes.
proposto, é que se faz necessário uma busca incessante de uma dogmática jurídica
emancipadora, visando a proteção destes indivíduos que, por voluntariedade:
Com esse objetivo, eis a manifestação de Paulo Ricardo Schier (1999, p. 24-
25):
(...) Será preciso compreender cada uma das Constituições à luz de sua
história, de sua geografia, de seu lócus social e político. Isto, certamente,
não significará decretar-se o fim de uma “Teoria da Constituição”, mas, sim,
que os seus dados devem ser lidos à luz da história e das especificidades
de cada povo. E daqui advém, sempre, a exigência de uma qualificação do
discurso constitucional (referido a um tempo e espaço). Fala-se, por tais
razões, a partir de agora, não de qualquer Constituição, nem de qualquer
tempo ou lugar. O discurso em andamento no Brasil, posteriormente ao seu
processo de redemocratização, culminando pela elaboração da Constituição
Federal de 1988, reconhecidamente vinculante, compromissória,
democrática e dirigente. (SCHIER, 1999, p. 91-92)
(...) Por outro lado, si se asume que son fundamentales todos los derechos
universales, es decir, reconocidos a todos en cuanto personas o
ciudadanos, entre ellos están comprendidos también los derechos sociales,
cuya universalidad no está excluída (...).
Diante dessa constatação, temos que, antes de ser por opção um militar,
jamais perdera sua qualidade de ser humano. Sua farda não encobre seu
eucidadão, ao contrário, por suas características próprias, a sociedade, por
intermédio de seus operadores do direito, deve ter como fim em contrapartida de sua
abnegação, uma releitura do direito militar sob a ótica garantista da Constituição de
1988.
norma em consonância com a Constituição. Todavia, tais técnicas não podem ser
aplicadas individualmente. De maneira sintética pode-se enumerar as seguintes
técnicas de interpretação:
Lenio Streck (2009, p. 239), afirma: “As palavras da lei são constituídas de
vaguezas, ambiguidades, enfim, de incertezas significativas. São, pois, plurívocas.
Não há possibilidade de buscar/recolher o sentido fundante, originário, primevo,
objetificante, unívoco ou correto de um texto jurídico.” Desse modo, podemos
concluir que o sentido de qualquer texto depende do contexto jurídico-social do
tempo em que foi escrito e a época considerada para sua análise.
Importante se faz, ainda, expor a questão levantada pelo art. 23, I, da CF,
que em sua primeira parte que afirma ser competência comum da União, dos
Estados e dos Municípios zelar pela guarda da Constituição, colocando num mesmo
patamar todos os Poderes Executivos como responsáveis. Determina assim um
poder-dever de suas instituições e de seus servidores, em analisar e aplicar a lei de
acordo com o que preceitua nossa Magna Carta.
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Para esse trabalho reconhecemos que a hierarquia e a disciplina são princípios basilares dentro
do contexto do regime militar.
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Cerceamento, no contexto desse artigo, significa a restrição de liberdade.
A Constituição Federal no art. 5º, inciso LVII, diz que, “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O
Pacto de São José da Costa Rica, no art. 8º, item 2, proclamou “que toda pessoa
acusada de delito tem direito a que se presuma a sua inocência enquanto não se
comprove legalmente sua culpa”, elencando também as garantias mínimas para
promover a igualdade durante o processo; e com fulcro no art. 5º, § 2º da nossa Lei
Maior, que viabilizou esse tratado, é aplicado à todos os brasileiros, sejam eles civis
ou militares e no seu conteúdo se encontra o princípio da presunção da inocência ou
da não culpabilidade.
esgotada as suas possibilidades recursais. Embora o art. 5º, inciso LVII, mencione
literalmente em seu final “sentença penal condenatória”, tal princípio não pode de
forma alguma ser limitado apenas na esfera penal, pois está intimamente ligado ao
preceito de justiça envolto em nossa “Lei Maior”.
Na seara do direito militar, que assim como o direito penal pode vir a ensejar
em restrição de liberdade até mesmo na esfera administrativa, não se vislumbra
mais possível haver penalização antes de esgotados todos os recursos cabíveis,
aplicando-se por analogia as mesmas garantias incidentes no campo do processo
penal, dada à similitude de circunstâncias, já que em ambos os casos há aplicação
de uma penalidade.
No tocante a sua origem, teve seu marco inicial na Magna Carta de João
Sem Terra de 1215, documento que tinha por objetivo limitar os poderes da
monarquia inglesa da época. Dessa forma, esse princípio é oriundo da expressão,
em inglês, due process of law.
Fredie Diddier Jr., explica que este princípio possui duas dimensões: uma
formal e outra substantiva.
dispositivo que resulte na violação das garantias individuais que afaste o ideal do
processo devido, não poderá ser empregado.
para nós, desde Einstein não há mais espaço para tais teorias que têm a
pretensão de serem ‘absolutas’, ainda mais quanto é evidente que todo
saber é datado e tem prazo de validade e principalmente, que a
Constituição, como qualquer lei, já nasce velha, diante da incrível
velocidade do ritmo social. Logo, a inadmissibilidade absoluta tem a absurda
pretensão de conter uma razão universal e universalizante, que pode(ria)
prescindir da ponderação exigida pela complexidade que envolve cada caso
na sua especificidade. (LOPES JR., 2007, p. 564)
No entanto, observa Aury Lopes Jr. (2007, p. 565), que esta corrente é
temerosa uma vez que o “conceito de proporcionalidade é constantemente
manipulado e serve a qualquer senhor”.
Por fim, a terceira corrente – admissibilidade da prova ilícita pro reo – pela
qual a “prova ilícita poderia ser admitida e valorada apenas quando se revelasse a
favor do réu” (LOPES JR., 2007, p. 565). Assim, “trata-se da proporcionalidade pro
reo, onde a ponderação entre o direito de liberdade de um inocente prevalece sobre
um eventual direito sacrificado na obtenção da prova (dessa inocência)” (LOPES
JR., 2007, p. 565). É importante destacar que esse é o entendimento adotado no
presente artigo.
A cláusula due process of law não indica somente a tutela processual, como
à primeira vista pode parecer ao intérprete menos avisado. Tem sentido
genérico, como já vimos, e sua caracterização se dá de forma bipartida, pois
há o substantive due process eo procedural due process, para indicar a
incidência do princípio em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando
no que respeita ao direito material, e de outro lado, a tutela daqueles
direitos por meio do processo judicial ou administrativo.
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Art. 24. Segundo classificação resultante do julgamento da transgressão, as punições disciplinares
a que estão sujeitos os militares são, em ordem de gravidade crescente:
Parágrafo único. As punições disciplinares de detenção e prisão disciplinar não podem ultrapassar
30 (trinta) dias e a de impedimento disciplinar, 10 (dez) dias.
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Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos
estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares,
mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou ainda, que afete a honra pessoal, o
pundonor militar e o decoro da classe.
§ 3º. As responsabilidades cível e administrativa do militar serão afastadas no caso de absolvição
criminal, com sentença transitada em julgado, que negue a existência do fato ou da sua autoria.
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LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei.
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II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
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O texto “Regulamento disciplinar militar e as suas inconstitucionalidades” trata da adequação da
legislação castrense aos princípios constitucionais que devem ser observados pela administração
pública militar na busca de uma efetiva aplicação da justiça, que é essencial para a construção do
Estado Democrático de Direito, como bem observa o autor em suas conclusões finais. “Neste
sentido, se a prisão somente pode ser decretada por uma autoridade judiciária militar com base na
lei, como o sistema poderá admitir uma prisão administrativa fundada em um ato praticado por
autoridade administrativa que justifica a sua decisão em um regulamento disciplinar militar que não
foi editado por meio de lei, mas um decreto do executivo? Segundo a doutrina, qualquer
modificação ocorrida após a Constituição Federal de 1988 nos regulamentos disciplinares
somente poderá ser feita por meio de lei proveniente da Assembleia Legislativa ou do Congresso
Nacional, sob pena de nulidade do ato, que poderá ser apreciado pelo Poder Judiciário em
atendimento ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. (...) Os legisladores do Estado de
Minas Gerais, preocupados com esta questão, resolveram rever a existência da prisão
administrativa nos regulamentos da PM, e decidiram pela sua extinção. A busca da valorização do
profissional de segurança é o caminho que deve ser seguido para a melhoria do serviço prestado
à população, e a extinção da prisão administrativa é o primeiro passo nesta caminhada, o que não
significa que em determinados casos ou em espécies de transgressão disciplinar a prisão
disciplinar não possa ser decretada. (...) O art. 24, do Código de Ética e Disciplina dos Militares do
Estado de Minas Gerais, disciplina que: “Conforme a natureza, a gradação e as circunstâncias da
transgressão, serão aplicáveis as seguintes sanções disciplinares: I – advertência; II –
repreensão; III – prestação de serviços de natureza preferencialmente operacional,
correspondente a um turno de serviço semanal, que não exceda a oito horas; IV – suspensão, de
até dez dias; V – reforma disciplinar compulsória; VI – demissão; VII – perda do posto, patente ou
graduação do militar da reserva.
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A Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. 1.
Alegação de que o policial militar está vinculado a regulamento próprio que permite a aplicação da
penalidade de licenciamento ex officio, e, por isso, inaplicáveis as Súmulas 20 e 21, desta Corte.
Argumentação insubsistente. O preceito constitucional inserto no art. 5º, LV, não fez qualquer
distinção entre civis e militares. Ao contrário, aos litigantes em geral assegurou o
contraditório e a ampla defesa, em processo judicial ou administrativo. 2. Agravo regimental
não provido” (STF, AGRRE 206775/PE, rel. Min. Maurício Correa, DJ 29.08.1997, p. 40.229).
(grifamos).
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“Ampla defesa é o asseguramento de condições que possibilitam ao réu apresentar, no processo,
todos os elementos de que dispõe. Entre as cláusulas que integram a garantia da ampla defesa
encontra-se o direito à defesa técnica, a fim de garantir a paridade de armas (par conditio),
evitando o desequilíbrio processual, a desigualdade e injustiça processuais. Assim, já teve a
oportunidade de decidir o STF que “A presença formal de um defensor dativo, sem que a ela
corresponda a existência efetiva da defesa substancial, nada significa no plano do processo penal
e no domínio tutelar das liberdades públicas”. STF, HC 71961-9/SC, rel. Min. Marco Aurélio, j. 6-
12-1994.
CONCLUSÃO
Desta maneira, um militar não pode ser obrigado a cumprir uma sanção
administrativa, antes de esgotadas todas as vias recursais, assegurando ao mesmo,
o efeito suspensivo dos recursos interpostos em todas as instâncias de poder.
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