Você está na página 1de 13

UNISIGNORELLI

CENTRO UNIVERSITÁRIO INTERNACIONAL

DIREITO MILITAR

DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR

Cesar Eduardo de Oliveira Miranda

São Paulo
2023
O DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR BRASILEIRO

O Direito Processual Penal Militar no ordenamento jurídico está


disciplinado pelo Decreto Lei nº 1.002 de 21 de outubro de 1969, o Código de
Processo Penal Militar, diploma legal este que define a atuação da Polícia
Judiciária Militar do Ministério Público Militar e da Justiça Militar.

Tal norma aplica-se tanto no âmbito das Força Aérea Brasileira quanto
das instituições militares estaduais, em que pese haver diferenças na composição
do Ministério público ou nos Conselhos de Justiça Militar, pois, de fato, tais
diferenças não afetam o cumprimento das normas dispostas no Código de
Processo Penal Militar.

O Código de Processo Penal Militar estabelece as regras a serem seguidas


na lavratura de Auto de Prisão em flagrante nos crimes militares, no Inquérito
policial Militar e no Processo Penal Militar, estabelecendo inclusive a
dosimetria da pena e progressão de regime em caso de condenação.

Esta norma não sofreu alteração em seu artigo 679, no que diz respeito à
instrução criminal, mantendo a ordem dos procedimentos a serem adotados pelo
juízo militar conforme a estabelecida à época da edição da norma, sendo que em
2008, o Código de Processo Penal, sofreu alteração considerável em seu artigo
400, para melhor atender ao Princípio do Devido Processo Legal.

Em decorrência da alteração do artigo 400 do Código de Processo Penal,


no qual, em síntese, passou a oitiva do acusado para o final da instrução
criminal, dando-lhe o direito de questionar alegações feitas pelo ofendido e a
testemunha, ou, simplesmente se deixar de mencionar algo que estes podem não
ter relatado em seu desfavor, não produzindo prova contra si, podemos admitir
que os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa foram reconhecidos em
favor do acusado.

Princípios estes que estavam presentes no texto original do Código de


Processo Penal, mas não tinham tamanha amplitude. Entretanto, o Processo
Penal Militar, ao não ser alterado, não deu o mesmo tratamento aos acusados na
esfera da Justiça Militar. Enfrentaremos tal questão de maneira, mas para tanto
se fará imperiosa uma análise, ainda que resumida da Organização da Justiça
Militar.

A ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR

Em um primeiro momento, para definir Justiça Militar, é necessário


distinguir a Justiça Militar da União da Justiça Militar dos Estados e do Distrito
Federal, haja vista que, embora órgãos do Poder Judiciário que tenham,
naturalmente, competência para processar e julgar os crimes militares, estes
diferentes órgãos jurisdicionais são definidos de maneira diversa pela CRFB/88,
de forma que cabe analisar sua competência e composição.

A Justiça Militar da União tem previsão Constitucional do artigo 122 ao


artigo 124, o qual define, in verbis.

Art. 122. São órgãos da Justiça Militar:

I - O Superior Tribunal Militar;

II - Os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.

Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de


quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da
República, depois de aprovada a indicação pelo Senado
Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha,
quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre
oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto
mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.

Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo


Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta
e cinco anos, sendo:

I - Três dentre advogados de notório saber jurídico e


conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade
profissional;

II - Dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e


membros do Ministério Público da Justiça Militar.

Art. 124. à Justiça Militar compete processar e julgar os


crimes militares definidos em lei.

Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o


funcionamento e a competência da Justiça Militar. (grifei)

Destacamos a competência estabelecida pela Constituição da República


na qual se observa que a Justiça Militar é quem deverá julgar os crimes militares
definidos em lei, aqueles que o Decreto Lei estabelece em seus artigos 9º e 10
como crimes de natureza castrense.

Salvo nos casos de competência originária, o Superior Tribunal Militar


funcionará como órgão de segunda instância da Justiça Militar da União, tendo
como órgão de primeira instância, em regra, a Auditoria de Justiça Militar que
está definida na Lei nº 8.457 de 04 de setembro de 1992.

O artigo 16 da Lei nº 8.457 de 04 de setembro de 1992, apresenta a


constituição dos Conselhos Especiais e Permanentes, destinados
respectivamente, ao julgamento dos Oficiais e daqueles que não são oficiais.
Sendo ambos os conselhos presididos pelo Oficial de maior posto, ressalvado os
casos de igualdade no conselho especial, hipótese que será presidido pelo mais
antigo.

Nota-se que a Justiça Militar tem competência criminal, tratando somente


dos crimes militares. Junto à Justiça Militar funciona o Ministério Público
Militar nos termos do artigo 128, “c” da CRFB/88.

O Conceito Legal de Crime Militar após a sanção da Lei nº 13.491/17


Com o advento da Lei nº 13.491/2017, o inciso II do art. 9º foi alterado e o
parágrafo único foi revogado, sendo acrescidos dois parágrafos ao referido
dispositivo legal. Assim como no tópico anterior, abordamos sucintamente as
normas que seriam alteradas, aqui iremos proceder com o mesmo tratamento.

O art. 9º, em seu inciso II foi alterado7 no sentido de se ampliar o rol de


crimes militares, que antes se restringiam apenas àqueles tipificados no CP e no
CPM, independentemente de definição legal semelhante ou não. Se
anteriormente o rol era bem restrito a ambos os códigos, desde 13 de outubro de
2017, todo e qualquer crime cometido por militar nas situações elencadas no
referido inciso II.

Desta feita, crimes que antes não eram considerados militares, agora
passaram a o ser, desde que cometidos em uma das situações do art. 9º como por
exemplo, abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65), tortura (Lei94.55/97).

Nesse diapasão, os crimes que antes eram de competência da justiça


comum para processo e julgamento agora com a sanção da Lei nº 13.491/2017
passaram a ser de competência da Justiça Militar, seja da União, seja dos
Estados ou do Distrito Federal. A segunda alteração se deu com a revogação do
parágrafo único, sendo o mesmo substituído por dois parágrafos. O parágrafo
primeiro estabeleceu que no caso de crimes dolosos contra a vida de civil
praticados por militares, a competência para
processo e julgamento será do Tribunal do Júri, quando no revogado parágrafo
único, falava-se em Justiça Comum.

Já o parágrafo segundo foi direcionado exclusivamente aos militares das


Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica), onde estes militares, em
caso de cometimento de crime doloso contra a vida de civil, nas situações
elencadas, serão processados e julgados no âmbito da Justiça Militar da União.

INQUÉRITO POLICIAL MILITAR

O inquérito policial militar voltado a apuração de fatos praticados pelo


policial militar também tem por escopo reunir elementos de prova que
robustecem e abalizem as suspeitas sobre a prática de delito de natureza penal,
sendo um procedimento preparativo para ocasional ajuizamento da ação penal.

Ademais, esse procedimento prévio na apuração de crimes serve também


como uma espécie de auxílio para o sistema penal, já que por meio dele é
possível precaver a movimentação do Poder Judiciário para o processamento de
fatos não elucidados ou de autoria ainda desconhecida.

Segundo Saraiva (2012), apurar a autoria denota que a autoridade policial


tem o dever de encontrar o autor do ato que infringiu a norma, visto que não será
possível promover a ação penal se ignorado for o autor do fato.
Desse modo, não poderá o órgão do Ministério Público, ou o ofendido, em
se tratando de crime de ação, iniciar o processo com a denúncia ou queixa, já
que é necessária a qualificação do réu, ou mesmo elementos que possam o
identificar, para a propositura da ação penal competente.

Nesse ponto penal acerca da existência do crime, no sentido de que o


inquérito policial é o momento em que se obtém todas as provas, no que diz
respeito ao recebimento da denúncia e decretação da prisão preventiva.

Dentro desse contexto conclui-se que o Inquérito Policial é peça


informativa para que se possa iniciar a ação penal, visto que se limita a
aprovisionar subsídios para o oferecimento da denúncia ou queixa em juízo.

Dessa maneira, nada mais lógico prestar caráter preparatório e


informativo, posto que tenha por finalidade última permitir a punição daqueles
que desobedecem a ordem penal, motivar a convicção do órgão incumbido de
desempenhar a ação penal acerca da existência do crime, no sentido de que o
inquérito policial é o momento em que se obtém todas as provas, no que diz
respeito ao recebimento da denúncia e decretação da prisão preventiva.
No entanto, há de se considerar que muito embora a finalidade do
inquérito policial seja meramente informativa, ele possui valor probatório de
grande relevância para a instrução criminal.

A importância do inquérito policial na vida do indivíduo se reflete de


várias formas, por isso não é possível atribuir apenas o caráter informativo a ele.
Nota-se que em alguns casos o simples fato de a pessoa figurar como indiciado
em um inquérito policial pode caracterizar entrave para que realize funções
especificas.
É o exemplo da polícia militar de Minas Gerais, em que segundo a
determinação contida no artigo 5º, § 1º da Lei Estadual 5.301/69, Estatuto do
Militares de Minas Gerais, não poderá ingressar na carreira do militarismo a
pessoa que figurar como indiciado em sede de inquérito policial militar, seja na
esfera federal, estadual ou militar.

Diante disso o inquérito policial deve receber atenção especial, visto ser
revestido de valor probatório, ainda que relativo.

O inquérito policial tem algumas características próprias as quais


passaremos a dissertar.

Trata-se de um procedimento escrito, em conformidade com o disposto no


artigo 9º do Código de Processo Penal: “Todas as peças do inquérito policial
serão, processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas
pela autoridade.”

Outra característica é o fato de ser sigiloso, já que prima por conservar o


estado de não culpabilidade do indiciado. Ressalte-se que o sigilo não se aplica
ao Ministério Público nem ao magistrado.

Trata-se de um procedimento oficial já que pode exclusivamente ser


instaurado por órgãos oficiais, não fincando a cargo de particulares, ainda que se
trate de ação penal privada.

Em se tratando de ação penal pública incondicionada é obrigatória sua


instauração, ante a notícia de uma infração penal, nos termos do artigo 5º, I do
Código de Processo Penal.
A partir do momento de sua instauração, a autoridade policial não tem
prerrogativa para o arquivamento do inquérito policial, essa característica é
conhecida por indisponibilidade.

Concernente à característica da inquisitividade é preciso ressaltar que em


princípio o inquérito policial por se tratar de um procedimento dispensa o
contraditório e a ampla defesa. No entanto, não se pode olvidar sobre a
importância dessas duas garantias em sede inquisitorial.

DESENVOLVIMENTO DO INQUERITO POLICIAL MILITAR

A polícia militar é uma instituição baseada pela hierarquia, conforme


preceitua o artigo 42 da Constituição da República, in verbis: “Os membros da
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas
com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios”

Vale ressaltar, que muito embora a Constituição da República, fale


somente que entidades acima citadas são norteadas pela hierarquia nenhuma
outra organização prescinde de hierarquia e disciplina para seu funcionamento.

A hierarquia pode ser entendida como ordenação progressiva de


autoridade, sua necessidade se justifica na fixação de funções e
responsabilidades, enquanto a disciplina, percebida como obediência às funções
que se deve exercer, é vital para o desenvolvimento adequado das atividades.
Segundo Saraiva (2007), pode-se entender que a hierarquia busca
organizar a atividade da instituição. Logo, “em todas as instituições públicas,
independente do grau de complexidade, existe uma ordenação hierárquica de
funções e a necessidade de observância fiel das funções por cada servidor para
concretização dos fins que se destinam.”

A observância dessa hierarquia é importante dentro da corporação, para o


bom andamento dos trabalhos.

O inquérito Policial Militar é destinado à apuração sumária de fatos, os


quais podem ser considerados como crime militar, nos moldes do já citado
artigo 9º do código de Processo Penal Militar. Através dele somente serão
apurados os delitos tipificados no Código Penal Militar.

Sua finalidade é apanhar elementos indispensáveis à propositura da ação


penal, por conseguinte é de instrução provisória, ou seja, caberá ao juiz dar a ele
o valor probatório que tendo em vista que formará sua livre convicção quando
apreciar o conjunto de provas trazidas aos autos.

ALGUMAS QUESTÕES PROCESSUAIS PENAIS MILITARES NO


TOCANTE AOS NOVOS CRIMES MILITARES

Conforme tratado no tópico relativo à natureza híbrida da Lei nº


13.491/17, institutos processuais penais comuns e sua possível aplicabilidade no
direito militar geram intensos debates da Doutrina. Devemos sempre lembrar
que o art. 12 do Código Penal Comum dispõe que as regras gerais daquele
Códex se aplicam aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de
modo diverso

Vejamos alguns aspectos relevantes sobre esse tema. No que concerne à


ação penal militar, continua como regra a ação penal militar de iniciativa pública
incondicionada, com as exceções de alguns casos do art. 136 a 141, em que há a
condição de requisição, e da ação penal privada subsidiária (inciso LIX do art. 5º
da CF). Mesmo em crimes tipificados como calúnia, difamação e injúria (artigos
214 a 217 do CPM), a ação penal militar permanece de iniciativa pública
incondicionada.

Já tratando da possibilidade de existência de crime militar hediondo, é


interessante alertar que o rol insculpido do artigo 1º, da Lei nº 8.072/90 diz
respeito apenas aos crimes do código penal comum e é um rol taxativo. A
chegada da Lei nº 13.491/17, que ampliou o conceito de crime militar, em nada
altera o fato de que a Lei nº 8.072/90, apresenta um rol taxativo de ilícitos
considerados hediondos ou equiparados, indicando sempre o artigo de lei a que
se refere e nunca fazendo menção a qualquer dispositivo do Código Penal
Militar, tendo uma característica de numerus clausus. Outro aspecto relevante
sobre o processo penal militar diz respeito à possibilidade de aplicação das
medidas protetivas elencadas na Lei nº 11.340/06 (“Lei Maria da Penha”),
incluindo-se o atendimento policial e preferencial especializado, as quais
deverão ser observados pelas autoridades de polícia judiciária militar, ainda na
fase pré-processual penal militar.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, o que se observou foi que, apesar de ser uma lei muito
curta, a nova norma penal e processual penal militar provocou profundas
alterações na legislação, Doutrina e Jurisprudência que trata do direito penal,
seja ele militar ou não. Da alteração do conceito de crime militar e refletindo na
ampliação da competência da Justiça Militar, a Lei nº 13.491/17 provocou, ou
pelo menos deveria já ter provocado o recrudescimento das Justiças Militares da
União e dos estados, mas o que se observa é que pouco ou quase nada mudou,
uma vez que as ações militares federais na garantia da lei e da ordem se
tornaram escassas além de não ser ainda corriqueira a remessa dos processos em
trâmite na Justiça Comum para a Justiça Militar, o que gera, como vimos, a
nulidade dos atos lá praticados, desde o dia 16 de outubro de 2017, data de sua
publicação.

A classificação doutrinária dos crimes militares também foi afetada com o


advento da Lei nº 13.491/17, fazendo surgir uma nova conceituação, a qual
diverge entre os autores, mas que, em essência, trata daqueles crimes previstos
fora do Código Penal Militar e do Código Penal Comum, os quais são
denominados de várias formas: crimes militares extravagantes, crimes
acidentalmente militares, crimes militares por extensão.

Finalizando, o que a Lei nº 13.491/17 nos deixará de legado, sendo


declarada inconstitucional, ou não, é no sentido de que mostrou o quanto a
Justiça Militar é presente em nosso ordenamento jurídico, mesmo o Direito
Militar estando relegado a segundo plano nas Universidades do Brasil.

Uma norma pequena, mas que causou incisivas mudanças na legislação


penal militar e comum. O escabinato das espadas e estrelas (representadas pelos
oficiais) e togas (representas pelos Juízes de Direito) deve estar atento e aplicá-
la em sua integralidade.
REFERÊNCIAS

SARAIVA, Alexandre José de Barros Leal. Crimes militares em tempo de paz:


uma abordagem crítica do art. 9º do CPM. Revista Direito Militar, v. 12, n. 68,
p. 10-12, nov./dez. 2007.

SARAIVA, Alexandre José de Barros Leal. Inquérito Policial e Auto de Prisão


em Flagrante nos Crimes Militares. São Paulo: Atlas, 2012.

Você também pode gostar