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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000309208

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº


1000837-33.2021.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é apelante M. P.
DO E. DE S. P., é apelado M. C. DE L..

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito


Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: DERAM
PROVIMENTO ao recurso Ministerial, para determinar sejam adotadas as
providências necessárias à produção antecipada da prova, por meio da colheita
do depoimento especial da vítima. V.U., de conformidade com o voto do relator,
que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ALEX


ZILENOVSKI (Presidente) E FRANCISCO ORLANDO.

São Paulo, 27 de abril de 2022.

ANDRÉ CARVALHO E SILVA DE ALMEIDA


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação Criminal nº 1000837-33.2021.8.26.0477

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo


Apelado: Max Correia de Lima
1ª Vara Criminal da Comarca de Praia Grande
MM. Juiz de Direito Dr. Vinicius de Toledo Piza Peluso

Voto nº 2.229

APELAÇÃO CRIMINAL - Produção antecipada de provas


- Estupro de vulnerável - Necessidade da realização de
depoimento especial para resguardar os interesses da
criança - A condição de vítima de crime sexual justifica
a realização do procedimento de oitiva - Possibilidade
de realização para colheita de elementos, a fim de
viabilizar a formação da "opinio delicti" - Precedentes
deste Tribunal de Justiça Recurso provido.

Vistos.

Trata-se de Recurso de Apelação interposto pelo


Ministério Público contra a respeitável decisão (fls. 16/18) que extinguiu o processo
com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, e art. 316 do CPC c/c art. 3º do
CPP, por falta de interesse de agir (necessidade) na referida medida cautelar
antecipatória.
Apela o Ministério Público buscando, em síntese,
procedência da medida cautelar de produção antecipada de prova determinando a
oitiva da vítima, na forma de depoimento especial.
Aduz, para tanto, que as provas produzidas nos autos
do Inquérito Policial nº 1500953-16.2020.8.26.0477 não trouxeram elementos
suficientes para o oferecimento de denúncia, especialmente pela ausência de oitiva da
ofendida, que a Delegacia de Polícia não dispõe de rede de proteção para o
procedimento da Escuta Especializada, não havendo profissionais em assistência
social e psicologia para sua realização e que a rede municipal informou não ser
possível firmar parcerias para a realização do ato.
Apelação Criminal nº 1000837-33.2021.8.26.0477 -Voto nº 2.229 2
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Assim, diante do prejuízo na demora da oitiva da


vítima, que poderá trazer prejuízos irreversíveis para a apuração dos fatos, requereu,
judicialmente, a produção antecipada de provas (fls. 22/27).
Regularmente processado o apelo, vieram aos autos as
contrarrazões (fls. 60/63), após o que a D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo
provimento do recurso (fls. 72/75).

É o relatório.

Com efeito, respeitado o entendimento do juízo de


origem, a antecipação da oitiva da vítima, na forma do depoimento especial, mostra-
se imprescindível para o caso concreto.

O Inquérito Policial nº 1500953-16.2020.8.26.0477


apura possível prática de estupro de vulnerável cometido contra a menor I. L. S.
cometido por seu padrasto que teria “esfregado suas partes íntimas nas pernas da
criança”.

Os fatos foram relatados pela genitora da vítima que,


segundo afirmou, deles teria tomado conhecimento por intermédio de sua mãe,
aproveitando-se de sua ausência em casa e de que a menor estaria sozinha, o
averiguado teria esfregado suas partes íntimas nas pernas da infante, bem como a
teria ameaçado de morte acaso contasse a alguém.

De acordo com o previsto na Lei nº 13.431, de 04 de


abril de 2017, e no Comunicado Conjunto nº 1948/2018 da Corregedoria Geral de
Justiça e da Coordenadoria da Infância e da Juventude deste Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, os quais disciplinam a realização de escuta especializada e de
depoimento especial, a condição de criança suspeita de ser vítima de abuso sexual é
suficiente para que se antecipe a produção da prova testemunhal.

A propósito, a colheita das declarações da vítima deve


ser realizada o mais próximo possível da data dos acontecimentos, não havendo
qualquer impedimento para que o depoimento especial seja colhido ainda na fase
inquisitorial, anteriormente à formalização da persecução penal em juízo, uma vez
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que é nessa fase preliminar os fatos serão melhores relatados pela vítima diante da
contemporaneidade criminosa.

Além disso, em situações como a dos autos, nas quais a


versão da ofendida poderá ser confrontada com o relato da sua genitora, o
depoimento especial se mostra o único instrumento capaz de se chegar à verdade real
dos fatos e trazer elementos que autorizem, ou não, o oferecimento de denúncia pelo
órgão ministerial.

In casu, verifica-se a existência da imputação ao


genitor da ofendida, da prática de três abusos sexuais, contra ela cometidos nos anos
de 2015, 2019 e 2021, objeto de três boletins de ocorrência diversos. Não há notícia
nos autos de que a menor tenha sido ouvida em razão de qualquer deles.

Assim, em que pese o juízo de origem ter indeferido o


pedido, é evidente que tal medida não atende o melhor interesse da criança, em
afronta à garantia da proteção integral (art. 227, da Constituição Federal), mostrando-
se imprescindível a produção antecipada da prova, pois garante o direito da criança à
realização de oitiva em ambiente isento e adequado, evitando a ocorrência de coação,
abuso, ou até mesmo, de alienação parental.

A jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça é pacífica


nesse sentido:

"APELAÇÃO CRIMINAL Produção antecipada de


provas Estupro de vulnerável Depoimento especial Necessidade
Realização de depoimento especial que se mostra necessária para resguardar os
interesses da criança Condição de vítima de crime sexual que justifica sua
realização Desnecessidade de escuta especializada prévia Possibilidade de
realização para colheita de elementos, a fim de viabilizar a formação da opinio
delicti RECURSO PROVIDO" (TJSP; Apelação Criminal
1002375-49.2021.8.26.0477; Rel. Des. FÁTIMA GOMES; Órgão Julgador: 9ª
Câmara de Direito Criminal; Foro de Praia Grande - 1ª Vara Criminal; Data do
Julgamento: 30/11/2021);

"Correição Parcial Indeferimento de pedido

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ministerial Requisição de depoimento especial de vítima de suposto delito de


estupro de vulnerável na fase inquisitorial Artigo 11 da Lei nº 13.431/2017 e
Comunicado Conjunto nº 1948/2018 da Corregedoria Geral da Justiça e
Coordenadoria da infância e da Juventude do Tribunal de Justiça Deferimento da
medida na forma de depoimento especial em sede de produção antecipada de
provas CORREIÇÃO PARCIAL DEFERIDA" (TJSP; Correição Parcial Criminal
2238708-72.2021.8.26.0000; Rel. Des. SILMAR FERNANDES; Órgão Julgador: 9ª
Câmara de Direito Criminal; Foro de Praia Grande - 1ª Vara Criminal; Data do
Julgamento: 29/11/2021);

"Correição Parcial. Insurgência contra decisão que


indeferiu o pedido de depoimento especial em sede de produção antecipada de
prova. Medida prevista na Lei nº 13.431/17. Criança vítima de crime sexual.
Necessidade de coleta das declarações de forma protetiva. Condição de criança
suspeita de ser vítima de abuso sexual que é suficiente para que se antecipe a
produção da prova testemunhal. Recurso provido" (TJSP; Correição Parcial
Criminal 2210093-72.2021.8.26.0000; Rel. Des. XISTO ALBARELLI RANGEL
NETO; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Criminal; Data do Julgamento:
26/10/2021);

"Correição Parcial Criminal. Medida cautelar de


produção antecipada de prova, por intermédio da qual se busca a realização de
depoimento especial. Crianças supostamente vítimas de crime sexual. Necessidade
de colheita das declarações em ambiente acolhedor e por profissional
especializado, nos exatos termos da Lei nº 13.431/2017, a fim de se evitar a
revitimização das infantes. Precedentes. Correição Parcial Criminal DEFERIDA"
(TJSP; Correição Parcial Criminal 2217573-04.2021.8.26.0000; Rel. Des. Heitor
Donizete de Oliveira; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Criminal; Data do
Julgamento: 20/10/2021).

Portanto, a ausência da colheita de depoimento especial


da vítima, na presente hipótese, inviabiliza a produção dos meios necessários para a
formação da "opinio delict" do Ministério Público para o eventual oferecimento de
denúncia ou requerimento de arquivamento dos autos, circunstâncias que colidem

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com a busca da verdade real.

Diante do exposto, pelo meu voto, DÁ-SE


PROVIMENTO ao recurso Ministerial, para determinar sejam adotadas as
providências necessárias à produção antecipada da prova, por meio da colheita
do depoimento especial da vítima.

André Carvalho e Silva de Almeida


Relator

Apelação Criminal nº 1000837-33.2021.8.26.0477 -Voto nº 2.229 6

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