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Resenha crítica sobre o filme “Histórias Cruzadas”

A presente argumentação consiste em uma resenha crítica sobre o filme “Histórias


Cruzadas” que será fundamentada nos aspectos históricos acerca da problemática racial, bem
como será estabelecido um paralelo com as bases legais do ordenamento jurídico brasileiro
relativo ao tema.

O filme se passa no estado de Mississipi (EUA) na década de 1960, sendo de suma


importância destacar que até o ano de 1954 a segregação racial ali existente se estendia até
mesmo as instituições de ensino, de maneira que alunos negros não poderiam frequentar as
mesmas escolas que os estudantes brancos.

Nesse sentido, cumpre salientar ainda nessa panorama histórico que a bandeira do
estado de Mississipi possui o símbolo confederado, que representa o sistema escravagista, na
qual contém estrelas brancas referentes aos estados do sul que foram contrários à abolição da
escravidão durante a guerra civil estadunidense (1861-1865), sendo apenas em 2020 que os
eleitores aprovaram um projeto para uma nova bandeira.

Assim, esclarecido o contexto retratado na trama é possível inferir que a segregação


racial nos anos de 1960 era extremamente forte até mesmo amparado pelas leis e pelo
governo.

A história conta com três personagens centrais, sendo Aibileen e Minny empregadas
negras, que tem seu caminho cruzado por Skeeter, jovem branca que não se enquadrava nos
padrões machistas impostos as mulheres de sua época, para tanto da início a empreitada de
escrever um livro sobre a vivência das empregadas domésticas, que inclui segregação além de
um tratamento desrespeitoso das patroas.

O livro escrito se torna uma grande polêmica, visto que conta com relatos e
depoimentos profundamente sofridos das trabalhadoras, um dos pontos de destaque na
narrativa é a criação de banheiros separados para as empregadas, sob hipótese de que negros
teriam doenças diferentes e que poderiam contagiar seus chefes, assim como os talhares dos
brancos não deveriam ser tocados pelas pessoas de pele negra.
A separação racial ocorria de maneira tão inescrupulosa que nos choca saber que em
um passado ainda recente igrejas, bairros e escolas eram divididos pela cor da pele das
pessoas, sobretudo em razão de tais regras encontrarem fundamento na lei vigente na época.

A primeira reflexão que podemos fazer é que nem sempre a lei será sinônimo de
justiça, nesse sentido o Desembargador do TJRJ Sérgio Cavalieri Filho leciona nem sempre
direito e justiça caminham juntos, visto que as normas jurídicas como uma produção humana
nem sempre são capazes de acompanhar as transformações sociais, assim como menciona
ainda a falta de disposição política para implementá-las, o que cria direitos injustos.

O próximo ponto de análise é a violação de direitos fundamentais demonstrada no


filme que se revela ainda extremamente atual e presente até mesmo no nosso país, sendo de
suma importância destacar que o racismo foi considerado crime imprescritível e inafiançável
tão somente no ano de 1989 no Brasil, por meio da Lei Caó (Lei 7716/89).

Na história, são abordadas outras problemáticas decorrentes da trama principal que


gira ao redor do racismo, como já foi mencionado a jovem Skeeter não se enquadrava nos
padrões das moças de sua classe social, visto que almejava trabalhar e construir uma carreira
em detrimento de um casamento, de maneira que a mãe da personagem acredita que ela é
homossexual e oferece cura para a filha, abordando a ofensa a comunidade LGBT+ que eram
tratados como doentes, sendo importante destacar que até pouco tempo era utilizado o termo
homossexualismo, sendo o sufixo ismo uma conotação para doenças.

Há ainda que se falar na questão do machismo que se apresenta também ligado a


violência doméstica, quando é retratado que Minny é agredida pelo marido ao perder o
emprego. Nesse sentido, é importante destacar que no nosso ordenamento jurídico a violência
a mulher começou a ser observada com mais atenção após o advento da Lei Maria da Penha
no ano de 2006.

No entanto, as questões de gênero se mostraram tão ofensivas aos direitos


fundamentais que no ano de 2015 foi instituída a qualificadora do feminicídio, ou seja, o
homicídio qualificado pela morte de mulheres exclusivamente por questões de gênero e ainda
mais recente houve a mudança no processo penal que tornou as ações relativas a lesão
corporal mesmo que leve no âmbito da violência doméstica públicas e incondicionadas com a
finalidade de evitar a intimidação e coação das vítimas.

Por fim, é forçoso depreender que apesar de se tratar de uma adaptação


cinematográfica e referente aos anos de 1960 em um outro país, a realidade de violações e
ofensas aos direitos da pessoa humana ainda persiste e traz à tona discussões relativas a
diversas problemáticas sociais, ademais guarda grande similaridade com o processo histórico
experimentado no Brasil, ainda que após o fim da escravidão não tenha existido uma
segregação racial institucional sabemos que ela existiu de forma velada.

Cumpre ressaltar ainda que os pontos mencionados de evolução no ordenamento


jurídico brasileiro merecem destaque e devem de fato ser considerados, mas há um longo
caminho a ser percorrido, retornando as lições do Desembargador Sérgio Cavalieri Filho há
uma evidente falta de força política na implementação das normas necessárias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FILHO, Sergio Cavalieri. “Direito, Justiça e Sociedade” Revista da EMERJ, vol. 5, 2002, pp.
58-65.

ELEITORES do Mississippi aprovam bandeira sem símbolo considerado racista. [S. l.], 4
nov. 2020. Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2020/11/amp/4886649-eleitores-domississippi-
aprovam-nova-bandeira-sem-simbolo-considerado-racista.html. Acesso em: 14 jun. 2021.

ANÁLISE do filme “Histórias Cruzadas”, sob o prisma do direito de igualdade. [S. l.], 2016.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48508/analise-do-filme-historias-cruzadas-sob-o-
prisma-do-direito-de-igualdade. Acesso em: 14 jun. 2021.

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