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ANÁLISE CRÍTICA DA MINISSÉRIE “OLHOS QUE CONDENAM”, CONECTANDO-A

COM O RACISMO INTRÍNSECO DA SOCIEDADE.

Este trabalho tem como objetivo trazer noções de aspectos socioculturais relacionadas
ao racismo, de forma breve, conectado-o à minissérie “Olhos que condenam” (2019),
produzido e dirigido por Ava DuVernay.

A minissérie conta a história do caso "Os Cinco do Central Park", real, onde Kevin
Richardson, Antron McCray, Raymond Santana Jr., Yusef Salaam e Korey Wise são
presos injustamente sob a acusação de agressão e estupro de uma mulher branca
(Trisha Meilli) e ficaram encarcerados e fichados até que o real agressor se
confessasse. É indagado as questões raciais e como a polícia exerceu e ainda exerce
poder de forma violenta e articulada para promover manutenção de uma hierarquia
racial, e no mais, conseguir méritos encima de inocentes, como foi o caso da promotora
Linda Fairstein que vendeu diversos livros com o encerramento do caso e ainda
conseguiu vários prêmios. Ficam claros as articulações de poderes e o quão sofrível foi
durante e após a saída da cadeia, sendo julgados pela sociedade e alguns até por suas
próprias famílias. Além dos personagens principais, é importante pontuar o quão forte
foram as mobilizações da comunidade e das famílias para promover suporte para os
jovens, como nos protestos que se deram contrapondo a atuação da justiça e as
citações de Donald Trump que pedia a pena de morte dos jovens sem o mesmo caso
ter sido apurado de forma legítima e com comentários racistas de que "negros tem
vantagens". A seguir, será possível explicitar cenas específicas que conversam com a
psicologia social e o racismo instaurado na sociedade.

Um breve histórico sobre o Racismo

O racismo percorreu nossa existência durante muito tempo e cada vez mais se infiltra
na nossa sociedade para projetar seus males em quaisquer áreas que for. Nas
instituições, nos grupos, e nas pessoas é onde mais se vê, é importante ter a ideia de
que o racismo não é simplesmente o ato junto de um pensamento preconceituoso, que
também obviamente produz sofrimento e causa impactos incontáveis no outro e no
autor desse racismo, estabelecendo uma relação de poder e uma hierarquização das
raças, ele também é presente de uma forma sistêmica e estrutural, isto é, quando uma
sociedade inclui para excluir, relativiza o sofrimento e a existência do outro por
características socioculturais, os impedindo de ter acesso a várias formas de conseguir
obter algum capital, aqui se apropriando dos conhecimentos do Sociólogo Bordieu, e
sua conceptualização de habitus, em que os capitais não são equivalentes e na nossa
sociedade opera uma força que regula essa hierarquia para que pessoas habituadas
em condições mais escassas de todo tipo de recurso (econômico, educacional, social)
continuem na mesma situação enquanto os mais abastados dos mesmos recursos
ainda permaneçam no topo e possam exercer seu poder para explorar as classes, e
aqui também fazendo um recorte racial levando em consideração o racismo aqui
abordado, as raças não-brancas e especificamente a raça negra. Um, de vários
exemplos de racismo estrutural dentro das cenas da minissérie “Olhos que condenam”,
é quando os policiais estão nas ruas atrás de suspeitos que possam ter estuprado uma
mulher no Central Park, contudo, eles abordam somente garotos negros que também
estavam no local do crime que eles julgam serem culpados. Para essa atitude policial,
Todorov (1993), explica que uma das características as quais há este pré-julgamento
para com pessoas negras é, justamente, acreditar que há uma junção entre o físico
e o moral, ou seja, aquilo que me agrada visivelmente, é moralmente melhor. Para os
policiais, a cor da pele retinta não os pareceu agradável, logo, se tornaram alvos
suspeitos de praticarem tal barbárie.
Em decorrência disso, os polícias subjulgam Yusef Salaam, 15 anos, por sua aparência
e sua pele retinta, e mesmo o sujeito sendo menor de idade, o levam para a delegacia
para o acusarem sem nenhuma prova e o prenderem como um garoto de 16 anos. Na
mesma cena, o policial coage o amigo de Yusef, Korey Wise, 16 anos, para ir a
delegacia somente para acompanhar seu amigo e só chegando lá, também o acusa
sem provas, coagindo os outros garotos a se apontarem como cúmplices do crime
usufruindo de abuso psicológico e abuso de poder sobre eles. Isso também nos diz
muito como ideia de raça, segundo Ruth Frankenberg (2004), na constituição do
próprio indivíduo de identidade branca é experienciada imaginadamente como se sua
essência fosse herdada de poderes e privilégios e na minissérie, os policiais utilizam
dessas artimanhas para deliberarem sua raça de supremacia branca como o uso da
manutenção de grande poder hierárquico racial sobre pessoas negras e demonstrarem
seu nível na sociedade.

Assim, como dita Wieviorka (2006), o racismo institucional opera sem atores, pois as
instituições por si só tem seus projetos para permanecer com que raças não-brancas
continuem sendo inferiores, isso também diz respeito a regulação do sofrimento ético-
político (Bertini, 2014), que faz com que esse sofrimento se mantenha na existência
das pessoas negras, também dando pra fazer um paralelo com as ideias de La Boétie
(2006), onde opera uma servidão voluntária devido a reprodução e manutenção dos
mecanismos de poder vindas do Estado e das suas instituições, é bastante presente
isso na análise de algumas cenas e em específico no momento dos interrogatórios
onde o personagem Antron McCray conversa com seu pai e ele o diz que deve falar
para a polícia o que eles querem ouvir, no mesmo momento, o pai se exalta e fala com
um lamentar, que a mesma polícia irá mentir sobre eles, irão prendê-los, e irão matá-
los se não for feita da forma que o sistema pede e acha correto. É uma importante cena
para avaliar também o peso da fala do pai para o filho, e que de forma infeliz, mas
também já reconhecendo o poder da instituição policial e sua ambição por fazer as
coisas de maneira própria, também contribuía para toda a coerção que estava
acontecendo ali.

Em duas cenas as quais ocorrem agressões físicas -e psicológicas- partidas de


policiais em ambas as ocasiões ao jovem Kevin Richardson e ao jovem Korey Wise,
Yohan Galtung (1990), em seus estudos sobre violência social, direciona e
responsabilidade da prática de violência física por parte de policiais ao sistema
estrutural, ligada à formação e ao funcionamento do Estado e de outras instituições
sociais, pois está introduzida na aplicação das decisões do grupo dominante -Estado-
e, por fim, cultural, com esses comportamentos discriminatórias. Outra cena que
reafirma essa manutenção do Estado sobre sua responsabilidade com toda e qualquer
agressão física ou não por meio do racismo, é a nota de ódio em uma página inteira
que o político Donald Trump dá ao jornal New York Times, pedindo inclusive, a pena de
morte para os cinco garotos.

Ademais, elucidaremos agora no que se refere subjetividade de alguns dos indivíduos


que foram acusados pelo crime.
Dentro dos estudos sobre as questões subjetivas serem atreladas na forma como os
sujeitos vistos (Foucault 1975; e Foucault 1983) é perceptível como o olhar alheio traz
uma representação negativa sobre os jovens negros da minissérie, a sociedade e uma
parte da mídia os julga como agressões e estupradores, com esse tipo noção
permeando a sociedade, pode-se imaginar o quão eles tenham se sentido e como isso
pode ter operado sobre eles, que já limitados por estarem presos como suspeitos e
serem negros, o que já limita bastante suas condições existenciais e comportamentais
em determinados locais, os limitaria mais ainda por algo que não cometeram e que
ainda tinham que provar que não cometeram. A cena do julgamento mostra de forma
sútil a esperança em certos momentos quando o julgamento decai para o lado de que
eles seriam inocentados, mas também mostra como eles se sentem quando a ficha cai,
e em especial o personagem do Korey, onde ele grita diversas vezes que a promotora
mentiu sobre ele e que a mãe dele não criou um filho assim. Também é importante
analisar que quando os mais jovens saem da cadeia, são vistos como monstros pela
sociedade, pelo o que a mídia branca produziu e rotulou-os, ocasionando em
problemas de ressocialização.

Foucault (1995), nos diz que os modos de subjetivação estão interligados a sociedade
disciplinar, ética-moral e política, e que a partir do momento em que acolhemos e
afirmamos tal forma de existir, estamos produzindo subjetividade para conosco e com a
sociedade, assim como questões morais e amorais que nos atentam a produzir
subjetivação diante da mesma, e este fato pode ou não ligar um indivíduo a outro
fazendo-o passar por julgamentos sobre si mesmo ser "bom ou mal" para aquela
sociedade. Podemos usar como exemplo a cena que Raymond Santana Jr. após
cumprir sua pena e ser solto, se esforça para conseguir ser ressocializado, contudo,
sua madrasta tende a insulta-lo como "estuprador" e como uma pessoa de má conduta
e isso faz com que ele tome decisões erradas que o levam de volta a prisão.
Ou seja, o modo de subjetivação está em circulação social de maneira singular e
também coletiva, a mercê do julgamento da sociedade e intervenções biopolíticas do
Estado sobre o indivíduo e/ou população.

Achille Mbembe (2014), afirma que racismo e raça são conceitos definidos pelo Estado,
de tal forma que o mesmo sempre utilizará tais definições para manter a normalização
dos crimes por ele praticados. Justificam-se tais práticas de violência com base de
ordem jurídica elaborada pelo e para o Estado. Contudo, o Estado não é uma pessoa,
mas um sistema majoritariamente branco e racista que define as práticas sociais em
favor do grupo dominante, o que faz com que a sociedade reproduza e normalize
práticas racistas.
Luiz de Almeida (2018), afirma que a estrutura social é racista, ora por violência
estrutural, ora por violência cultural, ou por força institucional. As justificativas
apresentadas para manutenção das práticas racistas que inferiorizam o povo negro são
apenas modificadas, mas nunca, eliminadas; exemplo disso é que mesmo após a
absolvição (2002) dos cinco jovens, Donald Trump retorna em 2019 os acusando do
crime que os manteve injustamente presos por 7-13 anos.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, S. L.; O que é racismo estrutural?Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018.

Bertini, F. M. (2014).; Sofrimento Ético-Político: Uma análise do estado da arte.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1975/1983.

Foucault, M. (1985). História da Sexualidade III: O cuidado de si (M. T. C. Albuquerque,


trad.). Rio de Janeiro: Graal.

Frankenberg, R. (2004). A miragem de uma branquitude não marcada. In V. Ware


(Org.), Branquidade, identidade branca e multiculturalismo (V. Ribeiro, Trad., pp. 307-
338). Rio de Janeiro: Garamond.
La Boétie, E. D. (2006).; Discours de la servitude volontaire. In: EbooksBrasil.

MBEMBE, A.; A crítica da Razão Negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona,
3. ed, 2014.

Todorov, T. (1993). Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana


(Vol. 1). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Wieviorka, M. (2006). Em que mundo viveremos? São Paulo: Perspectiva.

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