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RESUMO: Páginas 84-107

A relação entre o direito e o poder político destaca que as leis são uma
extensão do poder político do grupo que detém o poder institucional. O direito é
compreendido como uma tecnologia de controle social utilizada para atingir
metas políticas e corrigir o funcionamento institucional. No entanto, a história
evidencia que em diversas ocasiões o direito esteve associado ao preconceito
racial, sendo empregado para discriminação sistemática e segregação étnica.
Atualmente, o surgimento de facções de extrema-direita em alguns países tem
demonstrado como a legalidade pode ser empregada para perpetuar o poder
racista, por exemplo, por meio de leis anti-imigração voltadas para indivíduos
não brancos. Uma crítica a essa concepção é que ela não distingue o direito de
outras formas de poder, como a política. Em seguida, o texto explora uma outra
visão do direito, que o percebe não apenas nas normas ou nas relações de
poder, mas de forma mais ampla, nas relações sociais como um todo. No
entanto, é ressaltado que nem todos os vínculos sociais podem ser
considerados jurídicos e definir o que é uma relação jurídica representa um
desafio.
O direito é definido por sua qualidade, não por sua quantidade. Alysson
Leandro Mascaro argumenta que não são os conteúdos ou objetos de uma
relação que determinam se ela é jurídica ou não, mas sim a forma da relação.
Por exemplo, embora o casamento seja um tema religioso, no direito ele é
considerado um negócio jurídico, um contrato.
Há também relação entre a evolução das sociedades e a forma como o direito
é concebido e aplicado. Antes das sociedades capitalistas contemporâneas, o
direito era muitas vezes suplantado pelo poder bruto e pela violência. Nas
sociedades escravagistas ou feudais, o senhor de escravos ou o senhor feudal
impunham sua vontade pela força, pois o direito estava diretamente
relacionado aos seus poderes pessoais. Com o advento da idade moderna e o
surgimento do liberalismo, o direito começou a se desvincular do poder pessoal
dos nobres. Essa mudança atingiu seu ápice na idade contemporânea, onde o
desenvolvimento do capitalismo e a troca mercantil substituíram o uso da força
e da violência na reprodução econômica da sociedade pelo trabalho
assalariado baseado em contratos.
Nesse novo contexto, o direito passou a ser fundamentado no contrato, ao
invés da servidão ou hierarquias naturais. O contrato pressupõe que as partes
envolvidas sejam formalmente livres e iguais. No entanto, essa liberdade e
igualdade são formais e nem sempre se materializam no cotidiano das
pessoas. Por exemplo, embora sejam juridicamente livres, muitos indivíduos
não têm a escolha de decidir se querem trabalhar ou não. O direito se
materializa, então, em uma relação entre sujeitos de direito, ou seja, entre
indivíduos formalmente livres e iguais, cuja finalidade básica é a troca.
No mundo contemporâneo, a garantia da liberdade individual e da igualdade –
valores fundamentais do capitalismo – não pode ser garantida pelo poder
pessoal (como o de um rei). A coexistência de direitos pessoais e o discurso de
que todos são livres e iguais e de que todos são sujeitos de direito seria
contraditório. Assim, o poder político contemporâneo deixa de ser pessoal e
passa a ser exercido por uma entidade impessoal considerada neutra e
desligada da sociedade: o Estado. O estado imporia a ordem social por meio
de normas legais. É através disso que o direito como relação social aponta
para as dimensões estruturais do racismo, que é indissociável do direito,
embora nem todas as manifestações de racismo sejam legítimas. As leis que
criminalizam os corpos negros e pobres fornecem um quadro caracterizado
pela construção de comportamentos questionáveis. Se a lei é o Estado, então
os suspeitos “padrão” também são suspeitos do Estado.
Por outro lado, as mudanças sociais e económicas, além da pressão dos
movimentos sociais antirracistas e anticolonialistas, influenciou a opinião
pública e o sistema jurídico, criando mudanças significativas no tratamento de
questões relacionadas à raça. Após a Segunda Guerra Mundial em 1948, a
declaração universal dos direitos humanos universais seguidos por muitas
importantes convenções e resoluções raciais destacar a Convenção 111 de
1958 da Organização Internacional Laboral (OIT), que trata da discriminação
na vida profissional e nas profissões, e a Convenção Internacional sobre a
Abolição de Todas as Formas Discriminação Racial, de 1965.
Nos EUA, foi promulgada a Lei dos Direitos Civis de 1964, seguindo a trajetória
do movimento dos direitos civis. Em 1964, foi promulgada a Lei dos Direitos
Civis, que pôs oficialmente fim à segregação racial nos Estados do Sul. Esta lei
pôs oficialmente fim à segregação racial nos Estados do Sul. Antes da
promulgação pelo Supremo Tribunal dos EUA, o movimento para dessegregar
os Estados do Sul já tinha começado, como ilustrado pelo famoso precedente
do caso Brown v Board of Education.
O Tribunal também se pronunciou em 1978 no processo Regents of the
University of California v Bucke Principals. No processo Regents of the
University of California v Bakke, o Tribunal considerou que a ação afirmativa,
ou seja, a política pública de discriminação racial, era contrária à Constituição
dos Estados Unidos.
A posição de que a ação afirmativa, ou seja, a política pública com uma
inclinação racial, é constitucional foi reafirmada em Grutter v. Bollinger em
2003.
No Brasil, a lei aborda as questões raciais há muitos anos: em 1951, a Lei
Afonso Alinos considerou crime a prática de discriminação racial. Esta
disposição orientou a Lei 7716/89 sobre o crime de discriminação racial
(também conhecida como a "Lei Cao", em homenagem ao proponente do
projeto de lei, o deputado Carlos Alberto de Oliveira), proponente do projeto de
lei.
A Constituição garante claramente o respeito pela diversidade - artigo 5º,
parágrafos 6º, 7º e 8º -, a proteção das diferentes expressões culturais - artigo
215 - e o estabelecimento da obrigação de proteger as terras indígenas e
quilombolas - artigo 231 e artigo 68 do ADCT da Constituição, respetivamente.
Por fim, a Lei 9.459/1997 acrescentou o artigo 3º ao artigo 140 do Código
Penal para incluir o crime de injúria racial ou qualificada.

RACISMO E ECONOMIA
Falar de raça e de economia é essencialmente falar de desigualdade. O que é
certo, quer para quem define a economia como uma ciência que lida com a
escassez, quer para quem pensa a economia como um conjunto de relações
de produção, é que a economia tem de responder a um conjunto de questões
que vão muito para além dos cálculos matemáticos e das folhas de cálculo.
Estas questões mostram, por um lado, que a ideia de desigualdade é e, em
segundo lugar, que a economia só pode tentar responder a estas questões
recorrendo à ciência política, à ética, à sociologia e à jurisprudência. A
desigualdade pode ser representada por dados estatísticos e quantificada
matematicamente, mas a explicação está na compreensão da sociedade e dos
seus múltiplos conflitos.
Tomemos o exemplo dos salários. Os números podem ser utilizados para o
explicar. Algumas pessoas recebem a mesma formação, desempenham as
mesmas funções e trabalham as mesmas horas, mas recebem menos do que
outras. Para explicar esta diferença, não se pode negar a importância dos
números. Nesse sentido, a explicação mais comum é atribuir a desigualdade
salarial ao mérito.
A desigualdade por mérito, por outras palavras, é a desigualdade devida ao
desempenho de cada trabalhador. Significaria que os trabalhadores que fazem
o mesmo trabalho, nas mesmas condições contratuais, mesmo que trabalhem
menos horas, são mais eficientes e justificam uma remuneração mais elevada
em função da sua produtividade. Nesta perspectiva, existe um fundamento
moral e jurídico para a desigualdade encontrada nestes números, uma vez que
os benefícios expressos em termos de eficiência e produtividade individual
tornam natural a desigualdade.
Todo o problema é que a produtividade e a eficiência não podem ser utilizadas
como fatores explicativos da desigualdade salarial. E se as estatísticas
mostrarem que pessoas de determinados grupos sociais, como os negros e as
mulheres, recebem menos, independentemente da sua produtividade?
Pessoas negras e mulheres são consideradas inseguras. Como explicamos o
facto de estarem predominantemente colocadas em empregos de baixos
salários? Como explicamos a elevada taxa de desemprego entre os negros?
Ao longo dos anos, muitos estudos descobriram que mostramos que a raça é
um indicador decisivo da desigualdade econômica, e que os direitos sociais, as
medidas universais de combate à pobreza e as políticas de distribuição de
renda que não levam em conta a raça ou a cor não são totalmente eficazes.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial e dos seus efeitos devastadores,
alguns investigadores têm procurado concentrar-se nos fatores raciais no
campo econômico.
É o domínio, e não a exclusividade, do trabalho assalariado que é o indicador
do desenvolvimento das relações capitalistas numa determinada formação
social. Isto significa que as pré-condições estruturais do capitalismo são
cumpridas quando o domínio do trabalho assalariado é estabelecido. Nesta
etapa, é preciso lembrar que a subjetividade jurídica, condição essencial para a
condução da troca, é externalizada no ponto de circulação comercial e
claramente determinada pela produção. Contudo, dependendo das formações
sociais, das circunstâncias e das ligações econômicas a nível nacional e
internacional, a produção capitalista e a sua exploração inerente podem
recorrer ao trabalho forçado e a estratégias violentas para controlar a
produção.

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