Você está na página 1de 12

CAPÍTULO XIII

REFLEXÃO CONCLUSIVA:

O DIREITO ADMINISTRATIVO

E A DIGNIDADE DO SER HUMANO

O tempo em que vivemos, 2015, é um período de mudanças e transformações de ordem social,


política, econômica e jurídica. O Direito, sendo uma das principais ciências sociais, não está
isento de retomar sua vocação para a justiça e, portanto, para o fortalecimento da dignidade do
ser humano. No entanto, a realidade nos mostra, ao redor do globo, de um extremo ao outro, um
quadro bastante pessimista: tantos anos de luta pelo Direito e pela Justiça, e ainda existem relatos
lamentáveis que, apesar de estarmos no século XXI, nos interpelam gravemente.

Não é necessário olhar apenas para o chamado "terceiro mundo"; no "primeiro mundo", ainda
persistem espaços de exploração, novas formas de escravidão adornadas com as mais
sofisticadas formas de modernidade. Com o advento da crise, surgem necessidades humanas que
pensávamos ter superado, exigindo respostas do Direito Público adequadas e, acima de tudo,
humanas, à altura da centralidade que a dignidade da pessoa possui.

Uma razão para o Estado não ter sido capaz de evitar a geração, às vezes o crescimento, das
necessidades sociais é que não se compreendeu suficientemente o alcance do chamado Estado
social e democrático de Direito. Portanto, os direitos sociais fundamentais, nem todos chamados
de DESC, continuam em muitos ordenamentos como metas e aspirações políticas, princípios
orientadores sem exigibilidade jurídica, que só podem ser implementados de acordo com o
dogma da reserva do possível, um critério interpretado a partir do economicismo e da perspectiva
de priorizar a estabilidade financeira em detrimento da dignidade humana.

Certamente, a estabilidade e equilíbrio financeiro, sendo um princípio inegável de boa


administração, presta homenagem a essa forma perversa de fornecer serviços e bens aos
cidadãos, que consiste em um endividamento constante e crescente, impedindo avanços sociais,
pois sempre, enquanto seguirmos esse jogo, teremos que lidar com bilhões de dívidas, ao mesmo
tempo em que a dignidade humana é prejudicada e quebrada em muitos casos.

Nesses casos, como antecipado neste trabalho, os ministérios sociais devem reservar em seus
orçamentos, após estudos empíricos sólidos, recursos que permitam atender aos direitos sociais
mínimos, a base e o fundamento dos direitos sociais fundamentais ordinários. A partir daí, o
princípio da promoção dos direitos sociais fundamentais e o da proibição da regressividade nessa
matéria, à parte de facções partidárias, permitirão que o desenvolvimento livre e solidário da
personalidade dos cidadãos deixe de ser essa quimera que se tornou nos últimos anos.

Certamente, tanto o postulado da solidariedade social quanto o da participação não estão


adequadamente assentados no sistema político e institucional. O fato de os cortes sociais terem
aparecido com esta crise demonstra que os direitos sociais fundamentais, apesar de serem
exigências de uma vida social digna, continuam sendo uma matéria pendente para milhões de
seres humanos. E a escassa participação real que caracteriza a vida pública em nossos países
mostra efetivamente que, nas políticas públicas, em todas as fases de sua realização, ainda não
existe o grau de participação da cidadania que seria necessário após os anos em que a democracia
e o Estado de Direito, felizmente, estão entre nós.

A tese que se maneja sobre a liberdade solidária permite compreender melhor a essência do
Estado social e democrático de Direito como promoção de direitos fundamentais e remoção dos
obstáculos que impedem sua efetividade. Nesse sentido, os argumentos apresentados nestas
linhas e as possibilidades de reconhecimento de direitos sociais fundamentais, quando a
Constituição não o faz, por meio das bases essenciais do Estado de Direito, levando em
consideração a centralidade da dignidade humana e da liberdade e desenvolvimento solidário da
personalidade dos indivíduos na sociedade.

Portanto, é necessária uma releitura a partir da dignidade do ser humano de todo o


desenvolvimento e projeção que foi realizado deste modelo de Estado no conjunto do Direito
Público. Receio que o problema reside em tentar entender sobre fundamentos antigos, e o
resultado é o que contemplamos. A tarefa, portanto, de projetar o supremo princípio da dignidade
humana sobre o sistema completo de fontes, categorias e instituições de Direito Público, ainda
deve ser realizada, exigindo as novas perspectivas oferecidas pelo pensamento aberto, plural,
dinâmico e complementar.

É verdade que os direitos sociais fundamentais são direitos subjetivos de singular relevância e
que em sua natureza trazem consigo as prestações do Estado que os tornam possíveis. São
direitos subjetivos fundamentais porque a Norma fundamental, de forma mais ou menos direta,
indica obrigações jurídicas fundamentais, normalmente aos Poderes públicos, para que se
realizem na cotidianidade.

Na realidade, a compreensão dessa forma de entender o Direito Público no Estado social e


democrático de Direito parte de considerações éticas, pois, em si mesmo, este modelo de Estado
não é alheio à supremacia da dignidade humana e à necessidade de os Poderes públicos
promoverem direitos fundamentais da pessoa e removerem os obstáculos que o impedem. Ambas
são referências éticas que não podem ser ignoradas, pois, do contrário, entraríamos no domínio
do funcionalismo e da técnica, e, no final, os direitos humanos acabariam sendo moedas de troca
que são trocadas pelos fortes e poderosos em função de interesses geralmente inconfessáveis.

A dimensão ética do Direito Público é uma característica inseparável e indissoluvelmente ligada


à sua raiz e às suas principais expressões. Não poderia ser diferente, pois atende de maneira
especial ao serviço objetivo aos interesses gerais que, no Estado social e democrático de Direito,
estão indissociavelmente ligados aos direitos fundamentais, individuais e sociais, das pessoas

. A forma como os princípios éticos e suas principais manifestações são assumidos pelo Direito
representa o compromisso real dos poderes do Estado em relação à dignidade do ser humano e ao
exercício livre e solidário de todos os seus direitos fundamentais.

Provavelmente, ao longo de toda a história, nunca se falou, discutiu e escreveu tanto sobre ética
como atualmente. No interesse atual pela ética, existem razões circunstanciais, como os
escândalos que a imprensa diária nos serve com maior ou menor intensidade e frequência em
todo o mundo. Existem razões políticas nesse uso tão particular, porque a ética se tornou um
valor de primeira ordem, ou pelo menos como um certo valor para o marketing político. Além
disso, existem situações de desconcerto diante das novas possibilidades oferecidas pela técnica,
que exigem uma resposta esclarecedora. Mas há uma razão fundamental que penso que justifica
plenamente o interesse pelas questões éticas.

Com efeito, são incontestáveis os sinais de que estão ocorrendo mudanças profundas e
vertiginosas nos modos de vida do planeta, fato que se evidencia particularmente nas sociedades
avançadas do ocidente, ou em outras de diferentes contextos geográficos que, com maior ou
menor sucesso, se adaptaram às exigências ocidentais de vida, hoje em crise profunda. Essas
mudanças nos modos de convivência são tão extensas e se manifestam com tanta intensidade nas
diversas áreas da existência que podemos muito bem estar testemunhando, como muitos
pensadores apontaram, uma mudança de civilização. De fato, uma mudança de civilização que
funda a nova ordem social, política, jurídica e econômica sobre a dignidade do ser humano e seus
direitos fundamentais, individuais e sociais.

Todo o elenco interminável de mudanças na estrutura técnica de nossa sociedade se traduz em


transformações profundas, entre outras coisas, em nossos modos de vida. E com elas ocorre um
colapso dos valores tradicionais, ou mais precisamente, caberia dizer, dos valores da sociedade
tradicional, entendendo aqui "tradicional" no sentido de uma sociedade fechada e rigidamente
estruturada.

Muito se falou sobre a contraposição entre sociedades tradicionais e sociedades abertas, e sem
pretender entrar agora nos detalhes da questão, é possível discernir na sociedade que estamos
configurando uma série de características que a diferenciam do modelo social que está ficando
para trás. A democracia, com tudo o que tem de aprimorável nos modos como a articulamos,
parece felizmente consolidar-se universalmente, pelo menos formalmente, como forma de
organização da vida política; pelo menos essa tendência é clara.

A participação na vida pública por parte de todos os membros da sociedade, mesmo sendo
reduzida, enriquece-se progressivamente, especialmente nas sociedades avançadas,
possibilitando, em alguns países mais do que em outros, a integração dos indivíduos na vida
social por meio de uma rede associativa cada vez mais rica. O pluralismo alcança todos os
domínios da vida, estendendo-se à cultura, caracterizando sociedades multiculturais.

A remodelação e desformalização dos papéis sociais mais característicos da sociedade


tradicional contribui, de alguma forma, para criar estruturas mais equitativas e mais respeitosas
com a condição pessoal de todos os membros da sociedade. A ampliação do tempo de vida,
devido às melhores condições de nossa existência e aos avanços médicos e sociais, está
provocando um aumento temporal de dois segmentos da vida humana (velhice e juventude), com
um deslocamento e marginalização inaceitáveis de seus membros.

Enfim, a avalanche de mudanças é de tal dimensão e em alguns aspectos a obsolescência dos


critérios e modos de organização social do passado é tão evidente que poderíamos afirmar que os
valores tradicionais quebraram completamente. No que diz respeito ao nosso caso, o que
fracassou é a forma tradicional de entender e se aproximar do Estado social e democrático de
Direito; o que já não serve é aplicar o modelo sobre estruturas e mentalidades antigas, que são as
que justificam sem constrangimento que os direitos sociais fundamentais não sejam mais do que
possibilidades de atuação, mandados de otimização, que só vinculam os Poderes públicos se os
orçamentos permitirem. Ou seja, a dignidade do ser humano a serviço do orçamento, a negação
do próprio Estado como tal.

Os valores da sociedade tradicional quebraram, mas não quebraram os valores humanos, os


valores sobre os quais repousam a civilização e a cultura, que de alguma forma são valores
permanentes, na medida em que estão inscritos na própria condição humana e em seus direitos
invioláveis. Portanto, a construção de uma civilização ou de uma nova cultura não poderá ser
feita sem retornar a eles. No entanto, não se trata de uma repetição mimética, não se trata apenas
de fotocopiar ou clonar.

Trata-se, em relação aos valores humanos, aos valores do Estado social e democrático de Direito,
de repensá-los, renová-los e dotá-los de uma nova virtualidade que permita verdadeiramente a
realização do Estado social e democrático de Direito. Para isso, é imprescindível colocar as
técnicas e os procedimentos a serviço da dignidade humana e de seus direitos fundamentais, não
o contrário, como vem sendo praticado há algum tempo.

Assim, ao desafio produtivo, ao desafio técnico e ao desafio tecnológico, devemos acrescentar o


verdadeiro desafio de fundo, que é o desafio ético, inerente ao Direito enquanto ciência social
consistente na realização da justiça. Trata-se de um desafio que interpela todas as ciências sociais
e que tenta responder à grande pergunta sobre o homem e a mulher, e sobre sua natureza
fundamental na realidade jurídica, econômica e social.

As ciências sociais devem proporcionar uma melhor qualidade de vida às pessoas, ou não
merecem tal nome, pelo menos em um Estado que se autodenomina social e democrático de
direito. Isso significa que, por meio do Direito, da Economia e da Sociologia, técnicas e
processos devem ser desenvolvidos e direcionados para a promoção dos direitos fundamentais da
pessoa e, quando necessário, para remover os obstáculos que impeçam sua efetiva realização. Em
outras palavras, é necessário alcançar uma melhor qualidade de vida, melhores condições de vida
para os habitantes do planeta, especialmente para os mais necessitados, ou as ciências sociais se
tornarão fins, não meios a serviço da melhoria da vida dos cidadãos.

Os valores a partir dos quais essa mudança deve ser abordada, ou alguns aspectos do sentido que
devemos propor para essa mudança, derivam de alguns dos seguintes postulados, presentes ao
longo destas linhas e que agora resumimos em forma de conclusões.

A dignidade da pessoa humana é o centro e a raiz do Estado. O ser humano e seus direitos
fundamentais tornam-se reais em cada pessoa e são a chave para o modelo de Estado social e
democrático de direito. O respeito devido à dignidade humana e as exigências de
desenvolvimento que ela implica constituem a pedra angular de toda construção civil e política e
são o referente seguro e ineludível de todo esforço de progresso humano e social que parte desse
modelo de Estado.

Outro ponto essencial para abordar essa tarefa civilizadora é a abertura para a realidade, uma
condição de trabalho fundamental para o Direito Público, sem a qual seu desdobramento eficaz é
impossível. A realidade é teimosa, é como é, e um verdadeiro explorador não deve desenhar
édens imaginários em seu caderno de campo, mas mapear da forma mais fiel possível a orografia
dos novos territórios.

A abertura para a realidade também significa abertura para a experiência. Abertura à experiência
significa aprender com a própria experiência e com a dos outros. Talvez esta tenha sido uma das
lições mais importantes que a experiência da modernidade nos proporcionou: descobrir a loucura
de acreditar nos sonhos da razão, que, quando se torna soberana absoluta, gera monstros
devastadores. Não há mais espaço para os dogmas da racionalidade, incluindo a racionalidade
crítica.

A aceitação da complexidade da realidade, e especialmente do ser humano, e a aceitação de


nossa limitação, nos levarão a afirmar a caducidade e relatividade de tudo o que é humano,
exceto o próprio ser pessoal do homem, e a sustentar, portanto, juntamente com nossa limitação,
a necessidade permanente de esforço e progresso. Nesse contexto, enquadra-se a necessidade das
mudanças e transformações que estamos propondo. Mudanças e transformações que implicam
novos elementos, novos instrumentos, novos meios para que a luz do Estado social e
democrático de direito brilhe com luz própria, de modo que os direitos fundamentais, tanto
individuais quanto sociais, tenham essa ligação direta e preferencial que condiciona todo o
processo de criação e geração de normas jurídicas.

Para superar os limites que restringem a potência do Estado social e democrático de direito,
devemos nos acostumar a trabalhar com a metodologia do pensamento compatível. Ou seja,
devemos desenvolver formas de pensamento e estrutura jurídica que nos permitam contornar as
dificuldades originadas por um pensamento submetido às disjunções permanentes às quais o
racionalismo técnico nos conduziu e também, para o tema que nos interessa, o domínio dos
meios sobre os fins, o domínio dos procedimentos sobre os fins do Estado social e democrático
de direito.

O pensamento compatível nos permite superar essas diferenças e apreciar que na realidade pode
ocorrer, e de fato ocorre, o que uma mentalidade racional "matemática" nos exigia ver como
opostos. É um imperativo ético fazer esse esforço de compreensão. Possivelmente nos permitirá
descobrir que o público não é oposto e contraditório ao privado, mas compatível e mutuamente
complementar, ou que até mesmo são reciprocamente exigidos; que o desenvolvimento
individual, pessoal, não é possível se não for acompanhado por uma ação eficaz em favor dos
outros; que a atividade econômica não será autenticamente rentável - em todo caso será apenas
aparentemente - se ao mesmo tempo não representar uma ação efetiva de melhoria social; que o
curto prazo carece de significado autêntico se não for interpretado a longo prazo; etc., etc. Que a
norma não se opõe à liberdade, mas, se for autêntica, justa, potencializa. Enfim, que se a
sociedade for capaz, por dispor de vitalidade e meios para isso, de garantir condições para a
realização dos direitos sociais fundamentais, então a subsidiariedade facilita sua realização
efetiva.

Outro traço que devemos fortalecer em nossa abordagem dos direitos sociais fundamentais, e em
geral do que podemos chamar de Direito Administrativo Social, é o pensamento dinâmico. Uma
modalidade de pensamento que nos leva a compreender que a realidade, mais do que qualquer
outra, a social, a humana, é dinâmica, mutável, aberta, e não apenas evolutiva, mas também
impregnada de liberdade. Portanto, devemos superar a tendência de definir estaticamente, ou
com um equilíbrio puramente mecânico, o real, que não resistiria a tal confinamento sem sofrer
uma séria distorção. A isso estamos nos referindo precisamente.

Sobre a afirmação de seu ser radical, de sua dignidade radical, o ser humano deve desenvolver as
virtualidades ali contidas, tanto no que diz respeito ao seu autodesenvolvimento pessoal quanto à
realização de seu ser social. E se não puder fazer isso por si mesmo, em um contexto de
autonomia, ou se não existirem condições sociais, então o Estado deve garantir pelo menos um
mínimo, o direito ao mínimo vital, que torne possível uma vida digna desse nome.

A participação, como temos enfatizado repetidamente, é outra condição para a ação futura,
consistente com tudo o que foi exposto. O ser humano, dizia Kant, nunca deve ser considerado
um meio, mas sim um fim. E se o que buscamos é um crescimento em liberdade, humanidade,
em última análise, esse objetivo só poderá ser alcançado se cada um se tornar protagonista de
suas ações e de seu desenvolvimento, e possibilitar, com sua atuação, que os outros também o
sejam.

Os direitos fundamentais da pessoa são direitos que conferem a seus titulares um conjunto
variado de posições jurídicas dotadas de tutela reforçada e impõem ao Poder público uma gama
diversificada de obrigações correlativas às diferentes funções derivadas de cada uma dessas
posições jurídicas. A aplicabilidade imediata é a mesma no caso dos direitos fundamentais
individuais e sociais, embora as técnicas a serem empregadas possam variar. Essas variações,
como afirma Hachem, derivam da diversidade de funções incorporadas em cada direito. Não é
que estejamos lidando com direitos de defesa em um caso e direitos prestacionais em outro, o
problema, como bem aponta este autor, é que os direitos fundamentais formam uma categoria
única que admite uma expressão multifuncional. Em outras palavras, é necessário compreender
os direitos fundamentais, todos, do ponto de vista de um todo, de modo que cada direito
fundamental apresenta um conjunto de posições jurídicas fundamentais das quais derivam
funções de respeito, funções de proteção e funções de prestação.

O fato de que a aplicabilidade imediata dos direitos sociais fundamentais, reconhecidos ad hoc
ou por conexão, por argumentação racional do intérprete supremo da Constituição, ou por
recepção de Tratados Internacionais de Direitos Humanos, como o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, custa mais dinheiro não significa que não sejam
fundamentais. Isso é apenas uma questão acidental, que não afeta a substância. E como o
acidental ou formal deve seguir o substancial ou material, o lógico é orientar as estruturas de
facilitação desses direitos colocando o orçamento público a seu serviço e não o contrário.

O problema da aplicabilidade imediata dos direitos sociais fundamentais, de seus custos de


implementação, não reside nos próprios direitos fundamentais da pessoa, mas na existência de
obstáculos e impedimentos incontáveis às funções de proteção e prestação inerentes a todo
direito fundamental, independentemente de sua natureza. As dificuldades, que também devem
ser removidas de acordo com a cláusula do Estado social de direito, referem-se às posições
jurídicas fundamentais, às funções diferentes, que requerem soluções distintas. Sobretudo, os
obstáculos derivam da função de prestação e dizem respeito a questões de organização,
procedimento e meios materiais e pessoais. Ou seja, é mais apropriado analisar o regime jurídico
de cada uma das funções próprias dos direitos fundamentais da pessoa e não distinguir duas
versões diferentes com regimes diferentes, um para os direitos de liberdade, os direitos
individuais, e outro para os direitos sociais.

Os direitos fundamentais são uma única categoria com um único regime que deriva da mesma
dignidade humana, e esta tem as mesmas condições de exigibilidade, seja qual for o direito em
questão. As estruturas e os procedimentos são projetados e atuam a serviço das pessoas, não o
contrário. Em um orçamento público, muitas necessidades e conceitos devem ser atendidos, mas,
em essência, a quantidade a ser orçamentada para esses fins deve estar relacionada à situação dos
direitos sociais fundamentais no país e aos meios disponíveis, porque de outra forma seria
impossível. No entanto, há um longo caminho a percorrer desde essa realidade, em que em
muitos sistemas esses direitos não são considerados fundamentais e sua exigibilidade é
questionada. O ponto é afirmar a natureza iusfundamental desses direitos e começar a avançar
nesse terreno. A partir daí, os progressos seriam notáveis. Não se trata de negar a realidade de
que as disponibilidades orçamentárias são as que são e que moldam o contexto para avaliar a
racionalidade das demandas judiciais na matéria. Trata-se, simplesmente, de afirmar que esses
direitos sociais fundamentais pertencem à categoria única dos direitos fundamentais da pessoa.
Outra questão que abordamos neste trabalho refere-se ao alcance e funcionalidade do direito ao
mínimo vital, um direito fundamental mínimo que impede a quebra da condição humana.
Observamos que existem direitos sociais fundamentais mínimos que o Estado ou a Sociedade,
conforme o caso e as possibilidades, devem assegurar e garantir para evitar a desumanização da
pessoa. Nesse ponto, no entanto, deve ficar claro que, de fato, a aplicabilidade imediata dos
direitos sociais fundamentais não se limita ao reconhecimento do mínimo vital ou existencial.
Todos os direitos sociais fundamentais, todos, por serem direitos fundamentais da pessoa,
possuem eficácia direta simplesmente porque desfrutam da mesma categoria e regime jurídico
dos direitos fundamentais.

O quadro do que é imprescindível para uma existência humana responde ao direito ao mínimo
vital, mas além dessa garantia de mínimos existem outros direitos sociais fundamentais,
ordinários, como o direito a uma moradia digna, o direito a uma proteção social digna. Ou seja,
uma coisa é o mínimo imprescindível para uma existência ou para uma vida digna de uma pessoa
humana, e outra coisa é a garantia de um quadro de racionalidade e progressividade no exercício
desses direitos que aponta além do imprescindível, do mínimo.

Se entendermos o mínimo existencial como o teto mínimo, o solo mínimo dos direitos sociais
fundamentais, compreenderemos que a partir desse solo podem ser construídos ou edificados
direitos sociais fundamentais. A partir dessa esfera de uma existência minimamente digna,
aplicando o princípio de progressividade, podemos afirmar a existência de direitos sociais
fundamentais que consistem em garantias e prestações, juntamente com proteções e defesas, de
posições jurídicas dignas, de uma dignidade superior à mínima. Não há outra maneira de
interpretar as apelações que as Constituições de nossa cultura jurídica fazem a uma melhor
qualidade de vida para as pessoas ou a uma existência ou vida digna. Se essa dignidade se referir
apenas à mínima dignidade, o Estado social e democrático de Direito careceria de virtualidade
jurídica, algo que deve ser descartado como absurdo.

Os direitos fundamentais da pessoa têm, como já advertimos, diferentes posições jurídicas que
correspondem às funções de defesa, proteção e prestação. É verdade que é mais complicado,
como aponta Hachem, conferir aplicabilidade imediata às prestações positivas necessárias para a
satisfação dos direitos fundamentais, sejam de liberdade, sejam sociais. Em contraste, no âmbito
da função de defesa, não há tantos problemas. Nos casos de promoção e proteção, especialmente
quando não há norma constitucional ou legislativa que concretize o conteúdo desses direitos. A
separação dos Poderes do Estado impede que o Poder Judiciário assuma funções de governo ou
de exercício de direção política, pois as escolhas políticas são próprias do Poder Legislativo, o
que não significa que mesmo nesses casos a possibilidade de controle judicial deva ser negada. A
questão é clara: há limites que o Poder Judiciário não pode ultrapassar. Portanto, concordamos
com Hachem quando conclui que, na função de defesa (proibição de intervenção estatal) dos
direitos fundamentais sociais, a aplicabilidade imediata é máxima.

No entanto, no âmbito dos deveres de proteção contra a atuação de outros particulares e de


promoção de prestações fáticas positivas, deve-se afirmar que o conteúdo de prestações que
integram o mínimo existencial é sempre e em todos os casos exigível perante qualquer juiz ou
tribunal, por meio de qualquer instrumento processual, independentemente da existência de
disponibilidades orçamentárias ou de estrutura organizativa pública, pois afetam o conteúdo da
mínima dignidade possível, aquela que diferencia o ser humano dos animais irracionais ou de
simples objetos ou coisas.

Sendo o mínimo vital o teto mínimo, não o teto máximo dos direitos fundamentais, parece
razoável admitir a reivindicação de pretensões jurídicas derivadas de direitos fundamentais
sociais não incluídas no mínimo existencial. Portanto, as prestações estatais fáticas e positivas
em matéria de direitos sociais fundamentais ordinários, aqueles que vão além do mínimo
existencial, podem ser invocadas perante os juízes e tribunais, pois esses direitos fundamentais
gozam da proteção de seu conteúdo essencial, seja por reconhecimento expresso na Constituição,
por norma legal que o desenvolva, ou por força da argumentação racional realizada por um
Tribunal Constitucional a partir dos elementos cruciais da própria Constituição.

No caso de os direitos sociais fundamentais previstos expressamente na Constituição terem sido


desenvolvidos pelo legislativo, e tais normas legais conterem memórias financeiras e
orçamentárias para sua implementação, as prestações que integram esses direitos são plenamente
exigíveis judicialmente, sem que se possa opor como regra a exceção da reserva do possível ou o
mesmo princípio de separação dos poderes.

Se não houver previsão normativa nem parâmetros mínimos na Constituição que permitam
deduzir o alcance específico das prestações dos direitos sociais fundamentais, então a
aplicabilidade imediata deles pode ser implementada por meio de requerimento judicial ao Poder
Executivo para que satisfaça o conteúdo do direito social fundamental em questão.

Os direitos sociais fundamentais podem estar previstos na Constituição como tais, embora não
seja o mais comum, ou podem derivar de uma argumentação racional a partir das bases mesmas
da Constituição, em relação aos postulados do Estado social e democrático de Direito e à
centralidade da dignidade do ser humano. Por exemplo, a Constituição espanhola, como
mencionamos, abriga em seu seio normas contraditórias porque, ao reconhecer esses valores
constitucionais, não é coerente reconhecer direitos sociais fundamentais da perspectiva dos
Princípios orientadores da vida econômica e social, unicamente exigíveis em virtude de norma
que o preveja.

É verdade que a legislação infraconstitucional em matéria de direito à saúde ou de direito à


educação reconhece direitos subjetivos aos cidadãos nessas matérias, que podem ser reclamados
nos Tribunais, mas sem a proteção especial que a Constituição dispensa aos direitos
fundamentais. No caso de inexistência de normas do Poder Legislativo, se não aplicássemos a
doutrina de aplicação ou eficácia direta dos direitos sociais fundamentais, estaríamos tornando
possível, a partir do interior da Constituição, sua impossibilidade de implementação em um
aspecto básico, como é o desdobramento da função promocional e removida dos Poderes
públicos. Ou seja, a Constituição conteria em seu seio normas materialmente inconstitucionais.

No caso de não haver normas legislativas que regulamentem os direitos fundamentais, negar sua
efetividade seria gravemente incongruente com as bases do Estado de Direito, pelo que, pelo
menos diante do Tribunal Constitucional, tal situação poderia ser analisada. Além disso, segundo
a Constituição espanhola, as normas que regulamentam esses direitos devem respeitar seu
conteúdo essencial, de modo que se reconhece que há um núcleo básico de indisponibilidade,
que é precisamente o âmbito próprio em que se situa a dignidade humana. Essa afirmação é
predicada também dos direitos sociais fundamentais porque são direitos dessa natureza e, por
isso, também gozam de um espaço especial de conteúdo essencial que responde à essência
mesma da dignidade humana e que deve poder ser desenvolvido pelo titular do direito social
fundamental em questão, independentemente de haver ou não regulamentação legislativa. A
pessoa, o cidadão, deve esperar para exercer seus direitos fundamentais pela regulamentação
normativa?

A efetividade dos direitos sociais fundamentais neste tempo é, sem dúvida, um dos principais
desafios do Direito Público moderno. Um tempo em que, por exemplo, na região
Ibero-americana, apesar dos percalços, observa-se uma maior consciência coletiva cidadã nessa
matéria. No entanto, de acordo com a Declaração de Quito de 1998, ainda são constatados graves
atentados à mesma dignidade em diferentes frentes e manifestações. Por exemplo, a falta de
reconhecimento dos direitos sociais fundamentais, também entre nós, na velha e enferma Europa,
nos orçamentos e na formulação das políticas públicas econômicas é um grave problema.

A falta de avaliação do cumprimento dos direitos sociais fundamentais também complica a


situação. Não raramente, constatamos também a realidade de situações de concentração de
riquezas com graves dificuldades de acesso, por parte de maiorias relevantes de pessoas, aos
serviços mais elementares para uma vida digna. A falta de transparência na formulação de
políticas em matéria de direitos sociais fundamentais é muitas vezes uma dolorosa realidade,
assim como a ausência de difusão e de informação à cidadania sobre o papel protagonista que
tem nessa matéria. Também afeta negativamente a corrupção dos funcionários públicos na
implementação de orçamentos e planos e programas sociais, bem como a falta de sensibilidade
que retira da agenda dos Tratados internacionais de integração, do pagamento da dívida externa e
dos programas de ajuste, a mesma efetividade dos direitos sociais fundamentais.

O direito fundamental da pessoa a um nível de vida adequado (artigo 25.1 da Declaração


Universal dos Direitos Humanos), a uma qualidade de vida digna, como afirma o preâmbulo da
Constituição espanhola de 1978, é, seguindo a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, artigo XI, aquele que os recursos públicos e da comunidade permitam ou, conforme o
artigo 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos, na medida dos recursos disponíveis,
por via legislativa ou outros meios apropriados. Essas previsões colocam no centro da ordem
social, política e econômica a dignidade do ser humano, o que implica, de maneira clara, que as
disponibilidades orçamentárias do Estado e da sociedade, da comunidade, devem ser orientadas e
geridas de modo a garantir, de fato, uma qualidade de vida digna a todos os homens e mulheres.

O artigo 130.1 da Constituição espanhola exige dos Poderes públicos que equiparem o nível de
vida dos espanhóis a partir de uma política econômica adequada a esse fim. Esse nível de vida,
como sustenta Pérez Hualde, é aquele que implica e exige, para ser tal, a satisfação de
determinadas necessidades de natureza econômica que, por sua vez, garantem o acesso a outros
direitos também humanos e fundamentais, de grande importância. Esse professor argentino
parece situar o epicentro dos direitos sociais fundamentais nas necessidades coletivas dos
cidadãos, como água potável, serviço de saúde, serviço elétrico, fornecimento de gás, transporte
público, estradas, serviços postais, atividades todas que geralmente são garantidas, pelo menos
muitas delas, por meio da intervenção pública.

Tanta intervenção quanto for imprescindível e tanta liberdade solidária quanto for possível é uma
famosa máxima que se tornou célebre entre os professores da Escola de Friburgo na metade do
século passado. Na realidade, como destacamos neste trabalho, o fim do Estado reside no
desenvolvimento livre e solidário das pessoas. E para isso, o Estado deve assumir esse
compromisso quando as instituições e iniciativas sociais não forem capazes de auxiliar os
indivíduos em sua realização livre e solidária.

O problema da técnica do serviço público para esses fins reside, como Devolvé alertou com
precisão não faz muito tempo, no fato de que as atividades objeto do serviço público são de
titularidade pública, algo que não pode ser afirmado, por exemplo, em relação à educação ou à
saúde, que são direitos fundamentais da pessoa e, portanto, não devem ser qualificados como
áreas de titularidade pública. Em contrapartida, sob a técnica da ordenação das autorizações,
licenças ou permissões, as coisas seguem por outros caminhos, uma vez que nesses casos se trata
de regular atividades privadas dos cidadãos, que são de interesse geral.

De fato, o Estado, em virtude da subsidiariedade, tem, por sua própria estrutura e essência, a
tarefa superior de garantir o pleno, livre e solidário exercício dos direitos, uma missão suprema
da instância estatal que, como destacou Vidart Campos, não se esgota com a existência de uma
ordem normativa destinada a tornar possível o cumprimento dessa obrigação, mas que envolve a
necessidade de uma conduta governamental que assegure, na realidade, uma eficaz garantia do
livre e pleno exercício, permito-me acrescentar solidário, dos direitos humanos.

No entanto, como aponta Pérez Hualde, a partir da concepção do serviço universal, que não é
uma característica exclusiva do serviço público no sentido estrito, mas sim das atividades
privadas de interesse geral, é possível mitigar de alguma forma, devido à intervenção pública -
serviço de interesse geral - direcionada a esse fim, a situação de injustiça objetiva, por
desigualdade material, na qual se encontram as pessoas necessitadas desses bens econômicos
essenciais para um nível de vida adequado, de acordo com a comunidade em que se
desenvolvem.
Pouco a pouco, neste tempo de convulsões e transformações, esperamos que a efetividade e
exigibilidade dos direitos sociais fundamentais ocupem um lugar por direito próprio na mente e
na agenda das principais decisões tomadas pelas autoridades políticas, econômicas, sociais e
culturais. Estamos jogando muito nisso, tanto quanto a dignidade do ser humano e seus direitos
inalienáveis fundamentam, novamente, agora com mais força, uma ordem jurídica, econômica e
social renovada que não pode mais esperar.

Se a dignidade do ser humano e o desenvolvimento livre e solidário de sua personalidade são o


critério fundamental para medir a temperatura e a intensidade do Estado social e democrático de
Direito, então chegou o momento em que as técnicas do Direito Administrativo devem ser
redesenhadas de uma vez por todas. De uma forma que permita que os valores e parâmetros
constitucionais se tornem uma realidade na cotidianidade. Sim, o Direito Administrativo é o
Direito Constitucional concretizado, não há outro caminho.

Você também pode gostar