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Parte 2.

O TERCEIRO REQUISITO: O PADRÃO DE PROVA DEVE SER FORMULADO


APELANDO A CRITÉRIOS DE PROBABILIDADE INDUTIVA, NÃO MATEMÁTICA

Picinali destacou, com razão em minha opinião, a estreita ligação entre os padrões de prova e o
raciocínio que estrutura a avaliação da evidência. Para expressar isso nos termos de Dei Vecchi,
"todo padrão de suficiência probatória se insere necessariamente no contexto de um sistema
específico de avaliação de evidências", ou seja, para identificar o limiar de suficiência probatória,
o padrão de prova deve apelar necessariamente para critérios compatíveis com e característicos
do tipo de raciocínio que estrutura a avaliação da evidência. Portanto, se assumirmos uma
concepção persuasiva da evidência, é coerente adotar padrões de prova que apelam a critérios
relativos ao grau de convencimento subjetivo do decisório em diferentes hipóteses sobre os fatos.
Em contraste, se adotarmos, como neste trabalho, uma concepção racional da evidência, os
critérios que usarmos para determinar o limiar de suficiência probatória terão que dar conta do
caráter probabilístico e epistêmico do raciocínio probatório. Há um vínculo conceitual
ineliminável entre o tipo de inferências que fazemos e o modo de determinar a solidez das
conclusões dessas inferências.

Mencionei na introdução que a evidência no processo judicial tem como objetivo institucional a
averiguação da verdade, mas as limitações próprias do conhecimento humano impedem que
certezas racionais sobre os fatos sejam alcançadas. Nenhum conjunto de elementos de
julgamento, por mais rico e confiável que seja, permitirá justificar com certeza as conclusões
sobre os fatos. Portanto, o raciocínio probatório é estruturalmente de natureza probabilística, e
suas conclusões terão maior ou menor probabilidade de serem verdadeiras à luz das evidências
disponíveis.

### 3.1. Conceitos de Probabilidade

Dizer, no entanto, que estamos no campo do raciocínio probabilístico é certamente dizer muito
pouco, pois na literatura são usadas muitas noções de probabilidade, e não há entre elas mais do
que uma semelhança superficial, já que não compartilham um denominador comum mínimo. A
seguir, apresentarei de maneira rudimentar uma classificação muito básica dos conceitos (ou
concepções, se preferir) de probabilidade para a discussão que importa a este tópico: a
metodologia da avaliação da evidência e seu impacto no tipo de critérios que podemos usar nos
padrões de prova para determinar o limiar de suficiência probatória.

Embora existam classificações bastante variadas dos conceitos de probabilidade, que também
obedecem a finalidades diversas, acredito que uma distinção simples entre probabilidades de
eventos ou ocorrências e probabilidades de proposições pode ser suficiente para nosso propósito.
Em termos gerais, a probabilidade aplicada a eventos ou ocorrências mede a frequência com que
um evento ocorre em uma sequência dada de acontecimentos, tendencialmente infinita. Estamos
aqui diante da probabilidade frequencista ou estatística, que origina cálculos matemáticos de
probabilidade (que posteriormente também serão aplicados à probabilidade subjetiva ou
"pessoal"). Por outro lado, esta é uma noção objetiva de probabilidade, pois mede o número de
possibilidades de que um evento ocorra em comparação com o número de possibilidades de que
não ocorra e não os estados mentais subjetivos de qualquer sujeito. Quando dizemos que a
probabilidade de obter cara ao lançar uma moeda equilibrada ao ar é de 1/2, estamos dizendo
que, se o número de lançamentos se repetir indefinidamente, a proporção entre o número de
caras e o número de coroas será, a longo prazo, tendencialmente de 1/2.

Por outro lado, a probabilidade aplicada a proposições mede, de maneira geral, nosso grau de
conhecimento do mundo. Trata-se, neste caso, de uma noção epistemológica de probabilidade,
que gradua as chances de que uma determinada proposição seja verdadeira. Nesse contexto,
podem-se identificar duas grandes correntes ou maneiras de conceber a probabilidade. Tendo
como precursores KEYNES (1921) e JEFFREYS (1939), e como continuador destacado
CARNAP (1950), desenvolveu-se a noção de probabilidade lógica ou indutiva, para a qual a
probabilidade que um elemento de julgamento oferece a uma hipótese é uma relação lógica entre
duas proposições (ou seja, o grau em que uma proposição implica a outra). A tese central da
lógica indutiva é que a relação de confirmação indutiva é uma relação lógica. A diferença entre a
lógica dedutiva e a indutiva, para Carnap, é apenas que a confirmação indutiva é uma implicação
lógica parcial e, portanto, gradual. O grau em que a confirmação de h não depende, dessa
maneira, de nenhuma informação empírica, mas sim do conteúdo linguístico. Obviamente,
precisamos de informações empíricas para obter um valor específico para a confirmação de h,
mas o grau em que h é confirmado indutivamente é puramente lógico, e não uma questão de
graus de crença subjetivos ou de probabilidades frequentistas.

Há também uma maneira alternativa de conceber a probabilidade, que é talvez a que mais se
destaca no debate contemporâneo. No entanto, esta noção não está isenta de problemas, pois tem
sido vítima de críticas contundentes. Segundo essa concepção, a probabilidade de uma hipótese é
uma medida de nossas crenças subjetivas a respeito dessa hipótese, expressa de maneira
numérica. Nesse sentido, a probabilidade se torna um guia para a ação, já que uma pessoa
racional deve agir como se a hipótese fosse verdadeira em função da medida de crença que
atribui a ela, ao menos enquanto não dispuser de informações que a faça mudar de ideia. Estamos
falando, claro, da probabilidade subjetiva ou bayesiana. Deixe-me dar um exemplo para explicar
melhor esta noção. Suponha que você está apostando em uma corrida de cavalos, e alguém lhe
oferece as seguintes probabilidades para dois cavalos: 2:1 para o Cavalo A e 5:1 para o Cavalo B.
Essas probabilidades representam as crenças subjetivas do apostador em relação ao desempenho
dos cavalos. Se você compartilha dessas crenças, apostaria mais no Cavalo A do que no Cavalo
B, já que, de acordo com as probabilidades, o retorno seria menor para o Cavalo A, refletindo a
crença mais forte de que ele tem maior probabilidade de vencer.

Estas são concepções básicas de probabilidade aplicadas a proposições, e são de grande


importância para a metodologia da avaliação da evidência no processo judicial. Entender esses
conceitos é crucial para estabelecer padrões de prova eficazes e apropriados que considerem a
natureza probabilística do raciocínio probatório. Uma vez que estabelecemos a base conceitual,
podemos avançar para discutir como esses conceitos se relacionam com os padrões de prova,
particularmente em casos nos quais se exige uma inferência além da dúvida razoável.

### 3.1.2 Padrões de Prova e Critérios de Suficiência Probatória

Os padrões de prova, como mencionado anteriormente, desempenham um papel central no


processo judicial, pois estabelecem o limiar de evidência necessário para se chegar a uma
conclusão sobre os fatos. A definição desse limiar é fundamental para o equilíbrio entre a busca
da verdade e a proteção dos direitos individuais. Se o padrão de prova for muito baixo, há o risco
de condenar injustamente inocentes; se for muito alto, o sistema pode falhar em punir culpados.
Portanto, é necessário encontrar um ponto de equilíbrio que otimize esses interesses conflitantes.

3.1.2. A probabilidade subjetiva como modelo de raciocínio probatório

As origens da probabilidade matemática aplicada à evidência no direito remontam à obra de


Leibniz na segunda metade do século XVII. Na verdade, grande parte dos primeiros
desenvolvimentos probabilísticos foram concebidos no âmbito da prova jurídica. Três séculos
depois, a partir do trabalho de FINKELSTEIN e FAIRLEY (1970) e da resposta de L. H. TRIBE
(1971), surgiu um amplo e intenso debate sobre a aplicabilidade do raciocínio probatório jurídico
à probabilidade subjetiva e, em especial, às probabilidades inversas por meio do chamado
teorema de Bayes.
Como já mencionado, a probabilidade subjetiva é uma noção epistemológica de probabilidade,
que mede nosso grau de crença racional em uma hipótese dado um elemento de julgamento.
Compartilha com a probabilidade estatística a aplicação de um método de cálculo matemático
que permitiria determinar o grau de probabilidade de uma hipótese em uma escala de 0 a 1, onde
zero é a falta absoluta de confiança na hipótese e 1 é a certeza absoluta na verdade da mesma.

Vou usar um exemplo de Mura para destacar os problemas que esta teoria pretende resolver no
âmbito da prova jurídica e os instrumentos com os quais pretende fazê-lo:

Suponhamos que, no decorrer de um processo por homicídio, tenha sido determinado que as
impressões digitais do acusado X estão na arma do crime. Suponhamos também que o promotor
argumenta que este fato (que chamarei de "e") apoia a hipótese acusatória "h", segundo a qual X
é o autor material do crime. A tese da acusação se baseia naturalmente, talvez de forma não
explícita, nas duas premissas seguintes: a) se X fosse o autor material do crime, ele
provavelmente teria deixado suas impressões digitais na arma usada para cometê-lo, e b) se X
não fosse o autor material do homicídio, provavelmente não teria deixado suas impressões
digitais na arma do crime. Perguntemo-nos agora: qual é o esquema lógico da inferência, com
base nas premissas a) e b), que permite concluir que a circunstância "e" apoia a hipótese "h"?

Bem, estamos diante de esquemas da chamada probabilidade inversa, para os quais os teóricos da
probabilidade matemática usam o teorema de Bayes, que tem a seguinte forma:

\[ P(H/E) = \frac{P(E/H) \times P(H)}{P(E/\neg H)} \]

E lê-se: a probabilidade condicional de a hipótese H ser verdadeira dado o elemento de


julgamento E é igual à probabilidade de E ser verdadeiro se H for verdadeiro, multiplicado pela
probabilidade de H (sem levar em conta E), dividido pela probabilidade de E ser verdadeiro se H
for falso.

Este cálculo nos permite medir o impacto do elemento de julgamento E na probabilidade de H,


ou seja, passar da probabilidade de H antes de considerar o novo elemento de julgamento E (a
probabilidade anterior de H) para a probabilidade condicional de H ser verdadeira dado que E é
conhecido. No entanto, é importante lembrar que estamos medindo o impacto de E na
probabilidade de H interpretada em termos do grau de crença em H, ou seja, se a presença de E
reforça ou enfraquece, e em que medida, nossa crença em H.

Portanto, voltando ao exemplo do homicídio, H é a hipótese acusatória que afirma que X é o


autor material do homicídio. E é o elemento de julgamento constituído pelas impressões digitais
de X na arma do crime. Para realizar o cálculo que nos levará a determinar em que medida, se o
fizer, E reforça a crença na hipótese H, devemos começar pela probabilidade anterior de H antes
de conhecer E. Também devemos determinar qual é a probabilidade condicional inversa, \
( P(E/H) \), de encontrar as impressões digitais de X na arma do crime se X for o autor material
do homicídio, e a probabilidade condicional inversa de encontrar suas impressões digitais na
arma do crime se X não for o autor material do homicídio. Com todas essas informações,
podemos aplicar a fórmula do teorema de Bayes e determinar a probabilidade condicional de H
(que X seja o autor material do homicídio) dado o elemento de julgamento E (que suas
impressões digitais estão na arma do crime).

Os defensores da probabilidade subjetiva, também chamados de bayesianos, afirmam que


qualquer inferência probatória é substancialmente baseada na aplicação do teorema de Bayes sob
a interpretação subjetivista da probabilidade como grau de crença racional. Portanto, o que o
método de cálculo nos diz é qual grau de crença é racional ter na hipótese dado um elemento de
julgamento se antes de conhecer o elemento de julgamento tínhamos um grau de crença x nela e
dadas as probabilidades inversas de que o elemento de julgamento esteja presente se a hipótese
for verdadeira e se não for. No entanto, fica claro que o resultado do cálculo depende em parte
das probabilidades a priori atribuídas. Mas como determinar as probabilidades a priori ou
anteriores?

Uma resposta comum é usar probabilidades estatísticas para determinar a probabilidade anterior
da hipótese. No entanto, além de essa solução poder apresentar novamente problemas de
adequação ao usar dados frequentistas como meio de determinar probabilidades de proposições
referidas a fatos individuais, o fato é que quase nunca se dispõe desses dados estatísticos. E se
estivessem disponíveis, quantas variáveis do caso individual deveriam ser consideradas para
selecionar o dado estatístico apropriado? Se a hipótese é que Pedro matou sua irmã, devemos
usar uma estatística que indique a frequência com que os homens matam suas irmãs? Ou a
estatística que indica a frequência com que os homens solteiros matam suas irmãs? Ou a
estatística que indica a frequência com que os homens solteiros, com mais de sessenta anos,
matam suas irmãs? E a série de perguntas poderia ser infinita, porque infinitas são as
propriedades de um caso. A resposta de De Finetti é incisiva: "O que no final é fundamental é ter
como ponto de partida as probabilidades iniciais dos eventos reais, sem importar como foram
avaliadas".

Si isso for assim, no entanto, surge um problema significativo que torna inadequada a
probabilidade subjetiva bayesiana para explicar o raciocínio probatório. De fato, o escopo do
cálculo bayesiano sob a interpretação da probabilidade subjetiva é determinar a racionalidade da
mudança de crenças 178. Mas se a crença inicial, a probabilidade inicial, for diferente entre dois
sujeitos, então a probabilidade final também será (exceto por uma rara coincidência de
compensação de probabilidades com base no valor probatório que atribuem ao elemento de
julgamento). Assim, dois juízes diferentes chegarão a resultados probatórios diferentes a partir
dos mesmos elementos de julgamento se tiverem atribuído probabilidades iniciais diferentes à
hipótese a ser testada. E as crenças de ambos serão racionais se a mudança do grau de crença
inicial para o grau de crença final condicionado seguir o esquema do teorema de Bayes. Mas não
há um parâmetro de racionalidade externo ao sujeito com o qual medir sua decisão, o que produz
o que Mura chama de "impermeabilidade à crítica racional" 179. Esta consequência do esquema
é muito clara neste trecho de De Finetti e Savage:

"Em rigor, a teoria subjetivista [...] ensina unicamente a extrair conclusões coerentes a respeito
dos julgamentos iniciais, quaisquer que sejam estes (por isso nem sequer faz sentido perguntar se
estes são em si mesmos mais ou menos 'sensatos' ou, pior ainda, 'corretos ou incorretos'). Poderia
aplicá-la corretamente também um supersticioso que atribuísse elevadas probabilidades à
ocorrência de certas previsões ou pressentimentos (e, por outra parte, não há argumentos de
natureza estritamente lógica que nos possam dizer se é ou não 'razoável' acreditar em
pressentimentos e previsões)."

Dessa forma, no caso em que dois juízes (júris, tribunais, etc.) discordam sobre a avaliação da
prova, atribuindo uma probabilidade final diferente às hipóteses sobre os fatos a partir do mesmo
conjunto de elementos de julgamento, o cálculo de probabilidades subjetivas não é adequado
para nos dizer qual dessas avaliações é a correta (se houver alguma). Além disso, é possível que
de acordo com a probabilidade subjetiva todas sejam corretas (desde que a atribuição de
probabilidades de cada sujeito seja internamente coerente, no sentido de que não possa ser objeto
de uma 'aposta holandesa'), mesmo que sejam muito divergentes e produzam consequências
jurídicas completamente diferentes, desde que tenham partido de probabilidades iniciais
diferentes. Por isso, um esquema de raciocínio como este poderia ter utilidade como forma de
controle racional no âmbito das teorias da prova que vinculam o resultado probatório à convicção
judicial ou às crenças do juiz ou do júri. O cálculo mediria, nesse caso, se a passagem das
crenças iniciais do julgador para sua crença final condicionada aos elementos de julgamento
disponíveis é ou não racional. Mas isso ainda é uma racionalidade interna e relativa ao próprio
raciocínio do julgador, a sua mudança de crenças.

Posner propôs como alternativa que a probabilidade a priori seja determinada pelo legislador,
evitando assim os possíveis vieses que os julgadores poderiam ter na atribuição dessa
probabilidade. Para o processo penal, por exemplo, ele propõe que a culpabilidade e a inocência
do acusado sejam consideradas igualmente prováveis (uma probabilidade a priori de 0,5). No
entanto, esse tipo de determinação, embora não tenha o problema da subjetividade, parece
totalmente arbitrária e tem sido considerado dificilmente compatível com a presunção de
inocência, já que esta não exigiria que o acusado seja considerado antes das provas tão
provavelmente culpado quanto inocente, mas que parta da sua inocência.

Um bom exemplo desse problema ocorreu na Suprema Corte do Estado de Connecticut em 1994,
nos Estados Unidos. No caso State v. Skipper, o Sr. Skipper foi julgado por estupro de uma
garota. A vítima engravidou como resultado da relação sexual não consentida. Amostras de DNA
foram extraídas da vítima, do acusado e do feto, e um perito determinou, aplicando o teorema de
Bayes e partindo de uma probabilidade inicial de 0,5 para a hipótese da paternidade do Sr.
Skipper (e, portanto, de sua culpa), que a probabilidade de ele ser o pai do feto dada a evidência
de DNA era de 0,9997 187. No entanto, a Corte considerou essa análise incompatível com a
presunção de inocência do Sr. Skipper por atribuir uma probabilidade inicial positiva à hipótese
da culpa. Se assumirmos que o padrão da presunção de inocência exige que a probabilidade
inicial da culpa seja zero, então a probabilidade da paternidade em um caso penal será sempre
zero, porque o Teorema de Bayes exige que o índice de paternidade seja multiplicado por uma
probabilidade inicial positiva para ter alguma utilidade. Em outras palavras, o Teorema de Bayes
só pode funcionar se não considerarmos a presunção de inocência. Parece, portanto, que este é
um problema difícil de contornar para a concepção subjetivista bayesiana da probabilidade.

Se a probabilidade subjetiva fosse capaz de dar conta da estrutura do raciocínio probatório, os


padrões de prova deveriam ser formulados apelando a critérios próprios desse tipo de
probabilidade, o que basicamente significa determinar o limiar numérico de probabilidade que
deve ser alcançado para considerar uma hipótese sobre os fatos como comprovada. Mas esse
valor numérico não diria nada sobre o nível em que as evidências corroboram a hipótese, mas
sim sobre o grau de confiança do julgador de que elas fazem isso, o que não atenderia ao
primeiro requisito desenvolvido neste capítulo.

Por outro lado, se a probabilidade subjetiva mede a racionalidade da mudança de crenças, surge
mais uma

razão de inadequação para a análise do raciocínio probatório. A correção de uma declaração


probatória do tipo "está provado que p" (com base em um conjunto de elementos de julgamento
c) não depende das crenças do julgador, mas sim dos elementos de julgamento disponíveis e de
um padrão de prova determinado 189. Para isso, o método de raciocínio que precisamos deve nos
permitir fazer julgamentos objetivos (ou, pelo menos, intersubjetivamente controláveis) sobre a
avaliação da prova, que sejam, nos termos de Mura, permeáveis à crítica racional 190. Esse
esquema deve servir como método de avaliação para o juiz e como critério de controle sobre a
decisão do juiz.

Um parágrafo muito claro de Laudan permite ver o cerne do problema ao qual estou me
referindo:

"Sem rodeios, isso é uma paródia de um sistema de prova. Em qualquer área fora do direito em
que as provas são avaliadas para tomar determinadas decisões (incluindo as ciências naturais,
testes clínicos em medicina, matemática, estudos epidemiológicos, etc.), o padrão de prova é
projetado para informar o pesquisador em questão [sobre quando ele tem o direito de considerar
algo como comprovado; ou seja, quando a relação entre as provas ou premissas e a conclusão
que se busca justifica a aceitação dessa conclusão como comprovada no contexto específico. Por
outro lado, no direito processual penal, essa função é completamente ignorada ou
vergonhosamente ocultada. Em vez de especificar que a confiança que os membros do júri
possam ter na culpa do acusado depende de terem sido oferecidas ou não provas robustas, o
direito processual penal faz com que o padrão de prova seja parasitário do nível de confiança que
o pesquisador ou julgador dos fatos (neste caso, o júri) tem na culpa do acusado, de modo que,
para o direito, temos prova da culpa do acusado quando os membros do júri se sentem
fortemente persuadidos disso (ou quando atribuem à hipótese de culpa uma probabilidade maior
que x, no caso de um padrão probabilístico). Não importa como tenham chegado a ter esse alto
nível de confiança, está comprovado. Isso coloca as coisas precisamente de cabeça para baixo."

Embora Laudan faça referência ao padrão de prova para o processo penal, é claro que seu
argumento tem um alcance mais geral e pode ser aplicado perfeitamente a outras jurisdições 192.
Haack 193 também formulou argumentos semelhantes para rejeitar a aplicabilidade do cálculo
matemático de probabilidades subjetivas para dar conta do grau de confirmação ou apoio de uma
hipótese científica. No entanto, como Haack 194 também aponta, o fato de que o grau de
confirmação ou apoio que um conjunto de elementos de julgamento fornece a uma hipótese seja
objetivo e não dependa, portanto, de nossas crenças subjetivas, não implica que esse grau de
confirmação ou essa objetividade nos pareça transparente. Nossos julgamentos ou crenças sobre
a verdade de uma hipótese ou o grau de confirmação que ela possui estão necessariamente
mediados por nossas crenças prévias ou pelo background assumido, mas a verdade de uma
afirmação que afirma que o grau de confirmação de uma hipótese fornecido por um conjunto de
elementos de julgamento é x não depende dessas crenças prévias, mas sim do mundo. Nesse
sentido, pode-se dizer que o grau de confirmação (ou suporte indutivo ou corroboramento, como
se preferir) é objetivo e intersubjetivamente controlável.

Portanto, o raciocínio probatório não pode ser governado pelas regras da probabilidade subjetiva
195 nem, em geral, pela probabilidade matemática 196 (lembre-se de que já descartei também
que a probabilidade estatística possa servir para esse objetivo). E isso impacta no tipo de critérios
que poderão ser usados para determinar o limiar de suficiência probatória porque também
descarta que esses possam ser numéricos.

Dessa forma, como se observa, a probabilidade indutiva também se aplica para avaliar cada elemento de
julgamento ou prova individualmente, medindo a confiabilidade da testemunha, do perito, de um
documento, etc. Essa é a avaliação individual da evidência, que é essencial para realizar uma avaliação
conjunta posteriormente. Uma vez avaliada a evidência individual (a declaração de TI, por exemplo), se a
hipótese que afirma sua veracidade (ou seja, que TI viu o que diz ter visto) for considerada comprovada,
então inferências podem ser feitas a partir dela, considerando-a como verdadeira. Isso pressupõe que em
cada passo do raciocínio probatório, que ocorre normalmente em cadeia, as hipóteses aceitas como
comprovadas anteriormente são assumidas como certas. Isso é uma diferença importante, mais uma vez,
em relação à probabilidade pascaliana, que atribui uma probabilidade quantitativa às hipóteses individuais
e opera com ela no cálculo das probabilidades das inferências subsequentes, sendo assim o valor de
probabilidade transitivo nos diferentes passos do raciocínio. No entanto, na probabilidade indutiva, isso
não pode ser feito por razões evidentes: se essa probabilidade é apenas ordinal e não permite o cálculo
matemático, então não é possível combinar algebraicamente as diferentes probabilidades.

Para continuar avançando, é imprescindível abordar agora o problema de como se pode corroborar ou
contrastar uma hipótese ou sob quais condições se obtém apoio indutivo para uma hipótese. Como já foi
repetidamente assinalado, esse passo é de compreensão fundamental, uma vez que os padrões de prova
terão que ser formulados por meio do uso de critérios epistêmicos que reflitam o tipo de raciocínio
envolvido na avaliação da evidência; ou, em outras palavras, na avaliação do grau de corroboramento
alcançado por cada uma das hipóteses em conflito em um processo.

Um exemplo famoso de Hempel pode ser útil aqui. Hempel relata a pesquisa do médico Ignaz
Semmelweis sobre as causas da chamada febre puerperal que afligia, muitas vezes resultando em morte, a
um alto percentual de mulheres da Primeira divisão de Maternidade do Hospital Geral de Viena entre os
anos de 1844 e 1848. Os dados iniciais desta pesquisa são os seguintes: em 1844, 8,2% das mulheres da
Primeira divisão de Maternidade morreram devido a essa doença; em 1845, 6,8% delas, e em 1846,
11,4%. Durante os mesmos anos, no entanto, as taxas de mortalidade de mulheres na Segunda divisão de
Maternidade do mesmo hospital, adjacente à primeira, foram de 2,3, 2,0 e 2,7%, respectivamente.
Semmelweis dedicou seus esforços para descobrir as causas dessa diferença tão marcante entre as duas
divisões de maternidade para tentar reduzir a mortalidade na primeira divisão. Para isso, formulou
diferentes hipóteses que pudessem explicar os dados disponíveis. Uma hipótese amplamente aceita na
época era que a febre era causada por "influências epidêmicas" que se espalhavam por distritos inteiros e
que causavam a febre puerperal em mulheres que acabavam de dar à luz. No entanto, esta hipótese não
conseguia explicar o fato de que duas divisões adjacentes de maternidade fossem afetadas de maneira tão
diferente e recorrente pela epidemia.

Uma comissão especialmente designada para investigar o caso determinou que os exames obstétricos
descuidados realizados por estudantes em treinamento que trabalhavam apenas nessa divisão eram a causa
da alta mortalidade. Se esta hipótese sobre o que aconteceu é verdadeira, é possível prever que se pararem
de fazer esses exames descuidados, a mortalidade diminuirá. Isso foi feito, impedindo a participação dos
estudantes, mas a febre puerperal não apenas não diminuiu sua incidência, como até aumentou, o que
levou Semmelweis a considerar a hipótese refutada. Mais tarde, formulou-se a hipótese de que poderia ser
uma doença de origem psicológica: toda vez que um padre tinha que cuidar de uma paciente moribunda,
ele tinha que atravessar a Primeira divisão, sempre precedido por um coroinha que fazia soar um sino
fúnebre. Isso, devido à disposição das salas do hospital, não acontecia na Segunda divisão, e pensou-se
que a passagem do padre até a enfermaria de uma maneira um tanto sombria poderia enfraquecer tanto o
ânimo das parturientes a ponto de torná-las propensas à doença. Mas se esta hipótese estivesse correta,
então poderíamos concluir que se o padre parasse de atravessar a Primeira divisão ao atender as mulheres
moribundas, a mortalidade dessa divisão diminuiria. Durante algum tempo, o padre deu a volta para
chegar à enfermaria sem atravessar a divisão, mas a mortalidade não diminuiu. Finalmente, a casualidade
levou Semmelweis a formular uma nova hipótese que se mostraria correta. Um médico do mesmo
hospital se feriu com um bisturi de um estudante com quem estava realizando uma autópsia. O médico
morreu depois de sofrer uma agonia com os mesmos sintomas da febre puerperal. Isso levou Semmelweis
à hipótese de que a febre puerperal que muitas mulheres da Primeira divisão de Maternidade do hospital
sofriam era devida à infecção causada pelo contato com instrumentos usados em autópsias, já que ele
mesmo e sua equipe costumavam visitar as parteiras depois de realizar dissecações na sala de autópsias.
Isso não acontecia, no entanto, na Segunda divisão de Maternidade, onde as pacientes eram atendidas por
parteiras. Se a hipótese estivesse correta, uma boa desinfecção dos instrumentos e do pessoal antes de
atender as pacientes deveria resultar na diminuição da mortalidade. Semmelweis ordenou que todo o
pessoal se desinfectasse sempre com sal clorada antes de atender às parteiras, e a mortalidade diminuiu
para 1,27% na Primeira Divisão de Maternidade durante 1848.

Qual é a estrutura do raciocínio realizado por Semmelweis? Como ele contrastou suas hipóteses? Por que
essas hipóteses e não outras? Vamos começar pela última pergunta. A formulação de hipóteses não é
governada pelas lógicas dedutiva ou indutiva. A transição dos primeiros dados observados para a
formulação de uma ou várias hipóteses sobre o que aconteceu está mais no domínio da imaginação,
invenção ou criatividade. São famosos os exemplos de teorias científicas cuja primeira hipótese se deve a
puras casualidades, e este é também o caso do exemplo da febre puerperal relatado: a casualidade de um
médico se cortar com um bisturi usado em uma autópsia fez Semmelweis conceber a hipótese da infecção
por contato com "matéria cadavérica". No entanto, é claro que essa tese sobre a natureza da geração de
hipóteses precisa ser matizada. Por um lado, sempre poderia ser formulada uma pergunta preliminar: por
que esses primeiros dados são selecionados, sobre os quais as hipóteses serão formuladas, e não outros?
Ou, em outras palavras, esses dados não são selecionados com base em alguma hipótese prévia de caráter
mais básico? A resposta é claramente afirmativa: nossa observação do mundo é mediada pela experiência
anterior, por nossos conhecimentos prévios, pelo conhecimento científico do momento, etc. Por isso, se a
polícia quiser determinar a autoria de um assassinato, coleta dados como impressões digitais,
testemunhas, gravações de câmeras próximas; se houver, verifica quem se beneficia da herança do
falecido, se tinha inimigos, etc. Tudo isso porque sua experiência anterior indica que esses dados podem
ser úteis para a formulação de hipóteses sobre a autoria do assassinato. Por outro lado, nem toda hipótese
merece ser levada a sério pela ciência e também pelo direito. Na ciência, são exigidos três requisitos
fundamentais para a formulação de hipóteses: 1) ela deve ser bem formulada (ou seja, ser logicamente
consistente e significativa - não vazia de conteúdo semântico); 2) ela deve estar fundamentada em alguma
medida no conhecimento existente, e 3) ela deve ser empiricamente contrastável. O direito impõe, pelo
menos, uma restrição adicional: 4) a contrastabilidade não deve ser apenas potencial, mas atual. Uma
hipótese pode ser contrastável no sentido geral de que é sensível à experiência, mas pode não poder ser
contrastada no momento em que é afirmada, por razões muito variadas: necessidade de novos avanços
técnicos que possibilitem a contrastação efetiva ou por razões inerentes à própria hipótese, etc. Bem,
formulada a hipótese, o que fazemos com ela? Semmelweis finalmente formulou a hipótese de que a
causa da febre puerperal era uma infecção por contato com "matéria cadavérica". Dado o conhecimento
prévio existente, ele pôde inferir que, se a hipótese fosse correta e o pessoal de saúde se desinfectasse
com sal clorada, então haveria uma diminuição nas taxas de mortalidade pós-parto. Esta é uma
consequência empiricamente contrastável da hipótese que, se ocorrer, forneceria apoio indutivo (ou
corroboração, contrastação, como se preferir) à mesma. A corroboração de uma hipótese pressupõe,
portanto, a possibilidade de prever algum evento ou estado de coisas empiricamente contrastável. No
entanto, a hipótese por si só geralmente não permite derivar uma previsão que forneça apoio indutivo.
Também é necessário supor uma série de conhecimentos prévios do mundo chamados de "pressupostos
auxiliares" (PA). No exemplo que apresentei, Semmelweis supôs que a sal clorada eliminaria os agentes
infecciosos, o que pressupõe um conhecimento sobre as propriedades desse produto e os efeitos que ele
produz sobre as bactérias, etc. Somente assim poderia ser previsto que, se o pessoal de saúde lavasse com
sal clorada, as infecções deixariam de ocorrer. Finalmente, lavar o pessoal com sal clorada constitui o que
é chamado de "condições iniciais" (CI), que são os fatos-condicionantes particulares que devem ocorrer
para que a previsão seja cumprida.

Pode-se notar que a estrutura do raciocínio realizado é a seguinte: (1) H e SA e CI > P, onde H é a
hipótese a ser corroborada, SA são os supostos adicionais, CI são as condições iniciais e P é a predição.
No nosso exemplo: se a causa da febre puerperal é a infecção por "matéria cadavérica" e o sal clorado é
um desinfetante eficaz, e os profissionais de saúde lavam cuidadosamente as mãos com sal clorado antes
de atender às parteiras, então elas não adoecerão de febre puerperal. A verificação do cumprimento da
predição fornece, em princípio, apoio indutivo à hipótese. No entanto, o oposto não é verdadeiro. Se a
predição não se concretiza, a hipótese não pode ser rejeitada imediatamente. Como é fácil perceber, a
única conclusão que se pode derivar de (1) é que -n (H e SA e CI), ou seja, ou a hipótese ou os supostos
adicionais ou as condições iniciais estão incorretos. O fato de a predição não se concretizar faz com que a
hipótese não receba apoio indutivo, mas não fornece apoio indutivo para a negação da hipótese.
Vamos ilustrar isso com um exemplo típico de investigação criminal. Se a polícia detém um homem
suspeito de ser o autor do homicídio a tiros do proprietário de uma joalheria que foi roubada minutos
antes, pode fazer (e geralmente faz) a seguinte predição: se o detido for o autor do disparo (H) e, dados os
vestígios de pólvora deixados nas mãos de quem atira, que podem ser verificados pelo procedimento
técnico x (SA), e dado que o autor do disparo não estava usando luvas no momento do disparo (CI), então
haverá vestígios de pólvora nas mãos do detido (P). Claro, esta é uma predição verificável que a polícia
confirma. Se a predição não se concretiza, a hipótese pode ser falsa, ou os supostos adicionais (por
exemplo, o tipo de arma usada não deixa esses vestígios quando disparada) ou as condições iniciais (por
exemplo, o sujeito estava usando luvas no momento do disparo). No entanto, se estivermos certos da
verdade de SA e CI, isso nos levará a rejeitar ou revisar a hipótese analisada. Se a predição se concretiza,
ela constitui um elemento a favor da hipótese, com as ressalvas que apresentarei a seguir.

É interessante observar que no esquema de raciocínio apresentado, os supostos adicionais são compostos
por generalizações empíricas. Essas generalizações são a garantia da inferência que vai de um fato a outro
e conferirão mais ou menos força à inferência dependendo do grau de corroboração que as próprias
generalizações possuem. Essas generalizações podem ser de muitos tipos e incluem o que os juristas
costumam chamar de "máximas de experiência", que envolvem conhecimentos técnicos, leis científicas
ou simples generalizações do senso comum. O grau de corroboração das generalizações usadas no
raciocínio probatório pode ser ou não objeto de discussão no processo. Pode-se aceitar simplesmente a
generalização como válida, ou, por exemplo, uma das partes pode impugnar a validade da generalização
usada como suposto adicional, levando a generalização a ser objeto de prova no processo, com o objetivo
de determinar seu grau de corroboração, constituindo o que foi chamado de "prova sobre a prova".

Mas voltemos ao caso em que a predição se concretiza. Isso por si só constitui um elemento de prova que
corrobora a hipótese? A resposta é que nem sempre. Pode muito bem acontecer que a mesma predição P
possa ser formulada a partir de várias hipóteses, caso em que a constatação de que P se concretiza não é
um elemento de prova para preferir uma delas e, portanto, não confere a nenhuma uma probabilidade
maior do que às outras. De fato, é comum poderem ser formuladas diferentes hipóteses sobre os fatos
capazes de explicar os mesmos dados. Um novo exemplo pode ser útil.

Há consenso entre os paleontólogos de que a extinção dos dinossauros ocorreu devido a um importante
aquecimento global da crosta terrestre no final do Cretáceo, cerca de 65 milhões de anos atrás, encerrando
a era Mesozoica. A questão é por que esse aquecimento ocorreu. Muitas hipóteses foram formuladas a
esse respeito, mas duas delas parecem ter os maiores níveis de contrastação: 1) o aquecimento foi devido
à intensa e simultânea erupção de vários vulcões no final do Cretáceo, e 2) foi o efeito do impacto de um
ou mais meteoritos na Terra. Em ambos os casos, os efeitos teriam sido mais ou menos os mesmos: a
injeção na atmosfera de quantidades extraordinárias de poeira, aerossóis e gases, seguida por chuvas
ácidas, teria causado uma cascata de efeitos climáticos que a maioria das espécies não poderia resistir.
Primeiro, ocorreu o escurecimento da atmosfera, que inibiu a fotossíntese e fez a temperatura diminuir
rapidamente; em seguida, o vapor d'água e o dióxido de carbono causaram um forte aquecimento. Depois,
os oceanos teriam se acidificado. Sob ambas as hipóteses, pode-se prever que nos estratos sedimentares
daquela época seriam encontradas abundantes partículas de quartzo fraturado. Embora, como no caso, a
predição seja precisa, seu cumprimento não confere um maior grau de corroboração a uma das hipóteses
em relação à outra, uma vez que a predição pode ser derivada de ambas. Por isso, é necessário extrair
alguma consequência na forma de uma predição de uma das duas hipóteses que não seja explicável pela
outra. Bem, acontece que a hipótese do impacto de um ou mais meteoritos permite prever uma fratura
específica das partículas de quartzo que seria muito surpreendente (ou inexplicável) sob a hipótese das
erupções vulcânicas. Dado que esta é uma predição verificável, procede-se à sua verificação, e seu
cumprimento atribui um maior nível de corroboração à hipótese do impacto de meteoritos.

O mesmo ocorre na corroboração de hipóteses relevantes no processo judicial. Suponha que a polícia vá
até uma casa alertada pelo alarme antirroubo da mesma. No jardim da casa, encontra um sujeito que é
detido. Ao inspecionar a casa, verifica-se que foram roubadas algumas joias valiosas que estavam em um
baú no quarto do casal dos proprietários da casa. Se a hipótese de que o detido é o ladrão estiver correta, e
ele foi detido ainda no jardim da casa, pode-se prever que as joias ainda estarão em seu poder. Bem,
procede-se à revista no sujeito e, em seus bolsos, encontram-se, de fato, parte das joias. Parece ser
claramente uma corroboração da hipótese. No entanto, o detido sustenta uma hipótese alternativa: ele é o
jardineiro daquela casa, ouviu o alarme e, ao se aproximar da entrada principal, encontrou as joias jogadas
no chão no jardim, então as recolheu para entregá-las à proprietária assim que a visse. Agora está claro
que a predição de que as joias estariam em posse do detido é compatível tanto com a hipótese da polícia
quanto com a hipótese do detido. Portanto, não fornece confirmação a nenhuma delas em relação à outra,
o que permitiria preferir racionalmente uma das hipóteses em conflito. No entanto, se a hipótese de que o
detido é o ladrão estiver correta, e dado que ao tocar um objeto com os dedos deixamos impressões
digitais sobre ele, e dado que ele não estava usando luvas e nenhuma foi encontrada nas proximidades,
pode-se prever que suas impressões digitais estarão no interior da casa e, em particular, no baú onde
estavam as joias originalmente. Esta é uma predição que, se cumprida, permite escolher uma das
hipóteses em conflito, pois seria incompatível com a hipótese do detido.

A contrastação de uma hipótese exige, juntamente com o estabelecido pela fórmula (1),

(2) —l (H e SA e CI) > muito provavelmente > P

que se lê: se não for o caso (ou seja, se não forem verdadeiras) a hipótese H

e as suposições adicionais SA e as condições iniciais CI, então muito

provavelmente P não ocorrerá.

Sendo esta claramente uma fórmula probabilística, gostaria de destacar pelo menos dois aspectos dela.
Em primeiro lugar, nunca podemos ter a certeza racional de que H seja verdadeira, mesmo que tenha um
grande apoio indutivo, porque sempre pode haver uma hipótese H' que não consideramos e que prevê o
mesmo. É possível que H' não tenha sido considerada porque o estado atual do conhecimento não permita
fazer essa previsão a partir de H' ou, até mesmo, que H' não seja sequer imaginável no momento da
tomada de decisão. Deve-se observar que todos esses são pressupostos nos quais a decisão atual de
considerar confirmada H (no direito: comprovada) será sempre uma decisão inferencialmente válida, pois
essa é a decisão justificada com base no conhecimento atual. Outra questão é que pesquisas futuras ou
avanços no conhecimento geral podem permitir conceber outras hipóteses alternativas e até mostrar que
alguma delas é capaz de obter maior confirmação do que H. Em última análise, trata-se do fato de que o
que é previsto a partir da hipótese H (mais os SA e CI correspondentes) seria muito surpreendente se H
não fosse verdadeira. E aqui é preciso entender "muito surpreendente" como inexplicável, dadas as atuais
compreensões gerais do mundo e os demais dados do caso. Em segundo lugar, o grau de confirmação de
H depende de: a) as previsões que se mostraram verdadeiras que podem ser feitas a partir dos dados
disponíveis, e b) a improbabilidade de que outra hipótese H' explique os mesmos dados e permita
formular as mesmas previsões verdadeiras.

Como se pode observar, cada previsão feita a partir da hipótese cumpre, portanto, duas funções: desafia a
hipótese na medida em que, se a previsão não se cumprir, a hipótese é questionada e, por outro lado,
implica a eliminação das hipóteses que não podem prever o mesmo (sempre que a previsão se cumpra, é
claro). Por sua vez, a verificação do cumprimento da previsão torna-se no processo um novo elemento de
julgamento, uma nova evidência, que se incorpora ao processo e introduz o novo fato (predito e
cumprido) como dado que se acumula aos já existentes. As hipóteses sobreviventes, se houver mais de
uma, devem ser compatíveis com esse novo dado e com os já existentes anteriormente. Para aumentar a
confirmação das hipóteses sobreviventes, deve-se fazer alguma nova previsão que permita eliminar
alguma delas (por não ser compatível —não poder explicar— o fato predito), e assim por diante. Quanto
mais passos desse tipo forem dados e mais hipóteses concorrentes forem eliminadas (ou seja,
falsificadas), maior será a confirmação das hipóteses sobreviventes.

Finalmente, o nível de confirmação ou apoio indutivo corresponde à probabilidade indutiva da hipótese,


no sentido baconiano defendido por L. J. Cohen, que apresentei aqui. Tudo isso nos coloca diante da
escada na qual devemos projetar os padrões de prova. A probabilidade indutiva que caracteriza o
raciocínio probatório será a fonte na qual teremos que buscar os critérios aos quais os padrões de prova
podem aludir para determinar o limiar de suficiência probatória, o degrau da escada de suporte indutivo a
partir do qual podemos considerar, em um tipo específico de processo, que uma hipótese está
comprovada.

4. QUARTO REQUISITO: TODO PROCESSO JUDICIAL REQUER DIVERSOS PADRÕES DE


PROVA, QUE DEVEM ESTABELECER UMA UMBRAL DE SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA
DIFERENTE E PROGRESSIVA

Como mencionei anteriormente, a decisão final sobre a prova incorporada à sentença não é a única
decisão probatória tomada ao longo do processo judicial. Antes mesmo de chegar ao julgamento, se
estivermos em um processo penal, é possível decidir sobre o arquivamento provisório ou definitivo do
caso; mais tarde, sobre a abertura do julgamento oral; em algum momento, o juiz pode ter que se
pronunciar sobre a adoção de uma ou várias medidas cautelares, entre outras.
Além disso, mesmo se nos concentrarmos apenas na sentença, é importante observar que é enganoso
tratar como uma unidade as decisões probatórias expressas nela. Assim, além da decisão essencial sobre a
prova da hipótese de culpa ou dos fatos constitutivos da demanda, o julgador dos fatos pode ter que
determinar se a inocência está provada (ou seja, a não comissão do ato pelo demandado ou acusado, ou
mesmo a inexistência do ato), se há alguma hipótese sobre a ocorrência de circunstâncias atenuantes ou
excludentes de responsabilidade, se há fatos impeditivos ou extintivos, entre outros.

Todas essas decisões, quer sejam tomadas durante o curso do processo ou na sentença, exigem padrões de
prova que indiquem o limiar de suficiência probatória para cada uma delas. Vejamos alguns exemplos da
Lei de Processo Penal espanhola:

- Prisão preventiva. Art. 503.1 LECrim: para decretar a prisão preventiva, as circunstâncias seguintes são
necessárias:

1. Que haja motivos suficientes na causa para acreditar criminalmente na responsabilidade pelo delito da
pessoa contra quem será emitida a ordem de prisão.

- Arquivamento livre. Art. 637 LECrim: será decretado o arquivamento livre quando não houver indícios
racionais de ter sido cometido o ato que deu origem ao caso.

- Arquivamento provisório. Art. 641 LECrim: será decretado o arquivamento provisório quando, do
sumário, resultar que foi cometido um delito e não houver motivos suficientes para acusar pessoas
específicas como autores, cúmplices ou encobridores.

- Procedimento abreviado. Abertura do julgamento oral. Art. 790.6 LECrim: "Solicitada a abertura do
julgamento oral pelo Ministério Público ou pela acusação particular, o juiz de instrução a concederá, salvo
se entender que se aplica a hipótese do n.º 2 do art. 637 desta Lei ou que não há indícios racionais de
criminalidade contra o acusado, caso em que determinará o arquivamento correspondente."

Como se pode observar, o legislador reconheceu que, em vários momentos do processo, o julgador deve
tomar decisões sobre a suficiência probatória: para continuar com a instrução (e não arquivar o caso), para
abrir julgamento oral, para emitir uma medida cautelar como a prisão preventiva, etc. No entanto, os
critérios que o legislador espanhol utilizou não atendem aos requisitos metodológicos expostos neste
capítulo: não usam critérios relacionados à capacidade justificativa do conjunto probatório que sejam
controláveis de maneira intersubjetiva, não são adequados para estabelecer um limiar de suficiência
probatória e não apelam para critérios que reflitam o caráter probabilístico indutivo do raciocínio
probatório.
Agora, no entanto, gostaria de me concentrar em um requisito adicional que o conjunto de padrões de
prova projetados para um procedimento deve atender. Portanto, o foco não será em um padrão de prova
específico, mas na relação entre os diferentes padrões previstos para as várias decisões sobre os fatos que
devem ser tomadas em um mesmo processo. Especificamente, o grau de exigência probatória dos
diferentes padrões de prova para diferentes fases do procedimento deve seguir uma tendência ascendente.
Assim, em princípio, em um processo penal, por exemplo, a exigência probatória para arquivar (ou não) o
caso durante a instrução deve ser menor do que a exigida para abrir julgamento oral, e esta deve ser
menor do que a exigida para considerar provada a hipótese na decisão final. Em uma abordagem inicial,
poderia pensar-se que, se isso não fosse feito, as decisões intermediárias seriam apenas uma antecipação
da decisão final, tornando todo o procedimento subsequente inútil. No entanto, isso é um equívoco.
Mesmo que duas decisões compartilhem um mesmo padrão de prova, não é necessário que a decisão
justificada seja a mesma. Isso depende das evidências disponíveis e das informações que elas fornecem.
Pode muito bem acontecer que em um momento t1 o conjunto probatório seja menor do que em um
momento t2, ou que algumas evidências ainda não tenham sido apresentadas e, portanto, a quantidade e
qualidade das informações fornecidas por elas seja muito diferente. Nessa situação, mesmo que as duas
decisões sejam tomadas com o mesmo padrão de prova, nada impede que ao adotar a primeira estejamos
antecipando a segunda.

Portanto, o fundamento do requisito de que os padrões de prova que regem um mesmo procedimento
estabeleçam um nível de exigência probatória progressivo deve ser procurado em outro lugar, na minha
opinião. Essa razão é, na verdade, bastante simples: apenas o avanço do procedimento, com a
incorporação de todas as provas e sua realização em contradição, pode permitir, se for o caso, atender aos
padrões de prova mais exigentes. Não faz sentido, por exemplo, impor como limiar de suficiência
probatória em um estágio inicial do procedimento que as previsões permitidas pela hipótese acusatória
tenham sido confirmadas e comprovadas por evidências (que, em qualquer caso, ainda não teriam sido
apresentadas em contradição) e que as hipóteses alternativas compatíveis com a

inocência tenham sido refutadas. Sem dispor de todas as evidências relevantes e sem que essas tenham
sido apresentadas em contradição, não é exigível (por impossibilidade de cumprimento) atender a um
padrão de prova tão exigente. No entanto, pode ser exigido para a decisão probatória final, por exemplo.
Portanto, ao projetar o procedimento na lei processual, deve-se primeiro considerar qual é o grau de
exigência probatória considerado adequado para a decisão final e ordenar, em progressão decrescente, os
padrões para as decisões intermediárias, levando em consideração qual resultado probatório é razoável
esperar que possa ocorrer dependendo do momento processual em que cada padrão de prova deve ser
aplicado.

Por sua vez, será necessário levar em consideração também a gravidade relativa dos erros (tanto falsos
positivos quanto falsos negativos) para cada tipo de decisão final ou intermediária. Os custos de errar na
estimativa de que há elementos de juízo suficientes para condenar na sentença não são os mesmos que os
de uma decisão incorreta de abrir um julgamento oral ou a adoção equivocada de uma medida cautelar.
Também não é o mesmo uma medida cautelar de prisão preventiva, suspensão da pátria potestade,
retirada do passaporte ou anotação preventiva de embargo. Finalmente, também deve-se considerar que
nas decisões intermediárias (exceto no caso das medidas cautelares) o efeito de considerar
suficientemente comprovados os fatos para os efeitos da decisão que corresponda é a continuação do
procedimento, de modo que, em caso de erro, isso poderá ser corrigido sucessivamente. Em contrapartida,
a decisão de considerar insuficientemente comprovados os fatos tem normalmente um efeito mais
determinante, ou seja, a conclusão do procedimento, o que pode aumentar os custos do erro desse tipo de
decisões. Tudo isso, portanto, aconselha a adoção de padrões de prova diversos para a decisão final em
sentença e para cada uma das decisões sobre os fatos intermediárias durante o procedimento.

Ferrua argumentou contra essa posição, especialmente em relação ao padrão de prova exigido para a
adoção da prisão preventiva como medida cautelar, embora, como se pode observar nas linhas seguintes,
o alcance de seu argumento é mais geral: A regra da prova além de qualquer dúvida razoável estabelece o
nível máximo e, ao mesmo tempo, mínimo para que se possa dizer, no processo, que uma proposição
qualquer está provada. Máximo porque a "infra-determinação" da prova indutiva não permite atingir o
grau superior da prova "indubitável" no sentido da demonstração matemática; mínimo porque, abaixo
desse nível, já não estamos lidando com o conceito de prova, mas sim entramos no reino das suposições e
suspeitas.

Em contraste com isso, há quem sustente que no processo a prova dos fatos pode ser alcançada com
diferentes padrões. Com o mais elevado da regra do além de qualquer dúvida razoável ou com o inferior
da regra do mais provável que não, ou com níveis análogos. A primeira regra serviria para a prova da
culpabilidade para os efeitos da condenação, a segunda para outras decisões como as das medidas
cautelares ou a abertura de julgamento.

Esta é uma perspectiva inaceitável, porque abaixo do nível da prova além de qualquer dúvida razoável
abandonamos o próprio conceito de prova e entramos no reino das suposições e suspeitas.

No entanto, a tese conceitual de Ferrua, que vincula a noção de prova ao padrão do além de qualquer
dúvida razoável, desconhece, em minha opinião, o caráter contextual da suficiência probatória e,
consequentemente, da justificação da decisão sobre os fatos. Já argumentei neste capítulo sobre esse
caráter contextual e voltarei a isso com mais detalhes no próximo capítulo. Por outro lado, apenas graças
à extraordinária vagueza da fórmula do "além de qualquer dúvida razoável", pode-se afirmar que o
mesmo padrão é aplicável à decisão final sobre os fatos e a decisões tão preliminares quanto a adoção de
uma medida cautelar ou a abertura de julgamento. Se essa fórmula for dotada de um significado preciso e
exigente, no entanto, observaremos que é impossível que, em um momento inicial do procedimento,
quando ainda estão sendo coletadas provas e, certamente, as disponíveis não foram praticadas em
contradição, seja possível satisfazer um padrão desse tipo. Vale ressaltar que a solução proposta por
Ferrua é considerar que, embora o padrão de prova para adotar a medida cautelar seja o mesmo que para a
sentença, o que muda é o objeto da prova. Assim, segundo este autor, para os efeitos da decisão final do
processo, a culpabilidade do acusado deverá ser comprovada, enquanto para os efeitos da decisão sobre a
prisão preventiva (quanto ao fumus comissi delicti) deveria ser comprovada a provável prática do delito
pelo acusado, sempre além de qualquer dúvida razoável. Ou seja, seria necessário provar além de
qualquer dúvida razoável que é provável que o sujeito ao qual se pretende impor a medida cautelar tenha
cometido o delito. No entanto, essa solução não está isenta de problemas: todo padrão de prova, como
vimos, determina o quantum de probabilidade necessário para que uma proposição seja considerada
comprovada, e a proposição a ser comprovada, segundo Ferrua, seria aquela que afirma que "é provável
que A tenha cometido o delito". Estaríamos, portanto, diante de uma afirmação probabilística de segundo
grau, que afirmaria que "é provável [além de qualquer dúvida razoável] que seja provável [além de
qualquer dúvida razoável] que A tenha cometido o delito". Ambas as probabilidades, de primeiro e
segundo graus, seriam probabilidades indutivas e ambas, como não poderia ser de outro modo,
dependeriam das provas disponíveis sobre a prática do delito por parte de A, de modo que dificilmente
uma probabilidade poderia ser diferente da outra. Em resumo, mais do que dois níveis de probabilidade,
estaríamos diante de uma iteração redundante. Embora esta não seja mais a tese de Ferrua, talvez sua
intuição possa ser reformulada sustentando que o padrão de prova relativo ao fumus comissi delicti para
decretar a prisão preventiva é uma função do padrão de prova para a decisão final sobre a culpabilidade (e
isso poderia se estender também a outras decisões). Tratar-se-ia de transferir para os padrões de prova a
reconstrução que J. T. McNaughton propôs para a relação entre o ônus da produção e o ônus da persuasão
nos Estados Unidos. Assim, poderia ser proposto que o padrão de prova que regula a decisão

sobre o fumus comissi delicti é uma função do padrão de prova que rege a decisão final sobre a
culpabilidade: o juiz que deve adotar o primeiro deveria então avaliar se, com as provas disponíveis, é
esperável que o padrão de prova final seja atendido quando chegar o momento. Não é descartável que
uma relação desse tipo possa funcionar para algum par de padrões que regem decisões distintas em um
mesmo processo. No entanto, não é viável no caso que nos ocupa, visto que, ao contrário do que ocorre
no sistema estadunidense no momento de concluir o pré-julgamento, quando o juiz deve tomar a decisão
sobre a prisão preventiva, muitas vezes não se dispõe de muitas das provas de acusação (que ainda estão
sendo coletadas) e muito menos das provas de defesa que possam ser apresentadas. Assim, dificilmente
seria possível fazer uma estimativa da satisfação final de um padrão de prova por um conjunto probatório
ainda indeterminado. Em última análise, são diversas as decisões probatórias que devem ser tomadas ao
longo do procedimento judicial, e todas elas devem ser regidas por padrões de prova que ofereçam
garantias de controle sobre a correção da decisão. Nada impede que duas ou mais dessas decisões possam
ser regidas por um mesmo padrão, e também não impede que alguma delas tenha como critério a
estimativa do cumprimento futuro do padrão que rege outra das decisões, mas a tendência geral deve ser
ascendente no nível de suficiência probatória requerido, seguindo a linha do tempo do processo. Até aqui,
apresentei os quatro requisitos metodológicos que julgo necessários para um adequado desenho
processual e uma correta formulação dos padrões de prova. Resta agora abordar as razões que podem ser
aduzidas para exigir um maior ou menor nível de suficiência probatória, mas isso será questão para o
próximo capítulo.

CAPÍTULO 2

A FUNDAMENTAÇÃO DO NÍVEL DE EXIGÊNCIA PROBATÓRIA DOS PADRÕES DE PROVA

AS FUNÇÕES DOS PADRÕES DE PROVA

Os padrões de prova são regras que, como já mencionei repetidamente, determinam o nível de suficiência
probatória para que uma hipótese possa ser considerada provada (ou suficientemente corroborada) para
efeitos de uma decisão sobre os fatos. Ao realizar essa determinação, eles desempenham três funções de
extrema importância no âmbito do processo de decisão probatória: 1) fornecem os critérios essenciais
para a justificação da decisão em si, no que diz respeito à suficiência probatória; 2) servem como garantia
para as partes, permitindo-lhes tomar suas próprias decisões em relação à estratégia probatória e controlar
a correção da decisão sobre os fatos; e 3) distribuem o risco de erro entre as partes. Todas essas funções
são cumpridas independentemente do nível de exigência probatória que cada padrão de prova requer,
embora a distribuição concreta do risco de erro seja dependente do limiar de suficiência probatória
estabelecido. Vamos examinar isso com um pouco mais de detalhes.

1.1. Os padrões de prova fornecem os critérios de justificação das decisões probatórias

Como destacado por Gascón Abellán, os padrões de prova desempenham uma função heurística e
justificativa. A primeira, oferecendo aos juízes um guia sobre quais critérios devem ter em mente ao
avaliar a prova, pois deles dependerá a decisão. A segunda, fornecendo precisamente os critérios que
determinam o limiar de suficiência probatória a partir do qual uma hipótese pode ser considerada
provada. Se, no momento da decisão, o juiz não dispõe desses critérios, torna-se impossível cumprir a
obrigação legal de motivar a decisão, ou seja, justificar que, à luz das provas apresentadas e praticadas,
alguma das hipóteses fáticas em conflito ultrapassa ou não o limiar de suficiência probatória que a
habilita a ser aceita como provada em seu raciocínio.

Em contraposição à tese da necessidade de ter padrões de prova para justificar as decisões probatórias,
não é incomum encontrar reações contrárias em nome da livre valoração da prova, equiparando os
padrões de prova a regras de prova taxativa. No entanto, do ponto de vista conceitual, não se trata apenas
de maneiras diferentes de regular a decisão probatória, mas até mesmo de algo incompatível. As regras de
prova legal indicam ao juiz um resultado probatório que deve ser extraído a partir da presença no
processo de certos meios de prova. Com isso, o legislador evita qualquer raciocínio probatório do juiz,
que deve se limitar a aplicar a regra de prova legal uma vez constatado, por exemplo, que um documento
público foi apresentado no processo. Em contraste, os padrões de prova não apenas não excluem o
raciocínio probatório do juiz, mas o pressupõem. O juiz deverá avaliar a prova e determinar o grau de
corroboramento que as provas fornecem às diferentes hipóteses sobre os fatos. Somente após esse
trabalho, a aplicação do padrão de prova será feita para determinar se o grau de corroboramento
alcançado é suficiente para considerar alguma das hipóteses como provada. Regras de prova legal e
padrões de prova compartilham o fato de serem tipos de regras sobre a decisão probatória e divergem em
tudo o mais. Anderson, Schum e Twining apresentaram uma analogia com os critérios de decisão na
correção de exames que pode ser esclarecedora aqui. Podemos atribuir aos professores a tarefa de avaliar
a qualidade das respostas dos alunos nos exames, algo que só pode ser feito no caso concreto, mas é
necessário ter uma unidade de medida para essa avaliação, na qual seja preestabelecido qual é a nota
mínima para ser aprovado na matéria. Se, com base no caso concreto, cada professor pudesse decidir não
apenas sua avaliação do exame do aluno, mas também a nota mínima para aprovação, os alunos estariam
diante de uma total insegurança jurídica. Portanto, cada país regulamentou a escala de avaliação e
estabeleceu com qual nota o aluno é considerado aprovado na matéria. E ninguém diz que essa
regulamentação afeta a avaliação (livre) dos exames pelos professores. De fato, será cada professor, em
relação a cada exame, que deverá determinar se as respostas dadas são suficientemente boas para merecer
a nota mínima para aprovação. Essa é uma decisão não sujeita a regras jurídicas, embora não possa ser
arbitrária. Mas a nota mínima para aprovação é a mesma para todos e é decidida por meio de regras que
expressam políticas públicas. Bem, os padrões de prova são para a decisão probatória o que a nota
mínima é para a avaliação realizada pelos professores.
Além disso, os padrões de prova possibilitam o controle da correção do raciocínio probatório por meio de
recursos. Assim, em apelação, por exemplo, o tribunal deverá revisar a decisão recorrida com base em sua
motivação, controlando se a avaliação individual das provas foi adequada, se na avaliação conjunta foi
atribuído um grau de corroboramento correto às diferentes hipóteses em conflito no processo e se o
padrão de prova que regula essa decisão foi aplicado de maneira apropriada para determinar se esse grau
de corroboramento é ou não suficiente para considerar alguma das hipóteses fáticas como provada. Como
espero que fique claro neste ponto, se não houver padrões de prova que atendam aos requisitos
metodológicos expostos no capítulo anterior, não é possível justificar as decisões sobre os fatos nem
controlar a justificação das decisões dos outros. Este problema é observado também em sistemas anglo-
saxões com júri. Assim, por exemplo, nos processos civis americanos, as partes podem pedir ao juiz
profissional um summary judgment a seu favor, evitando ir a julgamento, com base na evidente
insuficiência de prova; ou, sob o mesmo fundamento, após o julgamento oral perante o júri, as partes
podem pedir ao juiz profissional um judgment as a matter of law antes de o júri decidir ou depois do
mesmo, se mostrar que o veredicto está baseado em prova insuficiente. Situações muito semelhantes
também surgem no processo penal. Mas como um juiz profissional pode justificar a evidente insuficiência
probatória — isto é, que nenhum júri razoável poderia considerar satisfeito o padrão de prova a partir da
prova apresentada — se não houver padrões de prova que ofereçam critérios intersubjetivamente
controláveis de suficiência probatória? Uma dupla circunstância cultural, nos países de common law e de
civil law, teve como consequência que não seja dada a devida atenção a essa função dos padrões de prova,
que, como vimos no capítulo anterior, os vincula estreitamente ao direito ao devido processo e ao Estado
de direito. Por um lado, nos países de common law, a falta da obrigação de motivar as decisões sobre os
fatos, que erroneamente parece diminuir a importância de ter critérios de justificação intersubjetivamente
controláveis dessas decisões. Por outro lado, nos países de civil law e, especialmente, nos latinos, o
abandono dos sistemas de prova taxada levou a uma radical assunção da liberdade do juiz para valorar a
prova, entendida como atividade não sujeita a nenhuma regra além do livre convencimento. Ambas as
circunstâncias culturais estão, de fato, atravessadas pelo mesmo padrão: uma concepção persuasiva ou
subjetivista da prova.

1.2. Os Padrões de Prova Desempenham uma Função de Garantia para as Partes

Enquanto fornecem critérios e orientações para os julgadores, os padrões de prova constituem uma
garantia para as partes em diversos aspectos. Conforme argumentado no capítulo anterior, a
predeterminação do nível de suficiência probatória por meio de regras que atendam aos requisitos
metodológicos lá analisados é uma das condições do devido processo legal e, por extensão, do Estado de
direito.

Somente se as partes puderem conhecer o limiar de suficiência probatória poderão tomar decisões
racionais antes e durante o processo em relação à estratégia de defesa de seus interesses. Em primeiro
lugar, decidindo se apresentam ou não uma questão de fato perante um tribunal civil, levando em
consideração as provas disponíveis; ou avaliando as possibilidades de um acordo com a parte contrária e
o valor de reserva até o qual estão dispostas a ceder, novamente com base na solidez das provas de que
dispõem. No entanto, é importante lembrar mais uma vez que essa solidez não depende apenas das
próprias provas, mas de sua capacidade de elevar o grau de corroboramento da hipótese fática sustentada
até ultrapassar o limiar de suficiência probatória exigido pelo padrão de prova aplicável.

Em segundo lugar, se estivermos lidando com um processo penal, o conhecimento do padrão de prova
aplicável permitirá ao promotor avaliar quão sólida é a acusação que pretende exercer, desestimulando o
oferecimento de acusações sem o devido fundamento probatório. Quanto à defesa, o conhecimento do
limiar de suficiência probatória adquire importância crucial no âmbito dos mecanismos de plea bargaining
(ou, conforme os países, término antecipado, sentença de conformidade, julgamento abreviado, etc.).
Nessas situações, o acusado se encontra na posição de ter que aceitar ou não a oferta de uma pena
reduzida (em troca da admissão dos fatos) sem conhecer as regras sobre suficiência probatória que lhe são
aplicáveis caso rejeite a oferta. As condições mínimas para tomar uma decisão racional nesse contexto são
que o acusado conheça as provas favoráveis e contrárias disponíveis e possa fazer uma estimativa da
probabilidade de que, com essas provas, o padrão de prova exigido para o caso seja atendido. Isso, claro,
pressupõe que o padrão de prova deve ser conhecido e formulado de acordo com os requisitos
metodológicos apresentados neste trabalho (especialmente, que seus critérios não dependam de elementos
subjetivos do julgador e sejam suficientemente precisos na determinação do limiar de suficiência
probatória). A rápida expansão dessas modalidades de término antecipado do processo e o alto percentual
de casos penais que são resolvidos por meio delas tornam especialmente importante essa função dos
padrões de prova.

Dada a dependência que outras regras de decisão probatória têm em relação aos padrões de prova, a
correta determinação destes últimos também se torna uma garantia da correta aplicação das primeiras. Por
exemplo, as regras que determinam as cargas de prova (no sentido objetivo), ou seja, quem perde se não
houver prova suficiente, pressupõem que temos determinado o limiar de suficiência probatória. O mesmo
acontece com as chamadas presunções iuris tantum, cuja aplicação pressupõe que não tenham sido
derrotadas por prova suficiente em contrário. Isso é particularmente importante no processo penal, no que
diz respeito à presunção de inocência, como regra de julgamento, que só pode ser uma garantia para o
acusado se for possível conhecer o limiar de suficiência probatória a partir do qual a presunção é
derrotada.

Finalmente, a existência de regras que determinam os padrões de prova aplicáveis em um processo


desempenha uma função importante para controlar a correção das decisões em si. Isso permite que as
partes avaliem a viabilidade de interpor recursos contra elas e, especialmente, formularem suas alegações
para mostrar a falta de justificação da decisão recorrida. Assim, a parte poderá argumentar erros na
identificação do padrão de prova aplicável ou, mesmo que o padrão tenha sido corretamente
individualizado pelo julgador, erros em sua aplicação. O caso mais comum dessa última possibilidade é
aquele em que a parte sustenta que, à luz das provas admitidas e praticadas no processo, a hipótese que foi
declarada provada não atingiu o limiar de suficiência probatória ou, inversamente, que alguma hipótese
que foi declarada não provada atingiu esse limiar. No entanto, esse tipo de controle e alegações em sede
de recurso não são possíveis se os critérios de justificação da decisão, no que diz respeito à suficiência
probatória, não estiverem predeterminados e forem conhecidos. Assim, em resumo, a indeterminação
desse limiar de suficiência esvazia o próprio direito ao recurso das partes no processo no que diz respeito
aos aspectos fáticos do mesmo.
1.3. Os Padrões de Prova Distribuem o Risco de Erro entre as Partes

As duas primeiras funções dos padrões de prova (ou seja, fornecer critérios de justificação das decisões e
servir de garantia para as partes) não dependem do nível específico de exigência probatória que cada um
deles impõe: elas são cumpridas pelo simples fato de sua existência, desde que os requisitos
metodológicos para sua formulação sejam atendidos. A essas, no entanto, adiciona-se uma terceira função
dos padrões de prova, que decorre do limiar específico de suficiência probatória estabelecido por cada
padrão de prova: a distribuição do risco de erro entre as partes. A doutrina majoritária, especialmente a
anglo-saxônica, concentrou sua atenção nessa última função dos padrões de prova. No entanto, esta é uma
das equívocos que eu gostaria de destacar neste trabalho: enfatizar apenas a função dos padrões de prova
de distribuir o risco de erro (ou de distribuir os erros, como alguns autores dizem) obscurece o papel
fundamental que eles desempenham como critério de justificação das decisões judiciais e como garantia
para as partes; em outras palavras, negligencia o fato de que ter padrões de prova corretamente
estabelecidos é parte substancial do devido processo legal.

1.2. Os Padrões de Prova Desempenham uma Função de Garantia para as Partes

Enquanto fornecem critérios e orientações para os julgadores, os padrões de prova constituem uma
garantia para as partes em diversos aspectos. Conforme argumentado no capítulo anterior, a
predeterminação do nível de suficiência probatória por meio de regras que atendam aos requisitos
metodológicos lá analisados é uma das condições do devido processo legal e, por extensão, do Estado de
direito.

Somente se as partes puderem conhecer o limiar de suficiência probatória poderão tomar decisões
racionais antes e durante o processo em relação à estratégia de defesa de seus interesses. Em primeiro
lugar, decidindo se apresentam ou não uma questão de fato perante um tribunal civil, levando em
consideração as provas disponíveis; ou avaliando as possibilidades de um acordo com a parte contrária e
o valor de reserva até o qual estão dispostas a ceder, novamente com base na solidez das provas de que
dispõem. No entanto, é importante lembrar mais uma vez que essa solidez não depende apenas das
próprias provas, mas de sua capacidade de elevar o grau de corroboramento da hipótese fática sustentada
até ultrapassar o limiar de suficiência probatória exigido pelo padrão de prova aplicável.

Em segundo lugar, se estivermos lidando com um processo penal, o conhecimento do padrão de prova
aplicável permitirá ao promotor avaliar quão sólida é a acusação que pretende exercer, desestimulando o
oferecimento de acusações sem o devido fundamento probatório. Quanto à defesa, o conhecimento do
limiar de suficiência probatória adquire importância crucial no âmbito dos mecanismos de plea bargaining
(ou, conforme os países, término antecipado, sentença de conformidade, julgamento abreviado, etc.).
Nessas situações, o acusado se encontra na posição de ter que aceitar ou não a oferta de uma pena
reduzida (em troca da admissão dos fatos) sem conhecer as regras sobre suficiência probatória que lhe são
aplicáveis caso rejeite a oferta. As condições mínimas para tomar uma decisão racional nesse contexto são
que o acusado conheça as provas favoráveis e contrárias disponíveis e possa fazer uma estimativa da
probabilidade de que, com essas provas, o padrão de prova exigido para o caso seja atendido. Isso, claro,
pressupõe que o padrão de prova deve ser conhecido e formulado de acordo com os requisitos
metodológicos apresentados neste trabalho (especialmente, que seus critérios não dependam de elementos
subjetivos do julgador e sejam suficientemente precisos na determinação do limiar de suficiência
probatória). A rápida expansão dessas modalidades de término antecipado do processo e o alto percentual
de casos penais que são resolvidos por meio delas tornam especialmente importante essa função dos
padrões de prova.

Dada a dependência que outras regras de decisão probatória têm em relação aos padrões de prova, a
correta determinação destes últimos também se torna uma garantia da correta aplicação das primeiras. Por
exemplo, as regras que determinam as cargas de prova (no sentido objetivo), ou seja, quem perde se não
houver prova suficiente, pressupõem que temos determinado o limiar de suficiência probatória. O mesmo
acontece com as chamadas presunções iuris tantum, cuja aplicação pressupõe que não tenham sido
derrotadas por prova suficiente em contrário. Isso é particularmente importante no processo penal, no que
diz respeito à presunção de inocência, como regra de julgamento, que só pode ser uma garantia para o
acusado se for possível conhecer o limiar de suficiência probatória a partir do qual a presunção é
derrotada.

Finalmente, a existência de regras que determinam os padrões de prova aplicáveis em um processo


desempenha uma função importante para controlar a correção das decisões em si. Isso permite que as
partes avaliem a viabilidade de interpor recursos contra elas e, especialmente, formularem suas alegações
para mostrar a falta de justificação da decisão recorrida. Assim, a parte poderá argumentar erros na
identificação do padrão de prova aplicável ou, mesmo que o padrão tenha sido corretamente
individualizado pelo julgador, erros em sua aplicação. O caso mais comum dessa última possibilidade é
aquele em que a parte sustenta que, à luz das provas admitidas e praticadas no processo, a hipótese que foi
declarada provada não atingiu o limiar de suficiência probatória ou, inversamente, que alguma hipótese
que foi declarada não provada atingiu esse limiar. No entanto, esse tipo de controle e alegações em sede
de recurso não são possíveis se os critérios de justificação da decisão, no que diz respeito à suficiência
probatória, não estiverem predeterminados e forem conhecidos. Assim, em resumo, a indeterminação
desse limiar de suficiência esvazia o próprio direito ao recurso das partes no processo no que diz respeito
aos aspectos fáticos do mesmo.

1.3. Os Padrões de Prova Distribuem o Risco de Erro entre as Partes

As duas primeiras funções dos padrões de prova (ou seja, fornecer critérios de justificação das decisões e
servir de garantia para as partes) não dependem do nível específico de exigência probatória que cada um
deles impõe: elas são cumpridas pelo simples fato de sua existência, desde que os requisitos
metodológicos para sua formulação sejam atendidos. A essas, no entanto, adiciona-se uma terceira função
dos padrões de prova, que decorre do limiar específico de suficiência probatória estabelecido por cada
padrão de prova: a distribuição do risco de erro entre as partes. A doutrina majoritária, especialmente a
anglo-saxônica, concentrou sua atenção nessa última função dos padrões de prova. No entanto, esta é uma
das equívocos que eu gostaria de destacar neste trabalho: enfatizar apenas a função dos padrões de prova
de distribuir o risco de erro (ou de distribuir os erros, como alguns autores dizem) obscurece o papel
fundamental que eles desempenham como critério de justificação das decisões judiciais e como garantia
para as partes; em outras palavras, negligencia o fato de que ter padrões de prova corretamente
estabelecidos é parte substancial do devido processo legal.

1.3.1. Justificativa Teórica da Distribuição do Risco de Erro

Como afirmei anteriormente, para aqueles que afirmam que os padrões de prova só têm ou devem ter a
função de distribuir o risco de erro entre as partes, essas regras só fazem sentido à luz dessa distribuição.
A definição do nível de exigência probatória seria, assim, a escolha entre um ou outro equilíbrio no risco
de erro (isto é, decidir quem deve suportar o ônus de uma decisão equivocada). Nesse sentido, aqueles
que defendem essa concepção argumentam que, ao contrário do que ocorre na análise de outras
instituições processuais, o propósito dos padrões de prova não é alcançar a verdade, mas apenas regular a
distribuição do risco de erro.

A justificação teórica da distribuição do risco de erro, mesmo que seja compreendida apenas como a única
função dos padrões de prova, ainda requer uma análise aprofundada. Por que decidir quem deve perder
em caso de dúvida probatória? A resposta a essa pergunta não pode ser arbitrária, pois, como apontado
anteriormente, o padrão de prova escolhido afeta diretamente as demais funções dos padrões de prova,
especialmente a de critério de justificação das decisões judiciais e garantia processual das partes.

A teoria da decisão judicial pode oferecer uma explicação para essa justificação teórica. Em um sistema
de incerteza inerente às decisões sobre fatos, o julgador não pode determinar a verdade com certeza. A
natureza intrinsecamente incerta da tarefa de decidir sobre os fatos impõe a aceitação da possibilidade de
erro na decisão judicial. Dessa forma, a distribuição do risco de erro, através dos padrões de prova, seria
um mecanismo para lidar com essa incerteza inerente.

A abordagem proposta por esta tese, que busca a justificação epistêmica e prática dos padrões de prova,
entende que essa distribuição do risco de erro não é um fim em si mesma, mas uma consequência
necessária das limitações epistêmicas do julgador e da necessidade prática de encerrar os litígios. A
aceitação da incerteza não significa abraçar o ceticismo absoluto, mas reconhecer a natureza indutiva do
raciocínio judicial sobre fatos. Diante da impossibilidade de alcançar certeza, os padrões de prova são
estabelecidos para gerenciar essa incerteza, tomando decisões baseadas em probabilidades indutivas e, ao
mesmo tempo, distribuindo o ônus da incerteza de maneira equitativa entre as partes.

1.3.2. A Teoria das Apostas como Fundamentação da Distribuição do Risco de Erro

A teoria das apostas oferece uma perspectiva útil para entender a distribuição do risco de erro. Essa teoria
sugere que a decisão judicial pode ser vista como uma aposta em que o julgador avalia as probabilidades
das hipóteses fáticas em disputa e decide qual delas é mais provável de acordo com as provas
apresentadas. Nesse contexto, o julgador "aposta" na hipótese que considera mais provável e decide o
caso com base nessa aposta.

Ao assumir a perspectiva das apostas, torna-se evidente que o julgador não pode evitar o risco de erro.
Independentemente do padrão de prova adotado, há sempre a possibilidade de que a hipótese considerada
mais provável seja falsa. A teoria das apostas destaca que, em um cenário de incerteza, a decisão judicial é
uma aposta inevitável.

A distribuição do risco de erro ocorre na medida em que, ao escolher um padrão de prova específico, a
sociedade decide quem deve suportar o ônus da aposta perdida. A escolha do padrão de prova determina
qual parte perderá se a aposta do julgador estiver errada. Essa distribuição equitativa do ônus reflete a
compreensão de que ambas as partes assumem riscos ao litigar, e o sistema judicial deve proporcionar
uma alocação justa desses riscos.

1.3.3. Impondo Estândares de Prova Mais Exigentes é a Melhor Maneira de Reduzir o Número de
Condenações Falsas?

Este é um equívoco comum, especialmente nos debates sobre o design processual em países latinos,
sejam europeus ou americanos. Parece ser assumido que a única, melhor ou primeira maneira de reduzir
os falsos positivos ou condenações falsas é aumentar o nível de exigência do padrão de prova para
considerar uma hipótese como comprovada. Isso resultaria em um menor número de condenações falsas,
mas ao custo de também reduzir o número de condenações corretas. Para desfazer esse equívoco, é
necessário examinar esse ponto com mais cuidado, seguindo o argumento convincente de DeKay, que
demonstrou que o número total de erros depende da proporção de verdadeiros culpados (civis ou penais)
que chegam ao processo e da riqueza e confiabilidade do conjunto probatório disponível. Assim,
mantendo constante o número de verdadeiros culpados e inocentes julgados, quanto maior o peso
probatório do conjunto de evidências disponíveis, maior será a capacidade de distinguir entre eles e,
portanto, menores serão os erros. Mais uma vez, a apresentação gráfica desse ponto pode auxiliar na
compreensão.

Es comum assumir que as curvas que representam os verdadeiros inocentes e os verdadeiros culpados
julgados em um processo se cruzam. Isso ocorre porque, em relação a alguns verdadeiros inocentes, pode
haver um conjunto consistente de evidências contra eles e vice-versa. Isso é o que resulta no surgimento
de segmentos de condenações falsas (F.C., no gráfico 4) e de absolvições falsas (F.A. no gráfico 4). O
aumento do peso probatório, indicado pela linha horizontal que vai da parte superior de uma curva para a
outra, faz com que as duas curvas se separem. Isso representa o efeito de que, com um acervo probatório
mais completo, a probabilidade de os verdadeiros culpados serem considerados culpados aumenta,
enquanto a probabilidade de os verdadeiros inocentes serem considerados culpados diminui.

Um sistema de justiça em que decisões sobre os fatos são tomadas com acervos probatórios fracos
resultará em muitos erros. Além de se preocupar com o quão exigente é o padrão de prova, é necessário
estabelecer mecanismos que melhorem a investigação de crimes, aumentem a riqueza das provas,
facilitem o acesso às provas por todas as partes e aprimorem a prática das provas para extrair toda a
informação possível sobre os fatos e sua confiabilidade.

O autor argumenta sobre a necessidade de padrões de prova corretamente formulados e destaca a função
crucial que eles desempenham como critérios de correção das decisões probatórias e como garantias para
as partes. No entanto, enfatiza que o núcleo das garantias processuais deve se preocupar também com a
eficiência do sistema na descoberta da verdade.

O padrão de prova deve ser capaz de refletir e produzir a taxa de distribuição de erros considerada
socialmente aceitável. A relação entre os padrões de prova e a distribuição de erros é complexa, e o autor
destaca a necessidade de considerar a distribuição dos erros de ambos os tipos ao estabelecer um padrão
de prova. O autor argumenta contra uma abordagem exclusivamente probabilística-matemática na
formulação dos padrões de prova, destacando a complexidade do raciocínio probatório.

Laudan propõe que o padrão de prova seja baseado na relação entre absolvições verdadeiras e
condenações falsas, buscando evitar o impacto de outras regras processuais na distribuição de erros. No
entanto, o autor argumenta que algumas dessas regras são essenciais para proteger direitos fundamentais e
que nem todas podem ser eliminadas sem mais considerações.

O processo judicial é uma maquinaria complexa, na qual várias de suas peças têm impacto na distribuição
de erros, algumas de forma colateral (porque não é sua função principal) e outras de forma direta. No
entanto, é importante considerar a incidência das regras na distribuição de erros de uma perspectiva
dinâmica, e não apenas estática.

Ao apresentar gráficos que demonstram o impacto de fixar o padrão de prova em diferentes níveis de
exigência probatória na distribuição de erros, assumi implicitamente duas premissas: 1) que a única peça
do processo que estava se movendo era o padrão de prova, sem alterar nenhuma das outras peças que
podem influenciar a distribuição, e 2) que diferentes padrões de prova estavam sendo aplicados a casos já
existentes, com seus conjuntos de evidências determinados.

No entanto, a perspectiva estática dessa segunda condição é completamente insuficiente se quisermos que
o padrão de prova seja capaz de produzir uma distribuição específica de erros que consideramos
adequada. Para isso, é necessário adotar uma perspectiva dinâmica que reflita como os padrões de prova
impactam as práticas processuais, estratégias de investigação e estratégias das partes.

Como afirmado por Allen, um aspecto desse dinamismo é que as partes decidem quais casos entrarão no
sistema judicial e podem adaptar sua decisão à luz das mudanças nas regras. Portanto, a simples
suposição de que mudar a carga de alegação ou persuasão [ou seja, o padrão de prova], ou qualquer outra
parte do procedimento, causará mais erros de um tipo ou de outro, ou qualquer outra relação causal
sugerida entre regulamentações e resultados, é obviamente não analiticamente verdadeira; isso depende
de como o sistema responde à mudança.

Em outras palavras, como destaquei anteriormente, o padrão de prova desempenha uma função de
garantia para as partes no sentido de tornar previsíveis as decisões sobre os fatos, dadas as evidências
disponíveis. Dessa forma, as partes podem decidir não levar seu caso ao processo e concordar antes ou
nem mesmo apresentá-lo, o que terá, evidentemente, um efeito na quantidade e distribuição de
verdadeiros inocentes e culpados que chegam ao processo e, consequentemente, na distribuição final de
erros.
No entanto, os efeitos dinâmicos da determinação de um padrão de prova mais alto ou mais baixo
também podem afetar o peso do conjunto probatório levado ao processo e, portanto, a qualidade da
atividade investigativa prévia. Como observou Ramírez Ortiz, quanto menores forem os níveis de
exigência probatória aceitos pelos tribunais, menores serão os esforços investigativos realizados pelos
corpos policiais e órgãos de investigação e acusação. Por outro lado, maiores níveis de exigência
incentivam melhores investigações e coleta de provas de diferentes origens.

Embora não haja uma ligação conceitual ou empírica necessária entre a diminuição do limite de
suficiência probatória e a piora da qualidade das investigações policiais, não é absurdo pensar que, de
fato, em certas situações, uma exigência probatória maior incentive a realização de investigações mais
abrangentes. Se assim for, isso impactaria no aumento do peso probatório e, como demonstrado por
DeKay e mencionado anteriormente, na diminuição total de erros e em sua distribuição.

Por outro lado, a perspectiva dinâmica não deveria ser adotada apenas para medir as taxas de distribuição
de absolvições verdadeiras e falsas, e condenações verdadeiras e falsas, mas também para medir os custos
associados a umas e outras, a fim de determinar as taxas que consideramos adequadas. Nesse sentido,
Epps tem insistido na conveniência de revisar dinamicamente os custos de estigmatização causados por
condenações e os custos na capacidade dissuasiva do direito causados por absolvições falsas; e Kaplow
também tem insistido na necessidade de medir não apenas os efeitos na dissuasão de comportamentos
ilícitos, mas também o chamado "efeito inibidor", ou seja, os efeitos sobre comportamentos que são
considerados desejáveis, mas que, por medo de serem confundidos com comportamentos ilícitos, deixam
de ser realizados.

A dificuldade que a perspectiva dinâmica representa para a determinação das taxas de absolvições e
condenações falsas (ou qualquer outra combinação entre decisões corretas e erradas) se soma a um
problema fundamental para a estratégia de determinar o limite de suficiência probatória a partir da taxa de
distribuição de erros que consideramos adequada: para que isso seja viável, precisaríamos ter um
mecanismo que permitisse identificar as absolvições e condenações falsas que não dependesse de seu
próprio objeto de análise, ou seja, das provas existentes no processo judicial e do raciocínio probatório
aplicado a elas. Assim, por exemplo, se quisermos determinar a taxa de falsos positivos e falsos negativos
de um dispositivo para detecção de gravidez, é suficiente aplicá-lo a uma amostra suficientemente grande
de mulheres e observar posteriormente quais delas estavam efetivamente grávidas, comparando com os
resultados do dispositivo. A gravidez das mulheres é perfeitamente identificável independentemente do
dispositivo em si, o que permite estabelecer a taxa de erros de falsos positivos e negativos do dispositivo.
Mas qual é o mecanismo com o qual poderíamos estabelecer a taxa de falsos positivos e negativos
resultante da aplicação de um padrão de prova no processo judicial? Não há maneira, em minha opinião,
de projetar um mecanismo independente das próprias provas, do raciocínio probatório e da aplicação de
um ou outro padrão de prova.

Como afirma enfaticamente Epps, 'não há maneira de medir a taxa exata entre condenações falsas e
absolvições falsas que nosso sistema gera.'

Em resumo, se não tivermos informações sobre a quantidade e distribuição de verdadeiros inocentes e


verdadeiros culpados que são julgados, não podemos identificar mecanismos causais diretos que vinculem
os padrões de prova a taxas específicas de distribuição de decisões errôneas. E, pior ainda, não é possível
obter informações empíricas confiáveis sobre essas mesmas taxas, tornando completamente inviável a
estratégia de fundamentar o nível de exigência probatória dos padrões de prova nas taxas de distribuição
de erros que supostamente resultariam.

O que resta, então, da relação entre padrões de prova e distribuição de erros? Como vimos, a intuição de
que a determinação do nível de exigência probatória tem incidência sobre como as decisões errôneas,
entre falsas condenações e falsas absolvições, são distribuídas, é amplamente difundida na literatura.
Apesar de todas as dificuldades apontadas até aqui, essa é, na minha opinião, uma intuição saudável. O
problema é que, muitas vezes, atribuiu-se aos padrões de prova a capacidade de determinar causalmente a
distribuição de erros, o que se mostrou totalmente infundado. Precisaremos procurar, portanto, uma
relação mais indireta ou mais fraca entre o limite de suficiência probatória e a distribuição de erros.

Embora não se possa dizer que a decisão sobre o limite de suficiência probatória tenha um impacto direto
na distribuição de erros, ela tem impacto na atribuição às partes de quem deve suportar o risco de erro e a
magnitude desse risco. Basta mostrar que, sobre o mesmo conjunto probatório, a aplicação de um padrão
de prova exigente resultaria, por exemplo, em absolvição, enquanto a aplicação de um padrão de prova
menos exigente levaria à condenação. No primeiro caso, seria a acusação que assumiria o risco do erro,
enquanto na segunda seria a defesa. Não se trata de, à maneira de Laudan, uma vez determinada a taxa de
erros de um tipo e de outro que consideramos desejável, conseguirmos formular um padrão de prova
capaz de oferecer essa taxa. Trata-se mais de determinar, para cada tipo de casos, a partir de qual grau de
exigência probatória estamos dispostos a permitir que o risco do erro, de uma condenação falsa, recaia
sobre a defesa ou sobre o autor (ou, olhando pela outra face da moeda, até que ponto de exigência
probatória estamos dispostos a permitir que o risco do erro, de uma absolvição falsa, recaia sobre a
acusação ou sobre o demandante). Evidentemente, ceteris paribus, a maior exigência probatória também
aumentará o risco do erro da absolvição falsa, e vice-versa. No entanto, como já vimos, a quantidade total
de erros que efetivamente ocorrerão e sua distribuição não dependerá apenas do nível de exigência
probatória estabelecido pelo padrão, mas também da incidência de outras regras processuais, da
quantidade e distribuição de inocentes e culpados genuínos que chegam ao processo, do peso das
evidências disponíveis e do efeito dinâmico que eles próprios produzem em todos esses aspectos nas
práticas processuais. Por sua vez, a gravidade desses riscos dependerá dos custos de todos os tipos
associados às decisões erradas, o que, por sua vez, tem uma faceta estática e outra dinâmica. Pardo
expressou claramente isso em relação ao padrão da preponderância da prova: 'Como explicou a Suprema
Corte, 'a preponderância da prova produz aproximadamente uma distribuição igual do risco do erro entre
os litigantes', observando que 'qualquer outro padrão expressa a preferência pelos interesses de uma das
partes'. Isso reflete a suposição de que a importância ou os custos do erro contra uma das partes são
aproximadamente equivalentes aos do erro contra a outra parte. No entanto, dadas as limitações
mencionadas, não podemos saber se a regra produz de fato o mesmo número de erros (ou custos iguais).
Na ausência dessa informação, a regra da preponderância expressa o importante valor processual de tratar
as partes de forma igual desde o início do processo.

A ligação do padrão de prova com a gestão do risco em contextos de incerteza levou alguns autores a
considerarem que qualquer padrão mais exigente do que a preponderância da prova é expressão do
chamado princípio da precaução. Não está claro, na realidade, qual é o grau de confirmação exigido pela
fórmula da 'preponderância da prova' e também o que o chamado princípio da precaução exige. No
entanto, poderia ser dito que nessa situação são atendidos os três critérios (necessários e conjuntamente
suficientes) que Sandin caracterizou como a noção cotidiana de precaução: 1) o critério de
intencionalidade (o legislador processual acredita que poderia haver muitas condenações falsas e que um
padrão de prova mais elevado contribuiria para evitar essa quantidade de condenações); 2) o critério de
não certeza (não temos a certeza de que a regulação de um padrão de prova elevado possa evitar as
condenações falsas); e 3) o critério de razoabilidade (o legislador tem boas razões externas para acreditar
que pode haver muitas condenações falsas e para acreditar que essas ocorrerão se não for imposto um
padrão de prova elevado).

Na verdade, é importante notar que a própria noção de risco está longe de ser unívoca. Por exemplo, Aven
e Renn identificaram até dez sentidos nos quais se fala de risco na literatura: 1) como equivalente a perda
esperada; 2) como equivalente a desutilidade esperada; 3) como probabilidade de um resultado adverso;
4) como medida da probabilidade e gravidade de efeitos adversos; 5) como combinação da probabilidade
de um evento e suas consequências; 6) como conjunto de cenários s, cada um deles com uma
probabilidade p e uma consequência c; 7) como uma combinação bidimensional de
eventos/consequências e suas incertezas associadas (sobre se os eventos ocorrerão e quais serão as
consequências); 8) como incerteza dos resultados, ações e eventos; 9) como situação ou evento em que
algo com valor para os seres humanos está em jogo (incluindo os próprios seres humanos) e no qual o
resultado é incerto, e 10) como consequência incerta de um evento ou atividade em relação a algo que os
seres humanos valorizam. É fácil observar como vários sentidos de "risco" listados estão em uso no
debate sobre os padrões de prova. Na minha opinião, de acordo com a análise realizada nas páginas
anteriores, o risco associado às decisões sobre os fatos, de acordo com o padrão de prova de suficiência,
seria do tipo 7: nele, tanto o evento da decisão errada quanto suas consequências são incertos. Para ser
mais preciso, sabemos que haverá decisões erradas, mas não podemos calcular quantas ocorrerão nem, em
muitos casos, identificar quais são uma vez produzidas, e sabemos que terão custos significativos, mas
também não é factível calcular com precisão o peso relativo dos custos associados às decisões erradas.
Isso é, certamente, o que a Agência Europeia do Meio Ambiente chamou de "contexto de ignorância",
caracterizado pelo desconhecimento do impacto das decisões e a falta de conhecimento das
probabilidades de que ocorram, considerando que este é o contexto em que o princípio da precaução deve
prevalecer.

O problema que se apresenta, geral para as propostas de aplicação política do princípio da precaução, é
que a indicação genérica de que é aconselhável agir com precaução diante do risco não resolve o
problema prático de determinar quanto de precaução é conveniente adotar. Traduzido para o problema em
questão, o princípio da precaução aplicado ao risco de condenações falsas oferece uma indicação genérica
de agir de maneira a reduzir essas decisões erradas, mas não nos ajuda a determinar o grau de exigência
probatória que consideraremos suficiente.

Por outro lado, no tipo de situação que enfrentamos, não é apenas o risco de um evento indesejável, mas
dois: condenações falsas e absolvições falsas, então teremos que decidir qual atribuição de riscos estamos
dispostos a fazer a cada parte no procedimento, cientes de que aumentar o nível de exigência probatória
determinado pelo padrão de prova diminui o risco de condenação falsa, mas aumenta o risco de
absolvição falsa. Mais uma vez, isso nos coloca, de qualquer forma, na necessidade imperiosa de
melhorar a precisão de nossos sistemas judiciais, ou seja, incentivar a apresentação de acervos probatórios
mais robustos ao processo e o treinamento em raciocínio probatório de todos os operadores do sistema
para que tirem desses acervos probatórios as decisões inferencialmente corretas. Esta é a única política
que permite reduzir simultaneamente o risco de condenações falsas e absolvições falsas. O aumento do
peso do acervo probatório facilita a tomada de decisões materialmente corretas sobre os fatos (porque as
curvas de inocentes genuínos e culpados se distinguem mais). Um melhor treinamento em raciocínio
probatório dos operadores também redundará na diminuição de erros inferenciais (que, por sua vez,
podem ser causa de erros materiais).

**2. A DECISÃO SOBRE O UMBRAL DE SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA É CONTEXTUAL**

Em nossa vida cotidiana, há ocasiões contínuas em que precisamos tomar decisões com base em
informações factuais e, para isso, precisamos decidir se consideramos suficiente essa informação para
aceitar uma determinada conclusão e usá-la para agir. Claro, fazemos isso quando julgamos moralmente
um colega, amigo ou parceiro, por exemplo. Mas também quando decidimos comprar um jornal em vez
de outro em um país estrangeiro com base nas informações fornecidas por um amigo local ou pelo
porteiro do hotel onde estamos hospedados. Tomamos esse tipo de decisões sobre a suficiência da
informação para sustentar nossa decisão de comprar uma casa ou um carro. E o nível de exigência sobre a
quantidade e qualidade da informação em cada um desses casos não é o mesmo.

A situação não muda se nos colocarmos em contextos de decisão científica. Veja o exemplo apresentado
por Kaplow no campo médico: [Considere um exemplo simples e razoavelmente familiar no contexto
médico: o uso dos resultados de testes diagnósticos para determinar como tratar um paciente - talvez
administrar um medicamento, realizar uma intervenção cirúrgica ou indicar um teste diagnóstico
adicional mais invasivo. Os testes diagnósticos são indicadores imperfeitos, e seus melhores resultados
oferecem altas probabilidades de presença da doença em questão. Ou seja, os indivíduos que realmente
sofrem da doença têm resultados na faixa alta, enquanto os indivíduos que realmente não sofrem da
doença têm resultados na faixa baixa. O problema é determinar um limite a partir do qual aplicar o
tratamento. Um limite alto resultará em poupos falsos positivos, ou seja, apenas uma pequena porção dos
indivíduos saudáveis receberá o tratamento; no entanto, um limite alto também resultará em muitos falsos
negativos, ou seja, uma porção não desprezível de indivíduos doentes aos quais erroneamente não será
administrado o tratamento. Para determinar o limite ótimo, os custos desses erros devem ser calibrados: se
o não tratamento de indivíduos doentes tiver consequências sérias e o tratamento tiver custos menores
para os indivíduos saudáveis, um limite baixo será ótimo; mas se o não tratamento for apenas
moderadamente problemático e o tratamento de indivíduos saudáveis for muito caro, então um limite alto
será ótimo. Já vimos as dificuldades que surgem no cálculo dos custos na determinação dos padrões
jurídicos de prova, mas o que me interessa agora é destacar a semelhança entre o problema apresentado
na medicina diagnóstica e no direito. E o mesmo acontece, na verdade, entre diferentes disciplinas
científicas: alguém considera, por exemplo, que o limite de evidência suficiente para considerar uma
hipótese comprovada é o mesmo em farmacologia e paleontologia? É claro que em disciplinas diferentes,
são usados padrões de prova diversos, dependendo da gravidade dos erros que cada uma pode produzir.
Mas o que também é evidente em todas elas é que a prova de uma hipótese factual não depende da
convicção do decisor, mas de quão grau de confirmação as evidências disponíveis fornecem à hipótese em
questão e qual padrão de prova é aplicável nesse domínio.

Frente às concepções psicologistas ou persuasivas da prova, que baseiam o raciocínio probatório na


convicção íntima ou nas crenças subjetivas do julgador, a concepção racionalista da prova parte do
axioma de que diante de um mesmo conjunto de provas, não pode haver justificativa ao mesmo tempo
para a condenação e absolvição, dependendo do sujeito que decide. Isso é capturado pela teoria
epistemológica evidencialista, que sustenta que a justificação epistêmica das crenças depende apenas das
provas em que se baseiam. Sendo assim, dois juízes que têm as mesmas provas disponíveis devem sempre
chegar a um mesmo resultado probatório justificado. No entanto, a teoria evidencialista não é capaz de
capturar a ideia de que, dependendo dos bens em jogo, as exigências probatórias podem ser diferentes:
assim, por exemplo, diante das mesmas provas, um juiz civil e um penal que tenham que esclarecer a
responsabilidade civil e penal decorrente do mesmo fato podem ser justificados em chegar a conclusões
probatórias diferentes. Uma maneira de fundamentar teoricamente a relatividade contextual do grau de
exigência probatória para considerar justificada uma hipótese factual é o chamado contextualismo. De
acordo com esta teoria, a justificação de uma crença na qual baseamos uma decisão prática é contextual e
depende da importância do que está em jogo naquela decisão. Um exemplo de Fantl e MacGrath pode ser
útil aqui: imaginemos que estamos na estação de trem de Boston prestes a pegar um trem para Providence
para visitar amigos. Preferimos pegar um trem direto, se possível, mas na realidade isso também não é
fundamental. Nesse contexto, perguntamos a outro passageiro que está esperando pelo mesmo trem se o
próximo é um trem direto e ele nos responde que não. Agora, imaginemos que nos encontramos na
mesma situação e local, mas que, por razões que dependem de toda a nossa carreira profissional,
precisamos ir urgentemente para Foxboro, uma pequena parada intermediária no caminho para
Providence; perguntamos também ao mesmo passageiro que espera o trem e ele nos informa que o
próximo trem faz parada em todas as estações. A pergunta é a seguinte: a informação oferecida pelo
passageiro é suficiente para ter a crença justificada de que o trem faz parada em Foxboro (e,
consequentemente, tomar a decisão de embarcar no trem na primeira situação)?, e na segunda? Dado que
a informação é a mesma e a fonte também, a concepção evidencialista da justificação de crenças deveria
responder sim ou não nos dois casos. O contextualismo, por outro lado, é sensível ao interesse prático da
decisão ao determinar o grau de informação considerado suficiente para justificar a crença na qual a
decisão se baseia. Assim, de acordo com essa teoria, poderíamos responder que, mesmo com a mesma
informação disponível, estamos justificados em acreditar que o trem faz parada em Foxboro na primeira
situação e não, no entanto, na segunda: nesta última, dada a importância do que está em jogo, a
justificação da crença exigiria mais informações e mais confiáveis.

É interessante observar que o que caracteriza o contextualismo na epistemologia é que aquilo que se
adapta ao contexto é o padrão de prova para considerar uma crença justificada a partir de um conjunto de
informações. Assim, para o contextualismo epistêmico, as condições de verdade de uma proposição como
"S sabe que p" dependem do contexto. No entanto, a questão relevante é qual contexto é o determinante.
Existem duas correntes principais de contextualismo epistêmico, denominadas contextualismo semântico
e contextualismo inferencialista ou substantivo. Para o primeiro, as condições de verdade de "S sabe que
p" dependem do contexto em que a afirmação é feita, ou seja, do contexto de quem atribui a S o
conhecimento de p: seus propósitos, intenções, expectativas, pressuposições, etc. Assim, duas pessoas
podem afirmar "S sabe que p" e "S não sabe que p", ambas sendo verdadeiras, dependendo do contexto
em que cada falante atribui ou não conhecimento.

No entanto, o contextualismo inferencialista ou substantivo toma como contexto relevante o do sujeito


que conhece (não o de quem atribui o conhecimento). Assume que os contextos se distinguem por sua
estrutura inferencial, não pelo elemento conversacional. Portanto, o valor de verdade da proposição "S
sabe que p" depende das mudanças situacionais, disciplinares e outros fatores contextuais. No entanto, é
difícil encontrar diferenças estruturais de tipo inferencial entre os contextos em que um juiz civil e penal
devem decidir sobre a prova dos mesmos fatos para efeitos de responsabilidade civil e criminal.

Além disso, ambas as versões do contextualismo assumem o conceito clássico de conhecimento, no qual,
para poder afirmar que "S sabe que p", S deve acreditar que p, sua crença deve estar justificada e p deve
ser verdadeiro. No entanto, a atitude proposicional do julgador para declarar fatos probados não pode ser
a crença ou o conhecimento, mas sim a aceitação. A crença é contingente, e a aceitação pode ocorrer
mesmo que o julgador não acredite na hipótese, e vice-versa.

Felizmente, para sustentar o caráter contextual da decisão sobre o limiar de suficiência probatória, não
precisamos do comprometimento com o contextualismo epistemológico, porque essa decisão não tem um
caráter epistemológico, mas sim político. Trata-se da decisão sobre se se atribui um risco de erro
simétrico ou assimétrico às diferentes partes do procedimento e, neste último caso, quanto risco de erro é
atribuído a cada parte. A epistemologia pode ajudar na formulação de padrões de prova, mas não pode
determinar a distribuição adequada do risco de erro para as decisões probatórias, uma vez que isso é uma
questão de política jurídica.

Além disso, estudos empíricos podem ser úteis para entender como as regras processuais sobre a prova
funcionam na prática. A complexidade da máquina processual e a influência de várias peças nesse
processo tornam difícil, senão impossível, conhecer o impacto preciso de uma regra processual específica
na distribuição do risco de erro. No entanto, a informação empírica pode ajudar a estudar como as
decisões probatórias são tomadas e se a atribuição do risco de erro é aceitável.

Em relação ao design processual e aos padrões de prova, a epistemologia e a informação empírica são
úteis, mas a decisão sobre o grau de exigência probatória necessário para considerar uma hipótese fática
provada em um determinado tipo de processo é uma questão de preferências políticas. Não há respostas
corretas para essa decisão, e a livre determinação política da distribuição do risco de erro para cada tipo
de caso deve ser decidida pelo legislador. No entanto, essa abordagem tem sido questionada na
jurisprudência de tribunais superiores nacionais e internacionais, que argumentam que certos tipos de
processos judiciais devem ser regidos por padrões de prova específicos em nome do devido processo.

Por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou que é um requisito do devido processo que
alguns tipos de processos judiciais sejam decididos de acordo com padrões de prova específicos. Da
mesma forma, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sustentou que só se pode condenar se o
resultado das provas comprovar a culpa do acusado além de qualquer dúvida razoável, o que, segundo
eles, decorre do direito à presunção de inocência.

Em resumo, o texto discute as diferentes correntes de contextualismo epistêmico, destacando as


abordagens semânticas e inferenciais. Além disso, aborda a complexidade da decisão sobre o limiar de
suficiência probatória, argumentando que essa decisão é política, não epistemológica. Também destaca a
importância da informação empírica e da epistemologia no design processual e na formulação de padrões
de prova, mas ressalta que a decisão sobre o grau de exigência probatória é uma questão de preferências
políticas, devendo ser decidida pelo legislador. Por fim, o texto menciona objeções à livre determinação
política na distribuição do risco de erro, levantadas por tribunais superiores.
Na Espanha, embora não esteja estabelecido legislativamente, tanto o Tribunal Supremo quanto o
Tribunal Constitucional sustentaram que a vigência do padrão "além de qualquer dúvida razoável" é
inferida do direito à presunção de inocência. Um exemplo ilustrativo é o seguinte: o direito à presunção
de inocência implica o direito de não ser condenado sem provas válidas, o que significa que toda sentença
condenatória deve expressar as provas que fundamentam a declaração de responsabilidade penal. Além
disso, tais provas devem ter sido obtidas com garantias constitucionais, ter sido apresentadas
normalmente no julgamento oral e terem sido avaliadas e fundamentadas pelos tribunais com base nas
regras da lógica e da experiência, de modo que a declaração de culpabilidade seja estabelecida além de
qualquer dúvida razoável.

No entanto, há perplexidade sobre como compreender a fórmula "além de qualquer dúvida razoável",
especialmente à luz da Sentença do Tribunal Constitucional 145/2005. Essa sentença afirma que a regra
só pode ser considerada insuficiente em relação às exigências do direito à presunção de inocência se, com
base na motivação judicial da avaliação global da prova, for objetivamente evidente que a versão judicial
dos fatos era mais improvável que provável. Em tais casos, não se pode considerar razoável a convicção
do órgão judicial ("além de qualquer dúvida razoável"), nem a convicção em si.

Deixando de lado a compreensão deficiente dessa última sentença, é importante focar na relação entre o
devido processo e o padrão de prova, por um lado, e a presunção de inocência e o padrão de prova, por
outro. Em relação ao primeiro par de conceitos, argumenta-se que o Estado de direito e o devido processo
exigem que os limiares de suficiência probatória sejam predefinidos em relação ao processo judicial em
que serão aplicados. No entanto, nem o Estado de direito nem o devido processo exigem um padrão
específico de prova ou, em outras palavras, uma política específica de distribuição do risco de erro. Além
disso, destaca-se a peculiaridade de a Suprema Corte dos Estados Unidos considerar que é um requisito
do devido processo que a decisão sobre a hipótese acusatória em um processo penal seja adotada por meio
de um padrão específico de prova ("além de qualquer dúvida razoável"), ao mesmo tempo em que
mantém uma concepção subjetivista do mesmo e o considera indefinível. Isso levanta a questão sobre que
tipo de garantia é essa.

Quanto à relação entre o direito à presunção de inocência e o padrão de prova, é claro que esse direito, em
sua faceta de regra de julgamento, implica que o acusado deve ser absolvido em caso de dúvida sobre sua
culpabilidade. No entanto, surge a questão de que tipo de dúvida estamos falando. Três possibilidades são
consideradas: 1) dúvida como estado psicológico suscitado pelas provas no julgador (característica de
concepções subjetivistas da prova); 2) dúvida como incerteza racional, que sempre teria espaço, levando à
absolvição e à inutilidade do direito penal; 3) um certo grau de dúvida racional sobre a verdade de uma
hipótese fática, complementar ao grau de corroboração da mesma.

Dado que as possibilidades 1) e 2) são rejeitadas, a interpretação 3) é a única considerada válida. No


entanto, isso deixa em aberto a questão de qual grau de dúvida sobre a hipótese acusatória em um
processo penal é compatível com a condenação do acusado. Assim, a presunção de inocência como regra
de julgamento não diz nada sobre o grau de dúvida racional admissível, ou seja, sobre o padrão de prova a
ser utilizado no processo penal. No entanto, presume-se que haja um padrão de prova cuja aplicação seja
controlável intersubjetivamente, tornando viável a função de garantia da presunção de inocência. Em
outras palavras, a presunção de inocência como regra de julgamento exige a absolvição do acusado, a
menos que haja provas suficientes de sua culpa, derrotando assim a presunção. No entanto, ela não
predetermina qual é o limiar de suficiência probatória. Portanto, o "in dubio pro reo" já se incorpora e se
quantifica ao estabelecer o padrão de prova aplicável. Pode-se argumentar que a presunção de inocência
como princípio informador do procedimento penal inclui uma preferência por um maior risco de erros de
absolvições falsas do que de condenações falsas. No entanto, isso não é suficiente para predeterminar o
padrão de prova e é compatível com diferentes limiares de suficiência probatória.

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