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MÉTODOS E CRITÉRIOS DE DEMARCAÇÃO CIENTÍFICA

INDUTIVISMO vs FALSIFICACIONISMO

INDUTIVISMO

I. CRITÉRIO VERIFICACIONISTA DE DEMARCAÇÃO CIENTÍFICA


O QUE É UM CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO CIENTÍFICA?
Um critério de demarcação científica apresenta as condições que permitem distinguir a ciência da não
ciência, entendendo-se por não ciência quer as disciplinas que não se consideram ciência, como a arte, a
literatura e a filosofia, quer as disciplinas que se consideram ciência, mas que não são, como a psicanálise,
astrologia e o marxismo.
Assim, um critério de demarcação científica justificará por que razão a teoria newtoniana da gravidade é
ciência e a teoria empirista do conhecimento não é, ou ainda porque é que a teoria da evolução das espécie
é ciência enquanto a teoria de Adão e Eva não é

O CRITÉRIO VERIFICACIONISTA DE DEMARCAÇÃO DA CIÊNCIA*


No século XIX, com o desenvolvimento da ciência, foi apresentado o primeiro critério de “cientificidade” que
teve como objetivo “limpar” a filosofia das teorias metafísicas e permitir à ciência demarcar-se da filosofia.
Os positivistas, defensores de uma ciência indutivista, propuseram o critério verificacionista segundo o qual:
UMA TEORIA É CIENTÍFICA
SSS
está FUNDADA NA EXPERIÊNCIA e é VERIFICÁVEL

CONDIÇÕES DE VERIFICABILIDADE DAS TEORIAS


Para satisfazer o critério verificacionista, é necessário formular os enunciados (hipóteses e previsões) de
forma que sejam facilmente confirmados, escapando à refutação. Vejamos, então as condições que
contribuem para a verificabilidade das teorias científicas:
a) Relativamente à Hipótese, se o enunciado tiver um ÂMBITO RESTRITO, esta será mais facilmente
verificada
b) Relativamente ás previsões, se o enunciado for POUCO PRECISO, estas serão mais facilmente
confirmadas, ou se, escapam mais facilmente à refutação

Exemplos: AMBITO DAS PROPOSIÇÕES


P1. Todos os corpos terrestres submetem-se à lei da gravidade
P2. Todos os corpos submetem-se à lei da gravidade
P1 tem um âmbito mais restrito do que P2 porque faz uma afirmação que se restringe aos objetos da terra
enquanto P2 afirma que as leis da gravidade se aplicam a todos os objetos do universo, ou seja, a objetos
na terra e fora da terra.

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Neste sentido, P1 é mais verificável do que P2 na medida em que a probabilidade de aparecer um
contraexemplo a P1 é menor do que aparecer um contraexemplo a P2.

Exemplos: PRECISÃO DAS PROPOSIÇÕES


P3. A crise em Portugal vai ter consequências no valor dos bens imobiliários
P4. A crise em Portugal vai fazer descer o valor dos bens imobiliários
P3 é menos precisa do que P4, porque a expressão “ter consequências” não esclarece se a alteração é no
sentido de uma subida de preços ou de descida de preços.
Assim, P3 é mais facilmente verificável uma vez que quer os preços dos bens imobiliários subam ou
desçam, P3 verifica-se sempre. P3 só será refutado caso os preços se mantenham.
O mesmo não acontece com P4, uma vez que é refutado se os preços se mantiverem e se os preços
subirem.

I. MÉTODO INDUTIVISTA
PROBLEMAS
A questão levantada pelos filósofos da ciência consiste em saber em que comporta o método científico.
A resposta a esta questão passa por analisar:
P1 - como descobrimos as hipóteses - o papel da observação para a formulação das hipóteses
P2 - como se testam as hipóteses – o papel da observação na validação das hipóteses

PROBLEMA 1 – qual o papel da observação na formulação da hipótese?

TESE
O INDUTIVISMO defende que as hipóteses científicas devem ser INDUZIDAS a partir da observação pura e
isenta de preconceitos. Portanto, a observação (experiência) é o ponto de partida e constitui a 1ª etapa do
método científico.

ARGUMENTOS
1) A observação é um bom ponto de partida
Segundo os indutivistas, a observação pura é o único ponto de partida (o argumento indutivista está
fundado no empirismo), porque só ela é capaz de nos mostrar regularidades (repetições/padrões) que
tornam possível a generalização da lei. Isto significa que as hipóteses não são inventadas nem intuídas
(perspetiva racionalista), mas derivam indutivamente de observações sistemáticas (amostras amplas e
representativas), rigorosas e imparciais.

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PROBLEMA 2 – qual o papel da observação na validação da hipótese?

TESE
Segundo o indutivismo, a experiência tem a força de prova no sentido em que a confirmação sucessiva de
previsões* aumenta o grau de probabilidade da hipótese, ou seja, contribui para sua validade material.
Deste ponto de vista, uma experimentação bem sucedida VERIFICA a hipótese. A esta posição chama-se
VERIFICACIONISMO.
*Para testar uma hipótese é necessário deduzir dela proposições particulares (PREVISÕES) e submetê-las à
EXPERIMENTAÇÃO, ou seja, ver se as proposições derivadas da hipótese se confirmam ou não.

ARGUMENTO
Segundo os verificacionistas, a confirmação de previsões (casos particulares deduzidos da hipótese) prova
a hipótese, ou seja, confere uma elevada probabilidade à hipótese, uma vez que do ponto de vista material,
uma amostra ampla e representativa, sem contraexemplos, confere validade material (ou racionalidade
indutiva) à conclusão dela derivada.
Assim, se o número de experiências/testes realizadas é suficiente e em nenhum caso ocorreu um
contraexemplo, estamos legitimados em concluir que experiencias/testes futuras continuarão a confirmar a
hipótese.
Neste sentido, os verificacionistas consideram que a experiencia/testes empíricos podem servir de prova, ou
seja, conferem probabilidade à hipótese.

CONCLUSÃO
O INDUTIVISMO defende que as hipóteses científicas devem ser INDUZIDAS a partir da observação e
VALIDADAS pela mesma. Ou seja, a observação é o ponto de partida e chegada da investigação científica
e da produção da ciência:
1) a observação é o ponto de partida - a partir a qual se induz e generaliza a lei
2) a observação é o ponto de chegada - a partir da qual se valida a lei

CRÍTICAS AO INDUTIVISMO E AO VERIFICACIONISMO – Karl Popper


O indutivismo tem sido alvo de várias críticas.
A primeira delas dirige-se à 1ª fase do método – o papel da observação -, a segunda dirige-se à última fase
do método – o valor da experimentação.

1ª critica: A observação não é o ponto de partida


Vários são os cientistas que reconhecem que a hipótese não é tirada da observação. Segundo Popper, não
há observação pura, uma vez que “toda a observação está impregnada de hipóteses”. As observações são
sempre dirigidas e orientadas por uma ideia prévia, face a um determinado problema, ou seja, observamos
para testarmos as nossas hipóteses ou para escolher entre diferentes pontos de vista.
É neste sentido que os cientistas Claude Bernard e Darwin afirmaram, respetivamente:
• “quem não sabe o que procura não entende o que encontra”
• “toda a observação deve ser ou por ou contra algum ponto de vista”

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2ª crítica: Não podemos verificar uma hipótese – as leis não são demonstráveis
A hipótese nunca é testada diretamente, mas indiretamente através da dedução de previsões que depois
são testadas com o intuito de confirmar a hipótese.
Segundo os verificacionistas, a verificação sucessiva das previsões (amostra ampla e representativa de
previsões sem ocorrência de contraexemplos) legitima a validação da hipótese, no sentido em que o
numero de verificações confere validade indutiva à Hipótese. Se, por exemplo, enunciarmos a hipótese que
“toda a água ferve a 100ºC”, e se todas as experiencias que fizemos confirmaram que, independentemente
do tipo de água que observámos, do lugar onde foi recolhida e do momento em que foi recolhida, ela ferveu
sempre a 100ºC”, então é legitimo afirmar que a experiencia confirma a hipótese e que esta é verdadeira.
Ou seja, apesar de não podermos justificar racionalmente a verdade da hipótese e afirmar que ela é
demonstrativamente certa, podemos afirmar que ela está empiricamente provada.
Assim, de acordo com a perspetiva verificacionista, se a experiencia confirmar sempre as previsões, e não
ocorrer nenhum contra-exemplo, podemos concluir racionalmente que a hipótese é verdadeira e afirmamos
que a lei está VERIFICADA (ou demonstrada pela experiência).

No entanto, Popper considera que o verificacionismo tem um problema lógico. Isto acontece porque na
prova empírica, deduzimos da hipótese um conjunto de previsões e da confirmação destas previsões
concluímos a verdade da hipótese.
H ® P
P
\H
Ora, como sabemos da lógica formal, este raciocínio incorre na FALÁCIA DA AFIRMAÇÃO DO
CONSEQUENTE, uma vez que numa implicação verdadeira, a verdade do consequente não implica a
verdade do antecedente, uma vez que o antecedente tanto pode ser verdadeiro como falso.
P ® Q
F V V
V V V

Assim, aplicando a lógica ao método verificacionista, percebemos que não podemos concluir a verdade de
uma hipótese a partir da verdade da previsão dela deduzida, ou seja, a prova empírica é irracional.

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FALSIFICACIONISMO

INTRODUÇÃO
A questão levantada pelos filósofos da ciência consiste em saber como devemos proceder de forma a
alcançar um conhecimento científico, ou seja, em que consiste o método científico. Esta questão é
pertinente uma vez que é importante perceber o que distingue a ciência da pseudo-ciência.
A resposta a esta questão passa por analisar:
P1. Qual o papel da observação na descoberta das hipóteses?
P2. Como devemos formular uma hipótese para que ela possua valor científico?
P3. Como se validam hipóteses científicas – o papel da observação na validação das hipóteses?
P4. O método refutacionista assegura uma aproximação objetiva e racional à verdade?

Já vimos que para os indutivistas as hipóteses são generalizações feitas a partir da observação da natureza
e que a experimentação tem o poder de provar uma hipótese.
Esta posição é fortemente criticada por Popper na sua teoria falsificacionista.
Vejamos, então:
• as ideias principais da teoria de Popper,
• os seus argumentos,
• as críticas a Popper.

I. CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO CIENTÍFICA


Contra o verificacionismo, Popper defende o falsificacionismo. Segundo este critério, uma teoria é científica
se e somente se é falsificável. Mas o que é que isto quer dizer e que implicações tem este critério sobre os
enunciados. Vejamos.

CONDIÇÕES DE FALSIFICABILIDADE DAS TEORIAS


Popper defende que falsificabilidade depende de dois fatores: a universalidade da teoria e a precisão das
previsões. Este critério permite excluir da ciência todas as teorias filosóficas, a astrologia e as teorias que se
apresentam como científicas, mas que, na realidade, por serem irrefutáveis, constituem aquilo que Popper
designa de PSEUDO-CIÊNCIA. Exemplos de teorias pseudocientíficas são a teoria psicanalítica de Freud, a
teoria económica de Karl Marx, a homeopatia, etc.
Assim, o critério de demarcação da ciência é o seguinte:

UMA PROPOSIÇÃO É CIENTÍFICA


SSS
É POSSÍVEL DELA DERIVAR INSTÂNCIAS OBSERVACIONAIS CAPAZES DE A REFUTAR

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EXEMPLOS DE HIPÓTESES NÃO CIENTÍFICAS (IRREFUTÁVEIS):
• Deus existe*
• O fim do homem é a felicidade
Nestes dois exemplos, acontece que as hipóteses não são refutáveis uma vez que não permitem a
dedução de previsões precisas que as possam refutar.

* Análise da hipótese “DEUS EXISTE”


Por que razão a afirmação “DEUS EXISTE” não é falsificável
A proposição “Deus existe” não é falsificável porque é impossível conceber um teste que possa infirmar a existência de
Deus.
Isto acontece porque o conceito de Deus é tão vago e tão englobante que é possível deduzir dele previsões
contraditórias como: deus impede o mal ou Deus não impede o mal. Isto acontece porque em Deus tudo cabe.
Assim, como nada de preciso pode ser deduzido da hipótese deísta, nunca poderemos recorrer à observação para
testar e refutar a hipótese.
Para a hipótese ser refutável/testável, o conceito de Deus teria que ser definível de forma precisa, por exemplo:
Deus é um ser infinitamente perfeito tal que impede o mal.
Se pudéssemos definir Deus deste modo, a possibilidade de testar e refutar a sua existência passaria a ser possível:
deduzia-se a previsão da não existência do mal, não se confirmaria essa previsão, e ficava refutada a hipótese da
existência de Deus.
Exemplificação: Se Deus existe ® o mal não existe
o mal existe(holocausto)
Logo, Deus não existe
NOTA: A afirmação “Deus existe”, dada a ambiguidade do conceito, torna-se semelhante à proposição “P ou ~P”.
Esta proposição é irrefutável, porque nenhum contraexemplo a pode deitar abaixo: se P é falso, a disjuntiva é
verdadeira, se ~P é falso a disjuntiva é ainda verdadeira. Assim, é em vão que tentamos refutar a proposição “P ou ~P”.

EXEMPLOS DE PREVISÕES PSEUDOCIENTÍFICAS* (IRREFUTÁVEIS):


• Este ano o céu vai brilhar
• Este ano vai perder um familiar

Estes exemplos são tirados de previsões astrológicas. A versão científica destas previsões poderia ser:
• No dia 14 agosto de 2019, pelas 12h33, ocorrerá o eclipse do sol
• O seu tio tem menos de 12 h de vida

*POR QUE RAZÃO A PSICANÁLISE E A ASTROLOGIA SÃO IRREFUTÁVEIS


Segundo Popper, a psicanálise não é uma ciência porque as previsões são muito vagas.
A imprecisão das previsões traduz-se por afirmações disjuntivas do tipo PÚ~P. Por exemplo, se a teoria previa que a
causa de uma certa patologia era ausência de afeto materno e o paciente dizia que tinha tido muito afeto, o psicanalista
para salvar a teoria argumentava que ausência de afeto materno é tão negativo quanto excesso de afeto materno e que,
neste caso, o excesso de afeto seria a causa da perturbação. Como vemos, neste exemplo, a imprecisão, ou a falta de
rigor, das previsões contribui para a confirmação das mesmas e, nesse sentido, para dificultar a refutação da teoria.

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II. O MÉTODO HIPOTÉTICO DEDUTIVO
PROBLEMA 1: Qual o papel da observação na descoberta da hipótese?

TESE: Nenhum: As hipóteses não são induzidas, mas são conjeturas inventadas
As hipóteses não são induzidas a partir da experiência, mas inventadas; elas são palpites ou, como Popper
afirma, Conjeturas, entendo por isto, tentativas de solução dos problemas que o cientista quer resolver.
Contra o indutivismo/empirismo, Popper propõe, na linha dos racionalistas, que o cientista invente as suas
hipóteses, libertando-se do que observou ou do que já sabe.
O método proposto é o MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO, onde o ponto de partida é o problema, seguido
da hipótese. Designa-se hipotético-dedutivo precisamente para evidenciar a preferência pela invenção e
dedução em detrimento da observação e da indução.
Vejamos as etapas do método:
Método Indutivista Método Hipotético-dedutivo
1. observação 1.problema
2. hipótese 2.hipótese
3. experimentação 3.experimentação
4. verificação da lei 4.corroboração da lei

ARGUMENTO
O argumento de Popper fundamenta-se no facto de não haver observações puras, pois toda a observação é
orientada e condicionada (enviesada) por ideias, pré-hipóteses, ou como o filósofo diz: na ciência, toda a
observação está prenhe da hipótese.
Por outro lado, inventar hipóteses parece ser a forma mais adequada de nos aproximarmos da verdade e o
risco associado à intuição/invenção é eliminado pelo MÉTODO CRÍTICO, ou MÉTODO REFUTACIONISTA, que se
encarrega de deitar por terra as hipóteses erradas.

PROBLEMA 2: Que condições deve preencher uma hipótese científica?

TESE: Uma hipótese científica tem que ser falsificável


Já vimos que as hipóteses são inventadas, mas elas têm que cumprir uma série de condições, se queremos
que elas sejam científicas.
Segundo o critério falsificacionista de demarcação científica, uma proposição é científica se e somente se
for refutável. Neste sentido, uma hipótese científica tem que ser FALSIFICÁVEL. Mas o que quer isto dizer?
Popper explica que uma hipótese para ser falsificável tem que ter MUITO CONTEÚDO EMPÍRICO e ter
muito conteúdo empírico implica:
1) Hipótese ser MUITO UNIVERSAL
2) Hipótese permitir a dedução de PREVISÕES COM MUITA ESPECIFICIDADE.
A UNIVERSALIDADE das hipóteses depende do número de objetos que a hipótese cobre: uma hipótese é
tanto mais universal quanto maior é o número de objetos a que se aplica.

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Assim, uma teoria como a de Einstein é mais universal do que a de Newton porque explica o
comportamento de fenómenos na terra e fora da terra, enquanto a teoria de Newton só explica os
fenómenos na terra.
A ESPECIFICIDADE das previsões depende do número de EVIDENCIAS EMPÍRICAS (factos) que a
previsão exclui: uma previsão com muita precisão determina com muito rigor os factos que se espera
observar, proibindo um conjunto muito vasto de factos, enquanto uma previsão pouco precisa, determina de
forma vaga as evidencias empíricas esperadas, proibindo poucos factos, ou seja,
PREVISÕES PRECISAS ! PROÍBEM MUITO
PREVISÕES IMPRECISAS ! PROIBEM POUCO.
Por exemplo, se de acordo com uma nova terapêutica a ser testada, a previsão for que os doentes a quem
foram administradas as novas terapêuticas “melhoram”, esta previsão não é tão precisa quanto a previsão
de que os doentes a quem foram administradas as novas terapêuticas “verão a febre descer ao fim de 4
horas”. É fácil de perceber que a previsão “o doente vê a febre descer ao fim de 4h” proíbe mais do que a
previsão “o doente melhora”. No 1º caso, a previsão proíbe contabilizar como evidencia empírica todos os
casos em que a febre baixou depois de 4h, enquanto na 2ª previsão podemos aceitar como evidencia
empírica todos os casos em que a febre baixou, independentemente do tempo que demorou a baixar.
A vantagem das previsões serem especificas é que elas expõem mais a teoria à falsificação do que as
previsões mais vagas pois, como vimos acima, quanto maior for o número de consequências proibidas pela
previsão, mais provável é a sua não confirmação.
Por exemplo: a previsão (a) “uma crise política no Reino Unido tem como consequência a descida do valor
das ações”, é mais específica do que a previsão (b) “uma crise política no Reino Unido tem como
consequência a alteração do valor das ações” e está mais exposta à refutação porque na previsão (b) só a
conservação dos valores das ações refutaria a hipótese enquanto na previsão (a) a hipótese seria exposta à
refutação nos casos do valor das ações se manter ou subir.
Assim, concluímos que previsões com muita precisão constituem TESTES SEVEROS capazes de deitar por
terra uma teoria. É isto que Popper defende no texto da Sociedade Aberta (ver Caderno Atividades, texto 4,
p. 71) quando afirma que a previsão de Einstein, do eclipse do sol, era tão precisa que se os
acontecimentos não ocorressem conforme a previsão, a teoria da relatividade seria refutada.
NOTA: É importante não confundir “falsificável” com “falsificada”. “Falsificável” é uma exigência teórica e
não prática, no sentido em que o cientista tem que formular previsões precisas, mas não é obrigado a
garantir que essas previsões podem ser realizadas na prática.
Muitas teorias só conseguem ser testadas passados muitos anos uma vez que o cientista não pode
provocar os fenómenos previstos, tendo que aguardar que a natureza forneça por ela essas circunstâncias,
como aconteceu no caso do eclipse do sol previsto pela teoria de Einstein.
Noutros casos, como acontece nas ciências humanas, a experimentação fica comprometida por razões
éticas, mas esse facto não invalida que o cientista não defina, do ponto de vista teórico, as circunstâncias
debaixo das quais a teoria poderia ser falsificada, ou seja, os fenómenos que são implicados pela teoria.

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PROBLEMA 3: Qual o papel da observação na validação das hipóteses?
A questão consiste em saber qual a função da experimentação, ou seja, que fim serve a experimentação?.
Esta questão equivale a perguntar se os testes devem ser críticos ou não.

TESE: Os testes são tentativas de refutação de forma a assegurar racionalidade absoluta


Para submeter uma hipótese à prova é necessário fazer TESTES CRUCIAIS, ou seja, testes que procuram
refutar em vez de verificar a hipótese. Para isso há que seguir o critério falsificacionista que obriga a:

• deduzir previsões empiricamente testáveis* (falsificáveis)

• procurar contraexemplos às previsões:


H®P
~P
\~H

*testáveis, para Popper, significa falsificáveis, e para isso trata-se de enunciados com muito conteúdo

empírico, ou seja, muito precisos

EXEMPLO DE TESTES CRUCIAIS/CRÍTICOS.


Procura de contraexemplos
Ao contrário dos verificacionistas, o cientista falsificacionista em vez de procurar instâncias que confirmem a
hipótese, procura casos que refutem, ou seja, procura contraexemplos.
Assim, para testar a hipótese “Todos os cisnes são brancos”, um falsificacionista iria procurar cisnes não
brancos que contrariassem a teoria, em vez de procurar cisnes brancos
Um exemplo mais interessante é o da previsão de Einstein relativamente à deflexão da luz. Segundo a
teoria de Newton, a curvatura da luz das estrelas devia ser de 0,86 segundo de arco. Desafiando a teoria
newtoniana, Einstein concebeu uma hipótese que fazia prever uma deflexão da luz completamente
diferente: em vez dos 0,86 segundo de arco, ele previu um desvio de 1,75. Este teste era “crítico” no sentido
em que se a previsão falhasse, a hipótese seria refutada sem qualquer possibilidade de salvação. Ou seja,
a experimentação não deveria deixar margem para dúvidas de forma a garantir o caráter crítico da mesma.
Este tipo de teste constitui aquilo que Popper chama teste CRUCIAL ou SEVERO
NOTA: Apesar de Popper defender os testes cruciais, ele admite a possibilidade de uma hipótese, ou teoria, quando
confrontadas com um contraexemplo, poderem ser revistas antes de serem rejeitadas como falsas. Contudo esta
revisão tem um preço, que consiste no facto de se tornarem menos científicas, porque menos refutáveis.

PROBLEMA 4: Qual o contributo da experimentação/testes na validação das hipóteses?

Tese: Os testes refutam mas não provam.


Caso as previsões não se confirmem, conclui-se a falsidade da hipótese e esta fica REFUTADA.
Caso as previsões se confirmem, não se pode concluir logicamente a verdade da hipótese, uma vez que
essa conclusão incorreria na falácia da afirmação do consequente. Aquilo que se deve concluir é que a
hipótese foi CORROBORADA, entendendo-se por isso, que ela é uma hipótese muito RESISTENTE.

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Efetivamente, uma hipótese que se submeteu a testes severos de falsificação e que não foi refutada, é mais
resistente do que uma hipótese que se submeteu a testes de verificação e não foi refutada.
Popper considera, contudo, que uma hipótese resistente, ou seja, corroborada pelos factos, continua
falsificável e é por essa razão que ele defende que todas as teorias (leis) são CONJETURAS.
Por esta razão Popper defende que a experimentação é assimétrica, uma vez que ela DEMONSTRA A
FALSIDADE, MAS NÃO PROVA A VERDADE. Efetivamente, basta uma previsão não se confirmar para
demonstrar que a hipótese é falsa, mas por mais previsões que se confirmem, elas nunca serão suficientes
para demonstrar a verdade da hipótese.

ARGUMENTO
O argumento a favor do método falsificacionista é lógico, uma vez que defende o uso exclusivo da razão, ou
seja, da dedução. Efetivamente, o falsificacionismo consegue eliminar a indução uma vez que a única
conclusão que se está autorizado a retirar da experiência é inteiramente lógica: a hipótese é falsa se a
previsão falhar, mas nunca será verdadeira mesmo que os factos não a desmintam.
A vantagem deste método é que consegue racionalidade absoluta (formal) e está em conformidade com a
atitude crítica própria da ciência, demarcando-se das pseudociências.

CRÍTICAS AO FALSIFICACIONISMO
O falsificacionismo é contraintuitivo
Esta crítica fundamenta-se no facto da teoria falsificacionista não corresponder à intuição geral das
pessoas. Se nenhuma evidência refuta uma teoria, o que é natural concluir é que a teoria está provada, e
não que a teoria resistiu à tentativa de refutação. Do mesmo, quando uma pessoa aposta num cavalo e este
vence a prova, ninguém conclui à maneira refutacionista e diz que o cavalo não perdeu.

O falsificacionismo pode ser contraproducente


Esta crítica chama à atenção para os perigos de concluir precipitadamente a falsidade de uma teoria com
base na refutação de previsões deduzidas da teoria, dado que estas podem ser mal deduzidas.
Este foi o caso da tentativa de refutação da teoria de Copérnico. Os opositores de Copernico argumentavam
que o movimento da terra implicaria a paralaxe das estrelas ao longo do ano e a queda oblíqua dos objetos
a partir de uma torre. Contudo isso não se observou, o que do ponto de vista refutacionista seria suficiente
para refutar o heliocentrismo. Se os cientistas da altura tivessem usado estas evidencias empíricas contra o
heliocentrismo, teria sido desastroso, porque só mais tarde é que se percebeu que a teoria não implicava
efetivamente estes factos.

O falsificacionismo não descreve aquilo que os cientistas fazem, mas aquilo que seria desejável
Esta crítica fundamenta-se na observação da prática científica. Aquilo que a prática científica nos mostra é
que os cientistas mais facilmente ignoram casos que contrariam uma teoria do que sacrificam teorias que
funcionaram e funcionam. Claro que se um contraexemplo é descoberto, os cientistas não o ignoram logo
de início, mas tudo farão para encontrar uma justificação de forma salvar a teoria.
Por sua vez, a observação no início da investigação tem muito mais valor do que aquele que Popper lhe
atribui porque contribui para a descoberta de problemas e para a formulação de hipóteses.

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O falsificacionismo não é uma teoria científica.
Esta crítica defende que a teoria falsificacionista, pelos critérios falsificacionistas, não tem valor científico
uma vez que não é refutável. Neste sentido tem apenas valor filosófico.
Observação: Esta crítica não parece muito pertinente uma vez que qualquer teoria sobre o método científico
constitui uma reflexão sobre a atividade científica que escapa à própria ciência. Ou seja, a reflexão sobre a
ciência faz parte da filosofia (epistemologia) e não da ciência.
Assim, quer o falsificacionismo quer o verificacionismo constituem teorias filosóficas.

CONCLUSÃO
É verdade que o falsificacionismo é contraintuitivo e não representa aquilo que muitos cientistas fazem,
contudo percebemos que o critério refutacionista contribui para conferir RACIONALIDADE CRÍTICA à
ciência e DEMARCAR A CIÊNCIA DA PSEUDOCIENCIA. Assim, e em defesa do falsificacionismo,
concluímos que esta teoria da ciência funciona como um ideal de ação, um ideal regulador da ciência, na
busca e aproximação da verdade.

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