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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS


Licenciatura em História

ISABELA MAGIONI MARÓSTICA MARIANO

FICHAMENTO DA OBRA “O TEATRO DOS VÍCIOS”

GOIÂNIA
2019
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ISABELA MAGIONI MARÓSTICA MARIANO

FICHAMENTO DA OBRA “O TEATRO DOS VÍCIOS”

Fichamento apresentado ao Curso de


Licenciatura em História da Universidade
Federal de Goiás, como atividade avaliativa da
disciplina História do Brasil

GOIÂNIA
2019
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Referência da obra fichada: ARAÚJO, Emanuel,1940 – O teatro dos


vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial/ Emanuel
Araújo. -2.ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 1997

CAPÍTULO 1: O CENÁRIO URBANO

Ladeiras
A partir de escritos do senhor marquês do Lavradio, Emanuel Araújo discorre
sobre as condições materiais desfavoráveis dos colonos e a configuração das
cidades no período colonial, estruturadas de forma íngreme e seguindo um padrão
medieval, resultando em problemas relacionados à circulação de pessoas geravam
sentimento de desconforto e relatos negativos por parte dos governadores, capitães-
gerais, padres etc.

“O próprio local onde se construíam as cidades já era desconfortável para a


circulação, para as idas e vindas das pessoas.” (p.30)

“Ainda medieval era a insistência em escolher-se a dedo não uma planície


para erigir o sítio matriz, mas lugares altos e de acesso difícil.” (p.30)

“Alegavam que a escolha de colinas se devia a motivos de defesa, mas na


realidade acomodavam-se à tradição medieval das cidades alta e baixa, das capelas
e fortes postados nos cimos e em torno dos quais se espalhava o casario.” (p.31)

Sob o signo do provisório


É tratada a visão do Brasil como algo provisório e sua relação com a própria
estruturação das cidades (desleixo), e a relação dos habitantes para com a colônia a
partir desta visão, que seria de desapego e pouca afetividade com a terra.

“Por mais de um século os colonos encararam o Brasil como coisa provisória


do ponto de vista pessoal, como terra onde se podia facilmente enriquecer e logo
retornar à metrópole.” (p.31/32)
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“O Brasil era coisa efêmera, onde se vinha para enriquecer ou, de


preferência, para enriquecer e retornar” (p.34)

“A terra não era amada, mesmo quando as pessoas nela se estabeleciam”


(p.35)

“Essa gente, na maioria, sobretudo nos primeiros tempos, vinha tangida pela
pobreza ou espicaçada pela cobiça. O Brasil, destarte, não passava de um refúgio
ou de um lugar onde haviam maiores e melhores oportunidades de enriquecer”
(p.36)

Urbanismo à lusitana
Reiterando a conexão entre o sentido do provisório e o desleixo da
urbanização, o autor também relaciona a ideia de provisoriedade à existência de
uma falta de urbanização, tratando da vida fora das cidades.

“Acontecia além de tudo, que o principal da vida urbana na Colônia não


estava nas cidades, mas disperso pelo interior, nos engenhos e nas fazendas de
criação.” (p.37)

“O sonho acalentado por muitos citadinos era comprar terras de cultivo. Aí,
sim, passavam a ter sua residência no perímetro urbano mas viveriam no campo,
cercados de escravos e trabalhadores como verdadeiros senhores, assim
reconhecidos e respeitados pelas autoridades, pelos padres e pelo povo” (p.38)

“O meio urbano, assim, tirando algumas capitais, era acanhado, ralo de gente
e falto de animação.” (p.39)

“Pelo menos nas vilas era tudo gente pobre, quando não indigente, miserável.
Mais para o fim do século XVIII houve um certo desenvolvimento urbano em
algumas cidades onde enriqueciam comerciantes reinóis. Mas aí, cada vez mais,
proliferavam os vadios, os mendigos, as prostitutas, os ladrões, população
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marginalizada de ex escravos e brancos pobres que passavam a perturbar a vida de


negociantes e funcionários” (p.42)

A sujeira como hábito


O cotidiano colonial seria marcado por situações de precariedade, não só no
âmbito infra estrutural como também em termos de condições de higiene e
alimentação. Denota-se a presença do precário em vários aspectos dentro da vida
dos colonos e a dificuldade de sanar os problemas infra estruturais das cidades,
aliados aos próprios hábitos dos moradores desses centros urbanos, relacionados
ao desprezo pela cidade e pela coisa pública em geral. Neste contexto, a saúde da
população estaria comprometida graças às favoráveis condições para proliferação
de doenças como a varíola e o sarampo.

“Acrescenta-se a tudo isso o fato de que o lixo era atirado nas ruas, por onde
andavam pachorrentamente animais soltos. Isso nas grandes cidades.” (p.50)

“O desprezo pela cidade, pela coisa pública, atualizava sempre o queixume


do padre Manuel da Nóbrega, mal iniciada a colonização: ‘Não querem bem à
terra’.’’ (p.51)

“Thomas Lindley, pelos anos de 1802 e 1803, anotava em Salvador que ‘as
ruas são apertadas, estreitas, miseravelmente pavimentadas, nunca estão limpas,
apresentando-se repugnantemente imundas. Os fundos de várias delas são
depósitos de lixo’.” (p.52)

“Não havia meios eficazes de combate às causas das doenças. As epidemias,


portanto, não raro abrangiam extensões consideráveis.” (p.56)

“Nem precisava ser médico para ver o óbvio: ali, com efeito, ‘falta parte dos
materiais precisos, faltam oficiais que os manejem, e até faltam as instruções
medianas da arquitetura dos hospitais’.” (p.62)
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“Às péssimas condições sanitárias das cidades, pano de fundo perfeito para
se propagarem surtos epidêmicos debelados com dificuldade, acrescia-se o velho
hábito colonial de sepultamento no interior das igrejas.” (p.64)

Alimentação precária
Novamente a precariedade aparece como característica de um elemento
indispensável à vida: a alimentação. Não só em termos de qualidade e potencial
nutritivo como também em quantidade, para a maioria da população, que era pobre,
a comida era carente de riqueza.

“Além de tudo isso, negociantes inescrupulosos comercializavam alimentos


deteriorados, o que podia suscitar a reação da municipalidade, como se verifica, por
exemplo, pelas queixas contra a venda de farinha estragada e carne podre (...)”
(p.66)

“Na época colonial, todavia, mesmo essa carne de boi estragada não se
destinava a toda a população. A maioria desta, constituída de pobres, só de raro em
raro poderia adquiri-la. Nas casas ricas, ao contrário, esbanjava-se comida” (p.67)

“No século XVIII, quando aumentava muito o número de libertos e de brancos


pobres nas cidades, sua dieta em pouco ou nada se diferenciava da alimentação da
escravaria.” (p.69)

Existência promíscua
Conclui-se aqui que nos tempos coloniais da terra atualmente chamada de
Brasil a qualidade de vida era ruim nos mais diversos âmbitos, e essas condições
não seriam facilmente evitáveis mesmo nas melhores localizações de moradia. É
também evidenciado pelo autor como a configuração das cidades desfavorecia a
existência de uma verdadeira privacidade, uma vez que as casas eram muito
próximas e as ruas eram estreitas (como abordado anteriormente). Trata-se
igualmente de como eram as habitações de forma geral, denunciando a má-
construção e situação destas em sua maioria.
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“As casas amontoadas, para usar a expressão de Vauthier, coladas umas nas
outras em ruas estreitas, ensejavam a fatal e incômoda bisbilhotice dos vizinhos com
a qual se preocupava o legislador” (p.71/72)

“A falta de privacidade era, com efeito, a regra na acanhada sociedade


colonial.” (p.76)

“Mal construídas, eram também mal situadas” (p.81)

“Assim emergem para nós, de documentos e escritores, as cidades coloniais.


Muitas vezes mal localizadas e ralamente habitadas, quase sempre de ruas estreitas
e imundas, abrigavam uma população em sua maioria de gente que ocupava
construções acanhadas e miseráveis. (p.81)

CAPÍTULO 2: A SOCIEDADE DA APARÊNCIA

Horror ao trabalho
Neste subcapítulo discute-se a aversão ao trabalho manual por parte dos
colonos e a chamada “preguiça brasileira”, relacionada à ideia do trabalho associado
à posição de escravo ou miserável.

“Acreditava-se que aí tudo era fácil e para sobreviver bastava ser destro,
esperto, oportunista.” (p.83)

“Essa mentalidade sequer arrefeceu com o passar dos anos, pois Thomas
Ewbank, em 1846, ainda ouvia afirmar que ‘um jovem prefere morrer de fome a
abraçar uma profissão manual’. A aspiração de todos, segundo ele, era transformar-
se em funcionário público, militar, sacerdote, advogado ou médico. Nesta ordem”
(p.85)
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“A explicação da decantada preguiça brasileira, todos a tinham na ponta da


língua: a escravidão” (p.87)

“Assim, a ostentação, cuidadosamente praticada, de opulência ou só de bem


estar devia ser perseguida com tenacidade por quem não quisesse passar por pobre
ou miserável (...)” (p.95)

Presunção da fidalguia
A importância das aparências na sociedade colonial transparece na
necessidade dos fidalgos em serem reconhecidos por sua ascendência nobre
europeia, mesmo que esta fosse falsa.

“Havia que ser reconhecido [...] Por isso, alardear amizades influentes, vestir-
se com esmero, falar bonito, pavonear opulência e, se possível, exibir boa árvore
genealógica (mesmo falsa) dava importância maior às pessoas (...)” (p.109)

“Assim era no Brasil colonial: ou se alardeava ócio – e portanto, de qualquer


modo, fidalguia ou coisa próxima ou parecida a isso –, ou se submetia a uma
existência socialmente apagada, e, aí sim, sujeita à exposição de seus delitos e à
expiação de todas as penas previstas e inventadas para coibi-los.” (p.113)

“Também fazia parte desse jogo ostentatório o trajar-se com apuro. Na rua,
está claro, o que contava era justamente o alarde de abastança, por meio de
emblemas exteriores.” (p.113)

“O ócio permanente às custas de escravos, tenazmente almejado por todos,


tampouco induzia ninguém a cuidar melhor até de sua própria morada, pois que o
interessante, como sinal de prestígio entre os pares, era ser visto na rua servido de
cativos, alardeando-se situação de folga financeira às vezes irreal.” (p.121/122)

Festejar quando possível


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Além da ostentação do ócio como forma de sustentar as aparências, ainda


haviam as festas, não só estimuladas mas também tidas como obrigações por meio
de imposições das autoridades.

“Assim, tem-se a forte impressão de que entre um festejo e outro se


trabalhava. E trabalhava-se cansado da festa passada, mas poupando-se, está
visto, para a próxima. O ócio fatigava.” (p.130)

“As autoridades mais do que estimulavam, obrigavam, a participação nas


procissões” (p.131)

“Sua intenção [...] residia justamente nisso: impressionar, ostentar, assinalar


em definitivo a distinção social e assegurar seu prestígio pelo simples fato de ocupar
determinada posição no cortejo” (p.134)

“Ir ao teatro, assim, devia ser uma espécie de obrigação social, quer para ser
visto em palácio, quando das comemorações áulicas, quer para passar por refinado
(...)” (p.147)

“Pois na colônia expressava-se como um ato de ver e ser visto, de afirmar-se


dentro de um meio em que a aparência era valorizada como algo imprescindível á
própria existência em sociedade” (p.147)

“A carnavalização dos costumes podia ser geral, porém mantidas as


diferenças de estrato e posição social.” (p.149)

Piores do que peste


O desprezo por aqueles chamados pelo autor de “degredados”, mendigos,
prostitutas e vadios por parte das autoridades era notável. Os indivíduos que viviam
à margem da sociedade e que não poderiam desfrutar do ócio seriam então vistos
como parasitas, como “piores do que peste”.
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“Observe-se que, nesse contexto, o mendigo e o vadio era, ambos parasitas


de um meio social – o urbano – por sua vez parasita dentro do sistema produtivo
que se constituiu na colônia.” (p.150)

“Os vadios formavam um contingente de trabalhadores esporádicos,


aventureiros sem profissão definida, assaltantes, prostitutas e desempregados de
modo geral.” (p.150)

“Toda essa gente, na óptica colonial, era perigosa, objeto de repressão


sistemática que aumentava com a própria expansão das cidades e, em
consequência, do número desse tipo de marginal (...)” (p.150)

“Era toda uma população desajustada e sem inserção produtiva – negros


forros e brancos pobres – que assombrava a vida dos que pagavam impostos e
frequentavam a igreja. E essa população de vadios pelo menos nas cidades
maiores, só tendia a crescer” (p.160)

“Era uma verdadeira multidão humilhada, curvada, aviltada, submetida por


completo à caridade pública, às esmolas dos antigos senhores que expulsaram de
casa os escravos inutilizados pelo trabalho massacrante ou pela velhice debilitadora”
(p.168)

“A sociedade colonial como um todo, porém, repudiava ostensivamente os


vadios, aqueles habitantes válidos que não se enquadravam como elementos
produtivos ou controláveis pelas autoridades” (p.172)

“Tinham, por conseguinte, de ser reprimidos ou controlados, pois escapavam


às normas de convivência, de sobrevivência e de conveniência minimamente
aceitáveis por uma sociedade que só admitia o parasitismo que fosse considerado
honesto, distinto e até nobre” (p.174)

O berço da preguiça
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Emanuel de Araújo volta a falar sobre uma característica presente na vida


colonial: a preguiça. A ideia do ócio como algo a ser ostentado favoreceria a
perpetuação da preguiça, que seria o desfrute do ócio.

“O morador do Brasil, portanto, jamais se imaginaria como um vadio; para ele,


vadio era o sem-ofício, o vagabundo sem morada certa, a prostituta, o mendigo,
enfim, o que não pagava impostos e cuja atividade não se destinava a beneficiar seu
meio ou o Estado.” (p.180)

“A impressão que hoje podemos ter dessa situação [...] é que, no Brasil, se
trabalhava pelo ócio e para o ócio como estilo de vida ideal” (p.181)

“E já que a escravidão fazia a vida ociosa nas cidades, nada melhor que
preenchê-la com a festa (...)” (p.186)

CAPÍTULO 3: A COLÔNIA PECADORA

Eva tentadora
Neste subcapítulo o autor aborda principalmente os estigmas, imposições e
restrições relacionadas à vida das mulheres na colônia, bem como os estereótipos e
rótulos daquelas que não enquadravam-se no comportamento esperado.

“O olhar severo do inquisidor devia dirigir-se com particular zelo às mulheres.


Assim exigia a intimidação misógina que pretendia sujeitar o sexo feminino – pérfido
por definição, no avaliar masculino da época – a normas de obediência ao pai,
irmãos, ao marido.” (p.190)

“A esse respeito o ideal, na mentalidade da época, resumia-se no provérbio


que asseverava haver apenas três ocasiões em que a mulher virtuosa poderia sair
do lar durante toda a sua vida: para se batizar, para se casar e para ser enterrada.”
(p.192)
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“O comportamento ‘livre’ dessas mulheres foi muitas vezes confundido com


prostituição ou, na melhor das hipóteses, desregramento de costumes.” (p.198)

“Uma atividade, com efeito, foi perseguida e sua prática atribuída


principalmente às mulheres: a feitiçaria. De novo a associação entre a mulher e o
mal.” (p.199)

“A mulher, nesse contexto, era perversa e pervertida por natureza e por isso
deveria sofrer vigilância todo tempo: a do sobrado por parte do pai ou do marido, a
da rua, a que não devia satisfações a ninguém, por todo mundo.” (p.212)

“(...) pois na sociedade colonial a mulher era vista em tentação permanente e,


assim, podia ser potencialmente adúltera, feiticeira, enganadora, sibarita, repositório
enfim de todos os males já presentes desde a primeira mulher, Eva, a Eva
tentadora.” (p.213)

Pecados da carne
É tratada a interferência da Igreja e do Estado na vida privada dos colonos
através da imposição de valores morais e sanções para os desviantes de
comportamento e praticantes de crimes que prejudicassem a instituição familiar ou a
procriação da família.

“Recato, humildade e continência eram exigidos da mulher com mais rigor na


sociedade patriarcalista, mas essas virtudes cobrava-as de todos a Igreja.” (p.213)

“No âmbito mais restrito da família, a Igreja queria interferir até na intimidade
do casal.” (p.213)

“No entanto, aquelas Constituições não deixavam qualquer dúvida sobre a


natureza (e a penalidade correspondente) das infrações graves, então qualificadas
em três itens: as três primeiras (sodomia, bestialidade, molície) prejudicavam a
procriação da família; as demais (adultério, incesto, estupro, rapto, concubinato e
bigamia) ameaçavam a instituição da família.” (p.215)
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“A ameaça da fogueira, é claro, apavorava. E apavorava tanto que alguns


chegaram ao desespero do assassínio, na tentativa de suprimir as provas de seu
crime.” (p.216)

“Entretanto, mesmo assustados com o rigor da lei, muitos ‘somítigos’, como


eram chamados os sodomitas, sentiram-se compelidos a confessar ao inquisidor a
prática desse delito.” (p.217)

“E a legislação civil concernente ao adultério era implacável sobretudo em


relação à mulher. Definia-se, de imediato, que não se punia o marido adúltero, mas
só a esposa e seu parceiro de adultério.” (p.225)

“O comum estava no encarar-se como absolutamente natural a punição da


adúltera pela morte.” (p.231)

“Neste caso, se o homem fosse nobre, ‘ou pessoa posta em dignidade ou


honra’, seria ‘riscado de nossos livros’, além de perder ‘qualquer tença graciosa’,
sofrendo degredo para a África, e se fosse plebeu a punição continuaria sendo a
perda da vida.” (p.236)

Batinas ousadas
Apesar da valorização do recato na sociedade colonial, muitas vezes este
valor não ultrapassava as aparências. Dentro e fora da Igreja, a castidade sexual
seria elemento raro ao passo em que o concubinato era recorrente.

“Mas nos tempos coloniais recato era coisa de uso externo. Quando era.”
(p.246)

“A vizinhança já sabia: quando um clérigo aparecia repetidamente como


padrinho dos filhos de uma mesma mãe solteira, não havia dúvida de ele ser o pai
‘desconhecido de seus afilhados.” (p.247)
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“Não é de surpreender que no correr do século XVIII, em Minas Gerais,


surgisse também grande número de casos escandalosos nos quais se achavam
envolvidos muitos sacerdotes: havia-os contrabandistas, apóstatas, bêbados,
vadios...” (p.255)

“Pode até haver aí alguma calúnia, mas a enfiada de escândalos narrados em


pormenores reflete, de qualquer forma, muito da liberdade de vida dos religiosos na
Colônia.” (p.257)

Alegres freirinhas
Novamente, o rompimento com a ideia de castidade é denunciado pelo autor,
mas dessa vez por parte das freiras, que seriam compulsivamente destinadas à vida
nos conventos.

“Em geral as mulheres, quando destinadas pelo pai ao convento, não tinham
opção: eram enclausuradas desde os oito ou dez anos para uma vida definitiva de
ascese e recolhimento.” (p.258)

“Enquanto se sentiam jovens e bonitas, fartavam-se de namorar padres e


leigos, pouco importava. Alguns, de resto, até especializados em freiras – os
freiráticos.” (p.258)

“El Rei mandou [...] instaurar o inquérito no qual devia empenhar-se o próprio
vice-rei, conde de Galveias. Ficou pior. Descobriu-se então que mais dois padres
coadjutores da freguesia do Desterro mantinham relações amorosas com outras
tantas religiosas” (p.266)

Devoção exterior
As práticas religiosas diferiam-se da rigidez da formulação dos princípios que
as embasavam. Mais uma vez, a sociedade das aparências demonstrava sua
verdadeira face, através das festividades, da subversão de significados e
simplificação de rituais.
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“Era assim o catolicismo colonial: sempre rígido na formulação dos princípios


éticos, inculcados quase sempre com firmeza pelas autoridades eclesiásticas. Ao
chegarem no plano da aplicação, todavia, mudava tudo.” (p.270)

“Do outro lado da clausura temos os fiéis, que cumpriam os ritos


mecanicamente, com formalidade enfadonha a ser executada com a rapidez
possível.” (p.272)

“A festividade, de modo geral (e não só a festa de São Gonçalo), subvertia o


bom proceder, regulado, pelo menos no interior das igrejas, por normas bastante
severas.” (p.275)

“Por medo, conveniência e oportunismo prevalecia, destarte, o formalismo de


pronunciar as palavras exatas e conduzir-se na aparência – e quase só na aparência
– como bom ou até, para os mais esforçados, exemplar ‘católico’.” (p.279)

CAPÍTULO 4: MANDAR, FAVORECER, PREVARICAR

Tu roubas, ele rouba, nós roubamos


Araújo aqui discorre sobre delitos cometidos e até mesmo sobre a origem da
corrupção no Brasil colônia, analisando a visão daqueles que vinham até esta terra
no intuito de enriquecer rapidamente, perpassando também pelas práticas do
suborno e a ação da justiça a respeito dos delitos cometidos.

“No entanto, excluindo-se os mendigos, assaltantes, prostitutas e escravos,


os que pagavam impostos tinham recursos financeiros ou prestígio social suficientes
para cometer quaisquer daqueles desvios e subtrair-se à Justiça, sempre venal ou
branda segundo as conveniências.” (p.283)

“A corrupção e o patrimonialismo originavam-se mesmo aí. Todos queriam


tirar partido de tudo.” (p.284)
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“Só o poder econômico ligado a interesses políticos, de resto, explica o fato


de que no Brasil não se tenha instalado um tribunal permanente do Santo Ofício da
Inquisição.” (p.285)

“O problema, tal como o via, estava justamente aí: no proveito particular em


detrimento – e a qualquer custo – da coisa pública.” (p.290)

As fardas atrevidas
O abuso de poder por parte dos militares, tratado nesse subcapítulo, seria
mais um dos casos em que ser uma autoridade poderia levar a caminhos mais
fáceis para agir em prol do benefício próprio em detrimento da coisa pública.

“Uma das coisas que mais afligiam os civis, aliás, era exatamente a
arbitrariedade com que se viam compelidos não só a sustentar como a abrigar os
militares, deixando sua residência para eles.” (p.293)

“Ao abrigo da farda, na verdade, os oficiais dedicavam-se à mais deslavada


corrupção.” (p.298)

“O desvio de verbas públicas, tal como exposto, não era novidade. Vimos que
no correr do século XVII houve impostos atrás de impostos destinados
especificamente à construção de quartéis. O dinheiro arrecadado, porém, jamais era
suficiente e parte dele sempre desaparecia nos misteriosos desvãos burocráticos
civis e militares.” (p.299)

“A bem dizer, durante toda a época colonial faltou profissionalismo ao


oficialato do exército português, salvo em momentos de crise ou de guerra.” (p.301)

Atravessadores e vendilhões
Considerando que entre as autoridades e figuras que ocupavam altos cargos
havia irregularidades, seria lógico que estas também encontrar-se-iam presentes na
realidade de pequenos comerciantes, negociantes etc., baseando suas ações nos
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mesmos princípios que levariam estas situações a serem recorrentes na sociedade


colonial.

“Muita gente, portanto, inspirava-se no princípio de que a promoção pessoal


era o que importava para o sucesso dentro daquela sociedade extremamente
hierarquizada, onde sempre haveria alguém em posição inferiorizada e que
dificilmente iria à Justiça quando lograda ou escarnecida (...)” (p.310)

“O jogo mesquinho de interesses econômicos em que se envolviam


autoridades de praticamente todos os escalões era decerto o responsável principal
pelos descaminhos causados por atravessadores e produtores.” (p.311)

“Afora tudo isso, os próprios negociantes com frequência inquietante


adulteravam a mercadoria para aumentar seu lucro e fugir ao controle de preços
imposto pela municipalidade.” (p.313)

“Comissários ou comerciantes, o fato é que tinham a possibilidade de


enriquecer bastante no Brasil, o que se lograva com tanto maior rapidez quanto se
fosse mais ágil para aproveitar as boas oportunidades, pontual com os credores e
duro até a insensibilidade com os devedores.” (p.315)

O Estado amordaçante
As questões da censura e da vigilância são desenvolvidas por Emanuel de
Araújo ao longo deste subcapítulo como característica marcante do Estado no
período analisado. Estas seriam dadas através de vários recursos, tais como a
provocação do medo e as privações.

“Imperava a censura, aliás, triplamente exercida. Primeiro vinha a do bispo,


depois a do Santo Ofício da Inquisição, e por último a régia, efetuada pelo
Desembargo do Paço.” (p.317)

“O estado, como a Igreja, também era atentíssimo à circulação de livros


inconvenientes.” (p.318)
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“Por inspiração do marquês de pombal unificou-se em órgão único o sistema


de três instâncias, com a criação da Real Mesa Censória, composta por
eclesiásticos (entre eles um inquisidor) e de funcionários leigos.” (p.318)

“Em 1789, quando se procedeu à devassa Vila Rica, estavam proibidas em


Portugal e seus domínios praticamente todas as obras iluministas.” (p.327)

“Em 1794 funcionou no Rio de Janeiro uma agremiação cultural denominada


Sociedade Literária, fechada nesse mesmo ano pelo conde de Resende após
denúncia que ali se conspirava contra o Estado sob inspiração dos ‘princípios
franceses’.” (p.328)

A pena inconformada
Apesar da censura da publicação de livros impressos e sua leitura, ainda
haviam formas, por meio da escrita, de expressar descontentamento para com as
autoridades e com o próprio Estado: a escrita manual e as chamadas cartas
difamatórias. Porém, estas não escapariam do Estado e suas políticas de
cerceamento. Também conclui-se neste último subcapítulo da obra a respeito das
diferenças entre a metrópole e a colônia, que insistia em “copiar” a primeira.

“(...) numa colônia à qual se vedavam a existência de tipografias e a fundação


de universidades, devia ser intolerável, aos olhos das autoridades, a circulação de
críticas em papéis anônimos.” (p.330)

“Os panfletos, todavia, quase sempre se destinavam não a convocações de


revolta, como os de 1798 em Salvador, mas as críticas – severas, azedas ou
satíricas – a determinada pessoa ou grupo de pessoas.” (p.330)

“Para ambos os lados do atlântico o rei e a lei eram os mesmos, porém as


realidades, e assim as mentalidades, eram muito diferentes, não obstante o natural
impulso, na Colônia, de tudo copiar da Metrópole, desde o modelo urbanístico das
cidades e suas habitações até valores (...)” (p.337)
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