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GOIÂNIA
2019
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GOIÂNIA
2019
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Ladeiras
A partir de escritos do senhor marquês do Lavradio, Emanuel Araújo discorre
sobre as condições materiais desfavoráveis dos colonos e a configuração das
cidades no período colonial, estruturadas de forma íngreme e seguindo um padrão
medieval, resultando em problemas relacionados à circulação de pessoas geravam
sentimento de desconforto e relatos negativos por parte dos governadores, capitães-
gerais, padres etc.
“Essa gente, na maioria, sobretudo nos primeiros tempos, vinha tangida pela
pobreza ou espicaçada pela cobiça. O Brasil, destarte, não passava de um refúgio
ou de um lugar onde haviam maiores e melhores oportunidades de enriquecer”
(p.36)
Urbanismo à lusitana
Reiterando a conexão entre o sentido do provisório e o desleixo da
urbanização, o autor também relaciona a ideia de provisoriedade à existência de
uma falta de urbanização, tratando da vida fora das cidades.
“O sonho acalentado por muitos citadinos era comprar terras de cultivo. Aí,
sim, passavam a ter sua residência no perímetro urbano mas viveriam no campo,
cercados de escravos e trabalhadores como verdadeiros senhores, assim
reconhecidos e respeitados pelas autoridades, pelos padres e pelo povo” (p.38)
“O meio urbano, assim, tirando algumas capitais, era acanhado, ralo de gente
e falto de animação.” (p.39)
“Pelo menos nas vilas era tudo gente pobre, quando não indigente, miserável.
Mais para o fim do século XVIII houve um certo desenvolvimento urbano em
algumas cidades onde enriqueciam comerciantes reinóis. Mas aí, cada vez mais,
proliferavam os vadios, os mendigos, as prostitutas, os ladrões, população
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“Acrescenta-se a tudo isso o fato de que o lixo era atirado nas ruas, por onde
andavam pachorrentamente animais soltos. Isso nas grandes cidades.” (p.50)
“Thomas Lindley, pelos anos de 1802 e 1803, anotava em Salvador que ‘as
ruas são apertadas, estreitas, miseravelmente pavimentadas, nunca estão limpas,
apresentando-se repugnantemente imundas. Os fundos de várias delas são
depósitos de lixo’.” (p.52)
“Nem precisava ser médico para ver o óbvio: ali, com efeito, ‘falta parte dos
materiais precisos, faltam oficiais que os manejem, e até faltam as instruções
medianas da arquitetura dos hospitais’.” (p.62)
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“Às péssimas condições sanitárias das cidades, pano de fundo perfeito para
se propagarem surtos epidêmicos debelados com dificuldade, acrescia-se o velho
hábito colonial de sepultamento no interior das igrejas.” (p.64)
Alimentação precária
Novamente a precariedade aparece como característica de um elemento
indispensável à vida: a alimentação. Não só em termos de qualidade e potencial
nutritivo como também em quantidade, para a maioria da população, que era pobre,
a comida era carente de riqueza.
“Na época colonial, todavia, mesmo essa carne de boi estragada não se
destinava a toda a população. A maioria desta, constituída de pobres, só de raro em
raro poderia adquiri-la. Nas casas ricas, ao contrário, esbanjava-se comida” (p.67)
Existência promíscua
Conclui-se aqui que nos tempos coloniais da terra atualmente chamada de
Brasil a qualidade de vida era ruim nos mais diversos âmbitos, e essas condições
não seriam facilmente evitáveis mesmo nas melhores localizações de moradia. É
também evidenciado pelo autor como a configuração das cidades desfavorecia a
existência de uma verdadeira privacidade, uma vez que as casas eram muito
próximas e as ruas eram estreitas (como abordado anteriormente). Trata-se
igualmente de como eram as habitações de forma geral, denunciando a má-
construção e situação destas em sua maioria.
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“As casas amontoadas, para usar a expressão de Vauthier, coladas umas nas
outras em ruas estreitas, ensejavam a fatal e incômoda bisbilhotice dos vizinhos com
a qual se preocupava o legislador” (p.71/72)
Horror ao trabalho
Neste subcapítulo discute-se a aversão ao trabalho manual por parte dos
colonos e a chamada “preguiça brasileira”, relacionada à ideia do trabalho associado
à posição de escravo ou miserável.
“Acreditava-se que aí tudo era fácil e para sobreviver bastava ser destro,
esperto, oportunista.” (p.83)
“Essa mentalidade sequer arrefeceu com o passar dos anos, pois Thomas
Ewbank, em 1846, ainda ouvia afirmar que ‘um jovem prefere morrer de fome a
abraçar uma profissão manual’. A aspiração de todos, segundo ele, era transformar-
se em funcionário público, militar, sacerdote, advogado ou médico. Nesta ordem”
(p.85)
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Presunção da fidalguia
A importância das aparências na sociedade colonial transparece na
necessidade dos fidalgos em serem reconhecidos por sua ascendência nobre
europeia, mesmo que esta fosse falsa.
“Havia que ser reconhecido [...] Por isso, alardear amizades influentes, vestir-
se com esmero, falar bonito, pavonear opulência e, se possível, exibir boa árvore
genealógica (mesmo falsa) dava importância maior às pessoas (...)” (p.109)
“Também fazia parte desse jogo ostentatório o trajar-se com apuro. Na rua,
está claro, o que contava era justamente o alarde de abastança, por meio de
emblemas exteriores.” (p.113)
“Ir ao teatro, assim, devia ser uma espécie de obrigação social, quer para ser
visto em palácio, quando das comemorações áulicas, quer para passar por refinado
(...)” (p.147)
O berço da preguiça
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“A impressão que hoje podemos ter dessa situação [...] é que, no Brasil, se
trabalhava pelo ócio e para o ócio como estilo de vida ideal” (p.181)
“E já que a escravidão fazia a vida ociosa nas cidades, nada melhor que
preenchê-la com a festa (...)” (p.186)
Eva tentadora
Neste subcapítulo o autor aborda principalmente os estigmas, imposições e
restrições relacionadas à vida das mulheres na colônia, bem como os estereótipos e
rótulos daquelas que não enquadravam-se no comportamento esperado.
“A mulher, nesse contexto, era perversa e pervertida por natureza e por isso
deveria sofrer vigilância todo tempo: a do sobrado por parte do pai ou do marido, a
da rua, a que não devia satisfações a ninguém, por todo mundo.” (p.212)
Pecados da carne
É tratada a interferência da Igreja e do Estado na vida privada dos colonos
através da imposição de valores morais e sanções para os desviantes de
comportamento e praticantes de crimes que prejudicassem a instituição familiar ou a
procriação da família.
“No âmbito mais restrito da família, a Igreja queria interferir até na intimidade
do casal.” (p.213)
Batinas ousadas
Apesar da valorização do recato na sociedade colonial, muitas vezes este
valor não ultrapassava as aparências. Dentro e fora da Igreja, a castidade sexual
seria elemento raro ao passo em que o concubinato era recorrente.
“Mas nos tempos coloniais recato era coisa de uso externo. Quando era.”
(p.246)
Alegres freirinhas
Novamente, o rompimento com a ideia de castidade é denunciado pelo autor,
mas dessa vez por parte das freiras, que seriam compulsivamente destinadas à vida
nos conventos.
“Em geral as mulheres, quando destinadas pelo pai ao convento, não tinham
opção: eram enclausuradas desde os oito ou dez anos para uma vida definitiva de
ascese e recolhimento.” (p.258)
“El Rei mandou [...] instaurar o inquérito no qual devia empenhar-se o próprio
vice-rei, conde de Galveias. Ficou pior. Descobriu-se então que mais dois padres
coadjutores da freguesia do Desterro mantinham relações amorosas com outras
tantas religiosas” (p.266)
Devoção exterior
As práticas religiosas diferiam-se da rigidez da formulação dos princípios que
as embasavam. Mais uma vez, a sociedade das aparências demonstrava sua
verdadeira face, através das festividades, da subversão de significados e
simplificação de rituais.
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As fardas atrevidas
O abuso de poder por parte dos militares, tratado nesse subcapítulo, seria
mais um dos casos em que ser uma autoridade poderia levar a caminhos mais
fáceis para agir em prol do benefício próprio em detrimento da coisa pública.
“Uma das coisas que mais afligiam os civis, aliás, era exatamente a
arbitrariedade com que se viam compelidos não só a sustentar como a abrigar os
militares, deixando sua residência para eles.” (p.293)
“O desvio de verbas públicas, tal como exposto, não era novidade. Vimos que
no correr do século XVII houve impostos atrás de impostos destinados
especificamente à construção de quartéis. O dinheiro arrecadado, porém, jamais era
suficiente e parte dele sempre desaparecia nos misteriosos desvãos burocráticos
civis e militares.” (p.299)
Atravessadores e vendilhões
Considerando que entre as autoridades e figuras que ocupavam altos cargos
havia irregularidades, seria lógico que estas também encontrar-se-iam presentes na
realidade de pequenos comerciantes, negociantes etc., baseando suas ações nos
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O Estado amordaçante
As questões da censura e da vigilância são desenvolvidas por Emanuel de
Araújo ao longo deste subcapítulo como característica marcante do Estado no
período analisado. Estas seriam dadas através de vários recursos, tais como a
provocação do medo e as privações.
A pena inconformada
Apesar da censura da publicação de livros impressos e sua leitura, ainda
haviam formas, por meio da escrita, de expressar descontentamento para com as
autoridades e com o próprio Estado: a escrita manual e as chamadas cartas
difamatórias. Porém, estas não escapariam do Estado e suas políticas de
cerceamento. Também conclui-se neste último subcapítulo da obra a respeito das
diferenças entre a metrópole e a colônia, que insistia em “copiar” a primeira.