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Faculdade de História
Curso de História
Matrícula: 134329
Emanuel Araújo propõe demonstrar, dando uma prévia apresentação em sua introdução,
a formação do Brasil e da identidade do povo brasileiro, com todos os mitos que
carregamos até hoje. Mostra também como a grandiosidade do país o poliu lentamente e
a força de um Estado “pai”, que é quase cultuado, um “pai do povo que tudo sabe e do
qual tudo se espera.”.
De acordo com Luís dos Santos Vilhena, citado por Emanuel Araújo, o Brasil seria “a
morada da pobreza, o berço da preguiça e o teatro dos vícios” (p.21, grifo nosso).
“Ora, desde 1500 o Brasil mudou de regime político, grosso modo, nada menos de três vezes:
foi colônia, foi império e hoje é república. É inquietante pensar, no entanto, que situações
sociais básicas tivessem permeado incólumes quase cinco séculos. [...] Na verdade, o que
permanece incólume é a estrutura de poder, a forma e a fórmula geral com que o Estado, ou
quem o representa, mantém seu domínio sobre as pessoas.” (ARAÚJO, 1993, p.22).
“O sentido de certas imagens que nós, brasileiros, temos de nossas instituições, de nossos
valores, de nós mesmos, em suma, como povo historicamente organizado, repousa decerto na
base colonial de nossa formação.” (ARAÚJO, 1993, p.23).
“...se criou toda uma mitologia para explicar o caráter do „povo brasileiro‟, mitologia em que
entram noções como as de „jeitinho‟, de „gente de índole pacífica‟, de „democracia racial‟, de
„levar vantagem em tudo‟, de „preguiça inata‟, de „acomodação‟ e tantas outras.” (ARAÚJO,
1993, p.24).
O cenário urbano
Ladeiras
“O próprio local onde se construíam as cidades já era desconfortável para a circulação, para as
idas e vindas das pessoas.” (ARAÚJO, 1993, p.30).
De acordo com o marquês de Lavradio, citado por Emanuel Araújo, “os magistrados
aqui estabelecidos procuram só acabar o seu tempo para, aproveitando-se da graduação
com que a generosidade dos príncipes pôs estes lugares, irem tranquilamente cheios de
honra gozar o descanso nas suas pátrias”.
“Daí [...] proviria o descaso com a urbanização, a lamentável condição de vida nas
cidades, com suas fontes, pontes e caminhos em estado de dar piedade...”. (ARAÚJO,
1993, p.34).
Urbanismo à lusitana
“... era tudo acanhado, de poucas ruas, poucas casas, poucas pessoas, vida monótona,
modorrenta, só animada em dias de festa ou de comércio graúdo, quando muita gente dos
engenhos vinha à cidade para despachar o açúcar e comprar coisas supérfluas.” (ARAÚJO,
1993, p.38).
“... passavam a ter sua residência no perímetro urbano mas viveriam no campo, cercados de
escravos e trabalhadores como verdadeiros senhores, assim reconhecidos e respeitados pelas
autoridades, pelos padres e pelo povo.” (ARAÚJO, 1993, p.38).
“No correr do século XVII a situação não mudou. Predominava teimosamente o mundo
rural.” (ARAÚJO, 1993, p.39).
“Quase todas as povoações eram pequenas, e muitas se constituíam apenas de uma ou duas ruas,
onde se espalhavam, afastadas umas das outras, se tanto meia centena de casas.” (ARAÚJO,
1993, p.41).
“Em quase todas essas localidades, de norte a sul da Colônia, havia bom número de engenhos e
pastagens terras [...] enquanto as cidades e vilas apenas serviam como escoadouro da produção.”
(ARAÚJO, 1993, p. 42).
“Quase sempre, todavia, fosse nos morros ou nas planícies, as ruas se adaptavam às condições
topográficas, organizando-se como ligações entre os pontos de maior importância na vida da
comunidade, não raro situados em praças: câmara, casa do governador, igrejas ou conventos,
alfândega.” (ARAÚJO, 1993, p.45)
“Grandes poças d‟água e muita lama deviam ser a consequência imediata de semelhante
disposição [...]. Acrescente-se a tudo isso o fato de que o lixo era atirado nas ruas, por onde
andavam pachorrentamente animais soltos.” (ARAÚJO, 1993, p.50).
De acordo com Thomas Lindley, citado por Emanuel Araújo, falando sobre Salvador,
disse que “as ruas são apertadas, estreitas, miseravelmente pavimentadas, nunca estão
limpas, apresentando-se sempre repugnantemente imundas. Os fundos de várias delas
são depósitos de lixo.”. (1993, p.52).
“Os açougues também passaram a sofrer fiscalização, pois a carne aí vendida seria “tão magra e
em tal estado, que se entende que de a comer o povo há nela muitas doenças também, de que é
geral queixa”.”. (ARAÚJO, 1993, p.54).
“A varíola, aliás, deixou triste memória nos tempos coloniais, a começar mesmo pelo primeiro
surto, o de 1561-65, que, irrompendo da Bahia, chegou a alcançar São Paulo de Piratininga [...].
A malária, de forma endêmica ou epidêmica, manifestou-se desde o início da colonização.”
(ARAÚJO, 1993, p.55)
“Às péssimas condições sanitárias das cidades, pano de fundo perfeito para se propagarem
surtos epidêmicos debelados com dificuldade, acrescia-se o velho hábito colonial de
sepultamento no interior das igrejas.” (ARAÚJO, 1993, p.64).
Alimentação precária
“A farinha de mandioca, porém, era não só o alimento mais popular como o mais barato, e por
isso, de longe, o mais difundido no sertão e entre a gente humilde das cidades...”. (ARAÚJO,
1993, p.68).
“Aos escravos, de fato, dava-se uma ração de qualidade inferior, rica apenas em calorias. No
século XVIII, quando aumentava muito o número de libertos e de brancos pobres nas cidades,
sua dieta em pouco ou nada se diferenciava da alimentação da escravaria.” (ARAÚJO, 1993,
p.69).
De acordo com Spix e Martius, citado por Emanuel Araújo, dizem que alimentação
comum da gente do povo e a dos escravos era igual, consistindo em feijão, bananas,
toucinho e carne-seca.
Existência promíscua
Após a descrição nos capítulos anteriores da vida colonial, sua estrutura, etc., o autor
nos diz que ai está o problema de não se poder ter uma boa vida na colônia, algo que
não escapava nem aos mais ricos. Descrevendo a estrutura das residências nas cidades,
nos dá também a visão da falta de privacidade nas casas, a comunicação direta entre as
mesmas, o uso de adjetivos, de acordo com Emanuel Araújo, descreve como “Baixas,
pequenas, sujas, mesquinhas, miseráveis, tal é o repertório de adjetivos presente nas
descrições das moradias, feitas por estrangeiros surpresos e chocados com essa pobreza
que agredia sua sensibilidade.”.
“As casas amontoadas, para usar a expressão de Vauthier, coladas umas nas outras em ruas
estreitas, ensejavam a fatal e incômoda bisbilhotice dos vizinhos com a qual se preocupava o
legislador.” (ARAÚJO, 1993, p.71).
“... o mais surpreendente dos documentos inquisitoriais, nesse âmbito restrito sobre a forma do
habitar, são os depoimentos que revelam a existência de comunicação direta entre as
residências, isto é, a presença de porta de uma habitação para outra...” (ARAÚJO, 1993,
p.76).
“As habitações dos subúrbios e bairros pobres seguiam, por certo, o mesmo esquema
arquitetônico das existentes na parte nobre da cidade.” (ARAÚJO, 1993, p.77).
“Muitas vezes mal localizadas e ralamente habitadas, quase sempre de ruas estreitas e
imundas, abrigavam uma população em sua maioria de gente que ocupava construções
acanhadas e miseráveis.” (ARAÚJO, 1993, p.82).
A sociedade da aparência
Horror ao trabalho
Emanuel Araújo apresenta uma ideia: “caça abundante, pescaria copiosa, terra fértil,
boas águas, bons ares, por que trabalhar?”. A preguiça era algo que parecia caminhar
junto aos colonos. Mas há ai explicação para tal preguiça: seria a escravidão. Com
alguém para fazer tudo para seu dono, para que se preocupar? Ainda mais que possuir
escravos conferia certo status ao possuidor. Outra questão era a prática do ofício entre
os escravos, que eram ensinados a cada vez que mudavam de dono uma prática nova,
tornando-se assim peritos nos trabalhos que os senhores queriam dispensar em cima dos
escravos.
“Claro que os estrangeiros viam isso com algum desprezo, pois, como alguns observaram,
tamanha indolência levava os artífices a transferirem suas tarefas aos escravos, de onde o
inevitável desleixo em tudo que faziam.” (ARAÚJO, 1993, p.86).
“A vida relativamente folgada desfrutada por uma parte da população devia ter um sentido, pois
que a colônia brasileira, imensa, generosa sobretudo em suas remessas de açúcar e de minérios,
constituía o lastro principal das relações mercantis do Reino com seus parceiros comerciais.”
(ARAÚJO, 1993, p.89).
“O padrão ideal de status, portanto, era esse: possuir cativos que dispensassem o dono
de certos trabalhos ou, melhor ainda, de todo trabalho.” (ARAÚJO, 1993, p.90).
“Devia ser frequente um mesmo escravo ser perito em dois, três ou mais ofícios.”
(ARAÚJO, 1993, p.97).
Presunção da fidalguia
A busca por demonstrar sua pureza de sangue, seu status, seu falar rebuscado, elevava
(teoricamente) o colono ao topo da sociedade. Transferir para os negros os trabalhos, os
ofícios manuais, aumentava ainda mais por parte do senhor a sua fidalguia.
Praticamente ninguém escaparia às “garras” dessa tentação. É interessante notar que, se
fora de casa queriam demonstrar riqueza, dentro não poupavam o “ficar à vontade”. A
preocupação em mostrar para pessoas importantes, estrangeiros, etc., a riqueza, é algo
que permeia até hoje na sociedade brasileira.
“Não bastava ganhar muito dinheiro e com ele comprar casas e terras. Havia que ser
reconhecido e, se possível, admirado como pessoa de fino trato, algo próximo à
fidalguia...”. (ARAÚJO, 1993, p.109).
“Ao que parece, nem os sacerdotes, que por profissão deviam ser recatados, escapavam
à tentação de trajar-se com apuro mundano.” (ARAÚJO, 1993, p.116).
“Quem podia, entretanto, continuava pelas ruas a exibir casacas de seda, gravatas de renda,
fivelas caríssimas, coletes em seda, mantos de prega e tantas outras peças obrigatórias na
elegância da época.” (ARAÚJO, 1993, p.117).
“Talheres finos e caros, assim, eram postos à mesa somente „para inglês ver‟.”
(ARAÚJO, 1993, p.126).
Todo o ato de não trabalhar não viria só com o propósito de se demonstrar fidalguia. O
tempo vago era ocupado também em grande parte com festas. Vemos ai o grande
número de feriados, procissões, etc. Como disse Emanuel Araújo, “pelo menos um
quarto do ano (24,93%), assim, era consagrado à veneração religiosa, e mesmo que
alguns desses dias coincidissem com o domingo, o cômputo ainda é modesto, pois não
se contou aí grande número de festejos „de ocasião‟...”.
“Essas determinações, naturalmente, eram cumpridas com enorme prazer. Nas vésperas
da festa apregoava-se oficialmente, em determinados pontos da cidade, a convocação
pública.” (ARAÚJO, 1993, p.132).
“O ponto alto, evidentemente, era a procissão, e nela pode estar a inspiração e o elo
mais longínquo dos desfiles carnavalescos das atuais „escolas de samba‟.” (ARAÚJO,
1993, p.133).
“Tudo isso leva a crer que na Colônia se apreciava bastante a arte teatral. A forma
mesma da organização das procissões era de molde a impressionar o público exatamente
por seu lado cênico.” (ARAÚJO, 1993, p.144).
“Mais uma vez temos, numa manifestação coletiva, ao mesmo tempo um fator de
aproximação entre iguais e o abismo diferenciador que separava as pessoas.”
(ARAÚJO, 1993, p.148, grifo nosso).
“...o mendigo e o vadio eram ambos parasitas de um meio social por sua vez parasita
dentro do sistema produtivo que se constituiu na Colônia.” (ARAÚJO, 1993, p.149).
“Toda essa gente, na óptica colonial, era perigosa, objeto de repressão sistemática que
aumentava com a própria expansão das cidades...”. (ARAÚJO, 1993, p.150).
“Essa gente podia tornar-se violenta e com frequência assim sucedeu.” (ARAÚJO,
1993, p.154).
“A violência emergia também, não raro com vigor inusitado, nas rixas entre famílias e
respectivas facções.” (ARAÚJO, 1993, p.158).
“Não havia muita escolha para os brancos e mulatos pobres ou os ex-escravos. Os mais jovens
ainda podiam ganhar precariamente a vida com algum trabalho, porém os inutilizados por
aleijão ou saúde precária e os velhos ou entregavam-se à „vadiagem‟, em quaisquer de suas
modalidades, ou resignavam-se à mendicância pura e simples.” (ARAÚJO, 1993, p.167).
“Como é visível, havia um grande e crônico problema social que o Estado jamais
conseguiria resolver.” (ARAÚJO, 1993, p.171).
O berço da preguiça
Preguiçoso era a visão do estrangeiro sobre o brasileiro, mas não a forma como o
mesmo se via. Esse termo era mais usado dentre os brasileiros para os vadios. Como
disse Emanuel Araújo, “O escravo trabalhava, o senhor descansava e o vadio nem
trabalhava nem descansava: sobrevivia como podia ou sabia.”.
“Afirmavam-se aí, de forma inequívoca, os degraus de uma hierarquia dentro da qual só podiam
brilhar publicamente os mais ricos e influentes, embora no Brasil grande número de habitantes
urbanos usufruísse, como um bem perseguido com tenacidade, o ócio que permitia um lazer
constante, celebrado em cada ato cívico ou religioso.” (ARAÚJO, 1993, p.187).
A colônia pecadora
Eva tentadora
A mulher, condenada pela Igreja desde a Idade Média a ser inferior ao homem, se via
sempre reclusa dentro de casa. A mesma, também vista como a “Eva”, a pecadora, era
má aos olhos dos homens. Os homens se preocupavam com as mesmas fechando-as em
seu lar, preocupando-se com o corrompimento das mesmas, ou as próprias mulheres que
se fechavam em casa e recusavam a receber visitas, moldou na mentalidade das
mulheres (algo que se vê até hoje) uma necessidade de se embelezar sempre
exageradamente para ser vista.
“Cercada de escravos, a mulher cujo marido tivesse certo cabedal encerrava-se em casa,
esparramada em esteiras, sem quase nada fazer, longe do olhar até mesmo dos amigos da
família.” (ARAÚJO, 1993, p.190).
Num relatório holandês de 1638, consta que “os homens são muito ciosos de suas
mulheres e as trazem sempre fechadas, reconhecendo assim que os de sua nação são
inclinados a corromper as mulheres alheias”. (p.191).
“Submissa, obediente, casta. Eva virtuosa. E à força. Não podia dar certo.” “A situação por
assim dizer „clássica‟ da população feminina nos tempos coloniais era efetivamente como já
delineado.” (ARAÚJO, 1993, p.195).
“Uma atividade, com efeito, foi perseguida e sua prática atribuída principalmente às mulheres: a
feitiçaria.” “Chega-se assim ao argumento fatal: „Em conclusão. Toda bruxaria tem origem na
cobiça carnal, insaciável nas mulheres. ‟” (ARAÚJO, 1993, p.199, 200).
“A mulher [...] era perversa e pervertida por natureza e por isso devia sofrer vigilância
todo o tempo...” (ARAÚJO, 1993, p.212).
Pecados da carne
“Recato, humildade e continência eram exigidos da mulher com mais rigor na sociedade
patriarcalista, mas essas virtudes cobrava-as de todos a Igreja.” (ARAÚJO, 1993,
p.213).
“O segundo delito que afetava a procriação da família, por desperdício do sêmen, era o
da bestialidade.” (ARAÚJO, 1993, p.223).
“A igreja [...] afirmava que „é também gravíssimo pecado o da molície, por ser contra a
ordem da natureza, posto que não seja tão grave quanto o da sodomia e bestialidade.‟”
(ARAÚJO, 1993, p.224).
“Fosse como fosse a lei secular [...] era absolutamente favorável aos maridos.”
(ARAÚJO, 1993, p.228).
“Mais raro que o adultério, o incesto qualificava-se como „crime abominável a Deus e
aos homens‟”. (ARAÚJO, 1993, p.233).
“Como a bestialidade e a molície, o pecado de incesto não era de molde a ser divulgado
com a jactância com que o faziam alguns maridos adúlteros.” (ARAÚJO, 1993, p.234).
“O rapto e o estupro também foram objeto de cuidados tanto na legislação civil quanto
na eclesiástica.” (ARAÚJO, 1993, p.235).
Batinas ousadas
O concubinato, comum entre os padres do Brasil, era fruto da liberdade sexual que
havia no mesmo. O esforço dos jesuítas contra o assédio era em vão. Como disse
Emanuel Araújo, “Que não era coisa fácil resistir aos apelos da carne ao sul do Equador
sabia-o o próprio Anchieta.” (p.248). Padres que se tornavam vadios, bêbados - alguns
até andando armados -, era esse o cenário do Brasil colonial.
“O quase geral concubinato de padres seria observado até por viajantes apressados e a
documentação sobre o assunto é extensa.” (ARAÚJO, 1993, p.247).
“O esforço moralizante jesuítico, de qualquer modo, não podia impedir o desregramento dos
outros padres. Os religiosos mansamente, silenciosamente, gostosamente incorporavam todos os
hábitos locais, e sobretudo os pecados locais.” (ARAÚJO, 1993, p.248).
“O Diabo, decididamente, devia ser popularíssimo na Colônia, pois que os religiosos, logo eles,
teimavam em contrariar sempre e sempre tudo o que se estabelecia em qualquer regulamento.”
(ARAÚJO, 1993, p.256).
Alegres freirinhas
“Em geral as mulheres, quando destinadas pelo pai ao convento, não tinham opção: eram
enclausuradas desde os oito ou dez anos para uma vida definitiva de ascese e recolhimento.”
(ARAÚJO, 1993, p.258).
“A princípio o contato entre freira e freirático não era direto. Intermediava-o o ralo, uma lâmina
cheia de furinhos, na porta ou na janela trancadas, por onde se fala mas não se é visto.” “Desses
contatos mais ou menos abertos, inconsiderados, espontâneos, porém jamais inocentes, nasciam
relações amorosas que levavam freiras e freiráticos à loucura...” (ARAÚJO, 1993, p.261,
262, grifo do autor).
“Observe-se que as freiras provinham da elite colonial. Seus pais [...] internavam-nas ou
por motivação econômica, para beneficiar um filho varão, ou por convicção ideológica,
de modo a contar com uma filha virtuosa...” (ARAÚJO, 1993, p.266).
Devoção exterior
Na teoria, tudo no catolicismo era rígido e devia ser seguido à risca. O luxo não
poupava nem as procissões religiosas; as igrejas também não eram poupadas das festas,
“...tiros de pistola e risadas descompostas [...], sarabandas e outros tonilhos de teatro
profano...”, assim disse o padre Manuel Bernardes.
“Era assim o catolicismo colonial: sempre rígido na formulação dos princípios éticos,
inculcados quase sempre com firmeza pelas autoridades eclesiásticas. Ao chegarem no plano da
aplicação, todavia, mudava tudo.” (ARAÚJO, 1993, p.270).
“A festividade, de modo geral [...], subvertia o bom proceder, regulado, pelo menos no
interior das igrejas, por normas bastante severas.” (ARAÚJO, 1993, p.275).
“Em repetidas pastorais de sucessivos bispos, os quais tentavam moralizar as ações de seu
rebanho dentro e à porta da igreja, ficamos a saber de muitos abusos então cometidos.”
(ARAÚJO, 1993, p.278).
“E a Igreja vigiava de perto, por dentro mesmo da tessitura social, como todo mundo se
comportava nas menores coisas. Coisas deveras miúdas, mas que podiam levar qualquer um a
ser tachado de herético e passar a ter sua vida muito complicada.” (ARAÚJO, 1993, p.279).
“...temos de convir que a organização eclesiástica, pelo menos nos dois primeiros
séculos de colonização, era na prática um tanto frouxa e incompetente para administrar
mentalidades arraigadas no universo medieval.” (ARAÚJO, 1993, p.280).
Prejudicados na verdade eram os que não pagavam impostos, pois os que pagavam,
mesmo sendo vadios, conseguiam desviar-se da Justiça. Todos queriam ganhar,
enriquecer rapidamente e, muitas das vezes, à custa do coletivo. A corrupção não
poupava ninguém.
“...os que pagavam impostos tinham recursos financeiros ou prestígio social suficientes
para cometer quaisquer daqueles desvios e subtrair-se à Justiça...” (ARAÚJO, 1993,
p.283).
“Os casos de corrupção eram comuns e o clero não raro punha-se a serviço da elite.”
(ARAÚJO, 1993, p.285).
“O problema, tal como o via, estava justamente aí: no proveito particular em detrimento
– e a qualquer custo – da coisa pública.” (ARAÚJO, 1993, p.290).
“De fato os funcionários públicos, em todos os escalões [...], preocupavam-se antes de tudo não
com a coisa pública, com o bem comum, mas com os interesses privados, com seu próprio bem,
o que na prática significava amealhar recursos ou fortuna, conforme possibilitasse o cargo,
justamente à custa do interesse coletivo.” (ARAÚJO, 1993, p.292).
As fardas atrevidas
Como algo que perpetua até hoje, havia o abuso de autoridade militar. Impostos eram
criados para sustentar os soldados; residências eram cedidas para alojá-los; alimentos
eram entregues. Com a farda, se dava motivo maior para a corrupção. Se por um lado,
havia esse abuso, por outro, eles também eram humilhados. Repressão gera repressão.
“Os militares também eram gravemente acusados de aproveitar-se da condição de „autoridades‟
em benefício próprio.” “Uma das coisas que mais afligia os civis, aliás, era exatamente a
arbitrariedade com que se viam compelidos não só a sustentar como a abrigar os militares,
deixando sua residência para eles.” (ARAÚJO, 1993, p.293).
“O desvio de verbas públicas [...] não era novidade. [...] O dinheiro arrecadado, porém, jamais
era suficiente e parte dele sempre desaparecia nos misteriosos desvãos burocráticos civis e
militares.” (ARAÚJO, 1993, p.299).
“E o tempo de serviço militar [...] muitas vezes alcançava dez anos ou mais.”
(ARAÚJO, 1993, p.302).
“Os que ficavam no serviço militar deviam sujeitar-se a toda sorte de humilhações.”
(ARAÚJO, 1993, p.306).
Atravessadores e vendilhões
Não é de se estranhar o controle tão grande que o Estado tenta impor sobe o que se vê.
Isso vem dos tempos coloniais; tempos os quais havia a proibição da leitura de certos
livros, onde só eram liberados aqueles que convinham às autoridades.
“Além de atemorizar as pessoas pela vigilância de sua consciência religiosa, o Estado e a Igreja
mantinham-nas de propósito na ignorância. Só era permitido ler na Colônia aquilo que
interessava às autoridades.” (ARAÚJO, 1993, p.317).
“O avanço dos anos e dos séculos traria novos e novos livros proibidos. Alguns, curiosamente,
já estavam impressos com as „licenças necessárias‟ quando tiveram sua circulação abruptamente
sustada para substituição de uma ou mais páginas, ou até, o mais comum, para serem
destruídos.” (ARAÚJO, 1993, p.323).
“Como entravam esses títulos na Colônia? Alguns na bagagem de pessoas autorizadas a ler e a
transportar determinados livros, outros adquiridos de marinheiros e viajantes, e muitos,
finalmente, de contrabando mesmo...” (ARAÚJO, 1993, p.328).
A pena inconformada
“...devia ser intolerável, aos olhos das autoridades, a circulação de críticas em papéis
anônimos. Manuscritos, evidentemente.” (ARAÚJO, 1993, p.330).
“Os panfletos, todavia, quase sempre se destinavam não a convocações de revolta [...], mas a
críticas – severas, azedas ou satíricas – a determinada pessoa ou grupo de pessoas.” (ARAÚJO,
1993, p.330).
“Ainda que o aparelho estatal da Metrópole estivesse aqui presente e atento para vigiar e punir,
os próprios agentes repressores, nestes incluindo-se o clero, também se adaptavam às formas de
agir, de sentir, de pensar [...] sob as quais os colonos americanos conformavam sua própria
cultura em terra estranha para os que chegavam...” (ARAÚJO, 1993, p.337).
“...o fato era simples: não se podia agir, sentir e pensar no Brasil exatamente como se
agia, sentia e pensava em Portugal.” (ARAÚJO, 1993, p.337).
“Vilhena queixava-se do fato de ele viver longe do rei, em uma colônia que, por estar
distante da Corte, lhe parecia ser também o teatro de todos os vícios. Pois era.”
(ARAÚJO, 1993, p.337).