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PE D RO MARCE LO PASCH E D E CAMPO S

IN QU ISIÇÃO, MAGIA E SOCIE DAD E

Belém, 1763-1769

D isser t ação ap r esen t ad a ao Cur so d e P ó s-


G rad uação em H ist ó r ia d a Un iver sid ad e
F ed eral F lumin en se, co mo requisit o p arcial
p ar a o b t en ção d o G r au d e Mest r e. Área d e
Co n cen t ração : H ist ó r ia So cial d as I d éias.

Orientador: Profª. Drª Lana Lage da Gama Lima

N I TE RÓ I

1995
2

- ABREVIATURAS

ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa

BNRJ-SM - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - Seção de Manuscritos

HGCB - História Geral da Civilização Brasileira

IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro


3

- ÍN D ICE -

PEDRO MARCELO PASCHE DE CAMPOS 1


NITERÓI 1
1995 1

CAPÍTULO 1 15

- INQUISIÇÃO, CRISTÃOS-NOVOS E REFORMAS - 15

I - A IMPLANTAÇÃO DO TRIBUNAL: QUESTÕES RELIGIOSAS E DE


ESTADO 15
- Muito Além de Questão de Fé, um Assunto de Estado. 21

II - INQUISIÇÃO NO CONTEXTO DAS REFORMAS 25


- A Normatização dos Cristãos Velhos 26

CAPÍTULO 3 54

- POLÍTICA POMBALINA E INQUISIÇÃO - 54

I - PANORAMA DO PORTUGAL PRÉ-POMBALINO 54


- Breve Histórico da Governação Pombalina 54
- Ação de Pombal: fortalecer o poder real... 57
4

- ...E Subjugar as Oposições. 61

II - POMBAL, OS JESUÍTAS E A INQUISIÇÃO 68


- Contra os Jesuítas 69
-Inquisição e Estado 80

CAPÍTULO 4 92

- A VISITAÇÃO EM SEU CONTEXTO - 92

I - GRÃO-PARÁ: OCUPAÇÃO E COLONIZAÇÃO 92


- A Política Pombalina no Pará 95

II APORTA O VISITADOR 102

- Explicando a Visitação 105

- Os Pecados de Belém do Pará ante o Visitador 109

CAPÍTULO 5 116

-AS ARTES MÁGICAS PARAENSES- 116

I - ALGUMAS QUESTÕES PRELIMINARES 116

II - CONJUROS E FEITIÇARIAS 120


-Magia Divinatória 120
- De Amores Danados e Artes Encantatórias 125
- Bichos e Sevandijas 132
- Mandingas e Patuás 141

III PACTOS DEMONÍACOS 144

IX - BIBLIOGRAFIA 153
5

E assim vieram os governadores, preocupados com a


ordem, os padres, preocupados com as almas, e os
inquisidores, preocupados em conciliar as almas com a
ordem.
Emanuel Araújo, O Teatro dos Vícios.
6

IN TROD U ÇÃO

Esta pesquisa tem como tema a análise das relações entre magia e sociedade no
Pará setecentista, através do Livro da Visitação inquisitorial, ocorrida naquela região no
século XVIII. Interessa, aqui, a investigação das bases do funcionamento de tal relação, isto é,
a aplicabilidade e função desempenhada pela magia dentro do universo maior da mentalidade
religiosa paraense, e como esta se inseria na vida social.

Dentre as visitas inquisitoriais ao Brasil, a paraense permanece sendo a menos


estudada. Suas denúncias e confissões, episodicamente, são mencionadas em outros estudos
que utilizam fontes inquisitoriais. Contudo, a visita setecentista continua sendo pouco
freqüentada por nossa historiografia, não possuindo escritos que lhe sejam totalmente
dedicados - excetuando-se os textos do Prof. José Roberto do Amaral Lapa, responsável pela
localização em Portugal, na década de 1960, do Livro da Visitação1.

Ocorrida na segunda metade do século XVIII, quando a Inquisição há muito já


havia deixado de fazer uso deste expediente, a visita paraense chama a atenção, devido às suas
peculiaridades. Uma delas é sua realização tardia, num momento em que institucionalmente o

1 Resp o n sável t amb ém p ela p ub licação d o man uscrit o in quisit o r ial, J. R. A. Lap a escr eveu
A I n quisição n o P ará in B o le ti m I nte rnac i o nal de B i bli o g rafi a Lus o - B ras i le i ra,
vo l. X, n º 1, Lisb o a, F un d ação Calo ust e-G ulb en kian , jan -m ar 1969; a co mun icação O
D iab o , um b o m co m p an h eir o ? ap er sen t ad a ao I Co n gr esso I n t er n acio n al e Luso -
Brasileiro so b re a I n quisição , São P aulo , 1987 (mimeo ) - p ub licad a, co m alt eraçõ es, so b
o t ít ulo D a n ecessid ad e d o D iab o (imagin ár io so cial e co t id ian o n o Br asil d o século
XVI I I ) in Re s g ate : Revist a in t er d iscip lin ar d e cult ur a d o Cen t r o d e Mem ó ria d a
UN I CAMP , Camp in as, 1990, vo l.1, p p .39-55. D o mesmo aut o r en co n t r a-se, ain d a, o
est ud o in t r o d ut ó r io p r esen t e n a p ub licação d o Li vro da Vi s i taç ão .
7

Tribunal perdia forças e autonomia, até se transformar em Tribunal Régio, totalmente


submisso à Coroa lusitana.

Some-se a isso um outro fator: a demorada permanência do visitador em terras


paraenses. Os registros do Livro da Visitação abrangem o período entre 1763 e 1769, muito
mais longo do que os costumeiros dezoito meses que, em média, costumava durar uma visita
inquisitorial2.

Tanto tempo de duração, porém, gerou um pequeno número de apresentações


à Mesa inquisitorial. Apenas 46 pessoas procuraram o visitador, quer seja para confessar ou
para denunciar: uma soma incrivelmente pequena, para aquela que foi a mais longa visita
inquisitorial em terras brasílicas. Este número é realmente reduzido, se comparado com o
volume de confissões e denúncias gerado pelas duas visitas anteriores.

Os delitos confessados e denunciados constituem um elemento de interesse à


parte. A visita paraense muito pouco tratou de judaísmo, contrariando as tendências
repressivas da Inquisição portuguesa, em vigor desde sua instalação no século XVI. O foco
das evidências recaiu sobre as práticas mágicas, como o curandeirismo, as adivinhações, as
orações amorosas e os pactos com o Diabo. A magia aflorou na visitação paraense, com uma
força e pujança até então jamais vistas em visitas anteriores.

Em instigante estudo, Carlo Ginzburg atenta para o fato de que a descoberta


dos arquivos da Inquisição como importante documentação histórica é (...) um fenômeno
tardio 3. A preocupação dos primeiros pesquisadores era, em meados do século XIX, com o
funcionamento da máquina inquisitorial, bem como com a história cronológica do Tribunal.
Tal tipo de estudos, em sua maior parte, tinha por objetivo deplorar a barbárie e o
obscurantismo inquisitoriais. Como é o caso, por exemplo, de dois clássicos que são, ainda
hoje, de suma importância para o estudo da Inquisição portuguesa: as obras de Alexandre
Herculano e José Lourenço D. de Mendonça & Antonio Joaquim Moreira4.

2 F r an cisco Bet h en co ur t , I nqui s i ç ão e Co ntro le So c i al, ex. mimeo , 1986, p ag. 8.


3 Car lo G in zb ur g, O in quisid o r co mo an t ro p ó lo go : uma an alo gia e as suas imp licaçõ es
in A Mi c ro - H i s tó ri a, Lisb o a/ D ifel; Rio d e Jan eir o / Bert r an d Br asil, 1991, p ag. 203.
4 Alexan d re H er culan o , H i s tó ri a da O ri g e m e do E s tabe le c i m e nto da I nqui s i ç ão e m
P o rtug al (1852), Lisb o a, E uro p a-Am érica, s.d ., 3 vo ls. Jo sé Lo uren ço D . d e Men d o n ça
8

Contudo, foi somente no presente século, graças à influência do grupo dos


Annales, que as fontes inquisitoriais foram, por assim dizer, definitivamente descobertas .
Com a valorização das camadas sociais menos favorecidas, dos grupos sociais e do homem
comum como objeto de pesquisa histórica, cada vez mais historiadores passaram a utilizar as
fontes inquisitoriais. Isto porque elas fornecem janelas que permitem o estudo de visões de
mundo, rituais, atitudes e crenças que, não fosse o fato de terem passado pelo crivo repressor
do Santo Tribunal, estariam definitivamente fora de nosso conhecimento5.

No que tange aos estudos utilizando fontes inquisitoriais em Portugal e no


Brasil, nota-se uma predominância do tema judaico nos debates. O delito mais perseguido pela
Inquisição portuguesa foi também o que mais estudos gerou. A historiadora Anita Novinsky
assinala o fato de que no Brasil, após os estudos pioneiros de eruditos desbravadores como
Rodolfo Garcia e Capistrano de Abreu, publicados no início do século XX - e que foram os
primeiros a utilizar fontes inquisitoriais manuscritas -, nada mais foi feito por longo espaço de
tempo6.

Assim permaneceu o estado das investigações em fontes inquisitoriais, dentro


da historiografia brasileira, até a virada entre as décadas de 1960-70. Nessa época, quando
foram realizados e publicados estudos importantes como o da própria Anita Novinsky sobre
cristãos-novos e Inquisição na Bahia - inspirado no estudo de cunho marxista de Antonio José
Saraiva, que inaugurou uma nova era na historiografia inquisitorial portuguesa7 -, além do
estudo de Sonia Aparecida Siqueira. Este último, apesar de apresentar avaliações criticáveis no

e An t ó n io Jo aquim Mo r eira, H i s tó ri a do s P ri nc i pai s Ac to s e P ro c e di m e nto s da


I nqui s i ç ão e m P o rtug al, Lisb o a, I m p r en sa N acio n al/ Casa d a Mo ed a, 1980. Cur io so
caso d e um livr o -d en ún cia mo d er n o é a o b r a d e F r éd éric Max, P ri s i o ne i ro s da
I nqui s i ç ão , P o rt o Alegr e, L&P M, 1991 (a d at a d o copyright é 1989). N o o ut ro p ó lo d a
d iscussão (em b o ra n ão m en o s cur io so ) est á um livr o que so b o p ret ext o d a
co n t ext ualização isen t a, faz d iscr et a d efesa e ap o lo gia d o T rib un al: ver Jo ão Bern ar d in o
G ar cia G o n zaga, A I nqui s i ç ão e m s e u Mundo , São P aulo , Saraiva, 1993.
5 So b r e a valo r ização d as classes men o s ab ast ad as en quan t o o b jet o d e p esquisa h ist ó rica,
e a ut ilid ad e d as fo n t es in quisit o riais, ver Jim Sh ar p e, A H ist ó r ia vist a d e b aixo in
P et er Burke (o rg.), A E s c ri ta da H i s tó ri a, São P aulo , UN E SP , 1992, p p . 39-62, e
Bart o lo mé Ben n assar , I nqui s i ti o n E s pag no le Co m m e So urc e po ur l H i s to i re de s
Me ntali té s , mimeo , 12p .
6 An it a N o vin sky, Cri s tão s N o vo s na B ahi a, São P aulo , P er sp ect iva, 1972, p ag. 14.
7 An t o n io Jo sé Saraiva, I nqui s i ç ão e Cri s tão s -N o vo s , Lisb o a, E st amp a, 1985.
9

que tange à religiosidade colonial e suas relações com o Santo Ofício, traz abundantes e
precisas informações sobre a organização, funcionamento e estrutura do Tribunal no Brasil8.

É durante a década de 1980 que a influência da Nouvelle Histoire, filha direta dos
Annales, traduz-se em pesquisas que utilizam fontes documentais da Inquisição portuguesa.
Os trabalhos seminais de Lana Lage, Laura de Mello e Souza, Luiz Mott e Ronaldo Vainfas9,
por exemplo, trazem em si a renovação metodológica preconizada pelo movimento francês,
no trato com as fontes inquisitoriais. A começar pelos temas de pesquisas e pelo tratamento
qualitativo das fontes, estes trabalhos vêm influenciando, atualmente, diversas investigações
que fazem uso de documentação inquisitorial, entre as quais se insere esta pesquisa.

Em importante artigo, Bartolomé Bennassar chama a atenção para o uso das


fontes inquisitoriais no âmbito da História das Mentalidades. Marca o fato de que este tipo de
história enfatiza as fontes judiciárias, justamente porque elas permitem atingir, ainda que
indiretamente, as classes populares - os mudos da História -, dando-lhes voz10. Os
interrogatórios inquisitoriais trazem à luz, efetivamente, a palavra das pessoas comuns que,
não fosse esta ocasião de exceção, estaria perdida. Estas fontes, segundo Jim Sharpe,
permitem que o historiador consiga chegar tão próximo às palavras das pessoas, quanto
consegue o gravador do historiador oral 11

Isto se explica pela razão de ser e funcionamento do Tribunal. Para extirpar as


heresias e comportamentos desviantes, o Santo Ofício possuía uma maneira própria de
proceder - o chamado estilo inquisitorial que, sumariamente, consistia em três etapas: o
conhecimento do delito, a partir da denúncia ou confissão, onde eram levantados todos os
dados possíveis sobre o delito, o praticante (inclusive a vida pessoal sua e de sua família) e
cúmplices; a exposição do delito, onde as faltas eram apregoadas ao público nos Autos-de-Fé;

8 So n ia Ap arecid a Siqueir a, A I nqui s i ç ão P o rtug ue s a e a So c i e dade Co lo ni al, São


P aulo , Át ica, 1978.
9 Co mo , p o r exemp lo , o s t r ab alh o s d e Lan a Lage d a G ama Lima, A Co nfi s s ão P e lo

Ave s s o , T ese d e D o ut o r amen t o ap r esen t ad a à USP , 1991; Laur a d e Mello e So uza, O


D i abo e a T e rra de Santa Cruz , São P aulo , Co mp an h ia d as Let r as, 1987; Ro n ald o
Vain fas, T ró pi c o do s P e c ado s , Rio d e Jan eir o , Camp us, 1990. D est aque esp ecial d eve
ser d ad o à o b r a d e Luiz R. B. Mo t t , p r o fun d o co n h eced o r d as fo n t es in quisit o r iais
lusit an as.
10 Ben n assar , o p . cit ., p ag. 1.
11 Sh arp e, o p . cit ., p ag. 48.
10

finalmente, a expiação da culpa, através do cumprimento da pena imposta, o que acarretava a


reconciliação com o grêmio da Igreja.

Para o estudo aqui proposto, a primeira etapa é a que possui maior interesse,
na medida em que consiste na pesquisa biográfica dos acusados e envolvidos, bem como na
busca pelas descrições mais minuciosas possíveis dos delitos - que constam dos processos e,
também, dos livros de visitação. Graças ao detalhismo inquisitorial, presente nos depoimentos,
o estudioso da feitiçaria no Brasil colonial (entre outros temas) consegue relatos com razoável
exatidão dos rituais e práticas mágicas. As descrições de danças, cânticos, preces e objetos de
culto constituem-se em minuciosas etnografias das práticas oriundas da religiosidade popular,
possibilitando ao historiador um conhecimento detalhado desses atos.

O trabalho com documentação inquisitorial, contudo, requer alguns cuidados.


O pesquisador que adentra o universo de tais fontes deve estar sempre acautelado e
prevenido, pois não são poucas as armadilhas que lhe são próprias.

Ao traçar o panorama de uma nova história , que é fruto dos Annales, Peter
Burke menciona o fato de que os maiores problemas para os novos historiadores (...) são
certamente aqueles das fontes e métodos . Um dos problemas mencionados por Burke assalta
a todos aqueles que trabalham com fontes inquisitoriais: é o de tentar reconstruir as
suposições cotidianas, comuns, tendo como base os registros do que foram acontecimentos
extraordinários nas vidas do acusado (sic): interrogatórios e julgamentos 12.

Isto porque um depoimento frente à Mesa inquisitorial era, não poucas vezes,
fruto de uma situação de opressão e terror - propositalmente provocado pelo Tribunal. Por
este fato, deve-se ter em mente, sempre, o contexto singular no qual estas fontes foram
produzidas. Há um jogo desigual de poder, onde o inquisidor leva uma nítida vantagem sobre
o depoente, e no qual o esforço do primeiro em extrair deste último uma verdade é, não
poucas vezes, bem sucedido. Em função da situação opressora, e até mesmo em virtude de
algumas passagens pelos aparelhos de tortura, o réu falsearia a verdade e entregar-se-ia,
cumprindo assim o papel que, esperava-se, ele representasse. Segundo Ginzburg, neste caso os
processos inquisitoriais apresentam uma estrutura textual monódica, onde as respostas dos

12 P et er Bur ke, Ab ert ura: A N o va H ist ó r ia, seu p assad o e seu fut ur o in Burke (o r g.),
p ag. 25.
11

réus são meros ecos às questões e à mentalidade dos inquisidores13. Para Ginzburg, cabe ao
historiador a sensibilidade de captar, para lá da superfície aveludada do texto, a interação sutil
de ameaças e medos, de ataques e recuos 14. Há, então, que ser feita uma crítica interna a este
tipo de documentação para que, introjetando-se no contexto desigual da produção desta fonte,
o historiador possa melhor entender a estrutura textual que ela apresenta - podendo, assim,
compreendê-la.

Esta dissertação se divide em cinco capítulos. No primeiro deles, são


abordadas as relações entre Inquisição, Estado, cristãos-novos e reformas em Portugal. A
análise se volta para o contexto de instalação do Santo Ofício lusitano, bem como suas
relações com a Coroa. Também é analisada a repressão aos cristãos-novos, pedra de toque da
inquisição portuguesa, e a ampliação às atividades do Tribunal, ocorrida com o advento da
Reforma católica, que levou a uma maior repressão aos delitos dos cristãos velhos, como
crimes morais e feitiçaria.

O capítulo 2 estuda a repressão à magia, dando destaque à atuação inquisitorial.


Analisa também a repressão à bruxaria ocorrida na Idade Moderna, bem como os elementos
do conceito de bruxaria. Por fim, o capítulo se volta para a repressão à bruxaria e a difusão das
teorias demonológicas na Península Ibérica, principalmente em Portugal - onde, conforme
teremos oportunidade de ver, tais idéias não grassaram com a mesma força que no resto do
continente.

O terceiro capítulo focaliza o impacto do governo pombalino sobre Portugal,


de um modo geral, e a Inquisição em particular. A análise recai sobre a campanha movida pelo
Marquês sobre o Tribunal, que culminou com a elevação deste último, em 1763, à categoria de
majestade, sendo transformado em tribunal régio. O capítulo ainda analisa a campanha de
expulsão e eliminação da Companhia de Jesus, que é de fundamental importância para que
entendamos o contexto paraense, objeto das atenções do quarto capítulo.

O penúltimo capítulo traça um histórico da ocupação paraense, e dimensiona


sua importância nos planos pombalinos. Área de muitos investimentos e alvo de preocupações

13 G in zb urg., o p . cit ., p ag. 208.


14 I d em, p ag. 209.
12

da Coroa lusa, o Grão-Pará acolheu o último visitador inquisitorial a pisar o solo brasileiro.
Uma análise dos motivos que impulsionaram esta visitação e dos delitos nela recolhidos, bem
como dos denunciantes e confitentes, fecha o capítulo.

No quinto e último capítulo, adentramos o misterioso e intrigante terreno da


magia paraense. Amores proibidos e malditos, feitiços tenebrosos, evocações de espíritos e
adivinhações. Por fim, a magia surge à nossa frente, e o capítulo se dedica a analisá-la,
traçando suas características e peculiaridades. Aqui, chegamos aos depoimentos ouvidos pelo
visitador: as decepções, temores, traições e desejos lascivos dos paraenses de duzentos e trinta
anos atrás pulsam aos nossos olhos, de uma maneira perturbadora. Através dos depoimentos,
podemos visualizar cerimônias de cura e tenebrosos pactos com o Diabo, dando-lhes, por
fugazes instantes, vida e movimento.
13

O percurso desta dissertação não foi trilhado de forma solitária. Diversas


pessoas possuem sua cota nos méritos que esta dissertação venha a conseguir, graças à
amizade, conhecimento, paciência e interesse manifestados durante este percurso.

À CAPES agradeço o financiamento que tornou possível a esta pesquisa


materializar-se e deixar de ser apenas uma idéia.

Gostaria de patentear aqui meu mais profundo agradecimento ao grupo N. C.


N. de estudos históricos, formado por colegas de profissão e ideal, cuja presença constante foi
de fundamental importância para a execução deste trabalho: Maria Bernardete O. Carvalho,
Alvaro Senra, Wagner C. Menezes, Alexandre C. Costa e Kátia A. Chagas.

Gostaria de agradecer à Profa. Vânia Leite Fróes, que também acompanhou


esta pesquisa desde seus primórdios, pelas críticas atentas e importantes sugestões
bibliográficas. Os amigos e colegas Célia Borges e Renato P. Brandão, foram responsáveis por
momentos de grandes descobertas historiográficas e divertidas manhãs de prosa; a Célia
agradeço, ainda, importantes livros e textos enviados de Além-mar. A Mário Jorge Bastos e
Guilherme Pereira das Neves agradeço pela franquia a textos preciosos, que muito
contribuíram para o desenrolar desta dissertação, bem como a elucidantes conversas. Ao
amigo febiano Luís Felipe da Silva Neves, o reconhecimento pelo companheirismo e a paciência
com que, diversas vezes, aturou meus dilemas de pesquisa.

A Luiz Mott agradeço pela amizade e solicitude manifestadas desde o início


desta pesquisa, e pela paciência em responder aos meus intermináveis apelos. Referência
obrigatória para aqueles que estudam a Inquisição portuguesa, a ele agradeço indicações e
empréstimos de fontes e bibliografia.

A Francisco José Silva Gomes agradeço a amizade, a constante disponibilidade


e a disposição em, como avaliador, assistir de perto os resultados finais deste trabalho, que é
um pouco fruto de suas reflexões.

Gostaria de patentear minha especial gratidão ao Prof. Carlos Roberto


Figueiredo Nogueira, inspirador confesso de muitos momentos deste estudo, pela presença na
banca examinadora.
14

A Lana Lage, grande amiga que tenho a sorte de ter como orientadora,
agradeço o afeto, a atenção e as discussões - que não foram poucas - ao longo destes anos
todos. Esta dissertação é um pequeno fruto de seu trabalho, e espero que esteja à altura dele.

À minha família, e em especial a meus pais, agradeço os sacrifícios, a paciência


e a compreensão pelos longos períodos de ausência, nos quais eu estava longe de seu convívio,
debruçado sobre histórias de pessoas que morreram há tanto tempo.

A Maristela Chicharo de Campos agradeço o fato de ser mais que esposa.


Amiga, colega de profissão, cúmplice, revisora e crítica implacável, a ela dedico este trabalho,
com a promessa de pagar com juros os momentos de ausência, frutos das agruras da pesquisa.

Finalmente, agradeço a todos aqueles que não atrapalharam - assim fazendo,


ajudaram muito.
15

CAP Í T U LO 1

- I N Q U I SI ÇÃO , CRI ST ÃO S-N O VO S E RE F O RMAS -

I - A I MP LAN T AÇÃO D O T RI BU N AL: Q U E ST Õ E S RE LI G I O SAS E D E


E ST AD O

Na P en ín su la I b ér ica, a I n q u isição d it a m o d e rn a (em

co n t r ap o sição à I n q u isição m ed ieval) su r giu em p r im eir o lu gar n a E sp an h a,

em 1438, e p o st er io r m en t e em P o r t u gal (1536). Segu n d o An t ô n io Jo sé

Sar aiva, as d u as m ais im p o r t an t es p ecu liar id ad es d o San t o O fício ib ér ico

r esid iam n o s seu s r éu s - ju d eu s co n ver t id o s ao cr ist ian ism o , em su a

esm agad o r a m aio r ia - e em su a r elação co m o E st ad o ab so lu t ist a, em p r o l d o

q u al agia e a q u em t am b ém est ava su b o r d in ad o , vist o q u e o s I n q u isid o r es

G er ais er am n o m ead o s p elo s r eis 15.

N a gênese de ambos Tribunais está a questão dos judeus

conversos (denominados marranos em E spanha, e cristãos-novos em Portugal).

Reprimidos e expulsos de Castela em 1492, num processo que não cabe aqui

remontar, os judeus encontraram acolhida no Portugal dos últimos anos do

reinado de D. João II, onde tiveram as maiores facilidades de

15 An t o n io Jo sé Saraiva, I nqui s i ç ão e Cri s tão s - N o vo s , Lisb o a, E st amp a, 1985, p ag. 19.


16

est ab elecim en t o . Agin d o d est e modo, E l-Rei co n q u ist o u , sab iam en t e,

im p o r t an t e cab ed al cu lt u r al e eco n ô m ico . Vu lt o sas q u an t ias f o r am gast as,

p elas m ais r icas fam ílias ju d aicas cast elh an as, p ar a assegu r ar in gr esso em

P o r t u gal 16. I sto, sem falar no poderio financeiro hebraico, que ajudava a

Coroa com empréstimos e financiamentos de viagens e expedições

marítimas 17. Além de tamanho poderio monetário, os judeus expulsos de

Castela ainda representavam um aumento significativo na mão-de-obra

qualificada do reino português: afinal, eram armeiros, médicos, artesãos,

enfermeiros, astrólogos e outros profissionais que ingressavam no país.

Apesar de uma já existente posição anti-judaica por parte da população em

geral a Coroa portuguesa recebeu os judeus expulsos de E spanha, o que

obviamente agravou antigos preconceitos. Além disso, o rei Fernando não via

com bons olhos o deslocamento dos judeus castelhanos para Portugal, e

pressionou a Coroa lusa no sentido de expulsá-los.

A pressão anti-judaica sobre Portugal, encetada por Castela,

tomou novo impulso após a morte de D . João I I . D . Manuel, seu sucessor,

relutou até o momento em que viu incluída em seu contrato de casamento

com D . I sabel - filha dos reis católicos -, assinado em 1496, uma clara e

rígida cláusula. Segundo o texto do documento, o rei comprometer-se-ia a

expulsar todos os elementos hebraicos do reino. D . Manuel, diante da

perspectiva de casamento com a herdeira dos Reis Católicos - fato de suma

importância para os planos de unificação das monarquias ibéricas - acedeu a

16 Alexan d re H er culan o , H i s tó ri a da O ri g e m e E s tabe le c i m e nto da I nqui s i ç ão e m


P o rtug al, Lisb o a, E uro p a-Am ér ica, s.d ., vo l. I , p p . 67-68.
17 Mar ia Jo sé P imen t a F err o T avar es, Judaí s m o e I nqui s i ç ão , Lisb o a, P r esen ça, 1987,

p ag. 27.
17

t al co n d ição sine qua non.. Co n t u d o , D . Man u el r ealizo u u m a exp u lsão d e

fach ad a: em d ezem b r o d e 1496, o r ei lan ça u m a p r o visão n a q u al o r d en a a

saíd a d o s ju d eu s n ão co n ver t id o s - co m p r azo d e d ez m eses p ar a q u e est es se

r et ir assem . A t át ica d e D . Man u el f o i segu r ar o s ju d eu s o m áxim o p o ssível,

lim it an d o p o r t o s d e em b ar q u e, seq ü est r an d o b en s e r ealizan d o co n ver sõ es

fo r çad as 18. Uma outra forma de integração forçada encontrada pelo monarca

foi, em 1497, o batismo forçado de todas as crianças judias menores de 14

anos, que foram por sua vez retiradas de suas famílias originais e entregues a

famílias cristãs 19. A reação popular também, por seu lado, possuiu momentos

de adversidade, como no motim contra os cristãos-novos em Lisboa, em

1504, ou as desordens em É vora no ano seguinte, quando foi demolida a

sinagoga.

E sta situação de conversões e integrações forçadas fez, deste

modo, com que fosse inserida em Portugal, para além da divisão social

baseada na trifuncionalidade de ordens (dividida em guerreiros, clérigos e

trabalhadores), uma estratificação social baseada em castas, regida pelo

critério de pureza religiosa - quem era ou não cristão-novo20: quem possuía ou

não sangue converso nas veias.

A campanha pela instalação de um tribunal da I nquisição em

Portugal veio a tomar impulso no reinado de D . João I I I (1521-1557). Por

volta de 1530, o rei enviava instruções a seu embaixador em Roma, para que

fosse pedida uma bula que estabelecesse o Tribunal em terras lusas. D . João

18 Sar aiva, o p . cit ., p p . 32-34.


19 I d em, p ag. 34.
18

q u er ia u m a I n q u isição r égia: ao r ei cab er ia a in d icação d o I n q u isid o r G er al -

ao p ap ad o cab er ia ap en as a co n fir m ação d est a n o m eação - b em co m o d o s

in q u isid o r es e d em ais o ficiais; o I n q u isid o r G er al t er ia am p lo s p o d er es, e

t o t al in d ep en d ên cia face às au t o r id ad es d io cesan as, fican d o o s b isp o s

p r o ib id o s d e at u ar em cau sas r elat ivas à h er esia. O s I n q u isid o r es G er ais

t am b ém p o d er iam p r o cessar e co n d en ar eclesiást ico s sem co n su lt as ao s

r esp ect ivo s p r elad o s, além d e - en q u an t o d elegad o s d o p ap a - t er em p o d er es

p ar a im p o r exco m u n h õ es r eser vad as à San t a Sé, e su sp en d er as im p o st as

p elo s p r elad o s d io cesan o s. Segu n d o Mar ia J. P . F . T avar es, " er a a I n q u isição

r égia, m o d er n a, q u e D . Jo ão I I I so licit ava ao p ap a" , e q u e t in h a in sp ir ação

d ir et a n a I n q u isição cast elh an a 21. O papa Clemente VI I , por outro lado,

impulsionado por grandes doações dos conversos, recusou, e expediu em

1531 a bula Cum ad N ihil Mag is . N este documento, que era uma alternativa

aos pedidos de D . João I I I o inquisidor era nomeado pelo Papa. Tal

inquisidor tinha, por ordem papal, autoridade limitada, não estando acima da

dos bispos, os quais estariam, por sua vez, habilitados a investigar as

heresias. E sta bula não satisfez o rei, e Fr. D iogo da Silva - confessor real e

indicado para o cargo de I nquisidor G eral - não aceitou o cargo,

"verossimilmente por pressão do rei", na opinião de Saraiva 22.

Com a morte de Clemente VI I e a ascensão de Paulo I I I as

negociações - e as pressões - continuaram. D e um lado, a Coroa não media

esforços em atingir seus objetivos; de outro, o ouro judaico comprava

20 F ran cisco Bet h en co ur t , O I m ag i nári o da Mag i a, Lisb o a, P ro ject o Un iver sid ad e


Ab ert a, 1987, p ag 67.
21 T avar es, o p . cit ., p p . 126-127. Ver t amb ém Sar aiva, o p . cit ., p ag. 47.
22 Sar aiva, o p . cit ., p ag. 48.
19

segu id as b u las, in d u lt o s e p er d õ es p ap ais. Co n t u d o , a Co r o a p o r t u gu esa - q u e

t in h a u m fo r t e aliad o n a p esso a d e Car lo s V - ven ce a q u er ela. D est a fo r m a,

u m a o u t r a b u la Cu m ad N i h i l M ag i s fo i exp ed id a em 1536 - est ab elecen d o

d efin it ivam en t e a I n q u isição em P o r t u gal, em b o r a ain d a n ão sen d o d o t o t al

agr ad o d a Co r o a. Mas d est a vez, F r . D io go d a Silva aceit o u o car go . O m ar co

d o efet ivo in ício d a I n q u isição m o d er n a em P o r t u gal, p o r ém , f o i a b u la

M e d i tati o Co rd i s , d e 1547. P r eced id a d e u m p er d ão ger al d o p ap a,

aco m p an h ad a d a su sp en são d o co n fisco d e b en s p o r d ez an o s, a m en cio n ad a

b u la co n fer ia à I n q u isição p o r t u gu esa p o d er es sem elh an t es ao T r ib u n al

cast elh an o , co m o o p r o cesso sigilo so e a ju r isp r u d ên cia p ar t icu lar . T al

m ed id a fo i aco m p an h ad a d e u m en d u r ecim en t o n as p o siçõ es r eais: f o i

em it id o , p ela I n q u isição , o p r im eir o r o l d e livr o s p r o ib id o s, e o m o n ar ca

im p ed e o s cr ist ão s-n o vo s d e d eixar em o r ein o sem a su a p er m issão p o r u m

p er ío d o d e t r ês an o s.

A in st alação d o San t o O fício em P o r t u gal r ep r esen t o u u m

o b st ácu lo à livr e ação d o p ap ad o . O T r ib u n al co n st it u ía u m a b ar r eir a, n a

m ed id a em q u e o I n q u isid o r G er al, n o m ead o p elo r ei, exer cia u m p o d er

su p er io r ao d o s b isp o s - r ef r ean d o in t r o m issõ es in d esejáveis d a San t a Sé,

at r avés d o ep isco p ad o . E a Co r o a co n segu iu , t am b ém , u m in st r u m en t o p ar a a

cen t r alização d o p o d er r eal, b em co m o p ar a u m co n t r o le m ais efet ivo d o p aís.

O T r ib u n al er a u m n o vo m ecan ism o d e in t egr ação e co n t r o le so cial -

eficien t íssim o , p o is agia t an t o n o t o p o q u an t o n a b ase d a so cied ad e - co m o

t an t o s o u t r o s q u e su r gir am n est e m o m en t o d e r eo r gan ização d a I gr eja e d e

co n st it u ição d o m o d er n o E st ad o ab so lu t ist a.
20

U m a vez assen t ad o e em fu n cio n am en t o , o San t o O f ício p asso u a

vascu lh ar , at r avés d e seu s visit ad o r es, o t er r it ó r io p o r t u gu ês, at in gin d o

lo calid ad es p r in cip ais e p er ifér icas, co n t r o lan d o sist em at icam en t e o in t er io r

d o p aís at r avés d e su a r ed e d e f u n cio n ár io s. Ap ó s 1590, assist e-se a u m a

vir ad a n a ação in q u isit o r ial: o s visit ad o r es p assam a esq u ad r in h ar as ilh as e

co lô n ias d e u lt r am ar 23. Através das visitas e da ampliação constante da rede

de comissários e familiares do Santo O fício, a I nquisição se espalhou por

todo o vasto império português, atingindo regiões tão distantes quanto Brasil,

Japão e O rmuz 24.

A vasta abrangência de ação e a eficiência do sistema de


informações/ comunicações de que o Santo Ofício dispunha tornavam sua presença uma
realidade cotidiana na sociedade portuguesa (incluídas as colônias). Quando não ocupadas
diretamente pelo inquisidor em visitação, as cidades conviviam no seu dia a dia com outros
elementos da rede inquisitorial - os comissários e familiares do Santo Ofício, entranhados no
seio das comunidades, vigiando e recebendo denúncias. Isto fazia com que, efetivamente, não
houvesse lugar onde o longo braço do Santo Ofício não chegasse. Uma vez consolidado em
termos funcionais, o organismo inquisitorial estava, efetivamente, disseminado pelo corpo
social, constituindo assim eficaz instrumento de vigilância e controle. Ao incentivar a delação -
através da garantia de anonimato para os denunciantes -, o Santo Ofício acionava um
mecanismo de auto-policiamento do próprio corpo social, gerando um clima de insegurança e
desconfiança generalizadas. A rigor, todos estavam passíveis de denúncias - e processos -, bem
como todos os indivíduos constituíam-se em potenciais denunciantes. O temor causado pela
onipresença do aparelho inquisitorial era garantia de sujeição - complementado por outros
elementos da práxis inquisitorial, tais como o sigilo processual, os sermões e os autos da fé.

23 F r an cisco Bet h en co ur t , I nqui s i ç ão e Co ntro le So c i al, Lisb o a, 1986, ex. mimeo ., p p .


3ss.
24 Ver BN RJ-SM, co d . 25, 2,1-2, o n d e se en co n t ram , n a co r r esp o n d ên cia en t r e o T rib un al

d e G o a e o d e Lisb o a, d o cumen t o s r elat ivo s a visit as in quisit o r iais n o s d o is últ imo s


lo cais men cio n ad o s, b em co mo à Ch in a.
21

- Mu it o Além d e Q u est ão d e F é, u m Assu n t o d e E st ad o .

N o s p r im ó r d io s d o est ab elecim en t o d a I n q u isição p o r t u gu esa

est ava, co m o o b ser vam o s, a q u est ão d as r elaçõ es en t r e I gr eja e E st ad o . I st o

fica m u it o clar o ao an alisar m o s o co m p licad o jo go d ip lo m át ico en t r e D Jo ão

I I I e o p ap ad o . E r a, d e u m lad o , o r ei a q u er er u m a I n q u isição su b m issa à su a

p esso a, co m au t o n o m ia face a Ro m a e ao cler o lu sit an o - e p o d er es

su ficien t es p ar a ign o r á-lo e, se fo sse o caso , p u n i-lo . D e o u t r o lad o , est ava o

p ap a a n egar , o q u an t o p o d ia, co n cessão d e t al I n q u isição , p o r sab er d as

d if icu ld ad es q u e est a t r ar ia à ação d o p ap ad o em P o r t u gal. P er m ean d o est e

em b at e, h avia ain d a o s su cessivo s in d u lt o s e p er d õ es r égiam en t e co m p r ad o s

p elo s ju d eu s e co n ver so s ju n t o ao p ap ad o - o q u e d ava n o vo alen t o às

n egat ivas d a San t a Sé, t o r n an d o a b at alh a d ip lo m át ica ain d a m ais d ilat ad a. Ao

r ei, p r in cip alm en t e, in t er essava t al in st r u m en t o d e co n t r o le d a so cied ad e

co m o u m t o d o - in clu sive d a p r ó p r ia n o b r eza, u m a vez q u e n ão h avia

d ist in çõ es so ciais p ar a a ação d o T r ib u n al 25.

Uma vez em funcionamento efetivo, I nquisição e Coroa - e

também, em muitos momentos, o papado - agiram segundo diretrizes comuns,

quer na repressão aos cristãos-novos, quer na implantação das diretrizes do

processo de reformas tridentino ou, ainda, na vigilância e controle social.


22

N ão h á co m o n egar u m a fo r t e im b r icação en t r e I n q u isição e E st ad o : u m a

su m ár ia an álise cu r r icu lar d o s I n q u isid o r es G er ais lu sit an o s, in sp ir ad a em

p r o p o st a feit a p o r Bar t o lo m é Ben n assar p ar a o est u d o d a I n q u isição

esp an h o la, assim o m o st r a 26. D urante os três séculos de existência da

I nquisição portuguesa, seu posto máximo foi ocupado sucessivamente por

membros do Conselho de E stado, ministros, e - durante a União I bérica -

vice-reis como Alberto, Arquiduque de Áustria, inquisidor entre 1586 e 1593.

Passaram pelo cargo membros variados da nobreza, e até mesmo um rei - D .

H enrique, filho de D . Manuel, nomeado I nquisidor G eral por seu irmão D .

João I I I em 1539, permanecendo no cargo até mesmo enquanto regente (

1562-1568) e, posteriormente, rei de Portugal (1578-1580) 27. Tamanha

permeabilidade ocorria também no que tange às relações entre a carreira no

aparelho de E stado e a carreira eclesiástica, e serve como indício irrefutável

do alto grau de clericalização da sociedade portuguesa - principalmente de

suas elites -, que será tão acirradamente combatido pela política pombalina,

posteriormente.

Contudo, apesar de tamanha intimidade entre I nquisição e

E stado, a primeira nunca esteve, pelo menos até a metade do século XVI I I ,

diretamente a serviço dos objetivos políticos da Coroa portuguesa, de modo

diverso do que ocorreu em E spanha. Bennassar, ao investigar as relações

entre I nquisição e E stado espanhóis, demonstra como este último direcionava

25 Bet h en co urt , o p . cit ., p ag. 9.


26 Bar t o lo m é Ben n assar, I n quisit io n esp agn o le au service d e l E t at in Re vue
H i s to ri que , n . 15, p ags. 38 e 40.
27 Ver a r elação e um b r eve curriculum d o s I n quisid o res G er ais em Jo sé Lo ur en ço D . d e

Men d o n ça e An t ó n io Jo aquim Mo reira, H i s tó ri a do s P ri nc i pai s Ac to s e


23

as açõ es d o T r ib u n al. Segu n d o Ben n assar , a I n q u isição em E sp an h a n ão se

lim it o u a ser ap en as u m a " exp r essão d o cat o licism o m ilit an t e" , u m t r ib u n al

p u r am en t e r eligio so . O San t o O fício at u o u co m o u m in st r u m en t o p o lít ico d a

Co r o a, agin d o segu n d o su as d em an d as e n ecessid ad es, p er segu in d o o s

segm en t o s so ciais q u e co n viessem à co n ju n t u r a p o lít ica, su jeit o q u e est ava às

d ir et r izes em an ad as d o t r o n o 28.

Q uando, porém, examinamos as ações da inquisição portuguesa,

notamos que aqui tal submissão e uso do Tribunal por parte do E stado não

ocorreu plenamente. N ão obstante o I nquisidor G eral ser nomeado pelo rei,

seus atos eram totalmente independentes - e ele não podia ser destituído,

possuindo assim uma considerável autonomia de ação. I nquisição e E stado

agiam, isto sim, afinados por objetivos semelhantes - afinal, não devemos

olvidar aqui o fato de tratarmos com um E stado confessional -, tais como a

implantação do modelo tridentino de pensamento e comportamento, por

exemplo 29. Choques e conflitos, evidentemente, ocorreram. E m Portugal, o

Santo O fício - longe de ser um aparelho de E stado ou de I greja - era, na

verdade, uma terceira potência, interagindo com as outras duas, possuindo

inegável peso no sistema político de então.

P ro c e di m e nto s da I nqui s i ç ão e m P o rtug al, Lisb o a, I mp r en sa N acio n al/ Casa d a


Mo ed a, 1980, p p . 124-128.
28 Ben n assar , o p . cit ., p ag. 36.
29 P o d emo s en quad rar o E st ad o co n fessio n al n o que F r an cisco Jo sé Silva G o m es
d en o m in a d e modalidade constantiniana de cristandade, p o r remet er em ao mo d elo
co n st an t in ian o d e imb r icação en t re I greja e E st ad o . N est e sist em a, o s d o is elem en t o s
est avam em r egime d e un ião : o E st ad o assegur ava à I gr eja p resen ça p r ivilegiad a n a
so cied ad e (...) co n st it uin d o -a (...) em ap ar elh o d e h egemo n ia d o sist ema , en quan t o a
I greja assegur ava ao E st ad o e ao s gr up o s/ classes d o min an t es a legit imação d a sua
h egemo n ia e d o min ação . Ver F ran cisco J. S. G o mes, Cri s tandade Me di e val - A I greja
e o P o d er : rep r esen t açõ es e d iscur so s, co n fer ên cia p r o fer id a n a I Seman a d e E st ud o s
Med ievais (20-24 d e set emb r o d e 1993) n a Un iver sid ad e d e Brasília, ex. m im eo , p ag. 2.
Agrad eço p en h o r ad amen t e ao aut o r o acesso facult ad o ao t ext o d est a co n fer ên cia.
24
25

I I - I N Q U I SI ÇÃO N O CO N T E X T O D AS RE F O RMAS

Desde o momento de sua instalação, conforme observamos, a quase totalidade


dos réus do Santo O fício ibérico consistia de judeus convertidos ao cristianismo. Com efeito,
os delitos dos cristãos-novos constituíam maioria nas listas de condenações30. Contudo, após a
segunda metade do século XVI, com o advento das diretrizes emanadas do concílio de Trento
(1545-1563), foi ampliada a jurisdição do Santo Ofício. Graças aos esforços do concílio
tridentino em reformar e normatizar atitudes, idéias e crenças dos fiéis e clero católico, a
atuação inquisitorial acaba voltando-se também para os cristãos velhos - isto é, o conjunto de
pessoas que não tinham parentesco judaico conhecido. Deste modo, passaram a ser mais
intensamente reprimidos pelo Santo Ofício os crimes de blasfêmia, bigamia, defesa da
fornicação, sodomia e feitiçaria: práticas que, com o esforço de implantação das medidas de
Trento, chocavam-se com as diretrizes normatizadoras que a Igreja procurava implantar.

30 T ais d elit o s est ão m in ucio samen t e list ad o s n o Mo ni tó ri o d e 1536, que leva a assin at ur a
d e D . D io go d a Silva. Ver Co lle c to ri o s das B ullas e B re ve s Apo s to li c o s , Cartas
Alvarás e P ro vi s õ e s Re ae s , e o ut r o s p ap eis, em que se co n t êm a in st it uição e p rim eir o
p ro gr esso d o San ct o O fficio em P o r t ugal, Lisb o a, n as Casas d a San ct a I n quisição , 1596.
Mar ia J. P . F . T avar es ap resen t a, em o b r a já cit ad a, um a t r an scr ição d a versão
26

- A N o r m at ização d o s Cr ist ão s Velh o s

O s p r o cesso s d e r ef o r m as r eligio sas d o sécu lo X VI t iver am u m a

am p lit u d e m u it o m aio r d o q u e a sim p les d em ar cação d e fr o n t eir as en t r e

cat o licism o e p r o t est an t ism o . F r u t o s d e u m p r o cesso d e lo n ga d u r ação , cu jas

r aízes se en co n t r am n a Baixa I d ad e Méd ia, as r efo r m as cat ó lica e p r o t est an t e

t iver am o b jet ivo s co m u n s - n ão o b st an t e at u ar em p o r vias d iver sas 31.

Simultaneamente às reformas religiosas propriamente ditas, ocorreu um

esforço no sentido de reformar idéias, costumes, valores morais - enfim, a

cultura da população - esforço este efetivado por ambos pólos da Reforma.

E ste movimento, segundo Peter Burke, consistiu "na tentativa de suprimir, ou

pelo menos purificar muitos itens da cultura popular tradicional" - arcaica e

profundamente arraigada no cotidiano do povo -, vista pelos reformadores

como o espaço do paganismo, das licenciosidades, dos vícios 32.

O s reformadores católicos e protestantes, eclesiásticos ou leigos

pertencentes às elites cultas, trabalharam por suprimir a cultura e

religiosidade tradicionais - de caráter oral e sincrético, características da

sociedade medieval. Atacavam o magismo das práticas devocionais cristãs,

man uscr it a d est e Mo n it ó rio , às p ágin as 194-199 - co m um a sér ie d e d iscr ep ân cias em


relação ao t ext o im p resso m en cio n ad o .
31P ar a est a d iscussão d as p r o fun d as raízes d as Refo r mas cat ó lica e p r o t est an t e (e t am b ém

p ara o sign ificad o d e t ais t er mo s), ver Jean D elumeau, E l Cato li c i s m o de Lute ro a
Vo ltai re , Barcelo n a, Lab o r , 1973 (p r in cip almen t e o cap ít ulo 2); N .S. D avid so n , A
Co ntra- re fo rm a, São P aulo , Mar t in s F o n t es, 1991 e Br en d a Bo lt o n , A Re fo rm a na
I dade Mé di a, Lisb o a, E d içõ es 70, 1986.
27

b em co m o o t eat r o r eligio so p o p u lar , fest as - t id as co m o o casiõ es d e p ecad o -

, can t o s e d an ças. Bu r ke co n clu i q u e est e p r o cesso fo i, p o r f im , o em b at e

en t r e d u as ét icas (o u m o d o s d e vid a) r ivais. Segu n d o ele, " a ét ica d o s

r efo r m ad o r es est ava em co n flit o co m u m a ét ica t r ad icio n al m ais d ifícil d e se

d efin ir , p o is t in h a m en o s clar eza d e exp r essão " - p o r q u e n ão est ava

r igid am en t e co d ificad a, sen d o algo in fo r m e e var iável ao sab o r de

co n ju n t u r as so ciais e geo gr áficas 33. Tais éticas, deve-se acrescentar, não

estavam isoladas entre si. Conforme demonstram Carlo G inzburg, Mikhail

Bakhtin e Roger Chartier, existia um movimento intenso de trocas entre os

diferentes estratos culturais, permeáveis a influências recíprocas 34. O que

existia era uma intensa comunicação entre tais estratos, sendo que os

costumes e idéias perpassavam-lhes, sendo retrabalhados e modificados

segundo as necessidades e o contexto dos diferentes estratos culturais - que

variavam, também, de região para região. N as palavras de Carlo G inzburg,

temos, por um lado, dicotomia cultural, mas, por outro, circularidade,

influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica,

particularmente intenso na primeira metade do século XVI 35

O resultado destes processos de reformas, segundo Burke, foi o

contrário do que inicialmente esperavam os reformadores: ao invés de

eliminar a cultura tradicional e de espalhar um modelo de comportamento e

32 P et er Bur ke, Cultura P o pular na I dade Mo de rna, São P aulo , Co m p an h ia d as Let r as,
1989, p p . 232-233.
33 I d em , p ag. 237.
34 Ver Carlo G in zb urg, O Q ue i jo e o s Ve rm e s , São P aulo , Co mp an h ia d as Let r as, 1987,

p p . 20-25; Mikh ail Bakh t in , A Cultura P o pular na I dade Mé di a e no Re nas c i m e nto ,


São P aulo / H ucit ec; Brasília/ E d Un B, 1993; Ro ger Ch ar t ier , A H i s tó ri a Cultural,
Lisb o a/ D I F E L; Rio d e Jan eir o / Bert r an d Br asil, 1990.
35 G in zb ur g, o p . cit ., p ag. 21.
28

id éias, u n ifo r m izan d o cu lt u r alm en t e p o vo e elit es, t al cam p an h a n o r m at iva

levo u a u m a sep ar ação ain d a m aio r en t r e a cu lt u r a d o p o vo e a cu lt u r a d as

elit es, q u e fo r am m ais r áp id a e ab r an gen t em en t e at in gid as p elas r efo r m as,

t en d o in co r p o r ad o seu s p r eceit o s co m m aio r p r o fu n d id ad e 36.

E ste não foi um processo de curta duração e de aceitação passiva

por parte dos fiéis a serem reformados. H ouve resistências, no que diz

respeito à cultura tradicional - inclusive, aqui, no campo das práticas

religiosas. O esforço aculturador, na E uropa, se estendeu ao longo dos

séculos XVI I e XVI I I . N o campo da reforma católica, o concílio de Trento

inaugurou uma era que só foi terminar com o concílio do Vaticano I I , em

1962 37.

O Tribunal do Santo O fício da I nquisição foi, no campo da

reforma católica, um dos mais importantes instrumentos desta grande

empreitada remodeladora. Moldando crenças e comportamentos por meio da

intimidação e da violência - elementos fundamentais daquilo que Bennassar

chamou de "pedagogia do medo" 38 -, o Santo O fício exibia nos autos-de-fé os

elementos de conduta desviante, mostrando à massa dos fiéis quão terrível

36 I d em, p ag. 265.


37 D elum eau, o p . cit ., p ag. 6.
38 Ver Ben n assar, Mo d elo s d e la men t alid ad in quisit o r ial: mét o d o s d e su p ed ago gía d el
mied o in Án gel Alcalá (o r g.), I nqui s i c i ó n E s paño la y Me ntali dad I nqui s i to ri al,
Barcelo n a, Ar iel, 1984, p p . 174-182.
29

er a o cast igo p ar a q u em afr o n t asse o s p ad r õ es d a n o r m a. At r avés d a exib ição

d o er r o , d ifu n d ia o m o d elo d e co n d u t a r et a, ed u can d o a p o p u lação 39.

D urante o Século XVI I , afinada com as diretrizes de Trento, a

I nquisição ibérica avança na repressão aos delitos dos cristãos velhos, que

iam contra o que pregava o concílio. D este modo novos delitos, morais e

doutrinários, entraram em pauta. Apesar de não haver, para a I nquisição

portuguesa, a abundância de estudos quantitativos que existe para a

espanhola, podemos inferir, através das pesquisas recentemente feitas, um

redirecionamento da atuação inquisitorial, evidenciada pelo acréscimo, aos

processos dos cristãos-novos (que se mantiveram em ritmo constante), dos

processos de bigamia, feitiçaria, proposições errôneas - como a defesa da

afirmação de que fornicar não era pecado - e blasfêmias, além do próprio

luteranismo (que não tomou vulto expressivo na península I bérica) 40. I sto,

sem falar que a I nquisição voltou seus severos olhos para a disciplinarização

do próprio clero - como também desejava o concílio tridentino -, o que se

refletiu nas condenações de eclesiásticos por sodomia, feitiçaria e

solicitação 41. O concílio de Trento definiu as novas normas para o fiel

católico. O Santo O fício, através da repressão e da difusão de idéias a ferro e

fogo foi um dos principais responsáveis pelo processo de modelagem de um

novo tipo de crente, normatizado de acordo com o que pensara o concílio.

39 Cf. Luiz N azário , O julgam en t o d as ch amas: aut o s-d e-fé co mo esp et áculo s d e m assa
in An it a N o vin sky e Mar ia Luíza T ucci Carn eir o (o rgs.), I nqui s i ç ão , Rio d e
Jan eir o / E xp r essão e Cult ur a; São P aulo / E D USP , 1992, p p . 525-546.
40 E st a vir ad a n a at ivid ad e in quisit o r ial é d emo n st rad a, p ara o caso d e E sp an h a, at r avés d e

est ud o s que fazem p r o veit o sa ut ilização d e t écn icas quan t it at ivas, co m o o d e Jean
P ierr e D ed ieu, Les quat r e t emp s d e l I n quisit io n , in Ben n assar (o r g.), L I nqui s i ti o n
E s pag no le , P ar is, Mar ab o ut , 1982, p p . 13-39.
30

- Co n tra o Cri s ti a n i s m o T rad i c i o n al

N o cam p o d a vivên cia r eligio sa, o co n cílio d e T r en t o en cet o u

am p lo e m assivo co m b at e ao q u e Jo h n Bo ssy e K eit h T h o m as ch am am d e

" cr ist ian ism o t r ad icio n al" 42, no qual a sociedade se achava imersa. O campo

religioso permeava e envolvia todos os aspectos da vida. D aí uma grande

intimidade entre os fiéis e a esfera do sagrado - inclusos aqui os elementos a

ela referentes. D onde se entende uma atitude intimista na relação entre

crentes e santos - refletida na iconografia e estatuária à época, que era

planejada no sentido de propiciar tão próximo contato. Segundo Bossy, tais

relações se baseavam no trinômio violência-conflito-negociação 43, tendo a

devoção objetivos materiais e imediatistas. Buscava-se, através do culto e dos

rituais, auferir a intercessão dos santos para obter proteção para as colheitas,

41 So b re est a facet a d a r ep ressão I n quisit o r ial, ver a t ese d e Lan a Lage d a G ama Lim a, A
Co nfi s s ão P e lo Ave s s o , ap r esen t ad a à Un iver sid ad e d e São P aulo em 1991, 3 vo ls.,
mimeo .
31

em viagen s, p ar a m o r ad ias, o u m esm o p ar a ap lacar su a fú r ia - q u e p o d ia ser

alt am en t e d est r u t iva, co m o fica p at en t e n est a cit ação d e William T yn d ale

(in ício d o sécu lo X VI ):

O q u e se p r o cu r ava, n o cr ist ian ism o t r ad icio n al, er a a in t im id ad e

co m o s san t o s; b u scava-se m esm o t r azê-lo s p ar a o m ais p r ó xim o cír cu lo

fam iliar , ad o t an d o co m eles r elaçõ es d e co m p ad r io sui generis - co m o , p o r

exem p lo , ao b at izar u m a cr ian ça co m o n o m e d e d et er m in ad o san t o ,

co n sagr an d o -a assim a ele e, co n seq ü en t em en t e, p o n d o -a so b su a p r o t eção 45.

O s santos também eram solicitados para cuidar de eventualidades cotidianas

tais como doenças, sumiços de objetos etc. Mas, segundo K . Thomas, o culto

dos santos era apenas uma faceta do magismo que caracterizava a I greja

medieval 46. As bênçãos, rituais e sacramentos eclesiásticos eram tidos como

possuidores de propriedades mágicas, que podiam ser utilizados pelos fiéis. A

I greja pré-tridentina era vista como um "repositório de poderes

sobrenaturais, que podiam ser distribuídos aos fiéis para auxiliá-los em seus

problemas do cotidiano" 47. O impacto das Reformas e da I nquisição, neste

sentido, foi de desvincular o profano do sagrado, e eliminar a intimidade

existente entre este e os fiéis.

E sta forma religiosa também poderia ser chamada de

"religiosidade popular". Contudo, surge aqui um problema: esta religiosidade

42 Jo h n Bo ssy, A Cri s tandade no O c i de nte , Lisb o a, E d içõ es 70, 1990 (p r in cip almen t e a
p rimeir a p ar t e) e K eit h T h o mas, Re li g i ão e o D e c lí ni o da Mag i a, São P aulo ,
Co m p an h ia d as Let r as, 1991 (cap ít ulo s 2 e 3).
43 Bo ssy, o p . cit ., p ag. 26.
44 Ap ud K . T h o mas, o p . cit ., p ag. 36.
45 Bo ssy, o p . cit ., p ag. 32.
46 T h o mas, o p . cit ., p ag. 38.
32

é p o p u lar p o r q u e p r at icad a p elo " p o vo " , o u seja, as m en o s ab ast ad as cam ad as

so ciais? T al id éia cai p o r t er r a se t iver m o s em m en t e q u e p esso as d e t o d o s o s

n íveis so ciais - m esm o d ep o is d o s p r o cesso s d e r efo r m as r eligio sas -

co n t in u avam im er so s n est e t ip o d e r eligio sid ad e. A id éia classist a d e u m a

" r eligio sid ad e p o p u lar " em r elação o p o st a à d e u m a cu lt u r a o u r eligio sid ad e

" d e elit e" o u " er u d it a" p er d e r azão d e ser , q u an d o an alisad a so b est a ó t ica - e

in clu sive so b o p r ism a d a r eligio sid ad e p ar aen se. Ro ger Ch ar t ier , ao

eq u acio n ar o p r o b lem a d a cu lt u r a p o p u lar em est u d o so b r e t ext o s e leit u r as

n o An t igo Regim e, ch ego u à co n clu são d e q u e t al o p o sição r ígid a n ão p o ssu i

p er t in ên cia. O q u e h á, segu n d o o au t o r , são " p r át icas p ar t ilh ad as q u e

at r avessam o s h o r izo n t es so ciais" . A est a d ivisão r ad ical en t r e p o p u lar e

er u d it o , " q u e m u it as vezes d efin ia o p o vo (...) co m o o co n ju n t o d aq u eles q u e

se sit u avam fo r a d o s m o d elo s d as elit es" , Ch ar t ier p r efer e " o in ven t ár io d as

d ivisõ es m ú lt ip las q u e fr agm en t am o co r p o so cial" . I st o é: além d a d ist in ção

só cio -eco n ô m ica, o p esq u isad o r d eve levar em co n t a as d ifer en ças sexu ais,

t er r it o r iais e r eligio sas, en t r e o u t r as 48. D esta forma, a religiosidade combatida

pelo concílio de Trento só pode ser chamada de "popular" se posta em

oposição à religião estabelecida pela I greja - esta, por sua vez, "erudita"

porque baseada nos cânones sacramentados pela reforma católica. A distinção

se desloca: de um critério socioeconômico, passamos a pensar em termos de

algo estabelecido e normativo, em contraposição a um conjunto de crenças e

ritos que estão fora da ortodoxia doutrinária da I greja.

47 I d em , p ag. 40.
48 Ro ger Ch ar t ier , T ext o s, imp r esso s, leit uras in o p . cit , s.d ., p ag. 134.
33

CAP Í T ULO 2

- I N Q UI SI ÇÃO E MAG I A -

I - I N Q U I SI ÇÃO E BRU XARI A

As o n d as d e r ep r essão à b r u xar ia e f eit içar ia n ão p o d em ser

en t en d id as f o r a d o co n t ext o cr o n o ló gico q u e lh es d eu o r igem . T r at am o s aq u i

da em er gên cia do mundo m o d er n o o cid en t al, co m t o d as as su as

p ecu liar id ad es: as cr ises d o sécu lo X I V, as n avegaçõ es e d esco b r im en t o s, a

in ven ção d a im p r en sa, as r efo r m as r eligio sas e a co n st it u ição d o E st ad o

ab so lu t ist a. Jean D elu m eau , em im p o r t an t e est u d o so b r e o m ed o no

O cid en t e, m o st r a co m o h o u ve u m a escalad a d e t em o r es, m o t ivad o s p elo

fu n est o sécu lo X I V. G r aças a u m a co n ju n t u r a q u e in clu i o d esagr egar d o

feu d alism o , as o n d as d e p est e, avan ço d o s t u r co s, o cism a d a I gr eja o cid en t al,

a G u er r a d o s Cem an o s, e as d iver sas r evo lt as u r b an as e cam p o n esas f o m es e

cat aclism as, o s t em o r es m u d ar am d e d ir eção . O s t eó lo go s p assar am a b u scar


34

n o so b r en at u r al e n o ap o calíp t ico a exp licação p ar a t am an h a co n flu ên cia d e

d esgr aças: d est e m o d o , assist im o s a u m a m u d an ça: d e m ed o s d e fen ô m en o s

n at u r ais p ar a t em o r es escat o ló gico s, ap o calíp t ico s 49. Tais temores também

abrangiam supostos inimigos da cristandade, que atacavam orquestrados por

um inimigo supremo: Satã. O sentimento geral - que tomou vulto a partir do

século XI V, principalmente - era o de que havia uma conspiração universal

para a derrocada da cristandade. Conspiração esta levada a efeito pelos

demônios, muçulmanos, turcos, leprosos, judeus, mulheres - e as bruxas.

Segundo D elumeau, tais medos - e a idéia de conspiração a eles associada -

tinham origem nas elites culturais, principalmente nos setores eclesiásticos: a

partir daí, através de um processo de difusão, atingiam a sociedade como um

todo.

D entre estes temores em constante escalada, dois deles se faziam

notar especialmente: um, relacionado ao próprio arquiteto da conspiração,

isto é, Satã; o outro, concernente àqueles que - acreditava-se então - obravam

em favor e nome do Príncipe das Trevas. D elumeau identifica estes agentes

como sendo os idólatras ameríndios, os muçulmanos, judeus e bruxas 50.

49 Um in t eressan t e est ud o so b r e mo vimen t o s m ilen ar ist as e ap o calíp t ico s d o fin al d a


I d ad e Méd ia é o d e N o r man Co h n , N a Se nda do Mi lê ni o , Lisb o a, P r esen ça, 1981.
50 Jean D elum eau, H i s tó ri a do Me do no O c i de nte , São P aulo , Co mp an h ia d as Let r as,

1990 - esp ecialm en t e o s cap ít ulo s d e 6 a 12.


35

- A Co n s p i raç ão U n i ve rs al

An t es de an alisar m ais p r o fu n d am en t e a b r u xar ia, f az-se

n ecessár ia u m a in vest igação so b r e aq u ele q u e er a su a r azão d e ser e q u e er a o

r esp o n sável p o r t o d o s o s m ales q u e afligiam o s cr ist ão s: Sat ã.

O s p ap éis at r ib u íd o s ao D iab o so fr er am alt er açõ es n o d eco r r er

do t em p o . Segu in d o a t r ad ição ju d aico -cr ist ã vem o s q u e, no Velh o

T est am en t o , D eu s é t id o co m o o r esp o n sável p o r t o d as as co isas, b o as e m ás.

Segu n d o N o r m an Co h n , o s in fo r t ú n io s er am p u n içõ es en viad as p o r D eu s p ar a

aq u eles q u e t r an sgr ed issem su as leis. Sat ã ain d a n ão su r gir a exer cen d o as

fu n çõ es q u e t r ad icio n alm en t e lh e são at r ib u íd as 51. A figura do tentador se

manifestará no livro das Crô nic as , onde Satã influencia a D avid, fazendo

com que ele realize um censo do povo eleito - mensurando, assim, a obra do

Senhor, que por si só é algo inquestionável ou isenta de qualquer avaliação

por parte dos simples mortais (I , 21). N o texto das Crô nic as reza que

" Levan t o u-se, p o is, sat an ás co n t ra I sr ael e in cit o u D avi a r efazer o


r ecen seamen t o d e I srael" 52

o que despertou a ira de D eus, incomodado pela presunção do

rei poeta, insuflado por Satã. Q uando abordamos a literatura judaica dos

séculos I I a.C. até I d.C., encontramos uma demonologia plenamente

51 N o r man Co h n , T h e m yt h o f Sat an an d h is h um an servan t s in Mary D o uglas (ed .),


Wi tc hc raft, Lo n d o n , T avist o ck, 1971, p p . 4-5.
52 B í bli a Sag rada, Rio d e Jan eiro , G amm a, 1982.
36

d esen vo lvid a, o n d e Sat ã e su a co r t e d e an jo s caíd o s co m b at em co n t r a D eu s.

Co h n at r ib u i est a id éia ao co n t at o co m a r eligião ir an ian a - o n d e, segu n d o

r eza a t r ad ição m azd eíst a, ap ó s u m co m b at e en t r e as f acçõ es d e Ah u r a Mazd a

(cr iad o r d o m u n d o d e lu z e ver d ad e) e Ah r im an , in co r p o r ação d o m al, est e

ú lt im o fo r a d er r o t ad o , sen d o co n fin ad o ao r ein o d as so m b r as, e segu id o p elo s

d aevas (q u e er am o s an t igo s d eu ses, q u e p assar am a ser vist o s co m o

d em ô n io s m aléf ico s) 53. Visto por Z aratustra como a personificação do mal,

Ahriman é, segundo J. B. Russel, "o primeiro diabo claramente definido" 54.

O cristianismo recebeu, em segunda mão, a influência desta

doutrina iraniana - através da demonologia judaica, a qual foi totalmente

incorporada pela nova religião 55. Os E vangelhos, radicalizando uma

concepção dualista que divide todas as coisas com base em uma opção entre

Cristo e Satã, trazem diversas menções a este combate entre o bem e o mal.

O D iabo, a partir de então, torna-se o I nimigo por excelência, combatendo

Jesus, seus discípulos e apóstolos, bem como os seguidores destes, "tramando

incessantemente a ruptura da fidelidade ao Senhor e pondo a perder os seus

corpos e almas". A partir daí, o mundo será partilhado entre Cristo e Satã 56.

As campanhas de evangelização e conversãos dos adeptos do paganismo

greco-romano, por sua vez, vão contribuir com um grande enriquecimento do

imaginário demonológico cristão, graças a uma interpretação negativa de

elementos do paganismo, por parte da religião agora dominante. E sta, por sua

vez, via-se às voltas com uma evangelização de fiéis que quase sempre não

53 Co h n , o p . cit ., p ag. 7.
54 Jeffrey Burt o n Russel, O D i abo , Rio d e Jan eir o , Camp us, 1991, p ags. 48 e 86.
55 Carlo s Ro b er t o F . N o gueira, O D i abo no I m ag i nári o Cri s tão , São P aulo , Át ica, 1986,

p ag. 17.
37

ab an d o n avam seu s an t igo s cu lt o s e cr en ças, assim ilan d o en sin am en t o s n o vo s

co m as an t igas co n vicçõ es - ist o , q u an d o t ais assim ilaçõ es n ão er am já feit as

p elo s p r ó p r io s m issio n ár io s cat eq u izad o r es. Além d isso , a d o u t r in a cr ist ã

assim ilo u ao s seu s d em ô n io s as co n cep çõ es p agãs d as d ivin d ad es in fer n ais 57.

É nos séculos XI -XI I que, segundo D elumeau, Satã irá surgir em

cena massivamente. É neste momento que a figura iconográfica do D iabo

toma forma, sendo pictoricamente representado ou esculpido 58. Mas é a partir

do século XI V que Satã lança o seu grande ataque. A cristandade encontrava-

se como que obsidiada pela figura do G rande I nimigo. Para D elumeau, esta

obsessão vai se manifestar, na iconografia, em uma vasta gama de imagens

infernais, e na idéia fixa das armadilhas e tentações de que Satã faz uso, na

intenção de perder os seres humanos 59. A violência das torturas e tormentos

do I nferno transborda na I conografia, e o Satã medieval - que assustava mas

tinha lá seus ares de comicidade, que por muito tempo persistiu no

imaginário popular, como uma figura até benfazeja e enganável 60 - torna-se

pujantemente violento, terrível, assustador. N este primeiro alvorecer da

I dade Moderna, os conceitos e imagens satânicas da I dade Média assumiram

'uma coerência, uma importância e uma difusão jamais alcançadas" 61. O

G rande Tentador estava presente em todos os aspectos da vida, e tudo que

acontecia poderia ser obra sua - para castigar os homens ou para seduzi-los,

levando-os à perdição.

56 I d em p ag. 18.
57 I d em, p p . 26-31.
58 D elumeau, o p . cit ., p ag. 239.
59 I d em, p ag. 240.
60 N o gueir a, o p . cit ., p ag. 76.
61 I d em, p ag. 73.
38

O m ed o d o D iab o t o m ava f o r m a sist em at izad a n as o b r as d e

d em o n o lo gia q u e, gr aças à im p r en sa, t in h am gr an d e d ivu lgação - o q u e fazia

au m en t ar ain d a m ais o m ed o . E st as ed içõ es at in giam am p la gam a d o p ú b lico

leit o r , q u er fo sse at r avés d e p esad o s t r at ad o s o u d e p u b licaçõ es " p o p u lar es" ,

d e cu st o m en o s elevad o 62. As informações aí contidas alcançavam um público

ainda mais amplo de analfabetos, na medida em que eram lidas em voz alta

para as pessoas, ou citadas em prédicas e sermões, difundindo assim tais

idéias demonológicas 63.

A literatura demonológica apresentava aos leitores um vasto

arsenal informativo, contendo tudo o que ele devia saber a respeito do

Maligno: como ele se apresenta, de que modo age no sentido de tentar e

perder a humanidade, quais as armadilhas que ele apronta, como diagnosticar

a ação do demônio, etc. Rossel H ope Robbins enumera 33 títulos de tratados

demonológicos publicados entre 1475 e 1540 (entre livros alemães, franceses,

italianos e espanhóis); D elumeau conta (deficientemente, segundo o próprio)

16 títulos de diversas nacionalidades, entre 1659 e 1647 64. Tendo em conta

que estas obras possuem sucessivas reedições, ficamos impressionados com

seu alcance através do tempo: somente o Malle us Male fic arum, ícone maior

da literatura de caça às bruxas e inspirador de tantas obras posteriores, teve

81 edições na E uropa entre 1486, data de sua primeira edição, e 1669, quando

62 Ver , a est e resp eit o , Lucien F eb vr e e H en r i-Jean Mar t in , O Apare c i m e nto do Li vro ,
São P aulo , UN E SP / H UCI T E C, 1992, cap ít ulo s 4 e 8.
63 So b r e a d ifusão d as id éias at ravés d as p r át icas d e leit ura, ver Ro ger Ch ar t ier , T ext o s,
im p resso s, leit uras in A H i s tó ri a Cultural, Lisb o a/ D I F E L, Rio d e Jan eir o / Ber t r an d
Brasil, s.d . D o mesmo aut o r , ver As p r át icas d a escr it a n a H i s tó ri a da Vi da P ri vada,
São P aulo , Co mp an h ia d as Let r as, 1991, vo l. 3, p p . 113-161.
64 Ro ssel H o p e Ro b b in s, T he E nc yc lo pe di a o f Wi tc hc raft & D e m o no lo g y, N ew Yo r k,

Bo n an za, 1981, p p . 145-147; D elumeau, o p . cit ., p ag. 248.


39

já ar r efecia a o n d a p er secu t ó r ia 65. Através de sermões e prédicas, catecismos e

da citada literatura demonológica, o afã de desmascarar o D iabo, bem como o

pânico a ele relativo, foram se disseminando por todo o corpo da cristandade.

O D iabo era, então, mais uma dura realidade presente no

cotidiano à época. Já escrevera Lutero que "somos corpos sujeitos ao diabo, e

estrangeiros, hóspedes no mundo no qual o diabo é príncipe e o D eus" 66. Por

isso, as desgraças e decepções eram atribuídas ao D iabo. As tempestades,

trovões, más colheitas, as doenças, em tudo era visto o dedo do adversário,

que castigava a humanidade pelas suas iniqüidades, ou procurava perdê-la.

Por ser incorpóreo, o D iabo podia tomar a forma que lhe aprouvesse para se

aproximar das pessoas, e podia estar em todos os lugares. E também é graças

a esta incorporeidade que ele pode obrar diversos prodígios. D iz o Malle us

que o D iabo, por tomar diversas formas, pode estar em diversos locais e

conjurar os elementos da natureza; ele também tem poderes para desfazer a

obra de D eus até onde este lhe permita 67.

Contudo, Satã não estava desacompanhado nesta empreitada

aviltante. Contava com o apoio de uma legião de demônios e de agentes

humanos. Q uanto aos primeiros, o discurso demonológico afirmava estarem

disseminados por todos os lados. Francesco Maria G uazzo identifica, em seu

Co mpe ndium Male fic arum, seis tipos de demônios: os que residem no fogo,

e não têm contato com os homens; os do ar, que estão ao redor dos homens e

podem tomar consistência física, tornando-se visíveis e sendo causadores de

65 Ro b b in s, o p . cit ., p ag. 337.


66 Ap ud D elumeau, o p . cit ., p ag. 251.
40

t o r m en t as e t em p est ad es; o s t er r est r es, q u e vivem n as flo r est as, caver n as e

m esm o en t r e os h o m en s; o s d em ô n io s aq u át ico s, r esp o n sáveis p elo s

afo gam en t o s e n au f r ágio s, b em co m o p ela vio lên cia d o m ar - h ab it an t es d e

r io s, lago s e m ar es; o s su b t er r ân eo s, q u e vivem em gr u t as e caver n as,

cau san d o t er r em o t o s, er u p çõ es e ab alo s n o s alicer ces d as casas; p o r fim , o s

d em ô n io s d as t r evas, q u e n ão su p o r t am a lu z e só se lo co m o vem e

m an if est am n a m ais co m p let a escu r id ão 68.

A quantidade de demônios existentes é de uma ordem assombrosa:


demonólogos que dedicaram-se ao censo das hostes infernais calcularam que existiriam entre 6
e 7 milhões de demônios. Alphonsus de Spina em seu Fortalicium Fidei (1467) chegou à
astronômica cifra de 133 milhões de demônios. E todos eles obrando em prejuízo da
cristandade69! Devido a tal quantidade de seres infernais, surgiu a idéia de que cada homem, ao
nascer, seria acompanhado de um deles, que o tentaria por toda a sua vida - o que, por outro
lado, acarretou na noção de que haveria um anjo da guarda para cada indivíduo, justamente
para protegê-lo de tal tentador vitalício70

A humanidade, contudo, tinha algo mais a temer, além desses

servos incorpóreos de Satã: havia também os seus aliados humanos. E les

podiam estar em qualquer lugar, podendo - em teoria - ser qualquer pessoa.

I nfiltrados no seio da cristandade, podiam implodi-la a partir de seu próprio

interior. Por outro lado, eram identificáveis e estavam ao alcance de uma

vingança imediata - que fornecesse aos homens um paliativo para a

impotência ante os adversários imateriais.

67 H ein r ich K r amer & Jako b Sp ren ger , Malle us Male fi c arum , Rio d e Jan eir o , Ro sa d o s
T em p o s, 1991, quest ão I , p p . 49-63.
68 F r an cesco Mar ia G uazzo , Co m pe ndi um Male fi c arum (1608), Ap ud Ro b b in s, o p . cit .,

p p . 132-133.
69 E r am exat o s 133 306 668 d emô n io s. Ap ud Ro b b in s, o p . cit ., p ag. 130.
70 D elumeau, o p . cit ., p ag. 257. Ver t am b ém K eit h T h o mas, Re li g i ão e o D e c lí ni o da

Mag i a, São P aulo , Co m p an h ia d as Let r as, 1991, p ag. 382.


41

A idéia de que estes agentes de Satã viviam infiltrados no seio das sociedades é
tão antiga quanto o próprio cristianismo. O que variava, ao sabor das conjunturas, era a
identificação do membros desta quinta-coluna dos infernos. A Igreja primitiva os associava
aos pagãos; com o passar do tempo, aqueles que professavam idéias e crenças discordantes da
ortodoxia cristãs também foram ligados a essa proposição. Na Idade Média, esta idéia está
associada aos hereges, judeus, muçulmanos. Na França do século XII, por exemplo,
acreditava-se uma característica dos hereges - segundo aqueles que os perseguiam - a adoração
do Diabo encarnado em alguma forma física - um gato negro, um sapo, um bode ou homem -,
elemento que depois foi incorporado pelo discurso contra a bruxaria. E no século XIV, após o
rumoroso processo contra os templários, a bruxaria começou a ser associada à heresia71.

- A Caç a às Bruxas ( o u: a his tó ria de um c o nc e ito )

A idéia que fazemos atualmente a respeito da bruxa - uma mulher

velha e feia, que possui poderes sobrenaturais malignos, que anda em contato

com os demônios e vai voando numa vassoura ao Sabbat - levou muito tempo

para cristalizar-se. Brian P. Levack, em estudo sobre a caça às bruxas na

E uropa moderna, mostra como a grande repressão só foi possível a partir do

momento em que o discurso erudito cristalizara a imagem da bruxa - através

71 Co h n , o p . cit ., p p . 7-11.
42

d o q u e o au t o r d en o m in a " co n ceit o cu m u lat ivo d e b r u xar ia" - b em co m o

en co n t r ava-se p r o n t o t o d o u m ap ar at o ju r íd ico e p r o cessu al 72.

O que houve foi um grande processo - encetado principalmente

pelas elites eclesiásticas, mas que encontrou eco na magistratura civil e entre

os segmentos letrados de um modo geral - de demonização e detração de

crenças e práticas particulares, que se encontravam dispersas. Tais crenças,

que viriam a estar no bojo dos processos de bruxaria, possuíam origens

arcaicas e com ramificações as mais diversas possíveis, conforme demonstrou

o historiador italiano Carlo G inzburg em estudo de fôlego sobre o sabbat 73.

Assim era com a crença no "exército furioso" de espíritos que, à noite, errava

pelas estradas desertas em companhia de D iana; bem como no caso dos

lobisomens, e também da Lâmia, um espírito vampiresco que raptava crianças

pequenas para sugar seu sangue. Tais crenças possuíam origem pré-cristã,

remontando ao paganismo greco-romano e mesmo além, e subsistiam graças

ao caráter precário e sincretizante da cristianização da E uropa - sendo que

manifestavam-se com maior vigor nas zonas rurais e locais mais afastados dos

grandes centros, onde o cristianismo era apenas um fino verniz que recobria

o mais pujante paganismo 74.

D a censura e de uma atitude em grande parte complacente para

com os magos e feiticeiros de aldeia - que praticavam adivinhações,

curandeirismos e magia propiciatória de um modo geral -, característica da

72 Bian P . Levack, A Caç a às B rux as , Rio d e Jan eir o , Cam p us, 1988, esp ecialmen t e o
cap ít ulo 2.
73 Car lo G in zb ur g, H i s tó ri a N o turna, São P aulo , Co m p an h ia d as Let r as, 1991.
74 Ro b ert Much emb led , So rceller ie, cult ur e p o p ulaire et ch r ist ian isme au XVI e siècle in
Annale s , 28 an n ée, 1, jan -fev. 1973, p p . 264-284.
43

I gr eja d a alt a I d ad e Méd ia, p asso u -se a u m a in t o ler ân cia cad a vez m ais

acir r ad a. A I gr eja sem p r e t iver a u m a r elação am b ígu a co m a m agia: en q u an t o

su a d o u t r in a d ava ên fase n o p o d er d e in t er cessão d o s san t o s, e, d et r im en t o d a

p u r a p r át ica d a m agia, seu s fiéis e m esm o o cler o viam n o r it u al e seu s

ap ar at o s u m ar sen al d e p o d er es m ágico s, p assíveis d e co n ju r o e d e ap licável

às m ais d iver sas cir cu n st ân cias. I n clu sive, est a fo i a t ô n ica d a cat eq u ese d a

E u r o p a, e m esm o em m o m en t o s p o st er io r es. Co exist iam , en t ão , d o is t ip o s d e

m agia: u m , " legalizad o " e p r esen t e n o s r it o s e sacr am en t o s d a I gr eja; o u t r o ,

fr u t o d e u m p r o cesso d e ap r o p r iação d est es m esm o s elem en t o s p o r p ar t e d o s

fiéis e d o cler o - est e, n ão ap r o vad o p ela d o u t r in a cr ist ã. A I gr eja d a alt a

I d ad e Méd ia, p o r ém , segu ia a o p in ião d o Ca n o n E p i s c o p i , q u e afir m ava ser a

feit içar ia u m cr im e o n ír ico o u im agin ár io 75.

Contudo, à medida em que a I greja buscava reformular a própria

doutrina e liturgia, foi encetada uma campanha para eliminação do magismo,

tanto no seio dos rituais como entre os fiéis 76. A esta atitude de

endurecimento para com as práticas mágicas soma-se o processo de repressão

às heresias a partir do século XI I . A pouco e pouco - na medida em que a

tratadística demonológica se concretizava, e também de acordo com o

espocar de diversos focos de movimentos heréticos - a prática de magia foi

sendo associada e confundida com a heresia por inquisidores e magistrados,

tomando assim, aos poucos, sua forma clássica - a que está nos manuais

demonológicos e regimentos inquisitoriais. À medida em que a cristandade se

debatia com o aumento do poder de Satã, a crença na bruxaria se firmava e

75 Ro b b in s, o p . cit ., p ag. 74.


44

co n so lid ava, ao s p o u co s, n o im agin ár io eu r o p eu . N o sécu lo X I V, co m a b u la

Su p e r I lli u s Sp e c u la (1326) d o p ap a Jo ão X X I I , a feit içar ia er a asso ciad a à

h er esia, t o r n an d o -se u m d elit o d e alçad a in q u isit o r ial, a ser r ep r im id o p elo

fam o so T r ib u n al. An t es, a feit içar ia er a p u n id a p elo p o d er p ú b lico , q u e via a

m agia m aléfica co m o u m a co n d u t a an t i-so cial, t al co m o o r o u b o e o

h o m icíd io .

E o q u e fazia co m q u e a b r u xar ia - d if er en t em en t e d a feit içar ia

o r d in ár ia (q u e co n sist ia n o r ecu r so a o r açõ es e r it u ais p ar a o alcan ce d e

o b jet ivo s m at er iais im ed iat o s) - fo sse vist a co m o h er esia? O ponto

d if er en ciad o r er a o segu in t e: at r avés d e u m p act o , n o q u al se co m p r o m et ia a

ser vir e ad o r ar Sat ã - r o m p en d o o s laço s co m Cr ist o e a I gr eja, e in co r r en d o

assim n o cr im e d e latria, segu n d o o M an u al d o s I n q u i s i d o re s 77 - em troca de

poder, riquezas e gozos materiais, a bruxa passava a conspirar, ao lado do

Maligno, contra a espécie humana. Todo o poder da bruxa advém do D iabo, e

ela só tem acesso a ele por meio do pacto. K ramer e Sprenger, no Malle us

Male fic arum, afirmam peremptoriamente que

" É in út il ar gumen t ar que t o d o efeit o d as b r uxar ias é fan t ást ico o u


ir real [ao co n t r ár io d o que afirm ava o Cano n E pi s c o pi ], p o is n ão
p o d er ia ser r ealizad o sem que se reco r r esse ao s p o d eres d o D iab o : é
n ecessár io , p ara t al, que se faça um p act o co m ele, p elo qual a b ruxa
d e fat o e ver d ad eir amen t e se t o r n a sua ser va e a ele se d evo t a - o que
n ão é feit o em est ad o o n írico o u ilusó r io , m as sim co n cret am en t e: a
b r uxa p assa a co o p erar co m o D iab o e a ele se un e. P o is aí r esid e
t o d a a fin alid ad e d a b r uxar ia..." 78.

76 K eit h T h o m as, o p . cit ., p r in cip almen t e o cap ít ulo 3.


77 N ico laus E ymerich , o p . cit ., p ag. 55.
78 Malle us ..., p ag. 57. Co m en t ário m eu.
45

E st a ar gu m en t ação r ep r esen t a u m co n sid er ável en d u r ecim en t o d e

p o siçõ es, em r elação ao Can o n . E n d u r ecim en t o t ão gr an d e q u e fica p at en t e já

n a p r im eir a q u est ão d o M alle u s - q u e segu e, em su a est r u t u r a, a fo r m a d e u m

d eb at e r et ó r ico -, o n d e é afir m ad o q u e " cr er em b r u xas é t ão essen cial à fé

cat ó lica q u e su st en t ar o b st in ad am en t e o p in ião co n t r ár ia h á d e t er vivo sab o r

d e h er esia" , e cu ja ar gu m en t ação co m eça ju st am en t e co m u m a vio len t a cr ít ica

ao Ca n o n E p i s c o p i 79!

O pacto demoníaco era, então, o cerne da crença na bruxaria. Foi

graças a ele que a feitiçaria - antes vista como uma prática anti-social devido

ao male fic ium, - isto é, a magia prejudicial passível de punição pela justiça

laica - passou a ser associada à heresia. Segundo Levack, "no sentido mais

pleno da palavra, uma bruxa era tanto uma praticante de magia maléfica,

como uma adoradora do D iabo, e o pacto era a maneira através do qual

ambas as formas de atividade mais claramente se relacionavam" 80.

79 I d em, p ag. 49.


80 Levack, o p . cit ., p ag. 33.
46

O p act o er a t am b ém aq u ilo q u e co n fer ia u m car át er co n sp ir at ivo

às açõ es d as b r u xas. Ao ar r an car em d as b r u xas co n fissõ es d e co n t r at o s

d em o n íaco s, ju ízes e in q u isid o r es co n segu iam a evid ên cia ir r efu t ável d e q u e

o s acu sad o s faziam , co n scien t em en t e, p ar t e d e u m a im en sa co n sp ir ação .

D est a f o r m a, é sin t o m át ico o q u e escr eve, n o sécu lo X VI I , o jesu ít a

Alexan d r e P er ier - r en o m ad o m issio n ár io , co m est ad as n o Br asil - em su a

o b r a in t it u lad a D e s e n g an o d o s P e c a d o re s :

" É c o is a s ab id a aq u e le d an o e m ale f íc io q u e f az e m n o m u n d o , q u as e
e m t o d as as n aç õ e s , aq u e las d e p r av ad as m u lh e r e s a q u e v ó s c h am ais
v u lgar m e n t e f e it ic e ir as o u b r u xas . E stas desgraçadas como têm arrenegado
a fé pelo contrato feito com o D emônio, a quem têm vendido a sua alma, ficam
conseguintemente inimigas do gênero humano, principalmente católico, e por
isso procuram faz er-lhe o mal que podem..." 81

Contudo, além do pacto demoníaco, o conceito de bruxaria

engloba outros elementos - decorrentes, todos eles, deste contrato infernal

entre a bruxa e o D iabo. Um deles é o male fic ium - a magia maléfica, a qual

já mencionamos anteriormente. O male fic ium era, antes, atribuído aos

feiticeiros. E le podia se manifestar das mais diversas formas: desde uma dor

de cabeça provocada, segundo se acreditava, por mau-olhado, até uma geada

conjurada por bruxas, que arrasasse as plantações. N a bula Summis

D e s ide rantis Affe c tibus , de 1484, em que o papa I nocêncio VI I I lança

oficialmente a campanha de repressão à bruxaria, estão arrolados alguns atos

típicos das bruxas. D iz o texto que elas

81 Alexan d re P erier , D e s e ng ano do s P e c ado re s , Lisb o a, Miguel Man escal d a Co st a, 1765,


p p . 316317. G r ifo meu.
47

" ... t ê m as s as s in ad o c r ian ç as ain d a n o ú t e r o d a m ãe , alé m d e


n o vilh o s , e t ê m ar r u in ad o o p r o d u t o d a t e r r a, as u vas d as v in h as , o s
f r u t o s d as ár v o r e s , e m ais ain d a: t ê m d e s t r u íd o h o m e n s , m u lh e r e s ,
b e s t as d e c ar ga, r e b an h o s , an im ais d e o u t r as e s p é c ie s , p ar r e ir as ,
p o m ar e s , p r ad o s , p as t o s , t r igo e m u it o s o u t r o s c e r e ais ; e s t as p e s s o as
m is e r áv e is [as b r u xas ] ain d a af lige m e at o r m e n t am h om en s e
m u lh e r e s , an im ais d e c ar ga, r e b an h o s in t e ir o s e m u it o s o u t r o s
an im ais c o m d o r e s t e r r íve is e las t im áv e is e c o m d o e n ç as at r o z e s , q u e r
in t e r n as , q u e r e xt e r n as ; e im p e d e m o s h o m e n s d e r e aliz ar o at o
s e xu al e as m u lh e r e s d e c o n c e b e r e m , d e t al f o r m a q u e o s m ar id o s n ão
v ê m a c o n h e c e r as e s p o s as e as e s p o s as n ão vê m a c o n h e c e r o s
m ar id o s ." 82

E is aqui, resumidos, os diversos tipos de male fic ium. Podemos

concluir que eles estavam ligados a ameaças à sobrevivência humana - seja

enquanto reprodução da espécie (através dos bloqueios às relações conjugais

ou à fertilidade), ou enquanto subsistência, na medida em que as bruxas

danificam e destroem tanto bens materiais quanto meios de sustentação. Além

do pacto e do male fic ium, o conceito de bruxaria incluía elementos outros

como a demonolatria, a crença na capacidade da bruxa em se metamorfosear

em animais (geralmente insetos ou bichos de pequeno porte, como ratos,

gatos e cães), a crença na ida e participação no sabbat (e, ligada a este

elemento, a crença de que as bruxas voavam) - e sua difusão através de

tratados e obras que procuravam incentivar os julgamentos tiveram um efeito

devastador, tanto ao nível das mentalidades e crenças quanto no fomento à

repressão.

82 I n Malle us ..., p p . 44-45.


48
49

- A R e p re s s ão

E m seu co n sagr ad o est u d o , K eit h T h o m as exp lica a gr an d e o n d a

d e r ep r essão à b r u xar ia co m o f r u t o d e u m a co n ju n ção d e fat o r es: p r im eir o , a

elab o r ação e p o st er io r im p o sição d e u m d iscu r so d em o n o ló gico er u d it o ;

segu n d o , u m a gr an d e in segu r an ça p o r p ar t e d o s fiéis em ger al, p r ivad o s d a

p r o t eção m ágica o fer ecid a p elo cr ist ian ism o t r ad icio n al - q u e, co m o n o t am o s,

so fr eu u m p o d er o so p r o cesso d e filt r agem p o r p ar t e d as r efo r m as r eligio sas -;

em vir t u d e d est e fat o r , o s h o m en s t er iam f icad o in d efeso s fr en t e às p r át icas

d e m ale fi c i u m - co n t r a as q u ais est avam im u n es an t er io r m en t e, d evid o ao

am p ar o m ágico o fer ecid o p elo s r it u ais d a I gr eja. A co n ju n ção d est es fat o r es é

q u e t er ia favo r ecid o o esp o car d e su cessivas o n d as r ep r essivas, t an t o em

lo calid ad es d e cr ed o cat ó lico q u an t o p r o t est an t e 83. Tais ondas, em seu

conjunto, é que formam o que se convencionou chamar de grande caça às

bruxas.

E sta explicação dá conta do fato de a perseguição ter início antes

das reformas religiosas - em virtude da crescente pressão do discurso erudito,

que encontrava alguma ressonância entre as camadas populares. Ajuda

também a explicar o porque da fúria repressora que teve seu auge entre os

séculos XVI -XVI I (1560-1650), tanto do lado católico quanto do protestante

(neste, inclusive, com muito maior força e virulência): ao retirar o aparato


50

m ágico q u e im p r egn ava a cr en ça cr ist ã, as r efo r m as d eixar am livr e u m cam p o

o n d e o d iscu r so d em o n o ló gico - q u e já fazia fo r ça p ar a se im p o r - p ô d e

fin alm en t e t r iu n far . T r at am o s, aq u i, d a d ifu são d est as id éias n o seio d as

cam ad as d a p o p u lação q u e n ão p er t en ciam às elit es let r ad as.

A p ar t ir d e t al co n flu ên cia, p o vo e m agist r ad o s en t r ar am em

sim b io se d e cr en ças, e at u ar am co n ju gad am en t e. O s p r im eir o s esp r eit an d o ,

d en u n cian d o e às vezes t o m an d o p ar a si a ju st iça; o s ú lt im o s, p u n in d o

efet ivam en t e, ju lgan d o e co n d en an d o at r avés d e u m a m áq u in a ju d iciár ia q u e

er a alim en t ad a p elas d en ú n cias d o p o vo . E st a co n ju gação d e p o n t o s d e vist a

fez co m q u e o s p r at ican t es d e m agia e f eit içar ias, an t es vist o s co m o

" d esclassificad o s r eligio so s" , n a o p in ião d e F r an cisco Bet h en co u r t , fo ssem

t r an sfo r m ad o s t am b ém em " d esclassificad o s so ciais" 84

83 T h o m as, o p . cit ., esp ecialmen t e o cap ít ulo 15.


84 F ran cisco Bet h en co ur t , O I m ag i nári o da Mag i a, Lisb o a, P ro ject o Un iver sid ad e
Ab ert a, 1987, p ag. 22.
51

I I O CO N T E XT O I BÉ RI CO

As o n d as de r ep r essão á b r u xar ia fo r am m ais in t en sas,

p r in cip alm en t e, n o s lu gar es o n d e o m o d elo d em o n o ló gico elab o r ad o p elo s

set o r es let r ad o s t eve u m a d ifu são m ais só lid a. Ar d er am b r u xas em fo gu eir as

in glesas, fr an cesas, alem ãs, e su íças, en t r e o u t r as. T ais o n d as r ep r essivas

var r er am p er io d icam en t e a E u r o p a, d e u m m o d o ger al, en t r e o s sécu lo s X V e

X VI I I , vin d o a p er d er fô lego e fin alm en t e ext in gu ir -se n o sécu lo X VI I I .

A P en ín su la I b ér ica, p o r ém , ap r esen t o u sin gu lar es

p ecu liar id ad es, n o q u e t an ge à in ser ção n o m o vim en t o m aio r , eu r o p eu , d e

r ep r essão à b r u xar ia. Co m p ar an d o co m o u t r o s p aíses eu r o p eu s, o n ú m er o d e

execu çõ es p o r b r u xar ia em P o r t u gal e E sp an h a é m ín im o , p ar a n ão d izer


52

in sign ifican t e. Mu it o p o u cas b r u xas fo r am - co m p ar at ivam en t e falan d o -

q u eim ad as n a P en ín su la I b ér ica 85.

I sto é devido a uma série de fatores. O primeiro - e o mais

patente dentre eles - é a excessiva atenção dada, pela I nquisição ibérica num

todo, ao problema dos judeus conversos. Preocupada em rastrear e punir os

delitos dos judaizantes, os Tribunais portugueses e espanhóis não enfatizaram

a repressão à bruxaria.

A tal peculiaridade soma-se o fato de que a Península I bérica foi

afetada em menor intensidade pelo discurso demonológico que grassava por

todo o continente europeu, impulsionando a caça às bruxas. I nclusive, para

Portugal, não há uma produção demonológica no sentido clássico do termo -

algo como os famosos tratados como o Malle us e outros congêneres.

Segundo Laura de Mello e Souza, os elementos demonológicos não possuem

uma tratadística própria em Portugal, aparecendo dispersos ao longo da

literatura religiosa 86. Tais elementos se encontram pulverizados entre os

manuais de confessores, catecismos e tratados de teologia moral - os quais,

segundo Bethencourt, por usarem uma argumentação baseada no comentário

aos dez mandamentos, aos sete pecados capitais e aos sacramentos, discutem

a feitiçaria no âmbito do primeiro mandamento, o "amar a D eus sobre todas

as coisas" 87 Q uando da repressão às atividades demoníacas, os inquisidores

lusos estavam mais preocupados em rastrear o pacto e a adoração ao D iabo

85 Bet h en co ur t ap r esen t a um a r elação d o s p r o cessad o s p o r feit içar ia, magia e b r uxar ia


p elo s T rib un ais in quisit o r iais lusit an o s n o século XVI . O n úmer o d e acusad o s d e
b ruxar ia é in sign ifican t e. Cf. I d. i bi d. , p p . 302-307.
86 Laur a d e Mello e So uza, O co n jun t o : a Amér ica d iab ó lica in I nfe rno Atlânti c o , São
P aulo , Co mp an h ia d as Let ras, 1993, p ag. 24.
53

d o q u e em b u scar evid ên cias d e p ar t icip ação n o sab b at 88. A fraca difusão do

conceito de bruxaria fez com que seus elementos surgissem de forma dispersa

nos processos ibéricos de feitiçaria, nunca apresentando um todo consistente.

Para o caso espanhol, a situação apresenta poucas variantes.

Carlos Roberto F. N ogueira mostra que, não obstante a atuação de

inquisidores que possuíam contato mais próximo com a literatura

demonológica clássica, o conceito de bruxaria possui pouca penetração em

território espanhol. Acreditando que as bruxas vinham da vizinha França, os

espanhóis não davam aos casos de bruxaria o tratamento que era dispensado

em outros locais. Segundo o autor, faltaram em E spanha "uma perseguição e

uma doutrinação sistemática" que pudessem levar a "uma 'bruxomania'

generalizada" 89.

87 Bet h en co ur t , o p. c i t. , p ag. 20.


88 Laur a d e M. e So uza, E m t o r n o d e um mit o : a elip se d o sab á in o p. c i t. , p ag. 167.
89 N o gueir a, A Mi g raç ão do Sabbat, t ext o in éd it o , mimeo , p ag. 7. Agr ad eço , aqui, a

gen t ileza d o aut o r em fr an quear -m e o acesso a est e est ud o .


54

CAP ÍT U LO 3

- P O LÍ T I CA P O MBALI N A E I N Q UI SI ÇÃO -

I - P AN O RAMA D O P O RT U G AL P RÉ -P O MBALI N O

- B re ve H i s tó ri c o d a Go ve rn a ç ã o P o m b a li n a

No século XVIII, Portugal vivia uma situação de defasagem em relação ao


resto da Europa e, em certa medida, face à Espanha. Defasagem esta que ocorria ao nível da
cultura, das idéias, da política e economia. Era como se em Portugal as mudanças custassem a
acontecer.

Portugal ocupou posição de ponta no desenvolvimento político, econômico e


social da Europa no início da Idade Moderna, graças a um precoce processo de
"modernização" que teve em seu bojo os progressos da navegação, a expansão ultramarina, a
55

formação do Estado absolutista, estando na vanguarda dos acontecimentos no período que vai
de fins do século XV a princípios do XVI90.

Contudo, por um processo histórico cuja discussão foge ao âmbito desta


pesquisa, encontramos esse florescimento como que cristalizado. A Península Ibérica - e,
notadamente, Portugal - encalacrara-se em si mesma contra quaisquer novidades vindas de
fora, que eram imediatamente associadas, pelo pensamento eclesiástico vigente, à heterodoxia
e à heresia. Tudo que vinha do exterior constituía-se em potencial ameaça à ordem
estabelecida. Este casticismo, "francamente dominante nos círculos dirigentes", possuía
aversão a qualquer tipo de novidade européia e, paradoxalmente, cultivava o exotismo do
Oriente91.

Uma combinação entre os instrumentos de manutenção da ortodoxia -


notadamente, a Companhia de Jesus e a Inquisição - e o Estado atuou no sentido de proteger
Portugal contra tudo aquilo que o desviasse das diretrizes do concílio tridentino, bem como
contra a "modernidade" que trazia em si o espírito matemático e naturalista, a secularização e
o racionalismo - elementos que, em Portugal, foram rejeitados a priori92. Segundo Francisco
Falcon - autor de obra já tida como clássica para o estudo do período pombalino -, o resultado
deste fechamento é

"Uma visão do mundo completamente toldada, ensimesmada, fechada ao


exterior, mais distante do que nunca da 'teoria do progresso' que avança além-Pirineus: visão
essa que se afirma e fortalece na medida exata em que se contrapõe ao outro, o herege, o
estrangeiro; fato que irá justificar plenamente, aos seus olhos, a autodefesa com os aparelhos
repressivos, políticos e ideológicos, de que dispõe93.

90 So b r e est e flo r escim en t o , ver H i s tó ri a de P o rtug al vo lum e 3 - N o Alvo re c e r da


Mo de rni dade , co o r d en ação d e Jo aquim Ro mer o Magalh ães, Lisb o a, E d it o r ial E st amp a,
s.d .
91 H i s tó ri a de P o rtug al vo l 4 - O Anti g o Re g i m e , Lisb o a, E d it o rial E st amp a, s.d ., p ag.

24.
92 F r an cisco Jo sé Calazan s F alco n , A É po c a P o m bali na, São P aulo , Át ica, 1982, p p .

149ss. Ver t am b ém A. H . d e O liveir a Mar ques, H i s to ri a de P o rtug al, Cid . Mexico ,


F o n d o d e Cult ur a E co n o m ica, 1984, v. 1, p ag. 300. O co n cílio d e T r en t o en co n t r o u
resist ên cias d as m o n ar quias ab so lut ist as n o que t an ge, p r in cip almen t e, à just iça
eclesiást ica e à sub o r d in ação ep isco p al a Ro ma. E m P o rt ugal t amb ém n ão fo i d iferen t e,
t en d o as med id as t r id en t in as, ap esar d e ráp id a aceit ação , uma imp lan t ação mo r o sa. Ver
H i s tó ri a de P o rtug al v. 3, p ag. 291.
93 F alco n , o p . cit ., p ag. 154.
56

Portugal parara no tempo, permanecendo estacionado na mentalidade


tridentina, perdendo o avanço dos acontecimentos no todo europeu. Ainda segundo Falcon, é
somente no século XVIII que esta situação mudará. O s esforços de mudança apresentam-se
ainda timidamente sob o reinado de D. João V (1706-1750), porém assumem força total no
reinado de D. José I (1750-1777), procurando abrir Portugal (ainda que tardiamente) à
modernidade européia.
57

Concluindo: é um Portugal dominado pelo pensamento eclesiástico - mais


palpavelmente materializado pela massiva presença da Companhia de Jesus no controle da
educação, da produção cultural e ideológica (bem como seu extenso poderio econômico);
iluminado ainda pelas insistentes chamas dos autos-de-fé que teimavam em afugentar do país
uma importante e endinheirada burguesia cristã-nova; enfraquecido no que tange ao poder real
e administrativo, que D. José herda de seu antecessor, em 1750. E é contra estas estruturas e
concepções arcaizantes da sociedade portuguesa que o Marquês de Pombal irá se bater,
lançando mão de uma série de ações que visavam fortalecer interna e externamente Portugal,
levando-o a um lugar mais destacado no concerto das nações do século XVIII.

- Aç ão de Po mbal: fo rtale c e r o po de r re al...

Um dos pontos-chaves da política pombalina foi a centralização do poder real,


que vinha enfraquecido desde o final do reinado de D. João V, devido à doença do monarca -
que o afastara do controle mais próximo do Estado. À medida em que tal ocorria, a
aristocracia estreitava laços com o setor burocrático, participando mais efetivamente nas
tomadas das decisões do Estado, enquanto notava-se um declínio da importância política da
burguesia mercantil tradicional (que ocorreu justamente quando esta vinha de um período de
ganhos, propiciados pelo comércio).
58

Com este enfraquecimento do poder real afrouxou-se também o sistema


colonial, na medida em que a presença da Coroa era sentida com menos rigor. Tal fato se
refletia na evasão das rendas do Estado através de contrabandos, sonegações e descaminhos94.

É neste contexto que D. José I ascende ao poder, e com ele Sebastião José, que
posteriormente (quando adquiriu maior proeminência política, após o terremoto de 1755)
passou a encetar esforços no sentido de fortalecer e reestruturar o poder da Coroa, o que
redundaria, diretamente, no aumento de seu próprio poder pessoal. Pombal encarnaria em
Portugal aquilo que, posteriormente, veio a ser chamado de "despotismo ilustrado" ou
"esclarecido"95.

Em busca do aumento do poder real, Sebastião José foi fundamentar-se em


antigo preceito da realeza: o direito divino dos reis. Segundo este, o poder vem diretamente de
Deus, sem passar por qualquer tipo de intermediário humano; assim sendo, a mais ninguém o
monarca deve prestar contas dos seus atos (tão somente a Deus)96. Tal idéia descarta, de início,
a subordinação - característica do absolutismo tradicional - da Coroa à Igreja e à lei comum,
fundada nos costumes e tradições97. Seguindo, pois, esta linha de raciocínio, chega-se à
conclusão de que o rei, então, possui autonomia e prerrogativas inclusive em assuntos de foro
eclesiástico. O monarca é defensor e protetor da Igreja, provedor do bem estar material e
espiritual dos seus súditos.

Devemos levar em conta que este processo de reforço do poder real - para cuja
execução Pombal não mediu conseqüências nem obstáculos - foi contemporâneo à adoção
mais firme, por parte do Marquês, de duas práticas a princípio excludentes e contraditórias: o
iluminismo e o mercantilismo.

É, mais uma vez, Falcon quem mostra o contexto do surgimento do


iluminismo em Portugal, que nos princípios do século XVIII ostentava "o esplendor barroco
da corte joanina e o fanatismo devoto", sustentados financeiramente pela enxurrada aurífera

94 I d em, p p . 371-373.
95 Marques, o p . cit ., v.1, p ag. 404. Ver t amb ém F alco n , D e s po ti s m o E s c lare c i do , São
P aulo , Br asilien se, 1987.
96 An t ó n io Leit e, " A id eo lo gia p o m b alin a: d esp o t ismo esclar ecid o e r egalism o " in VV.AA.,

Co m o i nte rpre tar P o m bal? Lisb o a/ Bro t ér ia; P o r t o / Livrar ia A.I ., 1983, p ag. 31.
59

advinda do Brasil. A contraposição a tal estado de coisas traduz-se no fenômeno do


estrangeiramento, isto é, uma outra perspectiva adquirida por lusitanos que, em contato com
outras nações, idéias, e realidades européias, quer através de estadias e missões diplomáticas,
ou através do contato com estrangeiros, contraiam idéias e atitudes diversas da maioria
comum de então. O choque entre a abertura de visão dos estrangeirados e os castiços era
inevitável. Estes, por sua vez, acreditavam

" n um a id en t id ad e p o rt uguesa ' n at ural' , legível n a t r ad ição , p eran t e a


qual a ún ica at it ud e p o lít ica legít ima era a d e um a co n t ín ua
m o r iger ação , ist o é, uma p erm an en t e vigília co n t ra a in o vação
co n t r an at ur a (n as leis, n o s co st umes, n o s t r ajes) e d e um co n st an t e
esfo r ço d e r ep r ist in ação d e um a id en t id ad e - r acial, cult ur al e p o lít ica
- p rimeva, a d o ' est ilo sever o p o r t uguês an t igo ' " 98.

O iluminismo luso nasceu da união de pessoas que representavam uma


corrente de idéias - ainda em formação, quando do reinado de D. João V - "visceralmente
hostil ao provincianismo cultural e político, ao império da escolástica e ao terrorismo
inquisitorial"99, características do casticismo. A partir daí, ensaiaram-se as tentativas de
penetração deste pensamento no seio da sociedade portuguesa, com base em reformas nas
ciências, na educação, na medicina e na justiça. Neste processo destacaram-se, por um lado, a
Academia Real de História Portuguesa (fundada em 1720), que incentivava a pesquisa e o
progresso em diversos campos do conhecimento, como as artes, engenharia e medicina; e, por
outro, os oratorianos no campo da educação100, quebrando o monopólio jesuítico, porém não
o eclesiástico.

No plano econômico, o governo pombalino optou pela adoção de uma política


mercantilista de caráter monopolista. Para livrar Portugal do jugo do comércio inglês e
recuperá-lo do baque sofrido com a queda da produção aurífera brasileira, Pombal investiu no
equilíbrio da balança comercial através do incremento das exportações e controle das

97 Mar ques, o p . cit ., v. 1, p ag. 403.


98 H i s tó ri a de P o rtug al, vo l. 3, p ag. 19.
99 F alco n , A É po c a..., p p . 203-204.
100 O p r est ígio d o s o rat o r ian o s, d evemo s lem b rar , vin h a já d esd e o rein ad o d e D . Jo ão V.

P o mb al p er seguiu a co n gr egação d o O r at ó r io d evid o à sua o p o sição ao regalismo .


60

importações - procurando, para suprir a escassez de bens industrializados da Inglaterra,


incentivar a indústria nacional. Pombal também recorreu à constituição de companhias de
comércio privilegiadas (Companhia do Oriente, fundada em 1753; do Grão-Pará e Maranhão,
em 1755; de Pernambuco e Paraíba, em 1756) para reforçar o comércio com as colônias e
reestruturar o sistema colonial que, como foi notado, achava-se abalado desde o fim do
reinado de D. João V101.

O mercantilismo monopolista adotado por Pombal deve ser entendido no seio


do processo de incremento do poder do Estado encetado pelo Marquês. Devido a este caráter
do desenvolvimento econômico, o Estado tornou-se parceiro comercial por excelência, o que
fica patente no caso das companhias de comércio, onde são firmadas alianças entre o Estado e
o capital burguês mercantil, notadamente cristão-novo.

Co n t ud o , n a segun d a m et ad e d o século XVI I I o s o r at o r ian o s r ealm en t e o b t iveram êxit o


n o magist ér io .
101 Mar ques, o p . cit ., v. 1, p p . 386-387.
61

- . . . E Su b ju g a r as O p o s i ç õ e s .

Como temos demarcado, as ações concretas de Pombal, no sentido de realizar


a inserção de Portugal no concerto das nações do século XVIII, são de reafirmação do poder
real, reorganização do Estado e recrudescimento dos laços coloniais, através de uma maior
circulação comercial e arrecadação fiscal102. Para tal empreitada, Pombal devotou-se à
eliminação de qualquer oposição ao fortalecimento do poder real, fosse ela oriunda de pessoas,
grupos ou instituições, servindo-se de diversas estratégias, que às vezes chegavam à rude
violência. Na esfera da política interna Pombal empenhou-se sobretudo em três frentes de
ação, visando a nobreza, o clero e a burguesia mercantil.

A mais imediata batalha de Pombal foi travada contra a aristocracia senhorial.


Este setor da nobreza, tradicional porque possuidor de antigas linhagens que remontavam à
mais pura nobiliarquia lusitana, estava diretamente ligado à posse da terra e dos mais altos
cargos administrativos e eclesiásticos. Devido a esta predominância, este grupo veio sofrendo,
desde o início do período pombalino, uma política sistemática de humilhações e intrigas por
parte do Marquês, que esperava apenas uma oportunidade para dobrar definitivamente tão
incômodos adversários.

Assim foi com a campanha contra os "puritanos", setor fechado da alta


nobreza que prevalecia-se da pureza de sua linhagem, atestada pelo fato de que estavam todos
ligados ao Santo Ofício através da familiatura, o que, devido aos meticulosos exames
genealógicos exigidos era prova de "limpeza de sangue", além de oferecer ao seu titular grande
status social e privilégios comuns ao cargo103. Alexandre de Gusmão porém, mostrou através
de pesquisas genealógicas, que até mesmo este grupo não estava livre de possuir em suas veias

102F alco n , A É po c a..., p ag. 374.


103 D an iela Buo n o Calain h o , E m N o m e do Santo O fí c i o , D issert ação d e Mest r ad o
ap resen t ad a à Un iver sid ad e F ed eral d o Rio d e Jan eiro , 1992, p ag. 31.
62

sangue cristão-novo, pondo assim por terra a arenga de pureza genealógica feita pelos assim
chamados "puritanos"104.

Há, entre os estudiosos do período pombalino, quem explique esta campanha


contra a nobreza tradicional através dos rancores de um passado ligado à pequena nobreza,
por parte do Marquês105. Todavia, por trás deste rancor de classe, deve ser lembrado o fato de
que a aristocracia tradicional, desde o início do reinado de D. José, votou contra o Marquês
reformador e seus colaboradores uma indisfarçada hostilidade, na medida em que as reformas
em prol do reforço do poder do rei iam direto contra a autonomia e prestígio político que
desfrutavam tais nobres106. Por outro lado esta nobreza, que governava Portugal através da
corte, do sistema educacional e dos privilégios no comércio com o Brasil, apresentava-se agora
como opositora a Pombal. Este, por sua vez, era um baluarte da promoção, ainda que um
tanto tardia em relação ao resto da Europa, da burguesia, na opinião de José Augusto
França107.

Porém, como foi assinalado, Pombal esperava uma oportunidade para


desfazer-se do incômodo que esta nobreza senhorial trazia. A chance veio através de um
atentado que feriu o soberano em 1758 - afastando de vez D. José das decisões do reino e
oferecendo a Pombal uma oportunidade ímpar de aplicar profundo golpe na nobreza. Após
rumoroso processo que passou à história como o "dos Távora", e que durou três meses, foram
levados ao cadafalso o Duque de Aveiro, a Marquesa e os Marqueses (pai e filho) de Távora, o
Conde de Autouguia e diversos serviçais das casas de Aveiro e Távora, uma vez que Pombal
conseguira implicá-los no crime de lesa-majestade. Além disso, diversos outros nobres foram
presos ou fugiram, por causa das repercussões do caso. Ao ceifar a fina-flor da aristocracia
tradicional em espetáculo sangrento em praça pública, Pombal consegue dobrá-la. E
aproveitando a oportunidade oferecida pelo processo, procurou implicar os jesuítas no
complô, o que não se sustentou por absoluta falta de provas108. A nobreza de corte que restara

104 F alco n , A É po c a..., p ags. 325 e 377.


105 Co mo é o caso d e uma b ió grafa d e P o mb al. Ver August in a Bessa-Luís, Se bas ti ão Jo s é ,
Rio d e Jan eir o , N o va F r o n t eir a, 1990.
106 F alco n , A É po c a..., p ag. 377.
107 Jo sé August o F r an ça, Li s bo a P o m bali na e o I lum i ni s m o , Lisb o a, Livr ar ia Bert r an d ,

s.d ., p ags. 228 e 232.


108 Mar ques, o p . cit ., v.1, p ag. 418; Visco n d e d e Carn axid e, O B ras i l na Adm i ni s traç ão

P o m bali na, São P aulo / Co mp an h ia E d it o r a N acio n al; Brasília/ I n st it ut o N acio n al d o


Livr o , 1979, p ag. 11 e F alco n , A É po c a..., p p . 377 ss.
63

de tal expurgo, segundo um irado Visconde de Carnaxide, "incensava o Conde de O eiras com
baixa e servil bajulação", mostrando assim sua submissão a Pombal109.

Tal golpe na nobreza tradicional da dinastia de Bragança foi sucedido pela


promoção de uma nobreza renovada, oriunda dos escalões de funcionários burocráticos, mais
aptos ao novo estilo e ritmo do Estado pombalino; da pequena nobreza,de onde o próprio
Pombal saíra, devemos lembrar, e dos setores mercantis. Inclusive, um indício significativo da
nova importância da burguesia mercantil no jogo de poder é o enobrecimento da atividade
comercial, firmado em alvará de 1757110.

A nobreza tradicional foi decaindo em importância e prestígio, e Pombal


encarregou-se de perseguir e dizimar os dois grupos que ainda possuíam alguma força: os
fidalgos rurais -muitos deles voluntariamente exilados no campo, por ocasião das perseguições
movidas por Pombal - e a aristocracia envolvida com negócios e cargos ultramarinos. Desta
forma, assistiu-se a uma ampla renovação dos quadros aristocráticos, durante o reinado de D.
José. Nos vinte e sete anos que durou tal governo, foram outorgados 23 títulos novos, e
extintos outros tantos. Segundo Oliveira Marques, "de uns 70 títulos existentes em 1750,
foram renovados 23"111.

Outra frente da ação pombalina consistiu nos embates contra o clero. Dado o
peso da Igreja, dominante em todos os campos da sociedade portuguesa, era de se esperar a
ocorrência de tal conflito. Afinal, a autonomia do clero e o sucesso de sua atuação, presente
com eficácia desde os mais microscópicos níveis da sociedade, como as comunidades e
famílias, até o âmbito das relações internacionais, devia-se aos diversos privilégios que possuía,
e que lhe valiam posição preponderante na estrutura social portuguesa. O poder da Igreja
chegava a tal ponto que sobrepujava, em termos de identificação, o da nacionalidade:

" ' P o rt uguês' e ' cat ó lico ' t o r n am-se (...) id en t id ad es in sep aráveis. Mas,
co mo o s m eio s d e p r o d ução d a id en t id ad e cat ó lica er am muit o m ais
eficazes e ab ran gen t es d o que o s m ecan ism o s d e p r o d ução d e um a

109 Car n axid e, o p . cit ., p ag. 15.


110 Co le c ç ão das Le i s , D e c re to s e Alvarás que Co m pre e nde m o F e li z Re i nado de l Re y
F i de li s s i m o D . Jo s é I N o s s o Se nho r, Lisb o a, n a O fficin a d e Miguel Ro d r igues, 1771,
t o mo I .
64

id e n t id ad e ge n t ílic a (nationalis) o u r e in íc o la, o q u e s e p as s ava e r a q u e ,


d e f at o , a c at o lic id ad e m in ava c o n t in u am e n t e e s t as ú lt im as " 112.

O clero possuía grande autonomia, advinda de sua elaborada e rígida rede


organizacional. Contava com justiça própria, isenções fiscais, isenção do serviço militar; suas
propriedades eram consideradas locais de imunidade, para efeitos de justiça comum. A Igreja
era, por sua vez, extremamente rica, dominando terras e cidades, como propriedades
eclesiásticas ou como senhorios, na Metrópole e nas colônias; dominava a educação,
moldando "as formas de pensamento características da ideologia dominante", que continha a
marca do clericalismo113. Somado a estes fatores, vem o fato de que a alta cúpula do clero
constituía-se num "braço" eclesiástico da aristocracia, uma vez que a grande parte dos seus
membros originava-se de casas nobres, continuando, assim, em uma outra esfera, os embates
de Pombal contra esse grupo114.

Para reduzir a influência do elemento clerical e manietá-lo ao seu esquema de


poder, Pombal fez uso de um regalismo exacerbado, que reafirmava as prerrogativas do
monarca como mantenedor do bem estar espiritual dos seus súditos. Na própria
documentação real, o soberano apresenta-se como "protetor e defensor" da Igreja nos reinos e
senhorios de Portugal, colocando o Trono acima de todas as outras instituições, enquanto
guardião da paz e bem-estar social, afirmando que

" ...co m o Rei, Sen h o r So b eran o , que n a t em p o ralid ad e n ão r eco n h ece


n a t err a sup erio r , t o d a a livr e in d ep en d ên cia, sem a qual n em a
Mo n ar quia, n em a so cied ad e civil d o s p o vo s, que à s o m bra do tro no
de ve m g o z ar de tranqüi lo s o s s e g o , n em ain d a o mesmo est ad o
eclesiást ico p ud er am at é ago ra, n em p o d er ão sub st it uir ..." 115.

A questão, aqui, era de secularização do poder. Havia que se defender a


autonomia da Coroa face à Igreja, cujo poder era imenso. O que estava em jogo, então, era a
rejeição a uma "concepção sacral da sociedade, isto é, a visão da sociedade civil à imagem e

111 Mar ques, o p . cit ., v. 1, p p . 396-397.


112 H i s tó ri a de P o rtug al vo l. 3, p ag. 21.
113 Cit ação d e F alco n , A É po c a..., p ag. 81. Ver t amb ém H i s tó ri a de P o rtug al, vo l. 3,

p ag. 287.
114 E n t r e 1701 e 1750, cer ca d e um t er ço d o s filh o s d a n o b reza, t an t o h o m en s quan t o

mulh eres, in gressava n a vid a eclesiást ica. Ver H i s tó ri a de P o rtug al, vo l. 3, p p . 366-
367.
115 Lei d e 2/ 04/ 1768, in Co le c ç ão das Le i s ..., t o mo I I . G rifo m eu.
65

semelhança da sociedade eclesiástica (...) a visão do Estado como braço secular da Igreja"116.
Tratava-se, em outras palavras, do processo de secularização da sociedade temporal, da
redefinição das relações entre sacerdotium e imperium, com a proeminência e tutela deste
último sobre o primeiro.

O regalismo pombalino, de pleno acordo com sua práxis política, visava retirar
o máximo possível da influência do papado sobre a Igreja portuguesa, subordinando-a
diretamente à tutela da Coroa. Este processo levou, inclusive, a episódios extremos como a
expulsão do Núncio Apostólico de Portugal e, conseqüentemente, à ruptura de relações com a
Santa Sé, em 1760. Este regalismo por pouco não acarretou a constituição, em Portugal, de
uma Igreja nacional de direito (porque o foi de fato), que fosse submetida ao rei e
independente administrativamente do papado. O estudioso António Leite atribui tal regalismo
a uma influência da política religiosa de Inglaterra, onde Pombal estivera a serviço dos
negócios portugueses, entre 1738 e 1744, bem como à influência do Jansenismo, corrente
contrária à dos jesuítas, a quem acusavam de laxismo moral. Os jansenistas também eram
adeptos de doutrinas regalistas, sendo hostis ao papado117.

Os fatos evidenciam a estratégia do primeiro-ministro de D. José, que era de


eliminar a influência e autonomia política do clero em seu sentido mais amplo, imprimindo um
ritmo mais intenso ao processo de secularização do Estado português. A idéia de Pombal era
submeter de fato a Igreja à Coroa, o que encontra interessante marco na elevação do Tribunal
do Santo Ofício à categoria de Majestade, através do Alvará de 20 de maio de 1769, que
eqüivaleu à total submissão da Inquisição como aparelho de Estado118.

Para esvaziar o poder do clero, Pombal procurou dividi-lo internamente,


investindo nas rivalidades entre as ordens religiosas;fortaleceu o poder do episcopado em
detrimento de sua obediência à Roma, subordinando-o à Coroa através de nomeações régias;
procurou esvaziar financeiramente a Igreja (vide o confisco de bens da Companhia de Jesus,
após sua expulsão de Portugal), o que seria providencial face ao estado combalido em que se
achavam as finanças da Coroa; suprimiu em grande parte a abrangência do sistema

116 Jo sé Seb ast ião d a Silva D ias, " P o mb alism o e t eo r ia p o lít ica" in Cultura, H i s tó ri a e
F i lo s o fi a, vo l. 1, 1982, p ag. 48.
117 Leit e, o p . cit ., p p . 38-43.
118 Co le c ç ão das Le i s ..., t o mo I I .
66

educacional religioso, retirando primeiro aos jesuítas, e depois aos eclesiásticos em geral, o
monopólio da educação e cultura em Portugal, entre outras medidas119.

A última frente de ação diz respeito à burguesia mercantil, que Pombal tratou
de promover. A promoção desta parcela da sociedade estava ligada diretamente ao esforço
pombalino para retirar a economia portuguesa do jugo inglês, consolidado pelo tratado de
Methuen (27/ 12/ 1703), em que Portugal comprometia-se a fornecer, com exclusividade,
vinhos em troca da mesma exclusividade na compra dos bens manufaturados ingleses120. O
tratado dava o monopólio de tráfico e carregamento à marinha britânica, que influía mesmo
nas viagens entre os portos portugueses, tornando Portugal e suas colônias uma grande
feitoria britânica121.

A ação prática de Pombal consistiu em reduzir ao máximo possível o poderio


comercial inglês, através de restrições as mais diversas. Incentivou e protegeu a indústria lusa,
cujo desenvolvimento, originado com a crise econômica de finais do século XVII e guiado
principalmente pelo pensamento colbertista de Duarte Ribeiro de Macedo, em seu Discurso
Sobre a Introdução das Artes no Reino (1675), foi porém cerceado graças ao fim da crise
econômica (1692) e a descoberta de ouro no Brasil (1693-1695)122. Pombal procurou
incrementar o desenvolvimento das indústrias já existentes, como a dos lanifícios, e introduziu
em Portugal outras novas, como a de refino de açúcar123. No âmbito comercial, procurou
monopolizar o comércio interno e ultramarino, através da utilização da prática mercantilista de

119 F alco n , A É po c a..., p p . 407-408.


120 Co le c ç ão do s T ratado s , Co nve nç õ e s , Co ntrato s e Ato s P úbli c o s Ce le brado s E ntre
a Co ro a de P o rtug al e as Mai s P o tê nc i as D e s de 1640, Lisb o a, I m p ren sa N acio n al,
1856-1858, 8 vo ls., vo l. 2, p p 192-207.
121 D iverso s aut o r es co n co r d am em que o d o mín io in glês fo i um d o s p rin cip ais mo t ivo s

p ara as r efo r mas p o mb alin as. Assim d escreve o Visco n d e d e Car n axid e: N ão fo i o
im p ulso co n st r ut ivo a mo la que imp eliu a quase t o t alid ad e d est as r efo r mas. O que as
d et er m in o u fo i o d esejo d e co rt ar, ao s in gleses, a in fluên cia que t in h am so b r e o n o sso
co m ércio , e ao s jesuít as, o d o m ín io que exerciam so b re a co n sciên cia p úb lica , o p . cit .,
p ag.2. P en so que, ao in vés d e jesuít as , ser ia m ais acert ad o o uso d a exp ressão
clero . O h ist o r iad o r Jo ão Lúcio d e Azeved o t am b ém at rib ui p ap el fun d am en t al ao
d o mín io in glês: P ô r t er mo a est a fo r çad a vassalagem d a n ação ao co mér cio b rit ân ico
(...) fo i o p en sam en t o d o m in an t e d e Seb ast ião Jo sé d e Car valh o , n a sua p o lít ica
eco n ô m ica , É po c as de P o rtug al E c o nô m i c o , Lisb o a, Livr aria Clássica E d it o r a, 1973,
cap ít ulo VI I e p ag. 432.
122 Mar ques, o p . cit ., p p . 380-382.
123 Azeved o , o p .cit ., p ag. 432.
67

companhias de comércio - isto tudo, como seria de se esperar, sob veementes reações de
comerciantes e diplomatas ingleses.

O que nos interessa, neste momento, é o fato de que esta política de Pombal
levou a uma ascensão da burguesia lusitana - mais sensivelmente em seu setor mercantil - que,
embora não tomasse aos estrangeiros a hegemonia do comércio exterior, passou a ter uma
importância que não tivera até então124. Dentro da estratégia pombalina, a burguesia mercantil
atuava como parceira do Estado, injetando capital (principalmente) nas companhias de
comércio. A burguesia, desta maneira, foi protegida e incentivada pelo Estado, o que pode ser
percebido através do alvará de 5 de janeiro de 1757, que eleva ao enobrecimento a atividade
comercial125. E, no âmbito desta proteção à burguesia, estava inserida uma política de
tolerância face a endinheirado setor que corria para o exterior, devido à acirrada repressão
inquisitorial: os cristãos-novos. É com o fito de proteger o elemento converso da burguesia
que Pombal lança mão de uma legislação protecionista, que será em momento oportuno
analisada. Por ora basta afirmar que esta legislação tem como marcos o Alvará de 2 de maio de
1768, que ordena a destruição das fintas dos cristãos-novos (que constituíam fator gerador de
infâmia e mácula genealógica) e a Carta de Lei de 26 de maio de 1773, onde é abolida a
distinção entre cristãos-novos e velhos126. Obviamente a segregação e o preconceito não
desapareceram, continuando presentes, embora de forma escamoteada, no cotidiano
português127. Vale notar apenas mais um fato significativo: esta legislação tolerante -
principalmente a lei de 1773 - ocorre justamente num momento em que a ascensão da
burguesia, inclusive com sua parcela cristã nova, gera fortes reações entre o setor aristocrático.
É Pombal, mais uma vez, a afrontar a nobreza.

Eis aqui, sumariamente expostos, os dados gerais e as linhas-mestras da ação


pombalina: submissão da nobreza e do clero, ascensão da burguesia, combate ao domínio
comercial inglês, combate à crise econômica. Para tamanho esforço, Pombal aumentou o
poder do rei - o que, no fundo, significava aumentar seu próprio poder - e
eliminou/minimizou quaisquer resistências.

124 Mar ques, o p .cit ., p p . 400-401.


125 Co le c ç ão das Le i s ..., t o mo I .
126 I d em, t o mo s I I e I I I .
127 F alco n , A É po c a..., p ag. 368.
68

Podemos concluir, então, que a política pombalina, no afã de modernizar o


Estado português, procurou lançar mão, paradoxalmente, de elementos arcaicos, tais como o
mercantilismo colonial monopolista, e modernos - assim eram as idéias e a práxis iluministas
que guiaram o Marquês e seus colaboradores.

O mercantilismo e a ilustração - dois conceitos que, a princípio, soam


antagônicos - foram as pedras de toque da política pombalina de modernização, unindo o
arcaico ao moderno. E é nesse contexto que devemos inserir o progressivo controle da
Inquisição por parte de Pombal.

II - PO MBAL, O S JE SUÍTAS E A IN Q UISIÇÃO

Vimos, em linhas gerais, o projeto regalista de Pombal em relação à Igreja.


Observamos algumas etapas deste processo, bem como umas poucas estratégias de ação do
Marquês, além de notarmos a enorme importância e peso do clero no Portugal que seria
reformado.

Encetaremos, doravante, a análise de dois aspectos cruciais da política


pombalina em relação à Igreja - análise esta que será de fundamental importância para que
69

melhor se entenda a contextualização da visitação inquisitorial ao Grão-Pará. O s dois aspectos


que estudaremos são: a aniquilação da Companhia de Jesus, e a submissão do Santo O fício ao
aparelho de Estado.

- Co ntra o s Je s uítas

Bastante controverso, dentro da historiografia pombalina, é o

tema da campanha de aniquilação da Companhia de Jesus. E xistem diversas

explicações para os motivos de tal supressão, que variam de pesquisador a

pesquisador - nuances estas motivadas, inclusive, por filiações e posturas

ideológicas e religiosas.

Francisco Falcon enquadra a luta contra os jesuítas em uma

estrutura ampla, que abrange o nível político-cultural-ideológico. Segundo

Falcon, a querela antijesuítica expressa a rejeição ao domínio da I greja - que,

como foi visto, tinha em seu corpo dirigente um "braço clerical" da

aristocracia - em todos os níveis, principalmente o político. Representou

ainda o enfrentamento da "nova ordem" pombalina, secularizada e ilustrada,

contra a "velha ordem" lusa, clerical até a medula, típica do "atraso" em que

vivia Portugal:

" O co m b at e an t ijesuít ico fo i a lut a em p r o l d a afir mação d e um a


aut o r id ad e real, civil, laica, so b r e uma aut o r id ad e eclesiást ica que
vier a at é en t ão m an t en d o e am p lian d o sua in fluên cia e seu co n t ro le,
d o s mais co mp let o s p o r sin al, p o r in t er méd io d e seus h o m en s e d e
suas id éias, so b r e a so cied ad e e o E st ad o , mo ld an d o -o s à sua
imagem, p lasm an d o -o s segun d o seus p rin cíp io s, sua id eo lo gia, e
70

m an t e n d o v igilân c ia in c e s s an t e c o n t r a t o d o s e c o n t r a t u d o q u e s e
c o n s t it u ís s e e m am e aç a a u m a t al h e ge m o n ia" 128.

Seguindo, pois, as idéias de Falcon, conclui-se que o problema

era a eliminação do difusor de um modelo mental/ ideológico/ cultural

arcaico, que suprimia a possibilidade modernizadora em Portugal. I gualmente

digno de nota é o fato de que o E stado redefinia sua posição, impondo-se à

mentalidade dominante, fazendo com que os conflitos, paulatinamente,

crescessem em intensidade. E sta foi uma decorrência natural do processo de

secularização do E stado e sociedade lusos, iniciado ainda no reinado de D .

João V e enfatizado no reinado de D . José I .

Segundo o estudioso António Leite, o motivo da campanha de

supressão à Companhia de Jesus teria sido a

" o p o sição que so b ret ud o aqueles r eligio so s man ifest avam co n t r a as


id éias men o s o r t o d o xas, o u mesm o fran camen t e h et er o d o xas d o s
jan sen ist as e d o s r egalist as" 129.

Trata-se aqui, certamente, de resistência à política do E stado

para com a I greja.

A Companhia de Jesus, realmente, ramificava suas atividades e

constituía-se em elemento de peso nos mais variados aspectos da sociedade

portuguesa. A começar por uma notável proeminência no campo da educação,

onde a ordem era senhora absoluta até 1708, ano em que, por concessão

régia, foi reconhecido às escolas oratorianas o mesmo s tatus desfrutado

pelos colégios jesuíticos. N ão obstante tal fato, o peso da Companhia de

128 I d em,p p . 424-425.


129 Leit e, o p . cit ., p ag. 53.
71

Jesu s n a ed u cação co n t in u ava a ser p r ed o m in an t e n o P o r t u gal d o sécu lo

X VI I I . A o r d em co n t in u ar ia, ain d a p o r algu m t em p o , p lasm an d o a fo r m ação

cu lt u r al e in t elect u al d as elit es p o r t u gu esas.

As r eaçõ es m ais en ér gicas - e efet ivas - ao gr an d e p o d er d e fo go

d o s in acian o s n o q u e t an ge ao b in ô m io ed u cação / cu lt u r a t iver am lu gar

d u r an t e o p er ío d o p o m b alin o . E m co n t r ap o sição ao esq u em a p ed agó gico

jesu ít ico , P o m b al ad o t a o Ve rd ad e i ro M é to d o d e E s tu d ar, d o P e. An t ô n io

Ver n ey (u m ex-in acian o q u e en gr o ssar a as fileir as d o O r at ó r io ), cu ja p r o p o st a

é d e u m a ed u cação lib er al, eclét ica e cr ist ã - b em d e aco r d o co m a t em át ica

o r at o r ian a, e d iver gen t e d a jesu ít ica. F o i est e p r im eir o ch o q u e q u e ab r iu

p assagem p ar a u m co m b at e m ais efet ivo à Co m p an h ia. N as p alavr as d e

F alco n , " o q u e est ava em jo go (...) er a a q u est ão d e sab er q u em , afin al d e

co n t as, a I gr eja o u o E st ad o , d et er m in ar ia o s m ét o d o s e o s co n t eú d o s d o s

p r o cesso s ed u cat ivo s" 130. E ssa ruptura representou a derrocada de um grupo

de intelectuais, sintonizado com a aristocracia senhorial, e que deveria ser

substituído por outro, mais de acordo com o novo perfil do E stado luso.

Falcon lembra a importância deste embate pelo controle da educação, pois

este consistia "a base (...) da formação das mentalidades, mais ainda, da

formação dos intelectuais: os dois aspectos a serem transformados, uma vez

libertos da tutela dos jesuítas" 131.

E foi a partir do choque no campo da educação que o combate

antijesuítico adquiriu maior extensão, partindo para outros aspectos - o

130 F alco n , A É po c a..., p ag. 209.


131 I d em, p ag. 430.
72

p o lít ico e o eco n ô m ico . N o q u e d iz r esp eit o a est e ú lt im o , a o r d em er a u m a

p o t ên cia d e p r im eir a gr an d eza. Seu s b en s, en t r e m ó veis e im ó veis, so m avam

cab ed al co n sid er ável, t an t o n o r ein o q u an t o n as co lô n ias. N est as, in clu sive, a

p r o sp er id ad e d a o r d em er a m aio r ain d a, o q u e p o d e ser at est ad o p ela gr an d e

q u an t id ad e d e en gen h o s, fazen d as e ald eam en t o s co n t r o lad o s e exp lo r ad o s

p elo s in acian o s 132. Tal bonança material trazia, a reboque, considerável

influência política - tanto no reino quanto nas colônias, obviamente. E m

Portugal, esta influência reflete-se no singular fato de que foi com a ajuda do

confessor real, pe. José Moreira - um jesuíta - que o futuro Marquês de

Pombal (então o ainda semi-obscuro Sebastião José de Carvalho e Melo)

entrou, em 1750, para o serviço da Coroa 133. N o Brasil, o poderio secular da

Companhia de Jesus é traduzido pelas queixosas palavras do governador do

estado do G rão-pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, ao

seu irmão - que era ninguém menos que o próprio primeiro-ministro de D .

José I . Furtado escrevera que os religiosos "se fizeram senhores absolutos

deste grande estado" e que "cada religião [i. e., ordem religiosa] destas forma,

em si mesma, uma república" 134 emperrando, destarte, o progresso material e

a colonização daquela região. Já havia passado o tempo em que a milícia dos

Soldados de Cristo agia em sincronia com os interesses da Coroa portuguesa,

132 Um ligeir o p ar ên t esis: n o G r ão -P ar á d o século XVI I I , d est o an d o d a p o b r eza ger al d o s


co lo n o s, en co n t ra-se a p r o sp er id ad e d as t er r as jesuít icas, cujas ald eias e fazen d as eram
as ún icas emp r esas a p r o gred ir em efet ivam en t e n aquele r in cão d a co lô n ia. Ap en as n o
G r ão -P ar á - o n d e a in fluên cia d a Co mp an h ia d e Jesus mais se fazia sen t ir -, à ép o ca d a
exp ulsão , em um levan t amen t o p ar cial, o s jesuít as p o ssuíam 25 fazen d as d e gad o , 3
en gen h o s e uma o laria (sem co n t ar as r en d as ad vin d as d o s ald eamen t o s). Cf. Man o el
N un es D ias, " E st r at égia " p o m b alin a d e ur b an ização d o esp aço amazô n ico " in Co m o
I nte rpre tar P o m bal?, p p . 321-323. E st e asp ect o d a quest ão jesuít ica ser á an alisad o
mais d et alh ad am en t e em cap ít ulo p o st er io r .
133 H élio d e Alcân t ara Avellar , H i s tó ri a Adm i ni s trati va do B ras i l, D ASP - Cen t r o d e

D o cumen t ação e I n fo r mát ica, 1970, vo l. V, p p . 18-19.


73

co lo n izan d o alm as e t er r as: o s jesu ít as, n est es n o vo s t em p o s, t o r n ar am -se

p er igo so s co n co r r en t es e ad ver sár io s d o E st ad o lu sit an o .

P o m b al en cet o u , en t ão , u m a gu er r a sem q u ar t éis co n t r a a

Co m p an h ia d e Jesu s q u e, d e aco r d o co m d iver so s est u d io so s, t eve seu in ício

co m a r esist ên cia ap r esen t ad a, p o r p ar t e d o s in acian o s, ao T r at ad o d e Mad r i,

fir m ad o em 1750 co m a E sp an h a, e q u e d em ar cava as fr o n t eir as ao su l d o

Br asil, e q u e r en d eu u m co n flit o ar m ad o en t r e o s d o is p aíses 135. A partir deste

episódio, nota-se o surgimento de uma política de descrédito e

enfraquecimento paulatinos dos jesuítas. Assim é que Pombal procurará

implicar os inacianos em qualquer ato de desordem social, como os distúrbios

populares ocorridos no Porto, em 1757. Mas a querela só assumiu ares de

guerra declarada após a tentativa de regicídio em 1758 - quando Pombal

tentou, infrutiferamente, ligar os inacianos ao atentado 136.

A campanha nsistiu no emprego de uma legislação opressiva,

bem como no uso de uma incansável máquina de propaganda. E clesiásticos e

intelectuais ligados a Pombal produziram uma verdadeira enxurrada de cartas,

opúsculos, panfletos e livros onde atacavam a Companhia de Jesus de todas

as maneiras possíveis. O monumento maior desta campanha difamatória é

sem dúvida a obra intitulada D e duç ão Cro no ló g ic a e Analític a (1767-1768),

134 Mar co s Carn eir o d e Men d o n ça (co mp .), A Am az ô ni a na É po c a P o m bali na, t o mo 3ª,
Rio d e Jan eir o , I H G B, s.d ., p ag. 154.
135 Co lle c ç ão do s T ratado s ..., vo l. 3. D en t r e o s est ud io so s que co n co rd am co m a id éia d e

a r esist ên cia ao t r at ad o d e limit es est ar n a gên ese d a quer ela an t ijesuít ica, ver a o b r a d o
Visco n d e d e Carn axid e, já cit ad a, p ag. 16; Avellar , o p . cit ., p p . 25-26; An t ó n io Leit e,
o p . cit ., p ag. 50.
74

d e Jo sé d e Seab r a e Silva, cu ja au t o r ia, p o r ém , é p o r vezes at r ib u íd a ao

p r ó p r io P o m b al, co m a aju d a d e co lab o r ad o r es 137.

N o campo das medidas de efeito mais imediato e prático, Pombal

retirou aos missionários do N orte do Brasil - dos quais a esmagadora maioria

era de jesuítas - a jurisdição temporal sobre as aldeias indígenas, tolhendo-os

também dos benefícios advindos da intermediação do comércio com os

indígenas (o que significou minar economicamente a Companhia). N o mesmo

ano em que retirava este poder aos jesuítas - para utilizarmos de maior

precisão, é no mesmo dia (6 de junho de 1755) -, Pombal instituiu a

Companhia G eral do G rão-Pará e Maranhão, com o fito de bloquear a

atividade comercial dos religiosos, bem como incrementar a colonização e o

progresso material da região N orte do Brasil, cuja situação precária dera ao

seu governador motivos para tantas queixas 138.

O próximo grande golpe ocorre também em terras do N orte

brasileiro - grande palco da rixa entre Pombal e a Companhia de Jesus,

justamente por ser este o local onde o poder desta última mais resistências

opunha à Coroa portuguesa. Ao mesmo tempo em que tomou aos inacianos a

administração temporal dos aldeamentos indígenas, através da lei de

6/ 6/ 1755, Pombal implementou uma política de substituição do modelo de

organização social jesuítico, que é manifestada através do D ire c tó rio do s

136 O Visco n d e d e Car n axid e é quem t r at a d o assun t o em t erm o s d e guerr a d eclar ad a. Ver
o p . cit ., p ag. 16.
137 D e duç ão Cro no ló g i c a e Analí ti c a, d ad a à luz p elo D r . Jo sé Seab r a d a Silva, Lisb o a,

O fficin a d e Miguel Man escal d a Co st a, 1767-1768, 3 vo ls.


138 Leis d e 6 e 7/ 6/ 1755 in Co le c ç ão das Le i s ..., t o mo I .
75

Í n d i o s d o Grão - P a rá e M aran h ão 139. N este D ire c tó rio está o programa de

"saneamento" das antigas aldeias jesuíticas, a começar pelo seu próprio

s tatus : as aldeias devem ser transformadas em vilas, e devem ter o governo

entregue aos chefes indígenas, auxiliados "pelos juízes ordinários, vereadores

e mais oficiais de justiça" 140; o uso da língua geral deve ser proibido, ficando

os índios obrigados a aprender o português - procurando acabar, assim, com

o monopólio da comunicação com os índios exercido pelos jesuítas 141, entre

outras medidas.

Após retirar dos religiosos a administração temporal dos

aldeamentos indígenas - mão-de-obra cuja exploração levou a um conflito

protagonizado pelos inacianos, de um lado, e os colonos (representados por

Francisco Xavier de Mendonça Furtado) de outro 142 -, Pombal, através de lei

de 3 de setembro de 1759, expulsa a Companhia de Jesus do reino de

Portugal e colônias, assegurando para o combalido erário real os bens

confiscados à ordem, que são

" T o d o s o s b en s t emp o r ais co n sist en t es em mó veis (n ão d ed icad o s


imed iat amen t e ao cult o d ivin o ), em mer cad o rias d e co mércio , em
fun d o s d e t er r as, e casas, e em ren d as d e d in h eiro s" 143.

Aquisição esta deveras importante, dada a riqueza dos inacianos

tanto em bens móveis quanto imóveis, e as dificuldades pelas quais passava o

tesouro real, esvaziado com o decréscimo da produção aurífera brasileira e

139 D i re c to ri o que s e de ve o bs e rvar nas P o vo aç õ e s do s I ndi o s do P ará, e Maranhão


e nquanto Sua Mag e s tade não m andar o c o ntrári o , Lisb o a, n a O fficin a d e Miguel
Ro d r igues, 1758. H á um exemp lar in ser id o em Co le c ç ão das Le i s . . . , t . I .
140 I d em, p ag. 1.
141 I d em, p p . 4-5.
142 F alco n , A É po c a..., p ag. 379.
143 Alvar á d e 25/ 12/ 1761, in Co le c ç ão das Le i s ..., t . I I .
76

co m as su cessivas d esvan t agen s ad vin d as d a d esigu al r elação co m er cial an glo -

lu sit an a q u e est ava, n as p alavr as d e J. Lú cio d e Azeved o , " n o sign o d e

Met h u en " ; aliad o s a excessivo s gast o s d a p r ó p r ia Co r o a lu sa 144.

Após a supressão da ordem em Portugal, Pombal começou uma

campanha junto ao papado - coadunada por França e E spanha - para

conseguir sua extinção. Como o Sumo Pontífice, por motivos que punham em

jogo sua própria autoridade enquanto chefe da I greja, mantivera-se surdo aos

rogos do Marquês, arranjou-se um pretexto para que fossem cortadas, por

parte de Portugal, as relações com a Santa Sé - que consistiu na recusa do

N úncio Apostólico em prestar homenagem ao casamento da infanta D . Maria,

em 1760. G raças ao ato de não acender as luzes de sua fachada em

comemoração às bodas da futura rainha (em protesto contra a política

regalista e que vinha sendo praticada), o N úncio fora expulso de Portugal,

acompanhado de uma "decorosa, e competente escolta militar" 145, e as

relações com Roma foram rompidas.

D urante o tempo em que as relações com a Santa Sé ficaram

interrompidas, o próprio Marquês constituíra-se chefe da I greja portuguesa,

sendo que as decisões pertinentes à vida religiosa passaram a ser de

competência do episcopado que, graças à política regalista do primeiro-

ministro josefino, estava subordinado à Coroa. Segundo J. Lúcio de Azevedo,

144 A exp ressão é o t ít ulo d o cap ít ulo VI I d e É po c as de P o rtug al E c o nô m i c o . P ar a a


quest ão d o co n fisco d e b en s co m o um p aliat ivo p ara o s ap uro s fin an ceiro s d a Co r o a
lusit an a, ver p e. Man o el An t un es, " O Marquês d e P o mb al e o s jesuít as" in Co m o
I nte rpre tar P o m bal?, p ag. 132, e Car n axid e, o p . cit . , p ag. 59.
145 " Car t a que p o r o rd em d e Sua Majest ad e escreveu o Secret ár io d e E st ad o D . Luiz d a

Cun h a ao Car d eal Acciaio lli p ara sair d a co rt e d e Lisb o a" (14/ 6/ 1760) in Co le c ç ão das
Le i s ..., t o mo I .
77

" a au t o n o m ia r eligio sa d a n ação er a, p o d e-se d izer , co m p let a, e o m in ist r o

o n ip o t en t e, em t u d o a ela r esp ect ivo , su ger ia, in t er vin h a e d isp u n h a" . O au t o r

lem b r a ain d a as r esist ên cias, p o r p ar t e d a p o p u lação e d e fr ação d o

ep isco p ad o , a est a p o lít ica, em vir t u d e d o f o r t e " esp ír it o r o m an ist a" a

im p r egn ar o cat o licism o p o r t u gu ês, o q u e, co m t o d a cer t eza, fo i o

r esp o n sável p ela n ão cr iação d e u m a I gr eja n acio n al em P o r t u gal 146.

N este meio tempo, enquanto exercia as funções de chefe da

I greja portuguesa, Pombal continuava a agir em prol da extinção da ordem

inaciana. I gnora, proscreve e anula, por lei de 6 de maio de 1765, o Breve

Apo s to lic um Pas c e ndi, no qual Clemente XI I I afrontava Pombal ao ratificar

a Companhia de Jesus. N a lei, Pombal ordena rigorosas punições a quem siga,

possua o texto ou difunda o Breve 147. E m 1766 os esforços diplomáticos de

Pombal junto às cortes de França e E spanha surtiram efeito, e as três

potências se uniram na campanha Adesão esta que, segundo Carnaxide, teria

custado uma considerável soma ao tesouro português 148. Assim, as três Coroas

lançaram-se conjuntamente a uma formidável campanha diplomática junto a

Clemente XI I I , que permanecia irredutível. N este ínterim é publicada, em

Portugal, a célebre D e duç ão Cro no ló g ic a e Analític a, onde os jesuítas são

acusados - desde a sua entrada em Portugal - de todas as mazelas, atrasos e

desgraças que o país sofria, denunciando assim os erros em que incorriam os

146 J. Lúcio d e Azeved o , O Marquê s de P o m bal e s ua É po c a, Rio d e Jan eiro , An uár io d o


Brasil, 1922, p ag. 286.
147 Lei d e 6/ 5/ 1765 in Co le c ç ão das Le i s ..., t o mo I I .
148 Car n axid e, o p . cit ., p ag. 18.
78

" p er ver t id o s e d ep r avad o s r eligio so s" (co m o P o m b al co m u m en t e d esign ava o s

in acian o s) 149.

D ada a inflexibilidade do papa, Pombal maturou a idéia de,

através do uso de tropas portuguesas, francesas e espanholas, forçar o

pontífice a extinguir a Companhia de Jesus, conforme fica patente no

seguinte trecho:

" Co mo p ar ece que ser á n ecessár io , (...) se red uzir a Cúr ia d e Ro m a


p ela via d a fo r ça à r azão , que d ela se n ão p o d e esp er ar, já p o r m eio s
m ais suaves: D even d o o cup ar -se as t em p o ralid ad es d o E st ad o
E clesiást ico e d a Cid ad e d e Ro m a, co m as ar mas, co mo é m uit o
fácil..." 150.

Proposta que não encontrou eco nos aliados de Portugal. E m

1768, morre Clemente XI I I . O novo papa, cardeal G anganeli (que assumiu em

1769 o nome de Clemente XI V), tomou a si o compromisso de extinguir a

Companhia de Jesus, face às ameaças de não-reconhecimento de sua

autoridade por parte das três Coroas. D esta maneira, através da Bula

D o minus Re de mpto rum, de 21 de julho de 1773, ficava extinta a

Companhia, fundada em 1540 por I gnácio de Loyola.

As relações entre Portugal e a Santa Sé foram reatadas em 1769,

por ocasião do compromisso assumido por Clemente XI V. Segundo o

Visconde de Carnaxide, "o núncio Conti foi recebido no reino com

manifestações extraordinárias de regozijo, tanto oficiais, como espontâneas,

vindas do povo". E D . José, "liberto do susto de andar desgarrado da I greja

149O fí c i o do Marquê s de P o m bal (2/ 5/ 1759), BN RJ-SM, co d . 48,13,49.


150O fí c i o do Co nde de O e i ras a Ai re s de Sá e Me lo (1767) ap ud Carn axid e, o p. c i t.,
p ag. 20.
79

r o m an a" , co n f er e a Seb ast ião Jo sé o t ít u lo d e Mar q u ês d e P o m b al 151.

Terminava, desta maneira, a breve experiência - ainda que não declarada - de

uma I greja nacional portuguesa. Acabava também a Companhia de Jesus: a

princípio elemento importante na colonização, parceira do E stado, bastião da

Contra-Reforma; posteriormente, incômodo adversário político e econômico,

concorrente da Coroa na empreitada do comércio colonial. Representante do

poderio político da I greja, que a todo custo deveria ser reduzido e subjugado.

Resquício, também, de um tempo obscurantista e de atraso - assim como a

I nquisição - que não tinha mais lugar no projeto pombalino de levar Portugal

às luzes do século, e ao progresso.

151 Car n axid e, id em, p ag. 21.


80

- I n q u i s i ç ão e E s ta d o

Vim o s, em cap ít u lo an t er io r , o p r o cesso d e in st alação d o San t o

O fício em P o r t u gal, co m su as im p licaçõ es so ciais, p o lít icas e eco n ô m icas.

D evem o s, p o r o u t r o lad o , lem b r ar q u e ser ia p o r d em ais in gên u o

p en sar q u e a in st alação d o T r ib u n al n ão en co n t r o u r esist ên cias, q u er em

P o r t u gal q u er em E sp an h a. As vo zes co n t r ár ias à in st alação d o San t o O fício

fo r am silen ciad as p o r seu fo r t e ap ar elh o r ep r essivo : Ricar d o G ar cia-Cár cel

afir m a q u e, u m a vez su p r im id as, p ela p r ó p r ia I n q u isição , as cr ít icas

esp an h o las, r est ar am o s clam o r es d e au t o r es est r an geir o s, viajan t es o u en t ão

p r o t est an t es em f r an ca cam p an h a an t i-in q u isit o r ial 152.

E m Portugal, as opiniões contrárias ao Tribunal foram mantidas

em segredo por seus partícipes, geralmente diplomatas e indivíduos que

ultrapassaram os Pirineus. António José Saraiva destaca para o século XVI I ,

além de Antônio Vieira, o Marquês de N isã (embaixador em Paris), Francisco

de Souza Coutinho (outro embaixador) e D uarte Ribeiro de Macedo (autor do

D is c urs o So bre a Intro duç ão das Arte s no Re ino ) como opositores do

Tribunal e da perseguição por este movida contra os cristãos-novos como

atesta a correspondência destes personagens 153. Também no século XVI I foi

redigido um célebre documento, intitulado N o tíc ias Re c ô nditas do Mo do


81

d e P ro c e d e r a I n q u i s i ç ã o c o m o s s e u s P re s o s , d a au t o r ia d e P ed r o Lu p in a

F r eir e, an t igo n o t ár io d o T r ib u n al, o n d e são n ar r ad o s o s p r o ced im en t o s

car cer ár io s d o San t o O fício , co m o fo r m a d e d em o n st r ar o r igo r e a cr u eld ad e

do T r ib u n al p ar a co m os Cr ist ão s-n o vo s. T al t ext o ger o u in t en sas

co n t r o vér sias, n a m ed id a em q u e fo r a p u b licad o p elo gr an d e ad ver sár io d o

T r ib u n al, o jesu ít a An t ô n io Vieir a, q u e p r o vavelm en t e lh e d er a u m r et o q u e

co m seu est ilo t o d o esp ecial - o q u e lh e valeu a at r ib u ição d a au t o r ia d e t al

livr o -d en ú n cia 154.

Porém, é no século XVI I I que as críticas se fazem sentir mais

fortemente. I nfluenciados pelas idéias iluministas, que viam a I nquisição e os

macabros espetáculos dos autos-de-fé como indícios da mais crassa barbárie,

foram surgindo escritos que materializavam as críticas. N o pensamento

lusitano, a I nquisição, além de vista como um elemento de atraso cultural, é

também atacada na qualidade de um arcaísmo que entravara o progresso

material do país. Tais idéias encontram-se expressas no T e s tame nto Po lític o

de D . Luís da Cunha (escrito entre 1747 e 1749), nas Cartas de Luís Antônio

Verney155, e no D is c o urs Pathé tique (1756) do Cavaleiro de O liveira, mais

tarde convertido ao protestantismo e queimado em efígie pela I nquisição 156.

Tais escritos revelam as idéias que grassavam entre alguns setores da elite

culta e esclarecida, principalmente entre os e s trang e irado s , que, graças ao

152 Ricard o G ar cia-Cár cel, O rí g e ne s de la I nqui s i c i ó n E s paño la, Barcelo n a, P en ín sula,


1976, p ag. 17.
153 An t ó n io Jo sé Saraiva, I nqui s i ç ão e Cri s tão s -no vo s , Lisb o a, E st amp a, 1985, p ag. 198.
154 Ver An t ó n io Jo sé Sar aiva, o p . cit ., cap ít ulo I V.
155 Ver F alco n , A É po c a..., p ags 257 e 355, resp ect ivamen t e.
156 Saraiva, o p . cit ., p ag. 197.
82

co n t at o co m id éias n o vas so b r et u d o em F r an ça e I n glat er r a t r aziam p ar a

P o r t u gal u m a o p in ião co n t em p o r ân ea an t i-in q u isit o r ial.

P o r o casião d a ascen são d e D . Jo sé I ao t r o n o , a I n q u isição já

n ão d esen vo lvia su as at ivid ad es n o m esm o r it m o feb r il d e o u t r as ép o cas.

Ap esar d e ain d a t em id a p elo p o vo , so fr ia cr ít icas p o r p ar t e d e d iver so s

set o r es d as elit es, e o n ú m er o d e co n d en açõ es ia d ecain d o co m o p assar d o

t em p o . O s t r ib u n ais d o San t o O fício em P o r t u gal, em seu co n ju n t o - ist o é,

Lisb o a, É vo r a e Co im b r a, fizer am o s segu in t es n ú m er o s d e co n d en açõ es

d u r an t e o sécu lo X VI I I , at é a execu ção d o P e. Malagr id a, em 1761 - a ú lt im a

p en a cap it al ap licad a p ela I n q u isição lu sit an a 157:

157 D ad o s ext r aíd o s d e Jo sé Veiga T o r res, Um a lo n ga guer r a so cial: o s r it mo s d a


rep r essão in quisit o r ial em P o r t ugal in Re vi s ta de H i s tó ri a E c o nó m i c a e So c i al, 1,
1978, p p 66-68
83

Condenados pelo S anto Ofício Português ao L ongo do S éculo

X V III

AN O S Li s b o a É vo ra Co i m b ra T O T AL

1700-1709 538 262 336 1136

1710-1719 433 187 414 1034

1720-1729 450 221 549 1220

1730-1739 434 120 404 958

1740-1749 428 200 147 775

1750-1759 219 254 161 634

1760-1767 126 75 11 212

N o t am o s, ao an alisar o s n ú m er o s d e co n d en ad o s, q u e est es

p o ssu em , ao lo n go d o sécu lo X VI I I , u m a t en d ên cia d ecr escen t e, in t er r o m p id a

p o r u m a b r u sca elevação n o s an o s d e 1720-1729, an o s d e b r u sca r eação do

m o r ib u n d o T r ib u n al, p ar a Jo sé Veiga T o r r es, e esp ecialm en t e d ifíceis p ar a a

co m u n id ad e cr ist ã n o va d o Rio d e Jan eir o e d as Min as G er ais 158. N o restante,

a queda de ritmo da atividade inquisitorial é evidente, se acentuando

bruscamente durante o reinado de D . José I . Tal refreamento se manifesta


84

co m m aio r fo r ça, p r in cip alm en t e, d e 1760 em d ian t e, q u an d o o San t o O fício

já se en co n t r ava su b m et id o ao Mar q u ês d e P o m b al.

Co n t u d o , m esm o q u e fr an cam en t e d eclin an t e e d esacr ed it ad a

face à so cied ad e eu r o p éia, a I n q u isição ain d a im p u n h a t em o r e r esp eit o

p er an t e o p o vo p o r t u gu ês. Co n t in u ava a ser vir co m o m eio d e co n t r o le so cial

e, n o en t en d er d e F alco n , " er a u m a in st it u ição q u e a m o n ar q u ia n ão se

p o d er ia d ar ao lu xo d e ext in gu ir " 159. Pombal não poderia prescindir do

Tribunal, devido a suas atividades policialescas e sua bem organizada e

funcional estrutura. Adotou, aqui, uma via diferente da eliminação (a qual

usou contra os inacianos): preferiu a dominação lenta e segura, uma vez que

o Tribunal poderia ser-lhe ainda de muita valia.

Pombal via, como "estrangeirado" que era, o Santo O fício como

um fóssil do atraso, enquistado no seio de Portugal e atravancando-lhe o

desenvolvimento. Suas idéias Pombal sobre o Tribunal, bem como as novas

atribuições que este teria, uma vez reformado, foram inspiradas em dois

autores e suas obras: o Cardeal da Cunha (no T e s tame nto Po lític o ) e Verney

(em suas Cartas ). Para o primeiro, a I nquisição era responsável pela penúria

de Portugal, uma vez que fora ela quem provocara a fuga da endinheirada

burguesia cristã nova, enriquecendo, assim, outros reinos; foi também o

Tribunal quem criou um clima de insegurança face aos possíveis investidores

158 I d em, p ag. 58. A resp eit o d o s cr ist ão s-n o vo s flum in en ses, ver Lin a G o r en st ein F er r eir a
d a Silva, I nqui s i ç ão no Ri o de Jane i ro Se te c e nti s ta: D isser t ação d e Mest r ad o
ap resen t ad a à USP , São P aulo , 1993, esp ecialmen t e p ag. 153.
159 F alco n , A É po c a.., p ag. 441.
85

est r an geir o s. A p r o filaxia r eco m en d ad a p elo Car d eal n ão é a d e ext in ção d o

T r ib u n al, e sim su a r efo r m a p o is, n as p alavr as d e F alco n , " h á o u t r as id éias

p o lít icas e r eligio sas q u e est ão a exigi-la" 160. À medida em que preconiza uma

política de tolerância para com os cristãos-novos - segundo a qual o Santo

O fício perderia sua principal razão de ser, uma vez que fora instalado em

Portugal (não devemos esquecê-lo) por causa da questão judaica -, o Cardeal

afirma que a I nquisição deve se voltar para outras esferas de ação, como por

exemplo as idéias perniciosas ao E stado, agindo contra os "que abraçam

novas opiniões, ou errôneas ou heréticas" 161. E prossegue:

" O s in quisid o r es são n ecessár io s p ara n ão d eixar em en t r ar em


P o rt ugal a varied ad e d e seit as d e que o s o ut r o s p aíses são afligid o s
p ela lib erd ad e que o s h o m en s t êm d e ler e escr ever , d iscursar e
imp r imir o que cad a um quer o u o seu vicio so juízo lh e in sp ir a, co m
a d esgraça d e que t an t o mais n o vas são as o p in iõ es, t an t o mais vo ga
t êm o s livro s que as t r azem " 162.

Verney, por sua vez, também advoga uma política de tolerância

para com os cristãos-novos, tendo em vista a sangria de capitais que estes

provocavam com sua saída de Portugal. Também associava o Santo O fício à

barbárie e atraso econômico/ cultural, e pedia a reforma do Tribunal, através

da promulgação de um novo Regimento, onde fosse substituído o processo

inquisitorial pelo comum, que providenciasse o fim dos autos-de-fé e sua

submissão ao poder civil, rogando diretamente ao Marquês de Pombal para

que este tomasse as rédeas da situação 163.

160 I d em, p ag. 257.


161 D . Luís d a Cun h a, T e s tam e nto P o lí ti c o , São P aulo , Alfa-Ô m ega, 1976, p ag. 80.
162 D . Luís d a Cun h a, I ns truç õ e s I né di tas a Marc o Antô ni o de Az e ve do Co uti nho ,

ap ud . F alco n , A É po c a..., p ag. 328.


163 Saraiva, o p . cit ., p ag. 201.
86

O p r o cesso d e su b m issão d o San t o O fício fo i en t ab u lad o em

d u as fr en t es: u m a, a su b m issão d a I n q u isição ao p o d er d o r ei, o q u e se

co ad u n ava p len am en t e co m a p o lít ica r egalist a ad o t ad a p o r P o m b al; o u t r a, a

su p r essão d a d ist in ção en t r e cr ist ão s-n o vo s e velh o s, o u seja, a r et ir ad a d a

p ed r a d e t o q u e d a ação in q u isit o r ial.

P o m b al t o m o u d iver sas m ed id as q u e iam co n t r a a d iscr im in ação

d o s co n ver so s em P o r t u gal. E m it iu , em 1768, u m alvar á o r d en an d o a

ap r een são e d est r u ição d o s r ó is co m o s n o m es d o s cr ist ão s-n o vo s q u e h aviam

co m p r ad o p er d õ es e o u t r o s b en efício s ao r ei - e q u e er am u sad o s co m o

m at er ial d e d ifam ação gen ealó gica -, cu jo s o r igin ais fo r am d est r u íd o s,

r est an d o ap en as có p ias d e d ú b ia co n fiab ilid ad e. D est a m an eir a, são t ir ad o s o s

cr éd it o s a t ais r ó is, t o r n an d o -se

" T o d as as lis t as igu alm e n t e r e p r o vad as p o r D ir e it o , e in d ign as d e


t e r e m o m e n o r c r é d it o ; n ão s ó p o r aq u e le s vic io s o s o r igin ais , d o n d e
p r o c e d e r am ; m as t am b é m por serem t r e s lad o s de t r e s lad o s , e
t e r c e ir as , q u ar t as , e q u in t a c ó p ias e xt r aíd as s e m f é ju d ic ial, n e m
f o r m a d e ju íz o (...); alé m d e q u e h ave n d o - s e q u e im ad o o s m e s m o s
v ic io s o s o r igin ais , s e r e d u z ir am as s o b r e d it as c ó p ias a t e r m o s d e
f ic ar e m im p o s s ív e is as c o n f e r ê n c ias d e las " 164.

O referido Alvará proscrevia ainda a guarda e utilização de tais

listas, que deviam ser entregues ao E rário Real para serem destruídas "com

grande pesar dos eruditos", na opinião de A. J. Saraiva 165.

164 Alvar á d e 2/ 5/ 1768 in Co le c ç ão das Le i s ..., t o mo I I .


165 Saraiva, o p . cit ., p ag. 205.
87

E m 25 d e m aio d e 1773 é d ad o o c o u p d e g râc e n as leis

d iscr im in at ó r ias: at r avés d e Alvar á em it id o d o P alácio d a Aju d a, é elim in ad a a

d ist in ção en t r e cr ist ão s-n o vo s e velh o s, q u e h avia sid o in st it u íd a, segu n d o o

t ext o , n o " go ver n o in feliz d e E l Rei d o m H en r iq u e" p elo s sem p r e p er ver t id o s

e d ep r avad o s jesu ít as, q u e visavam t ão so m en t e o fo m en t o d a d eso r d em

so cial 166. Uma vez anulada a discriminação, o Alvará ordena a republicação e

execução das leis de D . Manoel (1 de março de 1507) e de D . João I I I (16 de

fevereiro de 1524), que proibiam tal distinção, e manda reincorporá-las às

O rdenações do Reino. O Alvará também limita a extensão da infâmia dos

condenados, restringindo-a aos seus netos. Anula a legislação discriminatória

anterior e manda punir os que, de sua promulgação em diante, usassem a

expressão "cristão-novo", ordenando que tais pessoas

" Sen d o eclesiást icas, sejam d esn at uralizad as, e p er p et uamen t e


ext er min ad as d o s meus r ein o s (...), co mo r evo lt o sas e p er t ur b ad o ras
d o so ssego p úb lico ; p ar a n eles n ão mais p o d erem en t r ar : sen d o
secular es n o b r es, p er cam p elo mesm o (co n t ra eles p r o vad o ) t o d o s o s
graus d e n o b r eza que t iver em, e t o d o s o s emp r ego s, o fício s e b en s d a
m in h a Co r o a, e o r d en s d e que fo r em p r o vid o s, sem rem issão alguma:
e sen d o p eõ es, sejam p ub licamen t e aço it ad o s e d egred ad o s p ar a o
Rein o d e An go la p o r t o d a a sua vid a" 167.

E sta lei teve seu complemento em uma outra, datada de 15 de

dezembro de 1774, onde filhos, netos e até os condenados pela I nquisição

(desde que não fossem hereges impenitentes) eram declarados hábeis para

166 Alvar á d e 25/ 5/ 1773, in Co le c ç ão das Le i s ..., t o m o I I I .


167 I d em.
88

o cu p ar car go s p ú b lico s - in clu sive (ir o n ia d as ir o n ias) d en t r o d a p r ó p r ia

h ier ar q u ia in q u isit o r ial 168.

H ouve reações a estas leis, como casos de irmandades que

recusavam aceso aos ex-cristãos-novos. Mas ainda aqui a vontade pombalina

foi mais forte, obrigando as instituições recalcitrantes a alterarem seus

estatutos. Pombal conseguira varrer o preconceito da legislação - embora não

da práxis social onde, apesar de tamanho esforço, a mal-disfarçada

intolerância continuava a dar a tônica das relações pessoais -, abrindo o

caminho para a ascensão de uma rica burguesia mercantil. N as palavras de A.

J. Saraiva,

" O que suced ia é que o s h o m en s m ais in fo rm ad o s e clar ivid en t es,


so b r et ud o aqueles que p ud er am ' ab rir o s o lh o s' n o est r an geiro , se
d avam co n t a d e uma realid ad e que n ão er a já a d o s t emp o s d e D .
Jo ão I I I e p ro cur avam so luçõ es ad equad as à n o va sit uação . O m o d o
d e vid a sen h o r ial, assim co m o a sua b ase eco n ô mica, t in h am -se
t o r n ad o sub alt er n o s e ar caico s n um p aís cad a vez mais d o min ad o p ela
b ur guesia mer can t il, e a m en t alid ad e b urguesa t en d ia a sair d a
clan d est in id ad e p ar a se t o rn ar d o min an t e" 169.

Pombal, na tarefa de trazer a si o controle do Santo O fício, agiu

com sutileza: procurou colocar pessoas a si submissas em cargos-chaves do

Tribunal. Uma primeva tentativa foi a nomeação de D . José, filho bastardo de

D . João VI - meio-irmão do monarca, portanto - para o cargo de I nquisidor

G eral, no longínquo ano de 1758. D . José (o inquisidor) foi, porém, retirado

do cargo em 1760, devido à sua recusa em se tornar um testa-de-ferro do

168 Lei d e 15/ 12/ 1774 in Co le c ç ão das Le i s ..., t o mo I I I .


169 Saraiva, o p . cit ., p ag. 201.
89

P r im eir o Min ist r o d e seu r eal m eio -ir m ão 170. Após a renúncia, e por um

interregno de dez anos, permaneceu vacante o cargo de I nquisidor G eral,

sendo o Tribunal gerido pelo Conselho G eral do Santo O fício, que contava,

entre seus membros, com a figura de Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão

do Marquês de Pombal e que dirigia, a partir do Conselho, o Tribunal de

acordo com os desejos de Sebastião José.

Findo este intervalo, é nomeado I nquisidor G eral D . João Cosme

da Cunha: agostiniano, bispo de Leiria, arcebispo de É vora, cardeal, membro

do Conselho de E stado, Regedor das Justiças e pau-mandado do Marquês, D .

Cosme foi nomeado - única e exclusivamente por delegação real - em 1769,

permanecendo no cargo até 1783 171.

Simultaneamente a este controle indireto do Tribunal, Pombal

lançou mão de todo um aparato legislativo a fim de enlaçar, de todas as

maneiras, o Tribunal e subordiná-lo de fato e de direito à Coroa. E m Lei de

1768 é criada a Real Mesa Censória, ocasião na qual é tirado à I nquisição o

poder de censura dos livros - que o Tribunal costumava usar inclusive no

sentido de coibir a entrada de escritos regalistas e laicizantes em Portugal.

O grande golpe, contudo, é dado com o Alvará de 20 de maio de

1769, que confere ao Santo O fício o título de maje s tade , com isso alçando-o

170 Jo sé Lo uren ço D . d e Men d o n ça e An t ó n io Jo aquim Mo r eira, H i s tó ri a do s P ri nc i pai s


Ac to s e P ro c e di m e nto s da I nqui s i ç ão e m P o rtug al, Lisb o a, I mp r en sa N acio n al/ Casa
d a Mo ed a, 1980, p ag. 127.
171 Luís A. d e O liveira Ramo s, " A I n quisição p o m b alin a" in Co m o I nte rpre tar P o m bal?,

p ag. 113.
90

à cat ego r ia d e T r ib u n al Régio - co isa q u e, co m o vim o s, já aco n t ecia d e fat o

h á algu m t em p o . A ar gu m en t ação é su r p r een d en t em en t e sim p les: u m a vez q u e

o s t r ib u n ais d a co r t e r ep r esen t am a p esso a d o r ei,

" f o r am s e m p r e , e s ão t r at ad o s p o r M ajestade, e d e q u e s e n d o o
C o n s e lh o G e r al d o San t o O f íc io u m d o s t r ib u n ais m ais c o n ju n t o s , e
im e d iat o s à M in h a R e al P e s s o a, p e lo s e u in s t it u t o , e m in is t é r io ..."

já que o monarca era o mantenedor do bem-estar espiritual dos seus súditos. A


seqüência é, então, lógica: cabe ao rei

" P o r b em o rd en ar , que ao d it o Co n selh o G eral se fale, escr eva e


r equeira p o r Majestade, co mo se p r at ico u sem p re in alt er avelmen t e
co m o s d o is T rib un ais d a Mesa d e Co n sciên cia e O r d en s, e d a Bula
d a Cr uzad a..." 172

O próximo passo foi dotar o Tribunal de um Regimento que

caracterizasse os novos tempos vividos. O Re g ime nto de 1774, segundo

Saraiva, "limita-se a legalizar e a sistematizar a situação já de fato criada" 173.

As novidades introduzidas com este Regimento foram muitas: o processo

inquisitorial é substituído pelo da justiça comum; acabam os autos-de-fé

públicos; a pena de morte só pode ser aplicada com beneplácito régio; a

existência de pacto com o D emônio e, conseqüentemente da feitiçaria são

negadas devido ao fato de não se acharem provas concretas de que o D iabo

aceitara o trato 174.

D oravante, a I nquisição perseguirá, declaradamente, os inimigos

do E stado absolutista português: maçons, livres-pensadores, jesuítas - enfim,

172 Alvará d e 20/ 5/ 1769 in Co le c ç ão das Le i s ..., t o m o I I . H á t amb ém um exemp lar d o


Alvar á em BN RJ-SM, có d . 25,2-9, d o c. 63. E xp r essõ es em it álico n o o rigin al.
173 Saraiva, o p . cit ., p ag. 206.
174 Cf. Re g i m e nto do Santo O fí c i o da I nqui s i ç ão do s Re i no s de P o rtug al, Lisb o a,

O fficin a d e Miguel Man escal d a Co st a, 1774.


91

o s " h er ét ico s d e f ilo so fia" , cu lp ad o s d e cr im es d e o p in ião 175. É a razão de

E stado que guiará assumidamente a ação inquisitorial, como fica claro na

aplicação de torturas - proscritas no novo Regimento, mas aplicáveis nos

casos que afetem a estabilidade política do reino 176.

O Santo O fício, que com os jesuítas - sempre eles! - constituiu o

maior pilar do atraso e do obscurantismo em Portugal, estava domado. D ócil,

curvou-se à razão de E stado e se tornou um instrumento de implantação das

Luzes em Portugal - defensor, segundo Saraiva, da

" r eligião cat ó lica, co n ceb id a co mo um cult o p úb lico exp ur gad o d e


t o d a a sup er st ição p o p ular b em co mo d e in quiet ação míst ica,
co mp at ível co m o r acio n alismo laico , út il n a med id a em que
co n t r ib uía p ar a a un id ad e d o s súd it o s, so b a égid e d o p o d er r eal
ab so lut o " 177.

E assim seguiu a I nquisição até 1821, fenecendo constante e

paulatinamente, claudicante fantasma de um sombrio passado, que já não

mais causava tanto medo ao povo.

175 A exp ressão se en co n t ra em Ram o s, o p . cit ., p ag. 114.


176 Cf. Re g i m e nto . . . , Livr o I I , t ít ulo I I I , p p . 54-59. P ara a r eo rien t ação d a at it ud e
in quisit o rial segun d o a r azão d e E st ad o , ver F alco n , " I n quisição e p o d er: o Regimen t o
d o San t o O fício d a I n quisição n o co n t ext o d as r efo r mas p o mb alin as (1774)" in An it a
N o vin sky e Mar ia Luiza T ucci Car n eir o (o r gs.) I nqui s i ç ão , Rio d e Jan eir o / E xp ressão e
Cult ura; São P aulo / E D USP , 1992, p p . 116-139.
177 Saraiva, o p . cit ., p ag. 207.
92

CAP Í T U LO 4

- A VI SI T AÇÃO E M SE U CO N T E X T O -

I - G RÃO -P ARÁ: O CU P AÇÃO E CO LO N I Z AÇÃO

No século XVIII, o Pará foi objeto de muitos e importantes investimentos por


parte do governo pombalino. Nota-se, então, uma campanha definida para povoar e guardar
as terras do Norte do Brasil - que constituíam um todo à parte, no conjunto mais amplo da
administração colonial.

Área de inegável importância estratégica, a região Norte esteve sempre ligada a


conflitos e negociações de limites e fronteiras. Por outro lado, careceu de um povoamento
mais efetivo por parte dos portugueses, crescendo à sombra das fortalezas da região.

A história do Norte brasileiro, inclusive do Estado do Grão-Pará e Maranhão


bem como da região amazônica, de um modo geral, está diretamente relacionada à expulsão
dos franceses, que no século XVI haviam se instalado em terras maranhenses. Uma vez
combatidos e expulsos os franceses, liderados por La Ravardière, teve início a ocupação
portuguesa daquela região. Como a Amazônia era uma área despovoada, Alexandre de Moura,
comandante da operação de expulsão dos franceses, destacou uma tropa para ocupação
daquela região, limite natural entre as possessões de Portugal e Espanha178. Chefiados pelo
Capitão Francisco Caldeira de Castelo Branco, seguiram cento e cinqüenta homens, mais dez
peças de artilharia e três embarcações, acompanhados ainda de dois franceses que já
conheciam a região, servindo de pilotos auxiliares. Em 1616, a expedição erigiu, na baía de

178Cap ist r an o d e Ab reu, Capí tulo s de H i s tó ri a Co lo ni al, Belo H o r izo n t e/ I t at iaia; São
P aulo / E D USP , 1988, p p . 109-112.
93

Guajará, uma casa forte, denominada Presépio. Estava dado o primeiro passo para a ocupação
do Pará179.

A partir deste primeiro núcleo, teve início um contato mais efetivo, por parte
dos portugueses, com os índios tupinambás - os quais, por sua vez, já tiveram relações com os
franceses, embora estes não fundassem um estabelecimento na área que viria a se tornar o
Pará. Castelo Branco procurava atrair-lhes a amizade e confiança, presenteando-os com
ferramentas, fazendas e outras utilidades. Contudo, a política portuguesa para com os índios
foi de submissão à força, respaldada pelo terror advindo de execuções massivas e violentas,
que afetaram a povoação indígena180. Castelo Branco fez, ainda , construir habitações
permanentes e uma igreja Matriz, projetando assim a cidade que foi posta sob a guarda
espiritual de Nossa Senhora de Belém.

Para a catequese dos índios e o provimento das necessidades espirituais dos


colonos, em 1617 chegaram ao Pará, oriundos da Província de Santo Antônio, um grupo de
franciscanos181. Liderados por Frei Antônio de Merciana, o grupo se instalou no sítio do Una,
dando início à evangelização dos índios.

Não obstante os esforços de ocupação, a região esteve sempre com a ameaça


de invasão a rondar-lhe a paz. O primeiro grande passo para a consolidação da conquista da
Amazônia foi dado pelo rei Filipe III, que institucionalizou o Estado do Maranhão em 1621.
Desligado do Governo Geral do Brasil, o Estado era composto das capitanias do Pará e
Maranhão, tendo capital em São Luís, núcleo fundador da antiga France Équinoxiale. Após tal
ato, observaram-se arremetidas contra os invasores holandeses, franceses e ingleses presentes

2 Sér gio Buarque d e H o lan d a (d ir .), H i s tó ri a Ge ral da Ci vi li z aç ão B ras i le i ra, Rio d e


Jan eir o , D ifel, 1985, T . I , vo l1, p p . 258-259.
180 Ad ler H o mer o F o n seca d e Cast ro , Gue rra e So c i e dade no B ras i l Co lo ni al,
D isser t ação d e Mest r ad o ap r esen t ad a à UF F , N it er ó i, 1995, p ag. 194.
181 E m b o r a a p r imeira missão n a r egião t en h a sid o fr an ciscan a, o p io n eir ismo n a en t r ad a

d o G r ão -P ar á e Maran h ão co ub e ao s jesuít as, que se an t ecip ar am at é m esmo ao s


cap uch in h o s fr an ceses que lá ch egar am em 1612. O s in d ício s d a p r esen ça jesuít ica
rem o n t am a 1607. Ver Car lo s d e Ar aújo Mo reir a N et o , O s p r in cip ais grup o s
missio n ár io s que at uar am n a Amazô n ia b rasileir a en t r e 1607 e 1759 in E d uar d o
H o o r n aert (co o rd .), H i s tó ri a da I g re ja na Am az ô ni a, P et ró p o lis, vo zes, 1992, p ag. 63.
94

na região, seguidas de um investimento em fortificações na área182. Terminada a União Ibérica,


D. João IV põe fim ao Estado do Maranhão, mas volta atrás em 1654.

Por carecer de uma colonização mais efetiva, a região foi alvo de continuadas
campanhas de estímulo à imigração por parte da Coroa. Nestas campanhas, levadas a cabo
através da divulgação de numerosos folhetos propagandísticos, o Pará e o Amazonas eram
apontados como alternativas para a Índia, sendo vistos como uma terra de promissão. O
Norte do Brasil despontava como local produtor de especiarias, graças à abundância do
gengibre, da canela e da pimenta; acreditava-se ainda ser possível encontrar metais preciosos;
outros fatores de atração eram suas terras abundantes e a natureza exuberante183. A
propaganda ressaltava as potencialidades agrícolas daqueles rincões, bem como a necessidade
de ocupá-los e aproveitá-los.

Malgrado não terem atraído as atenções de muitos colonos portugueses - a


ponto de ocupá-las como desejava a Coroa - as terras do Norte brasileiro tiveram expressiva
presença de missões eclesiásticas. Após os franciscanos, primeiros missionários a chegar na
Amazônia. chegaram as missões jesuíticas, que lá já haviam estado anteriormente.

O estabelecimento missionário definitivo dos inacianos no Pará ocorreu em


1636, quando Luís Figueira, que esteve na campanha de expulsão dos franceses, chegou a
Belém, vindo do Maranhão. Em 1640 chegam os mercedários, trazidos a convite do capitão-
mor do Pará, D. Pedro Teixeira, estabelecendo-se em Belém. De lá, prosseguiram suas
atividades nos rios Urubu e Negro. Estabelecidos em S. Luís em 1616, em 1627 os carmelitas
chegam a Belém, recebendo uma casa, doada pelo capitão-mor D. Bento Maciel Parente184.

A presença das missões religiosas foi, por um lado, de grande utilidade aos
planos da Coroa. Pacificando e catequizando os índios, os clérigos facilitaram a expansão do
domínio português e da colonização. Os missionários atentavam ao projeto da Coroa lusitana

182 Ver Man o el N un es D ias, E st r at égia P o mb alin a d e ur b an ização d o E sp aço Amazô n ico
in V.V.A.A., Co m o I nte rpre tar P o m bal?, Lisb o a/ Br o t éria; P o rt o / Livrar ia A.I ., 1983,
p p . 301-302.
183 Ân gela D o m in gues, Vi ag e ns de E x plo raç ão Ge o g ráfi c a na Am az ó ni a e m F i nai s do

Sé c ulo XVI I I , Lisb o a, I n st it ut o d e H ist ó r ia d e Além-Mar, F .C.S.H .-U.N .L., 1991, p ag.
12
184 Mo r eira N et o , o p . cit ., p p . 67-96.
95

de dilatar a fé e o Império. O monarca D. Pedro II, em 1680, chega a afirmar que o objetivo
de sua política amazônica era

Ao propagarem a fé mata adentro, os missionários levavam também a presença


do Estado português. Tal atividade, por outro lado, gerou problemas com os colonos brancos,
principalmente no que tange à questão da mão-de-obra indígena, como teremos oportunidade
de observar.

- A Política Pombalina no Pará

Em 1750, início do reinado de D. José I, a situação do Norte brasileiro não


havia mudado em relação ao que era no século XVII. A conjuntura ainda se encontrava
agitada: além da assinatura, neste ano, do Tratado de Madrid, que anulava o Tratado de
Tordesilhas e redefinia os limites entre as possessões portuguesas e espanholas, a região ainda
tinha a ameaça de soldados, contrabandistas e salteadores ingleses, franceses e espanhóis a
tirar-lhe o sono186.

Os problemas de ocupação territorial que grassavam no século anterior ainda


continuavam: Portugal possuía uma vasta área, que não era controlada de fato. Escassamente
povoada, a região Norte possuía poucos núcleos de ocupação branca , portuguesa: além de
Belém, existiam ainda as vilas do Cametá, da Vigia, do Caieté e de Gurupá. Tal número de
povoações contrasta com a quantidade de aldeamentos religiosos: sessenta e três, ao todo.
Destes, dezenove foram fundados pelos jesuítas, quinze pelos carmelitas, nove pelos
franciscanos de Santo Antônio, sete aldeias dos frades da Conceição, dez aldeias dos frades da
Piedade e três aldeias dos Mercedários.

185 Anai s da B i bli o te c a N ac i o nal, vo l. 66, 1º p ar t e, Rio d e Jan eir o , 1948, p ag. 53.
96

A política pombalina para a região é encaminhada no sentido de implantar com


maior veemência a presença do Estado português na região. Tal objetivo visava ser atingido
através da (mais uma vez) promoção da colonização do Norte. Pombal também irá procurar
desenvolver economicamente aquela área de grande importância estratégica, o que minimizaria
os perigos de saques e invasões.

O Estado do Grão-Pará e Maranhão possuía autonomia própria em relação ao


resto do Brasil, e tinha uma administração desvinculada do vice-reinado brasileiro, estando em
ligação direta com a Metrópole.

Uma prova da importância da região dentro do plano político pombalino é o


envio, pelo próprio Marquês, de seu irmão ocupando as funções de Governador do Estado do
Grão-Pará e Maranhão, em 1751 - acompanhando a mudança da capital, de S. Luís para
Belém. Era época da demarcação de fronteiras, que foram estabelecidas pelo Tratado de
Madrid, bem como de reforço militar da região. Francisco Xavier de Mendonça Furtado chega
ao Pará com objetivos bem definidos: fazer um levantamento o mais amplo possível da
situação do Estado, e implantar as diretrizes pombalinas.

Os relatos a respeito da situação material paraense que chegavam até Pombal


não deveriam mesmo ser muito animadores. Área de ocupação predominantemente indígena,
o Pará, como vimos, contava com poucos núcleos portugueses de povoamento. A economia
estava baseada na coleta de gêneros do sertão, na pesca, caça, agricultura itinerante e em uma
pecuária rudimentar. A exploração das drogas do sertão, como o cacau, a baunilha, canela,
madeiras duras e resinas, era feita com o emprego da mão-de-obra indígena187. A economia
dos colonos paraenses era basicamente de subsistência, não havendo atividade econômica
multiplicadora de riqueza social. As famílias estavam entregues à própria sorte, carecendo de
mão-de-obra para a lavoura em tamanhas extensões de terra. Tão baixa produtividade se
refletia no estado de pobreza e miséria em que se encontrava a população. Esta situação se
encontra refletida na amargura presente nas linhas de Francisco Xavier, dedicadas a seu
poderoso irmão:

186 D ias, o p . cit ., p ag. 315.


187 D ias, o p . cit ., p ag. 307.
97

Tais misérias, contudo, podem levar a algo mais grave: a perturbação da


própria ordem paraense. Este é um dos temores do governador, pois ele sabe que por causa da
penúria

O estado de pobreza contrastava violentamente com a prosperidade material


das missões religiosas na região. Empresas comerciais bem sucedidas, os aldeamentos
religiosos destoavam na paisagem geral da miséria paraense. As ordens religiosas tornaram-se
oásis de prosperidade naquelas terras tão desafortunadas.

Isto, devido ao fato - era esta a grande questão entre colonos e religiosos - de
as missões serem as grandes monopolizadoras da mão-de-obra indígena. A prática dos
descimentos - que significava, a princípio, trazer, por meios pacíficos e pela persuasão os índios
para o grêmio da Igreja e para a fidelidade ao rei de Portugal - revelou-se por demais lucrativa.
O processo de descimento incluía a pacificação e a mudança dos índios: do sertão para uma
comunidade onde todos vivessem sob a mesma fé, recebendo instruções doutrinárias e
trabalhando pela coletividade. Para conseguir tal intento, os missionários não mediram
esforços: penetraram a fundo na cultura e na religião destes povos, dominando-lhes inclusive a
língua - e neste mister ninguém foi tão hábil quanto os inacianos190. Tal prática, a princípio,
estava plenamente de acordo com a política de propagação da fé e do império adotada pela
Coroa lusitana.

Os problemas com os colonos começaram a surgir a partir do momento em


que a servidão indígena somente prosperava nas missões. Estas, por sua vez, assumiam
francamente seu caráter comercial. Nas palavras de J. Lúcio de Azevedo:

Os conflitos não tardaram a acontecer. Os próprios jesuítas chegaram a ser


expulsos da região do Pará em 1661, e as representações e queixas dos colonos eram
constantes. Porém o Regimento das Missões (1686), que marcou a volta dos inacianos ao

188 A Am az ô ni a..., p ag. 84.


189 I d , ib id .
190 É d e Luiz F igueir a a Arte da Lí ng ua B ras í li c a (1621), o n d e são d esven d ad o s o s

segr ed o s d o t up i. Ver E d uard o H o o r n aert , O b r eve p er ío d o p r o fét ico d as m issõ es n a


Amazô n ia b r asileir a (1607-1661) in H i s tó ri a da I g re ja. . . , p ag.124.
191 J. Lúcio d e Azeved o , O s Je s uí tas no Grão - P ará, Co imb r a, Un iversid ad e d e Co imb r a,

1930, p ag. 235.


98

Estado, lhes era plenamente favorável. O Regimento, segundo J. Lúcio de Azevedo,


entregava aos jesuítas não só o governo espiritual das aldeias, senão também o temporal e o
político 192. Os índios ficavam obrigados às aldeias, sem que possam delas sair para viverem
em outra parte por nenhuma razão que seja 193

Quase um século depois, Francisco Xavier de Mendonça Furtado se queixa das


conseqüências políticas destas medidas:

Este estado de coisas, segundo Francisco Xavier, estaria interferindo até


mesmo na ordem social. Uma vez que os religiosos não ensinavam o português para os índios,
preferindo utilizar a gíria inventada para confusão e total separação dos homens em notório
prejuízo da sociedade humana , isto é, a língua geral, os colonos por sua vez,

Além disso, os religiosos eram ainda acusados de obrar a falência dos


comerciantes particulares, a fim de ficar com o monopólio do comércio das drogas do
sertão196. Em suma, tamanha prosperidade incomodava muito o governo temporal, e todos os
males da região acabavam imputados aos jesuítas.

As medidas pombalinas não tardaram em surgir. O incremento à colonização


se manifestou na criação de povoações em locais estratégicos, próximos às regiões fronteiriças,
e às rotas fluviais - afinal, não devemos esquecer que estamos no período de demarcação de
fronteiras. Outra frente de ação foi o incentivo ao desenvolvimento das potencialidades
agrícolas e da pecuária. Francisco Xavier de Mendonça Furtado veio a incrementar as culturas
do algodão, anil, café, tabaco, arroz, cravo, pimenta e canela197.

Por esta época, conforme tivemos oportunidade de verificar em momento


anterior deste estudo, Pombal encontrava-se francamente empenhado em sua campanha de
derrocada dos jesuítas. Tal campanha acabou tendo desdobramentos também no Pará. O

192 I d em, p ag. 187.


193 A Am az ô ni a. . . , p ag. 68.
194 I d em, p ag. 66.
195 I d em, p ag. 67.
196 I d em, p p . 72-73.
197 Ân gela D o min gues, o p . cit ., p ag. 14.
99

Marquês tomou atitudes concretas e drásticas para acabar com o predomínio das missões - e
principalmente dos jesuítas no Estado - e na colônia, de um modo geral.

Uma destas medidas foi a lei de 6 de junho de 1755, na qual as aldeias


indígenas - que são parte do patrimônio da Coroa e, por força do Regimento das Missões
estavam sob administração dos religiosos - são requisitadas e governadas pelo poder civil198. O
baque foi duro, e gerou protestos dos religiosos - tanto formais, que se traduziram em petições
e representações, principalmente por parte dos jesuítas, quanto através do púlpito199.

Outra medida foi a instituição, no dia seguinte à lei de libertação dos índios, da
Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, criada com o intuito de desenvolver a região e
açambarcar o monopólio comercial religioso. Através do capital privado e estatal, a idéia
básica era incentivar o desenvolvimento urbano, econômico e social do Norte brasileiro - o
que ajudaria a promover também a burguesia comercial portuguesa, a quem Pombal tanto
prezava200. Tal empresa agiu em duas frentes: a primeira contra a influência dos religiosos nos
negócios seculares e no comércio, de um modo geral. A segunda, contra os mercadores
volantes estrangeiros, que estavam a serviço da Inglaterra. A criação da Companhia também
justificou e incrementou um maior investimento em segurança, uma vez que ela abriu novas
frentes de expansão capitalista e enriqueceu as rotas atlânticas201

A Companhia do Grão-Pará também tinha por finalidade agilizar as


importações e a entrada da economia do Estado do Grão-Pará e Maranhão no comércio
atlântico, o novo eixo do sistema colonial português202. A Companhia de Comércio também
serviria para agilizar a importação de escravos africanos, solução encontrada para o problema
da mão-de-obra indígena203.

198 Co le c ç ão das Le i s , D e c re to s e Alvarás que Co m pre e nde m o F e li z Re i nado de l Re y


F i de li s s i m o D . Jo s é I N o s s o Se nho r, Lisb o a, n a O fficin a d e Miguel Ro d r igues, 1771,
t o mo I .
199 D ias, o p . cit ., p ag. 324.
200 So b r e a Co m p an h ia d e Co m ér cio , ver An t ó n io Car reir a, A Co m panhi a Ge ral do Grão -

P ará e Maranhão , São P aulo , Co mp an h ia E d it o r a N acio n al, 1988, 2 vo ls.


201 D ias, o p . cit ., p ag. 332.
202 D ias, o p . cit ., p ag. 326. Ver t amb ém Ân gela D o m in gues, o p . cit ., p ag. 14.
203 Ver A Am az ô ni a. . . , p ag. 28.
100

Grande golpe no poderio dos religiosos foi a promulgação, em 1758, do


D iretório dos Índios. Complementar à lei de 1755, o Diretório foi o golpe de misericórdia
no domínio dos religiosos sobre os indígenas. A partir de sua promulgação, os aldeamentos
seriam extintos, assim como uma série de medidas em relação aos índios foram tomadas. Uma
delas dizia respeito ao governo das aldeias: estas, daí em diante, deveriam ser governadas
pelos respectivos principais . Uma vez que estes ainda eram, segundo o Diretório, bárbaros,
incultos e incivilizados - em virtude, inclusive, do prolongado convívio com os religiosos - o
texto do documento manda que as aldeias - transformadas agora em vilas, e sujeitas à
administração direta da Coroa - sejam governadas por diretores nomeados pelo governador204.
Outra das determinações expressas no Diretório é a urgente integração do indígena no
conjunto da sociedade daqueles rincões, transformando-o em súdito e cidadão. Para tal, manda o
Diretório que se proíba o uso da língua geral, sendo esta substituída pelo português, ensinado
o mais rapidamente possível205. Habilita os índios a títulos honoríficos, considerando a
igualdade, que tem com eles na razão genérica de vassalos de Sua Majestade 206 e incentiva
inclusive o casamento de colonos brancos com as índias - uma forma inteligente de procurar
legitimar as relações inter-raciais entre os colonos e as índias207.

Os missionários, sob pesados protestos, se retiraram dos aldeamentos,


carregando tudo o que podiam de valor208. A ação do Diretório foi, posteriormente, ampliada
para o resto da colônia - sendo acompanhada pela expulsão, em 1759, dos jesuítas

Graças à injeção de capital advinda da Companhia Geral do Pará e Maranhão, a


Coroa enfatizou a defesa do Norte brasileiro, levantando fortalezas, que seriam também
núcleos de povoação. Estas fortalezas significavam um melhor patrulhamento da fronteira e
uma vigilância mais rigorosa sobre o contrabando para território de domínio espanhol. Um de
seus objetivos era também o de barrar o avanço dos espanhóis pela região de Mojos e pelo rio
Madeira, bem como vigiar os franceses, que desciam a costa atlântica vindos de Caiena209.

204 D i re c to ri o que s e D e ve O bs e rvar nas P o vo aç õ e s do s I ndi o s do P ará, e Maranhão


e m quanto Sua Mag e s tade não Mandar o Co ntrari o , Lisb o a, n a O fficin a d e Miguel
Ro d r igues, 1758, p ag. 1.
205 I d em, p p . 3-5.
206 I d em, p ag. 35.
207 I d em, p ag. 36.
208 D ias, o p . cit ., p ag. 330.
209 I d em, p p 335-342.
101

O fim do governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado não significou o


término dos investimentos da colonização na área. Pombal ainda manteria por muito tempo
seus olhos voltados para aquela região. Uma das evidências de tal atenção é o fato de ter sido
enviado para lá um visitador do Santo O fício - que, a esta altura dos acontecimentos, era um
Tribunal já completamente submisso ao jogo de poder do todo-poderoso Marquês.
102

I I AP O RT A O VI SI T AD O R

Corria o ano de 1763. Chega ao porto de Belém a nau que traria o novo
governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, D. Fernando da Costa de Ataíde Teive.
Com ele, chega o Pe. Giraldo José de Abranches. Esta era, para a sociedade paraense, uma
ocasião especial, de expectativas e ansiedades. Afinal, não é todo dia que chega um novo
governador. Muito menos, acompanhado de um visitador do Santo O fício. Após um intervalo
de 143 anos, o Brasil voltava a abrigar tão alto emissário inquisitorial210. E quem era, afinal,
este visitador?

Giraldo José de Abranches nasceu no bispado de Coimbra, na freguesia de


Nossa Senhora da Natividade, e foi batizado em 21 de outubro de 1711, sendo filho de
lavrador. Cursou a Universidade de Coimbra entre 1731 e 1737, bacharelando-se em Sagrados
Cânones e exercendo a advocacia. Foi, posteriormente, nomeado comissário da Bula da Santa
Cruzada, Comissário do Santo Ofício, Provisor e Vigário Geral do Bispado de São Paulo,
onde passou pouco tempo, em virtude de desentendimentos com o bispo. Após sua saída de
S. Paulo, Giraldo se dirigiu a Mariana, em 1748. Lá, nosso visitador exerceu as funções de
Arcediago e, posteriormente, de Vigário Geral, sendo também Juiz de Casamentos e Resíduos.

210A p r im eir a visit ação t eve in ício em 1591, so b r esp o n sab ilid ad e d e H eit o r F ur t ad o d e
Men d o n ça, ab r an geu o s est ad o s d a Bah ia e d e P er n amb uco , se est en d en d o at é 1595. A
103

Em 1752, envolveu-se novamente em confusões, desta vez com o bispo e o Cabido de


Mariana - ocasião em que, por ordem episcopal, ficou preso por três dias. Em 1754 volta a
Portugal. Morando em Lisboa, em 1760 pleiteou junto à Inquisição o cargo de Deputado do
Santo Ofício - o que conseguiu neste mesmo ano. Torna ao Brasil em 1763, em Belém, como
visitador inquisitorial, comissionado para visitar os Estados do Pará, Maranhão, Rio Negro, e
mais terras adjacentes - constando, contudo, através das denúncias e confissões, que tenha
permanecido enquanto visitador apenas em Belém211,

A cidade que recebeu Pe. Giraldo possuía, à ocasião, mais de dez mil
habitantes212. A população era composta por brancos, negros, indígenas e mestiços, sendo
marcantes a escassez de mulheres brancas e a abundância de militares na região. A cidade,
grande, de ruas bem alinhadas, casas alegres, (...) em pedra e alvenaria, além de igrejas
magníficas , dava ao visitante a impressão de estar na Europa213.

Uma vez desembarcado, o visitador se instalou no Hospício de S. Boaventura.


Dali, seguindo a praxis inquisitorial, apresentou suas credenciais às autoridades competentes:
o bispo, o ouvidor, representantes da Câmara, chefes militares. O visitador, ainda segundo o
costume inquisitorial, providenciou as provisões de nomeação dos seus assistentes mais
diretos: notário, meirinho e demais auxiliares - um solicitador e dois homens da vara214. Seu
próximo passo foi, uma vez montada a equipe da visita, se apresentar enquanto visitador,
como era recomendado no Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640, então ainda
em vigor. Assim, em 20 de setembro de 1763, Giraldo José de Abranches se apresentou ao
bispo do Pará, D. Frei João de S. José Queiroz - o qual, como teremos oportunidade de
examinar, aguardava apenas o momento de regressar à Lisboa, sob o peso de graves acusações

segun d a, a car go d o licen ciad o Mar co s T eixeir a, t eve seu camp o d e at uação limit ad o à
Bah ia, d uran d o d e 1618 a 1620.
211 Li vro da Vi s i taç ão ..., p p . 39-47.
212 D ias, o p . cit ., p ag. 363.
213 Q uem se sen t iu assim t ran sp o rt ad o fo i Ch arles-Mar ie d e La Co n d amin e, que d escr eveu

t al sen t im en t o em sua Vi ag e m pe lo Ri o Am az o nas , Rio d e Jan eir o / N o va F r o n t eir a;


São P aulo / E D USP , 1992, p ag.107.
214 E st a d o cum en t ação se en co n t ra n o Li vro da Vi s i taç ão do Santo O fí c i o da

I nqui s i ç ão ao E s tado do Grão - P ará e Maranhão , t ext o in éd it o e ap resen t ação d e Jo sé


Ro b er t o d o Am aral Lap a, P et r ó p o lis, Vo zes, 1978, p p . 115-120.
104

- e ao Senado da Câmara de Belém (três dias depois de sua apresentação ao Bispo). Ambos,
bispo e autoridades, segundo o ritual de praxe, leram as credenciais e se comprometeram, por
juramento, em ajudar o visitador. Mais uma vez, tomava forma o rito de sujeição das
autoridades principais ao Santo O fício - uma característica da pedagogia inquisitorial, que
desta forma dava a entender que todos os poderes lhe estavam sujeitos, e a Inquisição tomava
a posse simbólica da sociedade215.

Em 25 de setembro de 1763, era feito o Auto de Publicação dos Editos da Fé e


da Graça, com o ritual prescrito no Regimento: procissão solene - com a presença das
principais figuras e autoridades locais - e sermão na igreja da Sé. Nesta ocasião, foram feitos os
juramentos das autoridades - governador e capitão-general, ouvidor, juiz de fora, vereadores,
escrivão da Câmara, alcaide, meirinhos e do povo, que também se submetia ao Santo Ofício.
Em todos estes juramentos, as pessoas se comprometiam a facilitar ao máximo o trabalho do
visitador, não obstruindo a ação do Santo Ofício e colaborando naquilo que fosse necessário.
Foram, nesta ocasião, afixados na Sé os Editos e o Alvará da visitação, que estava pronta para
começar.

215 Ver F r an cisco Bet h en co ur t , I nqui s i ç ão e Co ntro le So c i al, Lisb o a, ex. mimeo , 24p .
105

- E x p li c an d o a Vi s i taç ão

Neste momento, cabe uma questão, que se faz cada vez mais premente: por
que a Inquisição teria enviado um visitador ao Pará, quando havia mais de um século que ela
abandonara tal expediente?216 E mais, por que justamente naquela região?

José Roberto do Amaral Lapa, que descobriu , na década de 1960, o Livro da


Visitação paraense no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, afirma que o
desregramento moral da sociedade paraense poderia ter sido perfeitamente o motivo da
visitação . Segundo Lapa, a visita teria ainda a missão de verificar o alcance da influência
material e espiritual da Companhia de Jesus, bem como diminuir o suposto poderio
econômico dos cristãos-novos no Norte da colônia217.

As escassas denúncias - e inexistentes confissões218 - de práticas judaicas nesta


visitação constituem uma clara evidência de seu caráter pombalino. A hipótese de um controle
sobre o poderio econômico dos cristãos-novos no Norte não se sustenta, na medida em que
levamos em conta a política de incentivo e proteção de Pombal face aos cristãos-novos.
Empenhado em atrair o capital da burguesia cristã nova - inclusive, para empreitadas como a
Companhia Geral do Grão-Pará -, Pombal não mandaria um visitador para reprimir tais
pessoas, ainda mais quando lançava um aparato legislativo que tinha por finalidade eliminar a
distinção entre cristãos-novos e velhos, como foi visto anteriormente neste trabalho.

Por outro lado, somos levados a crer que a visitação ultrapassou a simples
verificação da influência material e espiritual da Companhia de Jesus, como afirma Lapa.

216 Q uan t o ao ab an d o n o d as visit açõ es, est e se d eu n a med id a em que a r ed e


ad min ist r at iva d e familiar es e co m issár io s d o San t o O fício est ava co n so lid ad a. Ver
Bet h en co ur t , o p . cit ., p ag. 7.
217 Li vro da Vi s i taç ão ..., p p . 26-28.
218 T al quan t ificação será an alisad a em mo men t o p o st er io r d est e t rab alh o .
106

A Inquisição tem uma função normatizadora da ortodoxia a cumprir em terras


paraenses. Creio que a visitação não foi realizada tendo como finalidade a verificação da
influência jesuítica na região. A visita teve a função de substituir, face aos colonos e índios, um
modelo religioso. Uma vez que os inacianos - difusores da ortodoxia cristã tridentina - haviam
sido retirados da região, seu modelo religioso, que tanto desagradava às autoridades lusitanas,
foi substituído. Também tridentino, o catolicismo do Pará pós-jesuítico está ligado aos planos
da Igreja característica do período pombalino, de regime acentuadamente regalista. A
catequese seria redimensionada, bem como a organização das comunidades dos fiéis: uma vez
que os antigos aldeamentos foram elevados à categoria de Vilas pela administração pombalina,
estas foram paroquializadas. A catequese jesuítica - que soa tão hermética nas queixas dos
colonos e do governador Francisco Xavier M. Furtado por seu caráter segregacionista,
exclusivista e por não reconhecer língua e Estado portugueses, entre outras coisas -, é então
substituída por um outro modelo de evangelização, baseado nos moldes regalistas. Tal modelo
foi difundido de forma abrangente, não se restringindo apenas aos antigos aldeamentos
jesuíticos, mas também perpassando toda a sociedade. O que houve, por fim, foi a
substituição de um modelo religioso tridentino voltado para a ênfase da ortodoxia da fé, que
caracterizava os inacianos, por um outro, também tridentino, mas de cunho regalista,
direcionado para uma redefinição das relações entre Igreja e Estado - devendo a primeira estar
separada da administração política e submetida às diretrizes emanadas do trono.

Tal hipótese vem a ser confirmada pela presença, na região, de indivíduos


pessoalmente indicados pelo Marquês para ocuparem o trono episcopal - do mesmo modo
que acontecia com os membros do Conselho Geral do Santo Ofício, ou mesmo com o
Inquisidor Geral -, como o bispo D. Fr. João de S. José Queiroz, e o próprio visitador
inquisitorial, indicado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, então Secretário da
Marinha e dos Negócios Ultramarinos219.

A outra hipótese de Lapa - e que propositalmente deixamos por último - diz


respeito ao desregramento moral da sociedade paraense como principal motivo da visitação.

219 Li vro da Vi s i taç ão . . . , p ag. 48.


107

Com efeito, encontramos na correspondência de Francisco Xavier de


Mendonça Furtado um amplo descontentamento a este respeito. O governador se queixa,
sempre que pode, de que toda esta gente [a população paraense] é ignorante em ínfimo
grau 220. E afirma, desgostoso, que

Finalmente - cúmulo dos absurdos! - o governador denunciava a queda maior


da fé católica, afirmando que os índios não apenas estavam sem conversão, como

Tais situações de ignorância e relaxamento, contudo, não são privilégio


paraense. No que tange a este aspecto, as queixas sempre foram generalizadas na colônia, e
hoje possuímos uma vasta gama de estudos históricos a este respeito223.

Uma outra situação de confusão e relaxamento que, sem dúvida, atrairia muito
mais as atenções de Pombal, a ponto de este enviar à colônia uma tão anacrônica visitação, é a
do bispado paraense. Criado em 1719, sua história é marcada por confrontos doutrinários e de
jurisdição com as ordens missionárias; tais conflitos, invariavelmente, tinham como temática
principal a exploração da mão-de-obra indígena e a autonomia das missões, no que tange à
administração secular e à catequese dos índios224. Na época do governo pombalino, estes
confrontos recrudescem, principalmente contra os jesuítas. Os bispos, ligados a Pombal e por
ele indicados, tomavam o partido da Coroa no combate às missões religiosas, e agiam de
acordo com a política regalista preconizada por Pombal, que era no sentido de tolher o
poderio da cúria de Roma sobre a Igreja lusitana225.

220 A Am az ô ni a..., p ag. 84.


221 I d em, p ag. 321.
222 I d em, p ag. 64.
223 N ão en t r ar ei aqui n o s d et alh es d est a d iscussão . O leit o r a en co n t rar á m elh o r

en cam in h ad a - e d e fo rm a mais ab ran gen t e - n o excelen t e est ud o d e E m an uel Ar aújo , O


T e atro do s Ví c i o s , Rio d e Jan eir o , Jo sé O lym p io , 1993. Ver t amb ém a t ese d e Lan a
Lage d a G ama Lima, A Co nfi s s ão pe lo Ave s s o , T ese d e D o ut o r am en t o ap esen t ad a à
Un iversid ad e d e São P aulo , 1991, 3 vo ls. P o r fim, rem et o o leit o r à far t a o b ra d e Luiz
Mo t t , que map eia co mo p o uco s cam in h o s t ão sin uo so s d a mo r alid ad e b r asileira co lo n ial.
224 Carlo s d e Araújo Mo r eir a N et o , Refo r mulaçõ es d a m issão cat ó lica n a Amazô n ia en t r e
1750 e 1832 in H i s tó ri a da I g re ja. . . , p ag. 228. So b r e est es co n flit o s, ver t am b ém
Jo r ge Co ut o , As visit as p ast o rais às missõ es d a Amazô n ia: fo co s d e co n flit o s en t r e o s
jesuít as e o 1º b isp o d o P ar á (1724-1733) in Anai s do X Si m pó s i o N ac i o nal de
E s tudo s Mi s s i o ne i ro s , UN I JUÍ , s.d ., p p . 231-249.
225 Ver Lan a Lage d a G ama Lima, A r efo rm a t r id en t in a d o clero n o Br asil co lo n ial:
est r at égias e limit açõ es in Co ng re s s o I nte rnac i o nal de H i s tó ri a - Mi s s i o naç ão
P o rtug ue s a e E nc o ntro de Culturas , At as, vo l I I , sep ar at a, Br aga, 1993, p p . 548-549.
108

O quarto bispo paraense, D. Fr. João de S. José Queiroz, chegou à região em


1760, ou seja, ainda no calor da expulsão dos inacianos. Antijesuítico, logo se envolveu nestes
acontecimentos. Sua prosa satírica e ferina, por outro lado, ajudaram-no a granjear inimigos,
os quais eram por ele ridicularizados em sermões e escritos em geral. Em virtude disto, o
bispo se encontrava imerso em uma rede de acusações e querelas, à época da chegada do
visitador. Em Lisboa o bispo era, entre outras coisas, acusado de extorsão 226, e também de
sustar as obras da Sé. No Pará seria denunciado ao visitador, por seus inimigos locais, por
queimar papéis referentes ao Santo Ofício227.

Politicamente isolado e em desgraça, o bispo foi chamado de volta a Portugal


por Pombal, devendo regressar na mesma nau que trouxera o visitador. Através de provisão
régia de 27 de novembro de 1763, Giraldo foi nomeado Vigário Capitular, ocupando a Sé que
vacara com a partida de D. Fr. João de S. José Queiroz228.

Dono, por sua vez, de uma também tumultuada biografia - tendo se envolvido
em brigas em Mariana e São Paulo -, Giraldo permaneceu como bispo-inquisidor até 1772. O
fato de haver sido indicado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado constitui forte indício
de afinidade entre o visitador e a política de Pombal.

Creio, então, que Giraldo, por ser uma pessoa vinculada ao projeto pombalino
- e por ter amizades de tanto peso, como o irmão do Marquês - tornou-se a pessoa
encarregada de implantar - enquanto visitador inquisitorial e bispo - o modelo do catolicismo
regalista de Pombal229, reestruturando a diocese e realizando as funções de controle social
inerentes à Inquisição. Mantinha-se, desta forma, o domínio pombalino sobre a diocese e a
formação de consciências.

A visitação, por sua vez, foi aqui utilizada claramente como um instrumento
político de vigilância e controle - uma vez que tal expediente já havia sido abandonado pelo
Santo Ofício há muito tempo. Pombal, senhor todo-poderoso também da Inquisição, foi

226 An t ó n io Baião , E pi s ó di o s D ram áti c o s da I nqui s i ç ão P o rtug ue s a, Lisb o a, Sear a


N o va, 1973, vo l. 3, p ag. 189.
227 I d em, p ag. 192.
228 Li vro da Vi s i taç ão ..., p ag. 56.
229 So b r e I gr eja p o m b alin a e t emas afin s, rem et o o leit o r p ar a o cap ít ulo an t er io r d est e

t rab alh o .
109

buscar esta prática, anacrônica para o século XVIII, devido ao grande peso simbólico e
opressor que uma visitação inquisitorial ainda possuía sobre o povo.

A hipótese de reorganização da diocese, por fim, ganha maior solidez na


medida em que constatamos que Giraldo permaneceu acumulando as funções de bispo-
inquisidor até 1772. Foi neste ano que chegaram a Belém o novo governador, João Pereira
Caldas, e o novo bispo, D. Fr. João Evangelista Pereira da Silva. A prolongada visita
inquisitorial tem seu último registro datado do ano de 1769; o inquisidor ainda permaneceu
por mais três anos no Pará, exercendo as funções de vigário capitular - o que nos dá uma idéia
da importância de sua permanência. No desempenho destas funções, contrariando seu
passado de confusões com os representantes do poder secular, Giraldo agiu sem grandes
atritos com o governador ou seus representantes230.

- Os Pe c ado s de Be lé m do Pará ante o Vis itado r

Ao longo dos seis anos daquela que foi a mais demorada visita inquisitorial ao
Brasil, o visitador recebeu em sua sala, para confessar, denunciar ou fazer as duas coisas
simultaneamente, 46 pessoas. Uma quantidade muito pequena, se comparada com o volume
de denúncias/ confissões gerado nas visitações anteriores: nestas, o volume de culpas era tal
que as denúncias e confissões foram separadas em dois livros231. As apresentações da visita
paraense foram distribuídas da seguinte forma, através dos anos de sua ocorrência:

ANOS 1763 1764 1766 1767 1769

230 Li vro da Vi s i taç ão ..., p p . 56-58.


231 O leit o r in t eressad o p o d er á co n sult ar o s livr o s d est as visit açõ es, que est ão p ub licad o s.
110

QUANT 22 14 06 02 02

Ao analisarmos o quadro de incidência de denúncias/ confissões por ano,


notamos que a maior parte de idas à Mesa inquisitorial ocorreu no primeiro ano da visita.
Destas 22 denúncias/ confissões, 21 aconteceram no período da graça - isto é, um mês após a
afixação do Edito da Fé, que iniciava a visita. Neste período, o Santo Ofício acenava com um
tratamento benévolo para os que confessassem seus pecados: isentava do confisco de bens, do
tormento e da pena capital232. O Edital da Graça fora afixado em 25 de setembro de 1769, e o
período da graça estaria em vigor até 2 de novembro de 1763.

Das 21 apresentações ocorridas no período da graça, notamos um fato digno


de relevo: 14 eram denúncias, e 9 confissões233. Tal característica pode ser vista como um
indício de que povo paraense demonstra, desta forma, um certo desconhecimento da regra do
período da graça, que concedia benesses para atrair confitentes, em busca da autodenúncia.
Também mostra um eficaz funcionamento da pedagogia intimidadora do Tribunal - que
levava as pessoas a procurarem a mesa da visitação para denunciar, mostrando-se, desta forma,
zelosos para com a Inquisição e a fé, bem como merecedores das boas graças do inquisidor -
precavendo-se contra possíveis denúncias contra si próprias. Este segundo fator pode,
portanto, ser interpretado como um indício da força que o Santo Ofício ainda possuía
enquanto instituição coercitiva; a pedagogia do medo inquisitorial ainda funcionava a contento, na
medida em que tantas pessoas iam espontaneamente denunciar, mal começada a visita234.

N o que t an ge ao s en vo lvid o s n a visit ação , p o d emo s


co n st at ar d iver so s fat o r es d e sin gular in t er esse. Um p r imeir o
dado é o da divisão sexual e do est ado civil d as p esso as
r elacio n adas na visit a. Entre den un cian t es, d en un ciad o s e

232 Sô n ia Siqueir a, A I nqui s i ç ão P o rtug ue s a e a So c i e dade Co lo ni al, São P aulo , Át ica,


1978, p ag. 196.
233 E st es n úmer o s o co r r em p o r que 2 co n fit en t es t amb ém p ro cur ar am a Mesa d a I n quisição

p ara d en un ciar .
234 Ver Ben n assar, Mo d elo s d e la m en t alid ad in quisit o rial: mét o d o s d e su p ed ago gía d el
mied o in Án gel Alcalá (o r g.), I nqui s i c i ó n E s paño la y Me ntali dad I nqui s i to ri al,
Barcelo n a, Ar iel, 1984, p p . 174-182
111

co n fit en t es, n o t am o s p r ep o n d er an t e p art icip ação m asculin a.


T em o s, aq u i, 47 in d ivíd u o s d o sexo m asculin o (22 casad o s, 18
so lt eir o s, 2 viúvo s e 5 sem esp ecificação ), e 17 do sexo
fem in in o (8 casadas, 4 viúvas, 4 so lt eir as, 1 sem
esp ecificação ).

O s h o m en s d en un ciam - e t am b ém co n fessam - m ais


d o que as m ulh er es (são 15 co n fit en t es d o sexo m asculin o
co n t ra quat ro m ulh er es co n fit en t es). E n t re o s d en un cian t es,
são 22 in d ivíd uo s do sexo m asculin o contra 7 do sexo
fem in in o . F o r am d en un ciad o s 17 h o m en s e 6 m u lh er es - co m
um a ressalva: exist em d iver so s caso s d e p esso as que fo r am
d en un ciad as m ais d e u m a vez, p o r d ifer en t es d en u n cian t es.
E ncon tram os tam bém pessoas que co mp areceram à Mesa
in q u isit o r ial p ar a d en u n ciar m ais d e u m in d ivíd u o , e p esso as
que procuraram o visit ad o r para fazer co n fissõ es
aco m p an h ad as d e d en ú n cias. H á, p o r fim , o ut r o d ad o d ign o
d e r elevo : o s h o m en s co m p ar ecer am an t e o visit ad o r p ara,
m ajo r it ariam en t e, d en un ciar o ut r o s h o m en s. E n t r e est es, 16
d en un ciar am o u t r o s d e seu m esm o sexo p o r p ecad o s d iver so s,
en q u an t o ap en as 6 d en ún cias m asculin as se d ir igir am co n t r a
m u lh er es. N o q ue t an ge ao sexo fem in in o , t al car act er íst ica
se rep et e: en co n t r am o s 5 d en ún cias vo lt ad as co n t ra o ut r as
m ulh er es, e ap en as d uas co n t r a h o m en s.

T al p r ep o n d er ân cia d o s h o m en s p o d e ser en t en d id a
n a m ed id a em qu e levam o s em co n t a a car ên cia d e m u lh er es,
p rin cip alm en t e eur o p éias, na r egião (e, por outro lad o , a
ab u n d ân cia d e in d ivíd u o s d o sexo m ascu lin o , p r in cip alm en t e
d evid o ao fato de a área que tratamos se encon trar
fo r t em en t e m ilit ar izad a, co n fo r m e já fo i aq u i r efer id o ).
112

Rep r esen t an t es d e t o d as as varied ad es ét n icas d a


so cied ad e p araen se compareceram d ian t e do visit ad o r : são
r egist rad o s brancos (os m ais numerosos entre os homens,
q u er co m o d en u n cian t es o u co n fit en t es), n egr o s, ín d io s (o s
m ais d en un ciad o s en t r e o s h o m en s), m ulat o s e m am elu co s.
Entre as m ulh eres, o m aio r número de d en un cian t es é
co n st it u íd o p o r m ulat as, e as n egr as são as m ais d en u n ciad as.
E n co n t r am -se ain d a m est iças e cafu sas, e p o uca p ar t icip ação
de m u lh er es brancas - uma outra p ist a a resp eit o de sua
escassez n aquelas p ar agen s t ão lo n gín quas.

P er an t e a Mesa in q uisit o r ial d esfilo u t am b ém u m a


variegad a gam a de p ro fissõ es. São m ilit ar es (em m aio r
p ro p o rção d e in cid ên cia), lavrad o r es, escravo s, fazen d eiro s,
car p in t eir o s, alfaiat es, d iret o r es de ín d io s, co st ur eir as,
b iscat eir o s, sen h o r es d e en gen h o e o u t r o s t an t o s. D evid o ao
fat o d e a r egião ab r an gid a p ela visit ação ser , r eit er am o s, u m a
zona est rat égica, torna-se co m p reen sível tal in cid ên cia de
m e m b r o s d a s t r o p a s 235.

Um dos pontos que t ornam a visit ação paraense


ún ica, n o co n jun t o d as visit as in quisit o r iais ao Br asil, r efer e-
se aos d elit o s co n fessado s e d en un ciad o s, como podemos
o b ser var n o an exo I V, ao fin al dest e t r ab alh o .

E m uma an álise d e t ais d elit o s, n o t amo s escasso


n úm er o d e d en ún cias (um t o t al d e t r ês) r elat ivas às p r át icas
d o s cr ist ão s-n o vo s. T ais d en ún cias, in clusive, n ão são d iret as
e fo r mais. N in guém, nesta visit ação , foi d iret amen t e
d en un ciad o p o r ser jud eu o u p o r jud aizar . O s d en un cian t es
113

procuram o visit ad o r para r elat ar outros d elit o s, como


sacr ilégio s e b lasfêm ias, e acabam, p er ifer icam en t e,
m en cio n an d o a fam a d e jud eu que seu d en un ciad o t eria, o u d e
algum an tepassado deste. Como foi o caso do lavrad o r
Caetan o da Costa, que soube por t er ceir o s que um certo
I zid r o , Juiz d e Ó r fão s d a vila d o Cam et á, an d ava a aço it ar
uma im agem de Crist o cr u cificad o , que para tal fim era
dep en durado em um a go iab eir a. E m su a d en ú n cia, Caet an o
m en cio n o u a constante fama que há de ser o d it o I zid ro
jud eu . Contudo, p arece que o in q uisid o r , agin d o
p o m b alin am en t e, d eu p o u ca at en ção à h ist ó r ia d e Caet an o : a
d en ún cia é b r eve, n ão h aven d o as in q uir içõ es d e p r axe so b r e
a r azão que m o t ivo u a d elação , so b r e a fam a e co st um es d o
d en un ciad o , e n em lh e fo r am d ad as as h ab it uais r at ificaçõ es
d e cr éd it o , p r át ica co m u m d as visit açõ es in qu isit o r iais - p ar a
a u f e r i r e m o u n ã o c r e d i b i l i d a d e a u m a d e n ú n c i a 236.

O ut r a d as d en ún cias o n d e en co n t r amo s men ção a


ju d aísm o é a q u e Jo sé d a Co st a faz d e seu vizin h o , o alf er es
d e in f an t ar ia T o m ás Lu iz T e ixe ir a. Se gu n d o Jo s é , e m 1 7 4 2 ,
T o más t er ia jo gad o , em cim a d e uma p r o cissão d e men in o s d o
co légio que can t ava d eb aixo de sua jan ela, um vaso de
imun d ícies fét idas e asquer o sas . P o is b em: o vaso caiu em
cim a d e um an d o r , que an t es d o at en t ad o se en co n t r ava muito
bem asseado e armado com oito velinhas de cera, e dentro (...) uma imagem perfeita do
Senhor crucificado . O vaso de imundícies teve o efeito de uma bomba de fragmentação:

O resultado foi que Tomás se retirou da janela de onde cometera o


malcheiroso bombardeio, e os meninos ficaram a clamar contra ele de judeu até que desfeita
ali a procissão se retirou cada um para sua casa, ficando o denunciante e os presentes
indignados com a conduta tão anti-social do alferes sacrílego237.

235 P ar a um a r elação mais co m p let a d as p ro fissõ es, ver an exo s I e I I .


236 Li vro da Vi s i taç ão ..., p p . 228-229.
237 I d em, p p . 168-171.
114

Tamanha escassez de denúncias relativas a práticas judaicas pode, seguramente,


ser vista como um indício da política de tolerância pombalina para com os cristãos-novos, o
que vem a contrariar a hipótese de que a visitação seria motivada pela necessidade de se
controlar o poderio econômico dos elementos judaicos na colônia. Na visita paraense, mais
que o fato de judaizar - o qual não foi, em momento algum, mencionado em nenhuma das
denúncias -, importam os atos escabrosos e anti-sociais, que são o verdadeiro motivo das
delações. A a u s ê n c i a d e d e n ú n c i a s c o n t r a j u d a i z a n t e s n ã o é f a t o r
d e est r an h eza o u b izar r ia h ist ó r ica, co mo p o d er -se-ia p en sar
à p r imeir a vist a. T al ausên cia é, an t es d e m ais n ad a, in d ício
de que os tempos vivido s são outros, de t o ler ân cia e
in t e gr aç ão d o s c r is t ão s - n o v o s , e q u e ao San t o O f íc io já n ão
p r eo cup avam ao s d elit o s jud aico s. P er an t e o visit ad o r , o ut r o s
t ip o s d e d elit o s jo r r ar am ao s b o r b o t õ es.

Também encontramos, ao longo do Livro da Visitação, delitos comuns às


visitas anteriores - e plenamente ligados à virada que Trento propiciou à atuação da Inquisição,
quando esta passou também a reprimir os pecados morais dos cristãos velhos. É assim que
encontramos diversos casos de blasfêmias, bigamia e sodomia - um destes últimos, inclusive,
protagonizado por um clérigo, o frade Manoel do Rosário. Missionário carmelita, o frade, em
12 de outubro de 1763 confessou ao visitador ter praticado o pecado nefando, em ocasiões
diferentes, com duas índias - uma já falecida e outra, na época, com doze anos de idade -
residentes na fazenda do Camarã, na Ilha de Marajó, propriedade dos carmelitas238. Tal fato é
apenas uma das evidências de quanto o clero colonial tinha de pré-tridentino, no que tange ao
comportamento moral e social, levando uma vida que pouco lhes diferenciavam do comum
dos fiéis - o que foi um dos grandes objetivos da reforma do clero no Brasil setecentista,
estudada por Lana Lage239.

Contudo, a grande ênfase da visita paraense recai sobre as


denúncias/ confissões relativas a práticas mágico-religiosas. Estas estavam - assim como em
toda a colônia - profundamente arraigadas na vida cotidiana. Vivenciada na mais pura
mentalidade religiosa pré-tridentina, a magia interpenetrava a religião católica, sendo vista

238I d em, p p . 147-150.


239A est e resp eit o , ver Lan a Lage, A Co nfi s s ão ..., esp ecialmen t e o cap ít ulo in t it ulad o A
refo r ma d o cler o co lo n ial .
115

como apoio e meio de solução para as dificuldades do dia-a-dia, tais como doenças, sumiços
de objetos e acidentes vários.

A fim de melhor organizar o estudo, podemos reunir as práticas mágicas


presentes no Livro da Visitação em quatro grupos:

A magia divinatória, onde encontramos desde o uso de adivinhações simples


(as chamadas sortes ) até a invocação de espíritos para a obtenção direta de informações;

A magia amorosa, onde se encontra grande incidência de orações dedicadas a


santos católicos, acompanhadas ou não de gestos rituais, e também outras práticas, tais como
cartas de toque e pactos com o Diabo;

Magia de cura, com rezas, rituais de contra-feitiçaria e catimbó;

Magia de proteção, representada basicamente pela confecção de bolsas de


mandinga.

Assim podemos dividir as práticas mágicas da visitação paraense. Tais feitiços e


conjuros serão, de agora em diante, objeto de nossas atenções. Convido o leitor, pois, a se
embrenhar neste terreiro de magia, amores danados e maldições.
116

CAP Í T U LO 5

-AS ARTE S MÁG I CAS PARAE N SE S-

I - ALG UMAS Q UE STÕ E S PRE LI MI N ARE S

A partir deste momento, passaremos a mergulhar mais a fundo na magia


presente no cotidiano e na mentalidade religiosa paraenses. Com isso, torna-se necessário que
especifiquemos alguns parâmetros.

O primeiro deles está ligado à magia propriamente dita. Devemos, aqui, tomar o
cuidado de não adotar inteira ou acriticamente noções de magia que foram elaboradas tendo
por base estudos de outras sociedades e de outros sistemas culturais, alheios ao que
investigamos agora. Tais modelos são úteis se utilizados com comedimento e critério, e isto é
o que pretendo fazer para o estudo do sistema mágico-religioso paraense. Os grandes
esquemas aplicativos ou as definições que cabem em qualquer objeto-tempo-lugar devem ser
evitados pois, nas palavras de Carlos R. F. Nogueira, as bases do pensamento mágico diferem
de sociedade para sociedade, ou mesmo de um grupo social para outro . O autor prossegue,
afirmando que não existe uma magia, existem magias, tantas quanto forem os sistemas
culturais 240. O que procurarei neste estudo é caracterizar esta magia, traçando seus atributos e
procurando revelar sua unicidade, dentro do todo colonial brasileiro.

Creio que, no caso paraense, a magia e as diversas formas pelas quais ela se
manifesta não estão, de modo algum, desvinculadas da religião praticada diariamente. Pelo
contrário, a magia é parte integrante da religiosidade paraense. Os relatos constantes do Livro

240Car lo s Ro b er t o F . N o gueir a, B rux ari a e H i s tó ri a, São P aulo , Át ica, 1991, p ag. 15 -


gr ifo d o aut o r.
117

da Visitação não apontam, em momento algum, para uma desvinculação entre uma e outra -
o que vem a confirmar as idéias de Carlos Roberto F. Nogueira, para quem

Magia, no âmbito paraense, bem como no todo colonial, não está desvinculada
de religião. Contudo, a fim de uma melhor operacionalização de nossa investigação, faz-se
necessária uma conceituação que lhe seja específica. Para este caso, encontramos em
Malinowski uma definição de considerável aplicabilidade para nosso estudo. Para ele, magia é

A magia, segundo Malinowski, serve ao homem como um anteparo à


impotência, desespero e ansiedade cotidianos, pois é usada como um instrumento de ajuda
para superar sua falibilidade e limitações, permitindo que este

Esta característica é confirmada pela análise das denúncias/ confissões de


práticas mágicas constantes do Livro da Visitação, onde encontramos o homem em
constante luta face a males físicos frente aos quais ele não possui muitos recursos, ou mesmo
no desespero de reconquistar um amor perdido.

A magia se manifesta na forma do conjuro, do feitiço - que é onde os poderes


contidos na magia são acionados e direcionados para o fim que se deseja alcançar. O cerne do
feitiço é a repetição correta da fórmula e do ritual, os quais habilitam qualquer um que os
conheça a praticá-los, no entender de Keith Thomas244. Isto fica patente quando, na visitação
paraense, como teremos oportunidade de observar fartamente, encontramos casos de
ensinamentos de conjuros que não exigem poderes sobrenaturais por parte do oficiante.
Diversos feitiços amorosos, por exemplo, têm eficácia garantida mediante a simples execução
correta das preces e do ritual; não requerem prática nem tampouco habilidade do praticante.
Tudo o que estas cerimônias requerem limita-se apenas à obediência estrita à sua fórmula.
Uma vez aprendido o conjuro, o praticante é, por sua vez, livre para ensiná-lo a terceiros,

241 I d em, p ag. 14.


242 Br o n islaw Malin o wski, Magia, ciên cia, r eligião in Mag i a, Ci ê nc i a e Re li g i ão ,
Lisb o a, E d içõ es 70, 1988, p ag. 90. A ap licab ilid ad e d est a n o ção d e Malin o wski ficar á
b ast an t e clar a à med id a em que, em b r eve, p assemo s a an alisar a magia p ar aen se.
243 I d em, p p . 92-93.
244 K eit h T h o m as, Re li g i ão e o D e c lí ni o da Mag i a, São P aulo , Co mp an h ia d as Let r as,

1991, p ag. 376.


118

formando assim uma ampla rede de difusão de tais práticas, passível de ser atestada através da
leitura das denúncias e confissões245.

Uma outra noção que auxiliará a presente análise é a de religião como sistema
cultural. Segundo Clifford Geertz, a cultura rege o comportamento do homem. Ela o diferencia
do resto dos animais, cujas atitudes e reações ante o mundo estão codificadas na forma de
instinto. A cultura se apresenta como um código de ordenação e controle de atitudes e
experiências incorporado em símbolos. Graças a isto, ela torna o mundo e a vida passíveis de
compreensão pelo homem, livrando-o de um possível caos de emoções, sensações e atos.
Devido à cultura, o homem possui uma visão ordenada daquilo que o cerca: tudo o que é
novo e estranho, fora dos padrões culturais, é culturalizado e simbolizado , tornando-se
assim passível de explicação e aceitação, entrando deste modo em uma ordem lógica de
pensamento246. Cultura, para Geertz, é então um padrão de significados transmitido
historicamente, incorporado em símbolos 247. Os sistemas culturais, ou seja, os mecanismos
pelos quais determinado grupo social elabora um código de compreensão do mundo e da
realidade que o cerca, são, devemos lembrar, variáveis geográfica e cronológicamente.

Para Geertz, a religião é uma das manifestações da cultura. O autor entende a


primeira como

Na qualidade de sistema cultural, a religião oferece uma ordenação e


simbolização do mundo, auxiliando os indivíduos e as comunidades na tarefa de compreensão
da existência, por um viés que transcende os fatores puramente materiais. Desta forma, a
religião e a experiência religiosa ajudam o homem a compreender e aceitar, por exemplo, o
infortúnio e a dor, conferindo-lhes sentido, culturalizando -as, através de uma visão
metafísica da vida, legitimada e concretizada, isto é, tornada real e factível através da própria
autoridade do sistema religioso, presente no cotidiano das pessoas.

245 O s an exo s I e I I são , n est e caso , p r o fun d amen t e elucid at ivo s, p o r m o st r ar em as


p esso as que en sin ar am e ap ren d er am o raçõ es e co n jur o s b em co m o , n a med id a d o
p o ssível, seus en d er eço s - o que vem ajud ar n a visualização d est a r ed e so cial d e
so lid ar ied ad es, at uan t e quer seja n a in d icação d o cur an d eiro o u n o en sin o d e r ezas.
246 Cliffo rd G eer t z, A I nte rpre taç ão das Culturas , Rio d e Jan eiro , G uan ab ar a, 1989, p p .

13-41.
247 I d em, p ag. 103.
248 I d em, p p . 104-105.
119

Tendo este raciocínio como ponto de partida, podemos então traçar o papel da
magia dentro de um sistema religioso: ela é uma das formas de apreensão da realidade objetiva
e dos fatos da vida, como os infortúnios, os nascimentos, a morte, a chuva, as colheitas. Neste
sentido, a magia possui um papel duplo: ao mesmo tempo em que ela torna compreensíveis
tais fatos, oferece uma alternativa para interferir em seu transcurso, ou propiciá-lo de maneira
positiva para quem dela se recorre. Podemos, deste modo, compreender a mentalidade
religiosa, magista, presente no Livro da Visitação, manifestada nas confissões e denúncias
relativas à prática de magia, as quais passamos agora a analisar.
120

I I - CO N JU RO S E F E I T I ÇARI AS

-Magia D ivin at ó r ia

A prática de adivinhação sempre foi, no Ocidente cristão, associada ao Diabo.


Proscrito pelas autoridades eclesiásticas, o conhecimento de coisas vetadas ao homem comum,
como o destino das almas após a morte, o futuro, ou mesmo coisas mais prosaicas e
cotidianas, como o paradeiro de objetos sumidos ou a obtenção de informações sobre pessoas
que estivessem afastadas das comunidades, foi inevitavelmente associado à bruxaria. Em 1587
George Gifford escreveu que a bruxa é

A legislação lusitana também procurou reprimir as práticas divinatórias. O


Título III das Ordenações Filipinas menciona as pessoas que adivinham através da água, de

249Ap ud Ro ssel H o p e Ro b b in s, T he E nc yc lo pe di a o f Wi tc hc raft & D e m o no lo g y, N ew


Yo r k, Bo n an za, 1981, p ag. 546, gr ifo meu.
121

cristais, espelhos, espadas e outros objetos, penalizando aquele que incorresse nestas práticas
com açoites públicos, multa e degredo para o Brasil250.

Este tipo de magia era praticado através de diversos rituais, chamados


comumente em Portugal de sortes . No âmbito paraense, as finalidades para as quais estas
sortes se prestavam diziam respeito ao conhecimento do futuro, de fatos que ocorressem em
locais distantes, a detecção do paradeiro de pessoas e objetos.

A prática divinatória com maior incidência na visitação paraense é a do balaio,


utilizado para detectar autores de furtos e responsáveis por sumiços de pequenos objetos.
Dela, encontramos cinco casos: dois confessados, e os restantes denunciados. A prática
consistia no seguinte: espetava-se a ponta de uma tesoura em um balaio. O consulente
segurava em um dos anéis da tesoura, o praticante em outro, ficando o balaio dependurado.
Feito isto, o praticante pronunciava uma oração, geralmente evocando a São Pedro e a São
Paulo, enquanto o consulente enumerava as pessoas de quem suspeitasse. Ao ser pronunciado
o nome do culpado, o balaio se alteraria de alguma forma, comumente girando, ou caindo ao
chão. Manoel Pacheco Madureira, para identificar o autor do furto de uma camisa sua, rezou
que por São Pedro, por São Paulo, pela porta de Santiago, fulano furtou tal coisa , enquanto
nomeava os suspeitos251. Marçal, pedreiro e escravo do Chantre da Sé, recorreu diversas vezes
ao balaio para detectar o autor do furto de cinco patacas de um velho feitor do engenho no
qual residia, e também quem roubara duas varas de algodão da preta Gregória252. A também
escrava Maria Francisca - residente na casa de seu senhor, na Rua Formosa - utilizou, de igual
modo, o balaio para descobrir o autor do furto do dinheiro de alguns escravos seus
conhecidos, tendo sido denunciada por isso253.

O balaio não é uma exclusividade paraense. Laura de Mello e Souza menciona


a ocorrência deste tipo de adivinhação em Pernambuco, no século XVI254. Também
encontramos menções à prática do balaio em terras lusas: no século XVI, Brites Frazoa
utilizou a prática para detectar o ladrão que roubara uma camisa de sua cliente, conjurando a

250 Cf. Laur a d e Mello e So uza, O D i abo e a T e rra de Santa Cruz , São P aulo , Co mp an h ia
d as Let ras, 1987, p ag. 157. Ver t am b ém Jo sé P ed r o P aiva, P ráti c as e Cre nç as Mág i c as ,
Co imb r a, Min erva, 1992, p ag. 40.
251 Li vro da Vi s i taç ão do Santo O fí c i o da I nqui s i ç ão ao E s tado do Grão - P ará,

P et r ó p o lis, Vo zes, 1978, p ag. 238.


252 I d em, p p . 156-158.
253 I d em, p p . 141-144.
254 Laur a d e Mello e So uza, o p . cit ., p ag.158.
122

Deus, São Pedro e São Paulo255. Keith Thomas também relata o uso do balaio na Inglaterra do
século XVI, sendo este praticado sem muitas alterações em relação a Portugal e Brasil: o
mesmo procedimento em relação ao balaio e à tesoura, a invocação a São Pedro e São Paulo -
fortuitamente, a Deus -, e a nomeação dos culpados256.

Também se recorria à adivinhação para obter conhecimentos a respeito de


coisas futuras. Assim foi com Isabel Maria da Silva, residente à rua de S. João, que no dia 29
de outubro de 1763 procurou a Mesa da visitação para confessar culpas pertencentes ao
conhecimento do Santo Ofício . Isabel contou ao inquisidor que aprendera, anos atrás, a
fazer uma sorte chamada de São João , que segundo a confitente, tinha o poder de revelar o
destino das pessoas. A sorte deveria ser realizada, como já diz o seu nome, na noite de S. João,
sendo necessários um ovo e um copo com água. O praticante deveria quebrar o ovo e lançar
clara e gema na água,

Isabel confessou ter praticado este ritual de hidromancia por três anos
consecutivos, dois no estado de solteira, e um sendo já casada com Domingos da Silva,
capitão do regimento de Belém. Na primeira vez, desejava saber o futuro de um estudante
conhecido seu, o qual sintomaticamente a confitente não se lembra o seu nome nem dos de
seu pai . Segundo a confitente, o ovo desenhou a figura de uma igreja com um altar e um
clérigo rezando missa, indicando uma carreira eclesiástica para o rapaz - o que, conforme o
relato, veio a acontecer. A segunda vez foi para saber se determinada moça, a qual Isabel não
sabia nome, endereço ou nenhum outro dado identificador, casaria com homem do reino, ou
seja, português, ou não. Lançado na água, o ovo desenhou a figura de um navio, indicador de
que o futuro marido da consulente haveria de chegar por mar, ou seja, viria do reino - o que
veio, também, a confirmar-se. A última ocasião confessada foi para saber a mesma coisa para a
parda Nazária: como a gema do ovo, porém, não formou a imagem de um navio no copo com
água, Isabel inferiu então que Nazária casar-se-ia com um homem daqui mesmo, como na
realidade sucedeu 257. Tal prática ainda soa familiar nos dias de hoje, onde nos deparamos
com rituais semelhantes para as noites de S. João e de Sto. Antônio. Encontramos ainda

255 F r an cisco Bet h en co urt , O I m ag i nári o da Mag i a, Lisb o a, P r o ject o Un iver sid ad e
Ab ert a, 1987, p ag. 47.
256 T h o m as, o p . cit ., p ag. 184.
257 Li vro da Vi s i taç ão . . . , p p . 181-186.
123

referências a ela no Portugal do século XVII, onde Vitoria Pereira, conhecida como a
Vianeza adivinhava o destino de pessoas que estivessem ao mar através do ovo e da água.
Ficando o ovo a flutuar por sobre a água, era sinal de que as pessoas estavam a salvo, e as
embarcações estavam a navegar seguras 258.

No caso deste tipo de adivinhação, fica patente a função interpretativa do


praticante. Da mesma forma que o augure romano, era ele quem detinha a chave da
interpretação dos sinais codificados, enviados pelas forças sobrenaturais consultadas. O
praticante transformava tais sinais em mensagens inteligíveis sobre o destino ou as questões
que interessavam aos consulentes, através da interpretação das formas assumidas pelo ovo em
contato com a água. Tais formas de adivinhação augurais, diga-se de passagem, são também
encontradas em Portugal desde tempos muito remotos - vestígios das passagens dos romanos
e suevos por aquelas paragens259.

As adivinhações de Isabel, bem como suas culpas perante o Santo Ofício, não
paravam nas sortes inocentes. Em 26 de outubro de 1763, três dias antes de sua apresentação
à Mesa da Inquisição, portanto, Isabel tinha sido denunciada ao visitador por Josefa Coelho.
Esta, por sua vez, disse saber, através de outras pessoas que testemunharam os fatos, que
Isabel tinha o costume de invocar espíritos para obter conhecimento de diversas coisas. Josefa
narrou ao visitador que Isabel punha-se no centro da sala de sua casa começava a invocar por
cantigas a três pretinhos ou diabretes , que então surgiam dos cantos da casa, dançando ao
som das ditas cantigas , e respondiam às suas perguntas. Segundo a denunciante, Isabel não
possuía uma boa reputação: em suas palavras,

Isto tudo, somado ao fato de que Isabel não frequentava a missa, nem
mandava dizê-la em sua casa260. Com base nestes dados, podemos imaginar as intenções de
Isabel, ao apresentar-se frente ao visitador: procurar cair nas boas graças do inquisidor,
provavelmente já sabendo ter sido denunciada por tão pesadas práticas. Se teve realmente esta
idéia, Isabel não foi muito feliz: as denúncias renderam-lhe um processo pela Inquisição de
Lisboa.

258 P aiva, o p . cit ., p p . 130-131.


259 Luís Ch aves, Co st umes e t r ad içõ es vigen t es n o século VI e n a act ualid ad e in B rac ara
Aug us ta, VI I I , p p . 243-277. So b re m agia r o man a, ver Ugo E n r ico P ao li, U rbs ,
Barcelo n a, I b er ia/ Jo aquin G il, s.d ., p p . 289-302.
260 Li vro da Vi s i taç ão . . . , p p . 182-184.
124

Encontramos, ao analisar estas denúncias de invocações de xerimbabos ou


diabretes , grandes semelhanças com os demônios familiares, contribuição inglesa para a
teoria clássica da bruxaria. Enviados por Satã às bruxas para lhes prestarem pequenos serviços
e fazerem adivinhações, tais demônios assumiam, corriqueiramente, a forma de pequenos
animais de estimação como cachorros, gatos, ratinhos e mesmo sapos e moscas, e eram
alimentados pelas bruxas com carne e, até mesmo, seu próprio sangue261. Os espíritos
invocados por Isabel Maria da Silva parecem ter esta mesma função, na medida em que eram
convocados para prestarem informações e, sintomaticamente, eram também designados como
xerimbabos, antiga forma tupi de tratamento para animais de estimação, em vigor até hoje no
Norte brasileiro. Tal denominação nada mais faz do que assemelhar ainda mais os pretinhos
paraenses aos familiares medievais ingleses. A negritude desses espíritos é também um outro
fator digno de nota, na medida em que reflete uma das caracterizações do Diabo e sua corte
no contexto colonial: aqui, o Diabo é negro, numa conceituação pejorativa e aviltante da
escravidão262.

Também encontramos, no Livro da Visitação, adivinhações oníricas, como


no caso de Maria Joana de Azevedo. Maria confessou ao visitador que, através de sonhos,
pudera ter ciência do paradeiro da alma de uma pessoa conhecida sua263.

Uma outra modalidade de magia cognitiva era a consulta a espíritos para


diagnoses e detecções de feitiços, nas sessões de curandeirismo, as quais analisaremos em
momento posterior deste trabalho.

261 Ro b b in s,o p . cit ., p p . 192-193. Ver t am b ém T h o m as, o p . cit ., p ag. 362.


262 Car lo s Ro b er t o F . N o gueira, A O utra F ac e de Satã, t ext o in éd it o , 20p . Agr ad eço ao
aut o r a gen t ileza d e me fr an quear o acesso a est e t ext o .
263 Li vro da Vi s i taç ão ..., p ag. 256.
125

- D e Am o r es D an ad o s e Ar t es E n can t at ó r ias

Uma outra categoria presente no Livro da Visitação é a da magia praticada


com fins amatórios que, em uma quantificação dos delitos mágicos confessados e
denunciados, ocupa o lugar de maior incidência. Encontramos, em nossa fonte principal, um
leque amplo de práticas que buscavam, através dos mais diversos meios, conquistar amores,
ou recuperar as paixões rompidas. A manipulação e alteração das vontades humanas, seja para
gerar ódios ou o amor, é uma das características mais marcantes das práticas de feitiçaria, bem
como é um dos poderes comumente atribuídos às bruxas. Dentre estas, encontramos o
clássico exemplo da Celestina, alcoviteira conhecedora de diversos feitiços voltados para as
artes do sexo264 Porém, em que consistia a magia amorosa encontrada no Livro da Visitação?

Tais práticas constituíam-se, em sua quase totalidade, de orações fortes. Tais


orações eram preces com sentido propiciatório, executadas acompanhadas ou não de rituais e
gestos, já conhecidas da Inquisição portuguesa.

Marcel Mauss, ao estudar a prece, diz que esta pode assumir diversas formas,
desempenhar diversas funções e manter inalterada sua natureza. Assim, a prece teria
participação no rito e na crença do sistema religioso. Nas palavras de Mauss, a prece

E é com o aspecto misto de rito propiciatório e evocação mística que


encontramos as orações de amor no universo religioso paraense. Tais orações eram, em sua
totalidade, dedicadas a santos católicos, principalmente a S. Marcos e S. Cipriano.

A São. Marcos estão dedicadas a maioria das orações de amor presentes no


Livro da Visitação. As preces se tornam verdadeiros encantamentos rituais, na medida em
que devem ser conjuradas aliadas a uma elaborada rotina de gestos. Elas evocam o santo,
relembrando elementos pertinentes à sua lenda, e suplicam-lhe a concessão do favor almejado,

264 F er n an d o d e Ro jas, A Ce le s ti na, P o rt o Alegr e, Sulin a, 1990.


126

que é a conquista do amor de uma mulher. O ajudante de ordenança Manoel Nunes da Silva
confessou ao visitador uma das mais completas orações a São Marcos, no todo do Livro da
Visitação, cujo texto - com momentos do mais inspirado lirismo, por sinal - é o seguinte:

A evocação inicia com a nomeação do santo, o evangelista São Marcos de


Veneza, local para onde, vindos de Alexandria, foram levados o que se acreditavam serem seus
restos mortais. Estes foram guardados, então, na igreja dedicada ao santo267. A análise do
simbolismo presente na oração revela alguns dados interessantes. Laura de Mello e Souza
lembra que na mentalidade popular, o atributo de São Marcos era marcar 268, tornando assim a
pessoa alvejada pela oração especial, de alguma maneira. Tal atributo é notado na oração
praticada por Maria Joana de Azevedo, que dizia ...São Marcos te marque, São Marcos te
amanse... 269. E é ainda Laura de Mello e Souza quem recorda a associação do touro - animal
símbolo de virilidade e fertilidade masculina - à representação pagã de S. Marcos, cujas festas
possuíam aspectos agrícola e pastoril e às vezes coincidiam com feiras de gado . Deste modo,
segundo a historiadora, torna-se possível entender que São Marcos (...) fosse invocado por
feiticeiros (...) para patrocinar e tornar mais férteis os amores ilícitos 270. Por fim, um último
dado interessante: em sua biografia, consta que São Marcos morreu em Alexandria, acusado de
magia, o que lhe valeria a habilitação para atender a tal espécie de rogativa.

A oração continua com a invocação do Espírito Santo e da Hóstia Consagrada,


elementos de culto católicos que teriam a faculdade de confirmar o suplicante no coração da
mulher desejada. Tais invocações demonstram uma apropriação, por parte dos fiéis, do poder
mágico atribuído a símbolos e rituais consagrados pela Igreja, o que era uma das características
mais marcantes do cristianismo tradicional, pré-reformas271.

Há também, nesta oração, o aspecto da evocação da lenda referente ao santo,


expressado pela menção à subida aos montes e ao amansamento de touros bravos através de
palavras. Encontramos, aqui, a prece como uma mistura de rito propiciatório e evocação

265 Mar cel Mauss, A p r ece in Marc e l Maus s , co m p ilação d e Ro b er t o Card o so d e


O liveir a, São P aulo , Át ica,1979, p ag. 104.
266 Li vro da Vi s i taç ão ..., p ag. 240.
267 D o n ald At t wat er , D i c i o nári o do s Santo s , Rio d e Jan eir o , Ar t E d it o r a, 1991, p ag. 199.

Jo r ge Camp o s T avar es, D i c i o nári o de Santo s , 2ª ed ., P o r t o , Lello & I r mão , 1990, p ag.
100.
268 O p . cit ., p ag. 233, em it álico n o o r igin al.
269 Li vro da Vi s i taç ão . . . , p ag. 252.
270 Laur a d e Mello e So uza, o p . cit ., p ag. 234.
127

mítica, o que pode ser reparado ainda em outra oração, confessada por Maria Joana de
Azevedo (um raro caso paraense de mulher que confessa orações para atingir o amor dos
homens), onde se menciona que

Nota-se, nestes casos, uma imbricação entre dois sentidos da prece: o ritual,
onde ela é uma evocação de forças exteriores (no caso, os santos) com o fito de propiciar
determinado objetivo, seja ele espiritual ou material; o mítico, onde rememora e fixa eventos
mitológicos que são, desta forma, preservados do esquecimento (ou são usados para
reafirmação do credo religioso). Nas orações que analisamos, o mito é um elemento a mais na
invocação de forças superiores, reforçando o que é pedido.

S. Cipriano, o outro santo a quem são dirigidas orações amorosas, não é menos
interessante enquanto objeto de estudos. Sua oração possui, de maneira idêntica à de S.
Marcos, uma linearidade textual, apresentando poucas variantes entre os diferentes relatos
feitos ao inquisidor. A jovem Maria Joana de Azevedo, que aos 16 anos foi apresentar-se à
Mesa do Santo Ofício, impressiona pela quantidade de orações que sabia em tão tenra idade:
ao todo, confessou onze. Inserida neste vasto repertório, está a mais completa oração a S.
Cipriano encontrada na visitação paraense:

Esta oração mostra uma confusão, ocorrida em relação a dois Ciprianos. O


primeiro, cujos elementos biográficos estão mencionados na prece, é S. Cipriano de Cartago,
bispo e mártir. Falecido em 258 d.C., sua comemoração ocorre a 16 de setembro. Não
obstante ter levado uma vida devassa até sua conversão em 246, a partir deste momento
passou a exibir comportamento exemplar, que o levou ao episcopado de Cartago e à glória de
ter reorganizado a Igreja em África. Em virtude destes feitos, é nomeado bispo. arcebispo e
confessor de (...) Jesus Cristo , sendo invocado por sua santidade274.

A confusão vai se patenteando quando percebemos, através da leitura do Livro


da Visitação, quais eram as intenções das pessoas que recorriam a esta prece: a (re)conquista
de um amor ilícito. Tais atribuições estão na esfera de competência de outro Cipriano, o de

271 Bet h en co ur t , o p . cit ., p ag. 72. Ver t amb ém Luís Ch aves, o p . cit ., p p . 259-267.
272 Li vro da Vi s i taç ão . . . , p ag. 252.
273 Li vro da Vi s i taç ão , p ag. 255.
274 At t wat er , o p . cit ., p p . 72-73; T avares, o p . cit ., p ag. 39.
128

Antioquia. Também martirizado, este Cipriano possuía fama de feiticeiro de alto coturno, que
usou de seus poderes na tentativa de seduzir Justina, jovem e virtuosa cristã. Como a magia negra,
à qual se dedicava, não lhe concedeu os favores que requisitava da donzela, Cipriano acabou
por converter-se ao cristianismo. Deste modo, foi aceito pela amada, e com ela viveu os gozos
do martírio. Sua comemoração ocorre, significativamente, a 26 de setembro, data muito
próxima da comemoração do Cipriano de Cartago275. A utilização de artes mágicas e de
invocações na busca do amor são, deste modo, atributos do Cipriano de Cartago, ex-mágico e
posteriormente, mártir. A estudiosa Jerusa Pires Ferreira trabalha com a hipótese de que a
Igreja cooptou este santo-bruxo cuja oração era bastante difundida em Portugal, de apelo
irremediavelmente popular, dando um cunho cristão à lenda do povo276. O que estas orações
demonstram, em última análise, é uma confusão entre os dois Ciprianos, onde se roga ao de
Cartago determinadas coisas - e também em circunstâncias - próprias das atitudes do Cipriano
de Antioquia. Segundo Laura de Mello e Souza, não se encontra, no conjunto da
documentação inquisitorial referente à colônia, alusões às preces a S. Cipriano fora do Grão-
Pará277.

Por fim, dentro do conjunto das orações de amor, encontramos aquelas


dirigidas às Três Estrelas - reminiscência de um arcaico costume de culto a elementos da
natureza278, difundido em Portugal. Nestas orações, o praticante evocava às três estrelas para
que lhe favorecessem os objetivos:

Assim rezava Maria Joana de Azevedo. Também fez uso desta oração Manoel
Pacheco de Madureira, que se apresentou ao visitador em 4 de novembro de 1765. Seu caso,
aliás, é bastante ilustrativo: além de confessar que praticara o balaio, Manoel relatou que
mantivera relações amorosas com uma sobrinha de sua falecida esposa (o que ele não contou é
se o caso teve lugar enquanto esta ainda era viva). A moça, por instâncias de seus confessores,
que lhe negavam absolvição enquanto vivesse em pecado, rompeu o caso amoroso, levando

275 At t wat er , I d em, p ag. 73; T avares, I d ., ib id .


276 F er r eir a, Jer usa P ir es, O Li vro de São Ci pri ano , São P aulo , P er sp ect iva, 1992, p p . 1-
2.
277 Laur a d e Mello e So uza, o p . cit ., p ag. 232.
278 Ch aves, o p . cit ., p ag. 265.
279 Li vro da Vi s i taç ão , p ag. 257.
129

Manoel ao desespero. Segundo o confitente, foram utilizados todos os meios (...) de


palavras , sem que com isso fosse dobrada a vontade da ex-amante. Desolado, Manoel

Munido de paciência e perseverança, o deprimido Manoel não se fez de


rogado: para garantir a eficácia dos conjuros, rezou as três preces umas trezentas vezes,
pouco mais , olhando fixamente para a mulher, toda vez que esta surgia em seu caminho280. O
resultado não foi o esperado: Manoel não conseguiu - nem mesmo gastando todo o seu fôlego
repetindo tantas vezes as orações - reconquistar o amor perdido. Sua história teve um
desfecho ainda mais dramático, o qual teremos chance de verificar mais adiante.

Devemos levar em conta um último fator: estas orações faziam invocações a


santos da Igreja, com a finalidade de propiciar ligações amorosas. Porém, que tipo de ligações
eram estas? Para que eram solicitados tais santos, um ligado a ritos de fertilidade pagãos, outro
envolvido com rituais de magia negra?

Diferentemente de Santo Antônio, São João, ou S. Gonçalo do Amarante,


tradicionalmente procurados por sua habilidade em propiciar o casamento segundo as
normas da Igreja281, as orações de amor paraenses que evocavam santos católicos possuem um
único objetivo: o favorecimento de intercursos carnais ilícitos - quer sejam a fornicação
simples ou o adultério. Não há aplicações para estas preces fora dos pecados relativos ao sexto
e ao nono mandamentos da Igreja. O soldado Manoel José da Maia, de 26 anos de idade,
confessou ter aprendido a oração de São Marcos para o fim de conseguir uma certa mulher
casada, e outra viúva . O índio atanásio, que ensinou a oração,

Exceção à regra é o caso de Manoel Nunes da Silva, que aprendera certa


oração de S. Marcos para conquistar uma mulher com quem desejava casar-se. A oração não
foi bem sucedida com a pretendida, e Manoel atribuiu o fracasso à dúvida que tinha em sua
eficácia - depositar fé na oração é um dado importante para as práticas que analisamos.
Contudo, ao mudar de residência, Manoel contraiu ilícita amizade com certa índia casada que
morava em distância de um quarto de légua , e que não ia visitá-lo com a constância que este

280 I d em, p p . 237-239


281 Ver G ilb er t o F reyr e, Cas a- Grande e Se nz ala, Rio d e Jan eir o , Reco r d , 1989, p p . 246-
247.
282 Li vro da Vi s i taç ão ..., p ag. 201. G r ifo meu.
130

desejava. Manoel então usou a oração, e muitas vezes vinha ela [a índia] só sem [o confitente]
a ir buscar 283. Para esta adúltera fornicação o santo trabalhava, voltando a regra a prevalecer.

As preces amatórias, porém, não se limitavam apenas àquelas de S. Marcos, S.


Cipriano e das Três Estrelas. Encontramos, no Livro da Visitação, um exemplo - ainda que
isolado - de oração recorrendo a elementos sagrados cristãos. Sagrados demais, uma vez que
eram invocados pedaços do próprio corpo de Cristo. Quem fazia uso desta oração - o leitor, a
esta altura, não precisaria de balaios ou ovos em copos d água para adivinhar - era Maria Joana
de Azevedo. Segundo ela, uma das formas de atrair os afetos da pessoa desejada era
pronunciar as seguintes palavras:

Encontramos, nesta oração uma intimidade muito grande com Cristo e sua
mãe, que sevidencia na medida em que são ofertados, pela suplicante, elementos pertencentes
ao próprio corpo dos santos. Tal fato remonta àquilo que Mikhail Bakhtin chamou de
vocabulário de praça pública característico da cultura renascentista, onde era comum
mencionar ou jurar sobre membros e partes do corpo divino285. Em relação ao leite da Virgem
Maria, afirma Luiz Mott que este, na devoção popular lusitana era particularmente poderoso
contra as ciladas do diabo 286.

As orações que até agora analisamos eram, na maioria das vezes,


acompanhadas de um esquema de gestos rituais. Nelas, gesto e palavra se conjugavam em um
só rito. A prece enquanto rito é uma atitude tomada, um ato realizado diante das coisas
sagradas que se dirige à divindade e à [sua] influência, (...) consiste em movimentos materiais
dos quais se esperam resultados 287. Assim é que encontramos uma rotina ritual padronizada,
a ser praticada concomitantemente ao recitar das preces. O suplicante encara a mulher que
deseja conquistar e a fita, mesmo que de longe, enquanto reza, faz cruzes com as mãos ou os
pés, etc.

283 I d em, p ag. 241. G r ifo meu.


284 I d em,p ag. 251.
285 Mikh ail Bakh t in , A Cultura P o pular na I dade Mé di a e no Re nas c i m e nto , São

P aulo / H ucit ec; Br asília/ Un B, 1993, p ag. 167.


286 Luiz Mo t t , Mar ia, vir gem o u n ão ? Q uat r o século s d e co n t est ação n o Br asil in O Se x o
P ro i bi do , Cam p in as, P ap ir us, 1988, p ag. 159.
287 Mauss, o p . cit ., p ag. 103.
131

O soldado mameluco Lourenço Rodrigues, por exemplo, aprendera com


Domingos Nunes uma oração de São Marcos, a qual devia ser recitada fazendo cruzes com a
cara 288. Já Maria Joana de Azevedo, ao praticar uma de suas orações de São Marcos - ao todo,
ela sabia quatro versões da prece -,

O ritual não se detinha aí. A oficiante começou, com o auxílio de um graveto, a


traçar cruzes no solo, pisadas com seu pé esquerdo no recitar da prece. Maria Joana utilizou
esta oração para si, e também para ajudar no casamento de uma amiga sua, abandonada por
um noivo fugidio289. A busca da encruzilhada, tida como local privilegiado para a prática de
magia por ser visto como ponto de transição mística entre o mundo dos vivos e o dos mortos;
o traçado de símbolos a serem pisados, e os encantamentos recitados à meia-noite remetem
diretamente à magia greco-romana, associada posteriormente às teorias clássicas de feitiçaria
européias, que de Portugal passaram ao Brasil290.

Com as teorias vieram, também, as crenças e práticas, as quais mantiveram-se


no seu estado original, conforme efetuadas em Portugal. Este patamar de pureza das práticas
lusitanas se manteve praticamente inalterado durante os primeiros decênios da colonização
brasileira, passando depois a sofrer modificações devido ao contato com diversas crenças,
oriundas de variadas matrizes culturais291.

O acompanhamento ritual, contudo, às vezes se excedia e beirava a bizarria,


como no caso de Manoel Nunes da Silva, que procurou as orações com finalidades
matrimoniais. A oração rezada por Manoel tinha um elemento sui generis, e que talvez fosse a
fonte de sua eficácia uma vez que, segundo o confitente, ela realmente surtiu efeito num
momento posterior. O tempero especial da oração estava justamente no acompanhamento
de gestos rituais, a serem realizados durante o recitar da prece. Manoel confessou que ao rezar,
entre outras coisas, ficava com os braços abertos em cruz, encostado com o peito e rosto em

288 Li vro da Vi s i taç ão , p ag. 245.


289 I d em, p ag. 253.
290 So b r e a m agia greco -ro m an a, ver Julio Car o Baro ja, As B rux as e o Se u Mundo ,

Lisb o a, Vega, 1978, p p . 47ss. N o que se r efer e à en cruzilh ad a co m o p o n t o d e en co n t r o


en t re d o is m un d o s, ver Bet h en co ur t , o p . cit , p ag. 109.
291 Cf. Laur a d e Mello e So uza, O en raizamen t o : cir cularid ad e d e cult uras e cr en ças -
Brasil, 1543-1618 in I nfe rno Atlânti c o , São P aulo , Co m p an h ia d as Let r as, 1993, p p .
47-57.
132

alguma porta ou janela fronteiras à casa da mulher desejada292. Uma vez assumida esta posição,
Manoel ficava a fazer cruzes com a bacia 293 - o que, como já havia mencionado o confitente,
era tiro e queda!

- Bichos e Sevandijas

Dentre as práticas mágicas representadas no Livro da Visitação, aquelas


ligadas à cura são as que se manifestam, em termos quantitativos, com maior proeminência.
Agindo na esfera da contra-magia, os curandeiros paraenses empregavam um amplo arsenal de
rezas e procedimentos rituais altamente sincréticos, que incluíam de práticas indígenas até os
exorcismos da Igreja.

A importância do curandeirismo no seio da sociedade paraense - ou a colonial,


de um modo geral - não deve ser estranhada. Tal fator deve ser entendido tendo-se em mente
o quadro da medicina no Brasil setecentista. A medicina colonial, baseada em sangrias,
purgativos e ventosas, era praticada por boticários e barbeiros, efetivos oficiantes da arte de
curar. Tal medicina mostrava-se de uma ineficácia dolorosamente atroz. Devemos também
levar em conta a falta de praticantes diplomados nas artes de cura, bem como de hospitais e
boticas que atendessem à população.

Nota destoante em tal ordem de coisas eram as enfermarias e boticas da


Companhia de Jesus. Os inacianos, até a data de sua expulsão, mantiveram em seus colégios
diversas enfermarias, as quais, em muitos lugares, eram o único local de atendimento médico à

292 P o rt as e jan elas p o ssuem um sim b o lism o , n o qual são vist as co m o p o n t o s d e p assagem
en t re o mun d o h uman o e o có smico , e en t r e o p ro fan o e o sagr ad o . P o ssuem t am b ém
ligaçõ es sim b ó licas co m a vulva e a p en et r ação sexual. So b r e t al sim b o lism o , ver
Bet h en co ur t , o p . cit ., p ag. 110.
293 Li vro da Vi s i taç ão . . . , p p . 239-242.
133

população, como no caso de Belém do Pará no século XVIII 294. Além disso, estes
missionários também se destacaram enquanto estudiosos das propriedades curativas de ervas
brasílicas, utilizadas pelos pajés.

A escassez de médicos e hospitais já auxiliaria a explicar a força do


curandeirismo, amplamente baseado nas plantas nativas originalmente conhecidas pelos
indígenas. Devemos somar a isto a mentalidade religiosa vigente entre a população. Esta,
como temos visto, estava profundamente ligada aos parâmetros do cristianismo tradicional, e
trazia em si uma ordenação mágica do mundo objetivo. Numa época em que as condições de
vida não eram as da mais perfeita salubridade, e onde as expectativas de longevidade não eram
altas, as moléstias eram enquadradas como algo cujas origens eram sobrenaturais - como, por
exemplo, no caso de um feitiço -, e nesta esfera deviam ser combatidas. Daí o recurso a
praticantes de rituais mágicos, tais como benzedeiros, curandeiros e mesmo aos exorcismos da
Igreja, na busca da cura.

É com base nestes fatores que podemos compreender o papel social dos
praticantes da magia de cura no conjunto da visita paraense. Os curandeiros, no Livro da
Visitação, podem ser divididos em dois grupos: de um lado, os que exerciam tal mister como
forma de sustento, profissionalmente ; de outro, os que eventualmente praticavam os rituais
de curandeirismo. Um outro indício da importância social dos curandeiros reside na enorme
quantidade de pessoas que são, nas denúncias/ confissões referentes a este tipo de magia,
mencionadas como pacientes ou testemunhas. Tal fator evidencia o trânsito e conhecimento
dos curandeiros, principalmente os profissionais na sociedade paraense. As pessoas
relacionadas em tais relatos pertencem aos mais variados setores da sociedade, passando por
autoridades, lavradores, até pessoas de posição mais humilde.

Um dos curandeiros profissionais com ampla clientela - a maior desta visitação


- foi a índia Sabina. Ex-cativa, dona de paradeiro incerto, ela foi denunciada por três pessoas.
Denunciada aos quarenta anos de idade, Sabina possuía uma vasta carteira de clientes, entre os
quais se incluíam um governador, ouvidores e tesoureiros. Contudo, Sabina não atendia

294 Lycurgo San t o s F ilh o , H i s tó ri a Ge ral da Me di c i na B ras i le i ra, São P aulo ,


H ucit ec/ E D USP , 1991, vo l 1, p p . 117-118.
134

apenas às pessoas de posição mais destacadas na sociedade paraense. Eclética, visitava também
lavradores, sapateiros, militares e quem mais lhe requisitasse os serviços.

Sabina agia no âmbito da contra-feitiçaria: as doenças de todos os seus


pacientes eram frutos de feitiços, e cabia à Sabina detectá-los e anulá-los.

A atuação de Sabina obedecia a uma rotina padrão: ao chegar no local onde


estava o paciente, ela constatava a existência do feitiço, o qual era imediatamente localizado -
dentro da casa do enfermo ou nos seus arredores - e exibido aos presentes. Assim foi com
João de Abreu Castelo Branco, governador do Pará. Sendo chamada para tratar do governante
doente, Sabina ao chegar pediu uma faca,

Sabina dissera ainda que aquele feitiço não era para Castelo Branco, e sim para
um outro, que já havia morrido.

O lavrador Manoel de Souza Novais, experimentando na sua família e


escravatura grandes mortandades advindas, no seu entender, de feitiços - uma vez que
encontrava embrulhos com coisas desconhecidas em suas árvores de cacau - tentou de tudo,
até mesmo os exorcismos da Igreja. Não vendo resultado algum, mandou buscar Sabina. A
atuação da índia foi fulminante:

Com efeito, aí foi achado

Era, pois, pela detecção da causa dos males - em boa parte, feitiços - que se
caracterizava esta etapa da ação de Sabina.

Depois, a índia partia para a contra-magia própriamente dita, que consistia na


anulação do malefício. Para isso, ela se utilizava de procedimentos indígenas que Claude
d Abbeville já havia reparado nos curandeiros tupinambás: o sopro nas partes doentes e a
sucção de feitiços do corpo do paciente297. Tal como no caso de Caetana Tereza, esposa do
lavrador Domingos Rodrigues, moradores em Belém, na Rua da Rosa. Constatando o
enfeitiçamento de Caetana, obra e graça de uma índia que esta abrigava em casa, Sabina

295Li vro da Vi s i taç ão ..., p p . 172-173.


296I d em, p p . 165-166.
297 Claud e d Ab b eville, H i s tó ri a da Mi s s ão do s P adre s Capuc hi nho s na i lha do

Maranhão , Belo H o rizo n t e/ I t at iaia; São P aulo / E D USP , 1975, p ag. 253.
135

retirara os feitiços do solo, de acordo com seu padrão de atuação. Isto feito, a curandeira
requisitou

Sabina, sincréticamente, pediu água benta, e metendo nela a mão fora com os
dedos dentro da boca da doente e dela extraíra um lagarto . Nem com isso a doente
melhorou, o que veio a acontecer graças ao auxílio dos exorcismos da Igreja, recomendados
por Sabina298. No caso do governador Castelo Branco houve uma deposição parecida: após as
defumações, três bichos saíram de seu corpo.

Findos estes procedimentos característicos das pajelanças indígenas, Sabina


recebia seu pagamento - ganhou em certa ocasião uma peça da Bretanha de Manoel de
Souza Novais299 - e se retirava, deixando atrás de si seus intrigados clientes. Sabina era tida
como uma pessoa misteriosa, pois gerava opiniões contraditórias por onde passava. Quando o
visitador perguntou a Raimundo José de Bitencourt, um ex-paciente convertido em
denunciante, morador ao pé da igreja de São João sobre a opinião que este tinha a respeito
da fama e procedimentos de Sabina, ouviu que

A mesma idéia não tinha Domingos Rodrigues, que afirmou conhecer Sabina

Não era apenas Sabina, contudo, que agia profissionalmente no âmbito da


magia de cura. O preto José, solteiro, nação mandinga, escravo de Manoel de Souza, também
vivia do curandeirismo. Possuidor de uma ampla relação de pacientes, José trabalhava com
base em sucos de ervas, defumadouros, sopros e sucções. Ele não perdia tempo em serviço:
chamado para ver uma escrava do carpinteiro Manoel Francisco da Cunha, logo ao chegar viu
um bicho que havia sido expelido pela doente, e foi dizendo que ela ainda tinha mais dentro
de si . Imediatamente começou a agir: praticou uma adivinhação, após a qual afirmou que a
escrava sobreviveria. A seguir, pronunciando palavras desconhecidas pelo denunciante,
preparou uma beberagem à base de ervas, que deu à enferma (depois, outras duas seriam
preparadas, a serem ministradas em diferentes momentos do dia). Após as beberagens, José
enterrou uma espiga de milho no quintal e retornou, para assistir à deposição, por parte da
enferma, de mais três bichos,

298 Li vro da Vi s i taç ão ..., p p . 171-172.


299 I d em, p ag. 166.
300 I d em, p ag. 270.
301 I d em, p ag. 174.
136

Em outra ocasião, José utilizou seus rituais de sucção e ervas para curar a
mulher de Manoel F. da Cunha. Insatisfeito, por ter ganho não mais que uma pataca do
carpinteiro, José foi se queixar com uma outra cliente: a esposa de Elias Caetano, familiar do
Santo Ofício, para quem curava uma escrava. A ela, José disse que o sovina havia de morrer
primeiro que a dita sua mulher 303. Curioso, neste caso, é o fato de um curandeiro estar, a
trabalho, na casa de um agente da Inquisição, o que demonstra que nem mesmo os agregados
do Tribunal deixavam de compartilhar a mentalidade religiosa comum.

Um caso de prática efetiva e constante de curandeirismo encontrado no Livro


da Visitação é o de Ludovina Ferreira, denunciada por duas vezes no ano de 1763. Ludovina,
mulher branca, viúva e de aproximadamente 60 anos, morava atrás do Rosário dos Pretos , e
possuía um modo todo especial de agir. A mulata Inês Maria, moradora na rua de S. Vicente,
contou ao visitador que por volta de 1743 Mariana Barreto, uma conhecida sua, se encontrava
padecendo de hemorragias. Para curar os sangramentos chamaram Ludovina que, mal entrou,
saiu a apalpar o ventre da enferma. Feito isso, Ludovina iniciou um ritual de pajelança:

Evidenciado o enfeitiçamento, Ludovina voltou em outra noite, para dar


continuidade ao tratamento. Desta vez, contudo, não viera só: trazia dois índios em sua
entourage, um dos quais, chamado Antonino, era conhecido da denunciante. Ludovina, os
índios e a enferma se recolheram a um cômodo escuro da casa, e lá começaram a cantar e
tanger suas maracas. O resultado foi que

Uma vez cessados tais barulhos, começaram outros, feitos pelos tais índios ou
demônios . Ouviram-se vozes, que eram interrogadas por Ludovina a respeito da cura da
paciente. O ritual se repetiu por diversas noites, até que em uma delas o índio Antonino caiu
sem sentidos como morto na casa da paciente, sendo lá deixado por Ludovina, que somente
no dia seguinte foi ressuscitá-lo com o auxílio de orações.

Uma lembrança a denunciante guardou daqueles bulhentos rituais, que


aconteciam invariávelmente à meia-noite: a de diversas vozes de entidades consultadas

302 I d em , p p . 137-138.Laur a d e Mello e So uza t r an scr eve az orra co mo r ã. Ver O D i abo ...,
p ag. 174, n o t a 60.
303 Li vro da Vi s i taç ão ..., p ag. 139.
304 I d em, p ag. 159.
137

dizendo que a enferma não haveria de sobreviver, o que se confirmou em breve espaço de
tempo305.

Menos traumática foi a experiência que Constança Maciel, viúva do cabo de


canoas Manoel Tomás, teve com Ludovina. Estando, por volta de 1730, em casa de uma
amiga doente para auxiliar no tratamento, Constança viu chegar, à meia-noite, Ludovina
acompanhada de sua troupe, agora acrescida de sua filha Inácia. Ludovina seguiu a rotina de
sempre: cânticos ritmados pelas maracas, o cômodo escuro, as vozes das entidades
sobrenaturais - acompanhadas pelos costumeiros assovios e estrondos. Desta vez, contudo, os
acontecimentos se desenrolaram de maneira diferente: Ludovina, avisada pelos pajés ou
demônios , detectara os feitiços, causa dos padecimentos da enferma, e procedera à sua
anulação. Também nesta ocasião o índio Antonino se estatelara como morto - ou como em
transe -, pernoitando no local do tratamento, sendo de lá retirado por Ludovina no dia
seguinte. Restou à denunciante a impressão de que tanto a dita Ludovina como a referida sua
filha Inácia e o dito índio Antonino têm familiaridade e trato com o demônio , em virtude dos
prodígios que obravam306.

Ludovina e sua equipe, contudo, não eram os únicos a praticarem estes


procedimentos indígenas de cura e adivinhação - os quais, segundo Laura de Mello e Souza, só
são encontrados na visita paraense307. O índio Antonino foi denunciado por praticar, como
autônomo, estes mesmos rituais308. Casos semelhantes são os da preta Maria, denunciada por
Domingos Rodrigues309, e o do índio Domingos de Souza, denunciado por Manoel Portal de
Carvalho, alferes e proprietário da fazenda onde este trabalhava. Manoel, intrigado com a
notícia [de que se] fazia algumas operações suspeitas contra a religião católica um índio (...)
do serviço da mesma sua fazenda , que era Domingos, principiou uma pequena investigação
em sua propriedade. Sem alegar, em sua denúncia, qualquer ligação com o Santo Ofício,
Manoel agira como se dele fizesse parte: entrou a interrogar diversas pessoas que
testemunharam as sessões de Domingos, para fazer um completo relatório ao visitador.

À semelhança de Ludovina, Domingos oficiava seus rituais acompanhado de


uma equipe, composta de sua esposa Bernardina, da mulata Lourença e da cafusa Tereza.

305 I d em, p p . 158-161.


306 I d em, p p . 175-178.
307 Laur a d e Mello e So uza, O D i abo ..., p ag. 269.
308 Li vro da Vi s i taç ão ..., p ag. 211.
138

Porém, suas pajelanças tinham uma característica que lhes diferenciavam das demais: uma
vez na presença do paciente, Domingos cobria o próprio corpo com penas, e dava início ao
tratamento310.

O curandeirismo presente no Livro da Visitação se manifestava, também, na


qualidade de orações praticadas por curandeiros ocasionais, que agiam como tal no momento
em que surgisse a oportunidade. Estas pessoas faziam uso de orações destinadas à cura males
específicos, que não possuíam aplicações em outros casos. Estas orações, em sua maioria,
apelavam para o poder mágico de elementos e santos da Igreja, invocando-os ou implorando a
cura em seu nome. Tais orações, ainda, refletiam antigas crenças relativas ao poder curativo
das palavras, principalmente as consagradas, como nomes de santos e de objetos da Igreja311.

José Januário da Silva, procurador de causas por profissão, era um destes


curandeiros eventuais. A 12 de outubro de 1763, portanto durante o período da graça, J.
Januário procurou o visitador para confessar diversas orações de cura de seu conhecimento.
Entre outras coisas, Januário se acusou de saber curar o quebranto, que se manifestava por meio
de sinais de febre, quebramento de corpo e dores de cabeça . Do quebranto, por sinal
existem menções antigas, e sua cura era bastante difundida no Portugal seiscentista312. Para
eliminar tal moléstia, Januário se aproximava do enfermo e sem lhe por a mão o benzia com
ela no ar, formando uma cruz , voltada para o corpo do paciente (Januário mencionou
também o uso de um terço de sua propriedade para os mesmos fins). Enquanto fazia as
cruzes, que não possuíam número certo, Januário recitava repetidamente a seguinte oração:
fulano, com dois te deram, com três te tirem em nome de Deus e da Virgem Maria , rezando
depois um Padre Nosso, uma Ave Maria e um Gloria Patri , oferecendo tudo à paixão e
morte de Cristo. Tal cura foi usada umas oitenta vezes, e Januário menciona o sucesso da
oração em muitos pacientes.

Januário, porém, não curava apenas quebranto: ele declarou ao visitador que
sabia curar mau-olhado, através de uma oração que também utilizava o sinal da cruz e os

309 I d em, p ag. 247.


310 I d em, p p . 222-224.
311 Bet h en co ur t , o p . cit ., p ag. 56.
312 P aiva, o p . cit ., p p . 88-92.
139

santos católicos, praticada incontáveis vezes. Confessou também conhecer um ritual singular,
para curar uma moléstia chamada simplesmente o sol, que se manifestava com dores de cabeça:
Januário estendia um guardanapo sobre um bofete ou qualquer outra parte e com a mão
estendida fazia cruzes com as palavras do credo principiando a fazê-las (...) de uma ponta do
guardanapo até a outra ponta ao viés e concluindo também ao viés nas outras duas pontas ,
dizendo as seguintes palavras (pronunciadas nas pontas do guardanapo): creio(...) Deus padre
(...) todo (...) poderoso . Finda esta etapa preparatória, Januário dobrava o guardanapo e
tendo preparada uma ventosa de vidro cheia d água o punha sobre sua boca, assim como o
tinha dobrado e depositava tudo sobre a cabeça do enfermo, fazendo cruzes e pronunciando
o sol e a lua tiram-se com o sinal da cruz , enquanto rezava um Pai Nosso e uma Ave Maria,
oferecendo tudo à paixão e morte de Cristo. Tal prática continua a ser levada a efeito
atualmente, e dela encontramos menção em Câmara Cascudo313. Voltando a Januário, este
afirma, por fim, o caráter amador de tais curas: disse o confitente que nem por ele [a cura do
sol] nem pelas acima ditas pediu em nenhum tempo satisfação, porém se lhe mandavam
alguma coisa o aceitava por esmola 314.

A mameluca Domingas Gomes da Ressurreição, ex-escrava, também procurou


o visitador para confessar orações de cura. Entre outras, Domingas confessou ter aprendido a
cura para o quebranto e a erisipela de sua senhora, que por ter recebido o cordão de S.
Francisco havia sido proibida pelos seus confessores de praticá-las. Contra a erisipela devia-se
pegar uma faca, e com ela tocar a parte enferma, fazendo cruzes e dizendo Rosa branca
contente [corto-te?] , seguido de Rosa negra corto-te , Rosa encarnada corto-te , e Rosa
esponjosa corto-te . Por fim, deveria dizer: requeiro-te da parte de Deus e da Virgem Maria
se tu és fogo selvagem, ou erisipela, não maltratas [sic] a criatura de Deus , e rezar um Pai
Nosso e uma Ave Maria. Domingas ainda curava, do mesmo modo que José Januário,
diversos outros males. Tais orações lhe foram ensinadas por diversas pessoas diferentes,
inclusive eclesiásticas, como o caso de um frade leigo de S. Bento, com quem aprendera uma
oração contra o mau olhado diferente daquela que usava J. Januário. Pondo os dedos em
forma de cruz sobre o rosto do doente, deveria dizer as seguintes palavras, enquanto formava

313 Luiz d a Câmar a Cascud o , D i c i o nári o do F o lc lo re B ras i le i ro , Rio d e Jan eir o , E d io ur o ,


s.d ., p ag. 828. Laur a d e Mello e So uza, em O D i abo . . . , t amb ém men cio n a, à p ágin a 178,
a p er sist ên cia d est a p r át ica.
314 A ext en sa co n fissão d e Jan uár io est á n o Li vro da Vi s i taç ão ..., p p .150-156.
140

cruzes com as mãos: Jesus Cristo te lindrou, (...) Jesus Cristo te criou, (...) Jesus Cristo te diz:
olha quem de mal te olhou 315.

315 I d em, p p . 179-182.


141

- Man d in gas e P at u ás

O s sistemas religiosos, em sua maioria, possuem a crença de que certos objetos


podem armazenar poderes sobrenaturais, utilizados na vida cotidiana como fonte de proteção
e bem-estar. Com o cristianismo não foi diferente. A Igreja medieval, inclusive, investiu no
poder mágico dos santos e de suas relíquias, no afã conquistar novos adeptos316.

No caso do cristianismo pré-reformas, encontramos acentuadamente casos de


diversos objetos cultuados como fontes de poderes sobrenaturais. Tais itens eram usados
como amuletos pelos fiéis, que procuravam guardá-los em casa ou trazê-los junto a si. Dentre
estes objetos aos quais eram atribuídos poderes mágicos, encontramos os vestígios da
passagem de santos pela Terra, tais como roupas, residências, pertences pessoais e mesmo
restos físicos. Uma outra categoria era a dos elementos de culto da Igreja, aos quais eram
atribuídos grande poder místico. Deste modo, as imagens de santos, a hóstia, o próprio missal,
ou mesmo a pedra do altar onde são celebradas as missas tornaram-se objeto de cobiça e uso,
por parte dos fiéis, através da confecção de amuletos. Estes, por sua vez, eram condenados
como práticas de conjuro e feitiçaria, bem como por estarem associados ao paganismo317.

Uma das manifestações de tal mentalidade religiosa, encontrada na visita


paraense, é a confecção de amuletos em forma de bolsa, contendo elementos de culto da
Igreja, como a hóstia e a pedra d ara. Estas bolsas visavam proteger seu portador contra males
físicos, bem como propiciar-lhe bonança material - como, por exemplo, sucesso com o sexo
oposto. Segundo Laura de Mello e Souza, tais bolsas tiveram amplo uso no Brasil do século
XVIII, com destaque para a região Norte, e representam a mais sincrética forma de magia
colonial318.

Encontramos, no Livro da Visitação, denúncias referentes ao roubo de


material litúrgico para a confecção das bolsas, sendo que uma delas possui lances de
investigação dignos de um romance policial. O diretor dos índios da vila de Beja, Raimundo

316 T h o m as, o p . cit ., p p . 35-37.


317 Ch aves, o p . cit ., p ags. 257 e 270.
142

José Bitencourt, em 12 de abril de 1764 contara ao visitador ter, há aproximadamente quinze


dias, suspeita do comportamento do índio Lázaro Vieira. Dando asas à sua veia detetivesca,
Raimundo, acompanhado de sua esposa, aproveitou a ausência do índio para entrar em sua
casa e revistar seus pertences. Fizeram, então, uma grave descoberta: dentro de um caixote
onde Lázaro guardava suas coisas, foi achado um embrulho que, uma vez aberto, revelou
conter

As surpresas - e descobertas - não pararam aí. Ato contínuo, logo acharam no


mesmo embrulho sete bocadinhos de pedra do tamanho de botões pequeninos , que estava
envolto em um pedaço de tafetá encarnado . Precavidos, Raimundo e esposa colocaram o
embrulho de volta no caixote, para que não desconfiasse o dito índio quando se recolhesse
para casa . Contudo, não deixaram de agir: logo no dia seguinte, Raimundo voltou à casa de
Lázaro acompanhado de dois padres. Estes confirmaram que o embrulho continha pedra
d ara.

Passado mais um dia, Raimundo e os padres foram à igreja, onde constataram


ter sido quebrado um pedaço da pedra sobre a qual eram rezadas as missas, tendo sido
colocado um pedaço de tijolo em seu lugar de modo que, sob a capa, não houvesse alterações
na aparência que despertassem a desconfiança do vigário. Agora, só faltava descobrir o
culpado do roubo. Este foi logo achado: era o índio Joaquim, sacristão, de vinte e poucos anos
de idade. Presssionado, Joaquim confessou ter roubado hóstias e pedra d ara, que distribuiu
para outros índios. O sacristão ainda citou os nomes de seus receptadores: eram eles
Domingos Gaspar, sargento-mor da povoação (que também recebera uma hóstia); nosso já
conhecido Lázaro; Mathias, morador na casa do próprio denunciante e a um outro índio, cujo
nome Raimundo desconhecia (estes só receberam cacos de pedra). Interrogando o sacristão
sobre as virtudes da pedra, Raimundo ficou sabendo que

A própria hóstia é elemento de cobiça, utilizada para práticas de magia, e seu


roubo não era feito somente por sacristãos inescrupulosos. Diversos fiéis aproveitavam o
momento da comunhão para conseguir a partícula consagrada, retirando-a de sua própria boca

318 Laur a d e Mello e So uza, O D i abo ..., p p . 210-211.


143

e guardando-a com outras finalidades. Tal foi o caso de Antônio Rois, que após a comunhão
tirou a hóstia da boca e guardou-a na algibeira, sendo preso por isso em 1765319.

As práticas mágicas da visitação paraense, contudo, não se esgotam aqui. A


visita setecentista, para além da abundância de denúncias e confissões de feitiçarias, é
caracterizada pelo comparecimento massivo do Grande Inimigo. Presente em diversas
ocasiões, o Diabo deixa sua marca no cotidiano paraense, sendo às vezes tão requerido quanto
os santos da Igreja.

319AN T T , I n quisição d e Lisb o a, cad er n o d o p r o mo t o r n º 128. E st e caso n ão co n st a d o


Li vro da Vi s i taç ão , ap esar d e o co r rid o n a mesm a ép o ca. Agrad eço à gen t ileza d e Luiz
Mo t t o acesso a est e d o cumen t o .
144

I I I P ACT O S D E MO N Í ACO S

Ao analisarmos a visitação paraense, dois fatores saltam aos olhos. Um deles, é


a ausência de casos de judaísmo. O outro, a abundância dos casos de feitiçaria. Dentro destes
últimos, há ainda um outro elemento que merece destaque: a presença do Diabo, constante no
cotidiano do Norte brasileiro.

No Livro da Visitação abundam casos de pessoas que evocaram o Diabo, seja


para pedir-lhe favores ou até mesmo acertar tenebrosos pactos. No âmbito da magia amorosa,
o Grande Inimigo concorre com os santos experts no assunto, S. Marcos e S. Cipriano.
Observa-se, na visita paraense, uma intensa requisição dos serviços do Demo enquanto
entidade ligada mais à malícia do que ao malefício320, uma vez que ele era evocado com a
intenção de propiciar conquistas amorosas. Nosso já conhecido Manoel Pacheco de
Madureira, depois de provavelmente haver ficado sem fôlego recitando tantas vezes suas
orações de amor - e desiludido pela ineficácia delas - perdeu a compostura. Desesperado com
a ardente paixão que lhe abrasava a alma, resolveu radicalizar. Sendo levado pela mais forte
tentação que lhe podia fazer o demônio , por duas vezes o invocou, dizendo Satanás,
abranda-me o coração de fulana! E nem assim conseguiu. Depois do fiasco, vendo que a

320 N o gueir a, A O utra F ac e ..., p ag. 9.


145

separação não tinha volta, Manoel tratou de buscar o remédio de sua alma aos pés de três
confessores , os quais lhe negaram absolvição até que fosse procurar o visitador321.

Melhor sucedido foi o alfaiate João Mendes Pinheiro, de 20 anos de idade à


época de sua apresentação ao visitador. O alfaiate aprendera um lavatório infalível com um
índio, que também se chamava João que, após matar com um tiro sua esposa, fugira e passara
a residir na fazenda do Padre Custódio Alvares Roxo322. João Mendes contou ao visitador que,
em certa ocasião, conversava com o índio, mencionando-lhe o desejo que tinha de conseguir
para fins torpes e desonestos a uma índia solteira que morava em um sítio vizinho , que lhe
recusava o afeto porque ela lhe dizia que ele confitente não era capaz . O índio não se fez de
rogado: seguido de João Mendes, foi para a mata, onde procurou uma certa árvore pequena
chamada tavarataseú, a qual costuma crescer sempre aos pares. Arrancando uma das árvores
que encontraram, dirigiram-se para o rio, onde o índio instruiu a João Mendes para que este
raspasse a casca da raiz com sua faca, misturasse com as folhas e com elas se banhasse,
enquanto dizia Diabo, jura-me fiar de ti, me lavo com estas folhas para fulana me querer
bem .

João Mendes tomou três vezes o banho encantatório, repetindo o conjuro a


cada uma delas. O resultado não se fez esperar: logo na noite seguinte aos lavatórios, a índia
saíra de casa para bater na porta de João Mendes, que não pensou duas vezes: a recolheu para
dentro, e logo ambos ofenderam a Deus , ficando no alfaiate a certeza de que isto aconteceu
graças ao Tinhoso e aos lavatórios, porquanto antes desta diligência não pudera conseguir a
dita índia, fazendo para isso (...) excessos, e depois tão facilmente a veio conseguir 323.

Neste caso, nota-se uma imbricação entre a magia indígena, manifestada pela
procura de determinada árvore que cresce acompanhada apenas de mais uma da sua espécie,
formando um tipo de casal, e o cristianismo, manifestado pela invocação do Diabo.

Em um outro caso do Livro da Visitação, podemos notar uma confusão de


ordem diferente. O índio Alberto Monteiro, carpinteiro, morador na Rua das Flores, se
apresentou em 1766 para confessar uma prática de magia amorosa. Pressionado por seu

321 Li vro da Vi s i taç ão ..., p ag. 238.


322 O p ad re Cust ó d io , an t igo vigár io ger al d o G rão -P ará era, assim co m o seu ir mão , o
ch an t re Lo ur en ço Alvar es Ro xo d e P o r fir io , co missár io d o San t o O fício , t en d o sid o
h ab ilit ad o ao co missar iad o em 1764. D evo est a in fo r mação à gen t ileza d e Luiz Mo t t .
323 Li vro da Vi s i taç ão ..., p p . 208-209.
146

confessor, que agindo de acordo com os interesses inquisitoriais lhe negava a desobriga
quaresmal324, Alberto procurou a Mesa da Inquisição. Uma vez em frente ao visitador relatou
que cobiçara, para fins de trato ilícito uma índia casada. Tentou de todos os meios para
conquistá-la, e não conseguiu. Uma vez que não dobrava a forte vontade de seu objeto de
desejo, mais fortemente tentado fez com o demônio pacto expresso . O pacto, que Alberto
relatara ao confessor, era pronunciado em língua indígena, sendo que iniciava com a palavra
Jurupari. Traduzindo o pacto para o português (o Livro da Visitação não menciona se a
tradução é obra da Mesa inquisitorial ou do próprio confitente), temos o seguinte: Diabo, se
tu fizeres a minha vontade permitindo-me dormir com esta mulher, eu te prometo fazer-te o
que tu quiseres, e me podes levar contigo 325. Encontramos, nesta confissão, os elementos do
contrato demoníaco clássico: a conquista de benesses materiais, em troca da servidão e
danação da alma do pactuante326, que se deixará levar pelo Demo.

Por outro lado, nota-se aqui uma confusão entre o Diabo cristão e entidades
indígenas. Jurupari, originalmente concebido pela mitologia tupi como entidade legisladora e
mantenedora da justiça327 sofreu, graças à ação da catequese católica, um processo de
demonização, sendo associado ao Diabo. Esta é a etapa final de um processo de fusão e
justaposição de crenças e idéias, característico da situação colonial. A mistura de diferentes
matrizes culturais - no caso em questão o lusitano, o indígena e o africano - levou, segundo
Carlos Roberto Nogueira, a um reordenamento de crenças e idéias, formando um vasto
quadro sincrético 328. Tal processo acarretou uma descaracterização e reinterpretação de
diversas formas e figuras religiosas, como o Diabo cristão - que perdeu os atributos
demoníacos essenciais à sua caracterização européia 329 -, e Jurupari, transformado no próprio
Diabo.

Voltemos, então, à história de Alberto Monteiro, nosso candidato a Fausto


tupiniquim. Sem ter obtido qualquer resposta do Diabo, após ter pronunciado tão direto

324 A d eso b r iga quar esmal er a a o casião o n d e d evia ser feit a a co n fissão an ual o b rigat ó ria,
exigid a p elo co n cílio d e T r en t o . P ar a maio r es d et alh es, ver Lan a Lage d a G am a Lima, A
Co nfi s s ão P e lo Ave s s o , T ese d e D o ut o ram en t o ap r esen t ad a à USP , 1991, vo l. 2.
325 Li vro da Vi s i taç ão ..., p ag. 246.
326 So b re o s elemen t o s d o p act o , ver Ro b b in s, o p . cit ., p p 369-379.
327 Cf. Câmar a Cascud o , o p . cit ., p p . 495-497.
328 N o gueir a, A O utra F ac e ..., p ag. 11. So b re o p ro cesso d e d em o n ização d as cult uras

amer ín d ias, ver t amb ém Laur a d e Mello e So uza, O co n jun t o : Amér ica d iab ó lica in
I nfe rno Atlânti c o , p p .21-46.
329 N o gueir a, A O utra F ac e ..., p ag. 11.
147

pacto, Alberto sentiu no mesmo tempo um grande abalo dentro do coração , e passou a
temer um castigo divino. Contudo, perseverou: repetiu o pacto, e mais uma vez sentiu o tal
abalo. Vendo que não conquistava a mulher cobiçada, Alberto ficou desconfiado de que o
demônio lhe não queria fazer o que lhe pedia, ou de que não tinha poder algum para o fazer .
Existe, contudo, um detalhe sarcástico nesta história: apesar de tamanho fiasco do seu pacto
diabólico, Alberto depois veio a conquistar a mulher que desejava - não por obra e graça do
Diabo, mas sim por virtude das diligências que fizera para o dito fim 330.

Outro que ficou desconfiado das capacidades do Tinhoso foi o sargento


Ignácio Pereira. Ao perder consideráveis somas no jogo, manifestou o desejo de se encontrar
com o Diabo, a fim de pessoalmente lhe pedir ajuda. Contudo, uma vez que Ignácio

e o Diabo não aparecera, o confitente ficou então convencido de que

O ressabiado Inácio contou ainda, que lendo sobre a eternidade num livro
espiritual, alumiado pelo Espírito Santo veio a conhecer os seus erros, e logo entrou a detestá-
los , procurando um confessor - que prudentemente lhe enviou para a Mesa da Inquisição331.

O Diabo, contudo, não era apenas invocado por meio de palavras. O ferreiro
Crecêncio de Escobar, logo nos primeiros dias da visitação, procurou o inquisidor para
denunciar Adrião Pereira, que já se encontrava naquela região na condição de degredado pelo
Santo Ofício. Segundo Crecêncio, Adrião lhe pedira para transcrever uma carta de tocar, e pela
tarefa lhe pagaria três milréis (sic) . Segundo Adrião, tal carta possuía a virtude de conquistar
qualquer mulher com a qual fosse tocada. O denunciante, então, copiou o texto, que se
encontrava escrito em latim; começou a ficar desconfiado a partir do momento em que
percebeu que repetidas vezes aparecia a palavra Diabo ao longo da carta. Espantado, perguntou
de novo a Adrião qual era a finalidade da carta, tendo ouvido a mesma resposta: conquistar
mulheres. Finda a transcrição, Adrião pegou o papel e nele desenhou duas figuras como de
homens e outra de uma faca de ponta, e outra de uma pistola e abaixo de todas estas figuras
escreveu seu nome , guardando a seguir as cartas na algibeira.

330 Li vro da Vi s i taç ão ..., p p . 246-247.


331 I d em, p p . 229-231.
148

A evocação do Diabo, neste caso, está inserida dentro de uma prática de magia
de contato, efetivada pelo toque entre a carta e a mulher desejada. Tal categoria magista, que
atribuía poderes sobrenaturais à palavra escrita, não era desconhecida no Portugal setecentista,
e mesmo antes, quando diversas pessoas já haviam sido punidas por realizarem tais atos332.

Percorrendo as denúncias e confissões do Livro da Visitação paraense,


notamos que o Diabo servia, do mesmo modo que os santos católicos, como recurso último
face a uma situação de impotência e desesperança. Os amores malditos podiam acabar em
pactos demoníacos - Manoel Pacheco Madureira que o diga -, pois nem sempre os santos
resolviam tais questões a contento. Esta recorrência ao Diabo para resolver assuntos de amor
vem, como já foi mencionado, de sua ligação com a malícia, para além do malefício. Sedutor
por excelência, o Diabo era chamado para que ajudar os homens no afã de seduzir a mulher
desejada. Neste aspecto, o Demo é evocado enquanto contrapartida ao sexo sacralizado e
procriador apregoado pela teologia; propiciador da satisfação da luxúria, o Diabo ajuda no
sexo ilícito e sem fins de procriação - fora do casamento segundo as regras da Igreja333.
Companheiro próximo na vida cotidiana, o Diabo surge na visitação paraense com uma força
que não tivera em nenhuma das visitações anteriores, que para cá vieram em busca de cristãos-
novos.

Uma vez que a visita setecentista não foi realizada com o intuito de caçar
judaizantes, compreende-se este aflorar demoníaco, ocorrido às vésperas do último
Regimento da Inquisição, promulgado em 1774. Por uma estranha ironia, neste Regimento,
ficava descartada a possibilidade de existência da bruxaria e do pacto demoníaco, taxados
como fruto do charlatanismo, da histeria ou da loucura. Isto, devido a um simples motivo:
uma vez que o pacto consistia em um contrato entre um mortal e o Diabo, e nunca ninguém
provara que o infernal contratante aceitara ou não o negócio, não havia como assentar sua

332Bet h en co ur t , o p . cit ., p ag. 69.


333Luiz Mo t t , E t n o d em o n o lo gia: asp ect o s d a vid a secual d o D iab o n o mun d o íb er o -
amer ican o (século s XVI ao XVI I I ) in E s c ravi dão , H o m o s s e x uali dade e
D e m o no lo g i a, São P aulo , Í co n e, 1988, p ag.124.
149

validade334. Deste modo, o cerne do modelo clássico de bruxaria, que nunca vingara em
Portugal com a mesma força que no resto da Europa, era descartada. O relegar para segundo
plano das idéias demonológicas representava, certamente, um sinal dos novos tempos.

334Re g i m e nto do Santo O ffi c i o da I nqui s i ç ão do s Re i no s de P o rtug al, Lisb o a, n a


O fficin a d e Miguel Man escal d a Co st a, 1774, T it . XI .
150

- CO N CLU SÃO -

A visita paraense, interessantíssimo e vasto objeto de estudos, não é, como


poderia parecer à primeira vista, um enigma historiográfico. Suas características destoantes da
atuação inquisitorial lusa - a extemporaneidade, o longo tempo de duração, o teor dos delitos
confessados/denunciados - tornam-se compreensíveis, na medida em que situamos a visita em
um contexto histórico mais amplo.

A ocorrência da visitação ao Pará se encontra diretamente ligada aos planos do


Estado português para aquela região. A visita foi realizada num momento de crucial
importância, tanto para o Tribunal quanto para o Norte brasileiro. No caso da Inquisição, esta
vivia os momentos mais importantes de um processo de dominação que lhe submetia
diretamente ao Estado português, conduzido com mão de ferro pelo Marquês de Pombal. O
Norte brasileiro, por sua vez, era alvo das principais atenções do poderoso Marquês, à época:
todos os esforços eram feitos no sentido de incrementar o desenvolvimento e a presença
portuguesa na região, estratégicamente importante devido à zona fronteiriça que demarcava
limites com as posses espanholas. Um outro fator importante deve ser lembrado: havia poucos
anos, a Companhia de Jesus - maior potentado econômico e mais forte ordem missionária da
região - havia sido expulsa, deixando em seu rastro um vazio econômico, religioso e político
que era necessário preencher.

A visitação, muito além de reprimir os desvios morais paraenses, estava


inserida nos planos pombalinos de reformas para a região. A grande evidência disto é a
escolha do visitador, Pe. Giraldo José de Abranches: indicado para o cargo por Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, que além de ex-governador do Estado do Grão-Pará e
151

Maranhão, era irmão do Marquês de Pombal, Giraldo acumulou também as funções de vigário
capitular, responsabilizando-se pela condução do bispado paraense até 1772.

Bispo-inquisidor, Giraldo representava naquela região uma Igreja afinada com


as práticas regalistas do Estado português. Neste sentido, a visitação teve por objetivo a
sedimentação da implantação deste modelo regalista, substitudo das práticas exclusivistas da
Companhia de Jesus, que chocavam-se contra a linha adotada pela Coroa lusa.

No campo dos delitos confessados e denunciados, a visita paraense também


apresenta características especiais. Um fato marcante é a ausência de denúncias ou confissões
formais de práticas judaicas. As poucas menções concernentes a tais delitos no Livro da
Visitação referem-se à ascendência ou reputação de pessoas que foram denunciadas por
outras culpas. Isto não é motivo de estranhamento, se levarmos em conta que o Santo Ofício
agia de acordo com a política de tolerância pombalina, que acabou por eliminar a distinção
entre cristãos novos e velhos. Os tempos eram outros, e o furor anti-semítico da atividade
inquisitorial cedia lugar a uma tolerância face aos elementos judaicos da população, importante
fonte de capital que interessava a Pombal preservar em território português.

À ausência dos delitos judaicos corresponde uma explosão de confissões e


denúncias de práticas mágicas em proporção nunca vista nas visitas anteriores. A análise dos
relatos destes rituais mostra o quanto a mentalidade religiosa paraense estava impregnada de
magismo. A utilização das práticas mágicas ocorria nas mais diversas circunstâncias do
cotidiano: saúde, amor, conhecimento. Auxiliar precioso nas dificuldades da vida, instrumento
de superação das limitaçõs humanas a magia não encontrava barreiras: elementos das mais
diversas camadas sociais a praticavam ou procuravam seus oficiantes, como fica patente no
caso das clientelas de curandeiros profissionais paraenses, como a índia Sabina e o preto José.

Analisando o teor das denúncias e confissões relativas à magia, nota-se uma


forte presença de elementos indígenas, mesclados a práticas européias e africanas - o que se
explica devido à composição social paraense. Os rituais indígenas de cura, principalmente,
destacam a magia paraense do todo colonial: as pajelanças de Ludovina Ferreira, do índio
Antonino e de Domingos Rodrigues são únicas, com suas invocações de espíritos, defumações
e sucções.
152

O utra característica específica desta visita foi a intensa presença do Diabo,


pactuando com os míseros mortais e propiciando amores malditos. A visitação setecentista
está salpicada de contratos com o Diabo. No momento em que o discurso demonológico
clássico - responsável pelo acender de inúmeras fogueiras no continente europeu - perdia
força e crédito, encontramos um aflorar de pactos demoníacos na visita paraense. Cerne da
crença na bruxaria, o pacto demoníaco surge com bastante expressividade na visitação
setecentista, num momento em que era desacreditado pelas Luzes em toda a Europa, inclusive
em Portugal - o que fica evidente no Regimento da Inquisição de 1774.

Os fatores que analisamos ao longo de nossa pesquisa evidenciam o quanto a


religiosidade paraense ainda estava longe do ideal reformista oriundo do concílio tridentino.
As denúncias e confissões do Livro da Visitação mostram, em toda a sua pujança, a vivência
do catolicismo tradicional no Pará setecentista. Uma forma religiosa calcada nos aspectos
mágicos da existência, onde o sagrado serve aos assuntos profanos do dia a dia, onde homens,
santos e demônios convivem e interagem entre si.
153

I X - BI BLI O G RAF I A

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Inglaterra - séculos X V I e X V II, t r ad . p o r t ., São P au lo , Co m p an h ia d as
Let r as, 1991.

- T O RRE S, Jo sé Veiga - U m a lo n ga gu er r a so cial: o s r it m o s d a r ep r essão


I n q u isit o r ial em P o r t u gal I n R e vi s ta d e H i s tó ri a E c o n ó m i c a e
So c i al, 1, 1978, P P . 55-68.

- VAI N F AS, Ro n ald o - A t eia d a I n t r iga: d elação e m o r alid ad e n a so cied ad e


co lo n ial I n _ _ _ _ _ _ _ _ _ (o r g.) - H i s tó ri a e Se x u ali d ad e n o B ras i l,
Rio d e Jan eir o , G r aal, 1986, p p .41-66.

- _ _ _ _ _ _ _ _ _ - T ró p i c o d o s P e c ad o s : moral, sex ualidade e I nquisição no Brasil


colonial, Rio d e Jan eir o , Cam p u s, 1989.
167

- AN EXO I: MAPA DE BELÉM - 1661-1700. Neste mapa, notam-se


diversas ruas onde residiam confitentes, denunciantes e testemunhas (Sávio Capelossi Filho e
Raymond J. M. Seynaeur, Guia Histórico e Turístico da Cidade de Belém).
168

- ANEXO II: RELAÇÃO DOS ENDEREÇOS E PROFISSÕES DE DENUNCIADOS,


DENUNCIANTES E CONFITENTES.

ADRIÃO PEREIRA, lavrador, morador na vila do Cametá, denunciado por


prática de cartas de toque por CRECÊNCIO DE ESCOBAR.

ALBERTO MONTEIRO, carpinteiro, morador na Rua das Flores,


confitente de magia amorosa.

ANSELMO, morador na freg. da Sé da Lira, denunciado por porte de pedra


d ara por FR. ANTONIO TAVARES.

ANTONIA JERÔNIMA DA SILVA, moradora na rua detrás da


Misericórdia, denunciante de ANTONINO.

ANTONINO, ex-escravo e oleiro, morador na Vila de Cintra, denunciado


por rituais de curandeirismo por ANTÔNIA JERÔNIMA DA SILVA.

ANTONIO DE SOUZA MADEIRA, alfaiate, morador na Rua da Baroca


(sic), denunciante de ANTÔNIO DA SILVA.

ANTÔNIO MOGO, soldado, morador na rua que vai atrás da de S. João ,


denunciado por orações amorosas por MARIA FRUTUOSA DA SILVA.

ANTÔNIO TAVARES (FR.), vigário da freg. de N. S. da Conceição de


Benfica, denunciante de roubo de pedra d ara.

BERNARDO ANTÔNIO, lavrador, morador no rio Bujaria, confitente de


bigamia.

CAETANO DA COSTA, fazendeiro, morador na freg. de Sta. Ana do


Guarapé Merim, denunciante de ISIDRO.

CONSTANÇA MACIEL, moradora na Rua de S. Vicente, denunciante de


LUDOVINA FERREIRA.
169

CRECÊNCIO DE ESCO BAR, lavrador, morador na Vila da Vigia,


denunciante de ADRIÃO PEREIRA.

DIONÍSIO DA FONSECA, capelão da Sé de Belém, confitente de


blasfêmia.

DOMINGAS GOMES DA RESSURREIÇÃO, ex-escrava, moradora na


Rua da Praia que vai para Sto. Antônio, confitente de curandeirismo.

DOMINGOS DA SILVA PINHEIRO, capitão de infantaria de Belém,


denunciante de JOSÉ FELIZARDO.

DOMINGOS DE SOUZA, trabalha na fazenda do denunciante, morador na


Fazenda Utinga, Freg. de N. S. do Rosário, denunciado por rituais de curandeirismo por
MANOEL PORTAL DE CARVALHO.

DOMINGOS RODRIGUES, lavrador, morador na Rua da Rosa,


denunciante de SABINA e MARIA.

FELICIANA DE LIRA BARROS, vive da sua agência , moradora na Rua


do Pacinho, confitente de sodomia.

FELIPE JACOB BATALHA, lavrador, morador na Rua do Pacinho,


confitente de sodomia.

FRANCISCO JOSÉ, ex-soldado e alfaiate, denunciado por blasfêmia por


LUÍS DE SOUZA DA SILVA.

FRANCISCO SERRÃO DE CASTRO, senhor de engenho, morador no


engenho da Boa Vista, denunciado por sodomia por JOAQUIM ANTÔNIO.

[GASPAR JOÃO GERALDO DE] GRONFELT, engenheiro militar


alemão, denunciado com o nome de fulano Gronfelt por luteranismo por PE. MIGUEL
ANGELO DE MORAIS.

GIRALDO CORREYA LIMA, diretor dos índios, morador na freg. de


Santo Inácio, denunciante de PEDRO RODRIGUES e MARÇAL AGOSTINHO.
170

GONÇALO JO SÉ DA COSTA, senhor de engenho e lavrador, denunciante


de JOANA.

IGNÁCIO PERES PEREYRA, sargento de granadeiros, morador na Rua


Formosa, confitente de invocação do Diabo.

INÊS MARIA DE JESUS, costureira, moradora na Rua de S. Vicente,


denunciante de LUDOVINA FERREIRA.

ISABEL MARIA DA SILVA, moradora na Rua de S. João, confitente de


adivinhação e denunciada por necromancia por JOSEFA COELHO.

IZIDRO, juiz de órfãos da Vila do Cametá, denunciado por açoite de


imagens por CAETANO DA COSTA.

JOANA MENDES, ex-escrava, denunciada por blasfêmia por JOÃO


VIDAL DE S. JOSÉ.

JOANA, escrava, moradora no engenho de N. S. do Água Lupe, denunciada


por curandeirismo por GONÇALO JOSÉ DA COSTA.

JOÃO DE S. JOSÉ (FR.), morador no convento dos mercedários,


denunciante de JOÃO VELOZ.

JOÃO MENDES PINHEIRO, aprendiz de alfaiate, morador na Rua das


Almas, confitente de magia amorosa.

JOÃO VIDAL DE S. JOSÉ, sangrador, morador na Rua dos Mercadores,


denunciante de JOANA MENDES.

JOAQUIM ANTÔNIO, escravo, morador no engenho da Boa Vista,


confitente de sodomia e denunciante de FRANCISCO SERRÃO DE CASTRO.

JOAQUIM, sacristão, morador ao lado da igreja (?), denunciado por porte de


pedra d ara por RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT.

JOSÉ DA COSTA, pedreiro, morador na Rua Direita junto da roda dos


enjeitados , denunciante de TOMÁS LUIZ FERREIRA.
171

JO SÉ JANUÁRIO DA SILVA, procurador de causas, morador na Rua de S.


Mateus, confitente de curandeirismo e denunciante de JOSÉ.

JOSÉ MIGUEL AYRES, capitão-mor e fazendeiro em Marajó, denunciado


por blasfêmia por ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA.

JOSÉ, escravo e curandeiro, morador na Rua de São Vicente, denunciado


por curandeirismo por MANOEL FRANCISCO DA CUNHA e JOSÉ JANUÁRIO DA
SILVA.

JOSEFA COELHO, moradora na Rua da Atalaia, denunciante de ISABEL


MARIA DA SILVA.

LÁZARO VIEIRA, índio aldeado do Carmo, denunciado por porte de pedra


d ara por RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT.

LOURENÇO RODRIGUES, soldado, morador na Rua Nova (Sé),


confitente de magia amorosa.

LUDOVINA FERREIRA, moradora, ao tempo dos delitos, na rua detrás do


Rosário dos Pretos e ao pé do armazém de pólvora, denunciada por rituais de curandeirismo
por INÊS MARIA DE JESUS e por CONSTANÇA MACIEL.

LUIZ DE SOUZA SILVA, sem ofício, morando atualmente na enxovia das


Almas de Belém, por estar preso, denunciante de FRANCISCO JOSÉ.

LUIZ VIEIRA DA COSTA, morador em seu sítio do Limoeiro, ne vila


Viçosa do Cametá, denunciante de MIGUEL.

MANOEL DE OLIVEIRA PANTOJA, fazendeiro, confitente de zombaria


com símbolos da Igreja.

MANOEL DE SOUZA NOVAIS, lavrador, denunciante de SABINA.

MANOEL DO ROSÁRIO (FR.), morador no convento do Carmo de


Belém, confitente de sodomia.

MANOEL FRANCISCO DA CUNHA, carpinteiro, morador na Rua Direita


de Sto. Antônio, denunciante de JOSÉ.
172

MANO EL JO SÉ DA MAIA, soldado, morador ao pé dos quartéis ,


confitente de magia amorosa.

MANOEL NICOLAU ROIZ (FR.), mercedário em Belém, denunciante, a


rogo de MARIA JOSEFA DA ASSUNÇÃO, de ANGELA MICAELA.

MANOEL NUNES DA SILVA, ajudante da ordenança, morador na Vila da


Vigia, confitente de oração amorosa.

MANOEL PACHECO DE MADUREIRA, vive de sua agência , morador


na Rua das Flores, confitente de magia amorosa, pacto demoníaco e balaio.

MANOEL PORTAL DE CARVALHO, alferes, morador na fazenda Utinga,


na freguesia de N. S. do Rosário, denunciante de DOMINGOS DE SOUZA.

MARÇAL AGOSTINHO, índio capitão, morador na vila de Buim,


denunciado por doutrina herética por GIRALDO CORREIA LIMA.

MARÇAL, escravo e pedreiro, morador no engenho de Varapiranga,


confitente de balaio.

MARCELINA TEREZA, escrava, moradora na Sé, denunciante de MARIA


FRANCISCA.

MARIA FRANCISCA, escrava, moradora na Rua Formosa, denunciada por


balaio por MARCELINA TEREZA.

MARIA FRUCTUOSA DA SILVA, engomadeira, costureira e rendeira,


moradora na Rua de S. João, denunciante de ANTONIO MOGO.

MARIA JOANA DE AZEVEDO, vive do trabalho de suas mãos ,


moradora na freguesia de N. S. doRosário, confessa orações de amor e sonhos premonitórios.

MARIA JOSEFA DA ASSUNÇÃO, moradora na Ilha de Marajó, denuncia


através de FR. MANOEL NICOLAU ROIZ sua mãe ANGELA MICAELA.

MARIA, escrava, denunciada por rituais de curandeirismo por DOMINGOS


RODRIGUES.
173

MIGUEL ANGELO DE MO RAIS (PE.), cura da freg. de N.S. do Rosário


da Campina, denunciante de fulano GRONFELT (Gaspar João Geraldo de Gronsfeld).

PEDRO RO DRIGUES, carpinteiro, morador na vila de Buim, na rua larga


de São Paulo, denunciado por doutrina herética por GIRALDO CORREIA LIMA.

RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT, diretor dos índios da vila de Beja,


morador ao pé da igreja de S. João de Belém, denunciante de roubo de pedra d ara e de
SABINA.

ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA, fazendeiro, morador na Rua de S.


Boaventura, denunciante de JOSÉ MIGUEL AYRES.

SABINA, ex-escrava e atual curandeira, moradora no bairro da Campina,


denunciada por curandeirismo por MANOEL DE SOUZA NOVAIS, DOMINGOS
RODRIGUES e RAIMUNDO JOSÉ DE BITENCOURT.

- AN EXO III: RELAÇÃO DAS TESTEMUNHAS, E DIVERSAS


PESSOAS MENCIONADAS NAS DENÚNCIAS E CONFISSÕES (com endereço e/ ou
profissão).

ACACIO DA CUNHA DE OLIVEIRA (pe.), vigário, mencionado por


relatar o delito de PEDRO RODRIGUES a GIRALDO CORREIA LIMA.

ANA BASÍLIA, costureira, moradora perto do convento de Sto. Antônio de


Belém, mencionada como testemunha de ato mágico de ISABEL MARIA DA SILVA.

ANNA, moradora na casa de ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA,


mencionada como testemunha de blasfêmia de JOSÉ MIGUEL AYRES.

ANTONIO DA SILVA BRAGANÇA, cabo de canoa na vila de Beja,


mencionado como paciente de SABINA.

ANTONIO DE MIRANDA, sem ofício, morador ao pé da Igreja do


Rosário , mencionada por ensinar oração amorosa a MARIA JOANA DE AZEVEDO.
174

ANTO NIO RO DRIGUES MARTINS, tesoureiro dos índios, mencionado


por sua casa ter sido palco da atuação de SABINA.

ATANÁSIO, lavrador, é criado e da administração de Antonio José de


Macedo , morador no Rio Mojuim, mencionado por ensinar oração amorosa a MANOEL
JOSÉ DA MAIA.

CAETANA, moradora detrás da Misericórdia , mencionada por ensinar


oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

DOMINGOS GASPAR, sargento-mor, mencionado pelo índio JOAQUIM


como receptador de pedra d ara roubada.

DOMINGOS RODRIGUES DE LIMA, morador na Rua de S. Matheus,


mencionado por sua casa ter sido palco da atuação de SABINA.

ELIAS CAETANO, familiar do Santo Ofício, mencionado por ter uma


escrava curada por JOSÉ.

FAUSTINO, sem ofício, morador atrás de S. João , mencionado por ensinar


oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

IGNÁCIA, filha de LUDOVINA FERREIRA, mencionada como sua


cúmplice.

IGNACIO COELHO BRANDÃO, lavrador, morador numa rua junto ao


Rosário dos Pretos , mencionado como testemunha de atos mágicos de LUDOVINA
FERREIRA.

JERONIMA CAETANA, moradora no rio Muruyni, testemunha de


curandeirismo de ANTONINO.

JOANA DA GAIA, moradora em casa de JOSEFA COELHO, testemunha


em denúncia contra ISABEL MARIA DA SILVA.

JOÃO BATISTA SEGO (CEGO?), morador ao pé do Rosário dos Pretos ,


mencionado como paciente de JOSÉ.
175

JOÃO BATISTA, mencionado como paciente de JO SÉ, é pai de JO SÉ


JANUÁRIO DA SILVA.

JOÃO DE ABREU CASTELO BRANCO, governador do Pará, mencionado


como paciente de SABINA.

JOÃO JOSÉ DE LIRA BARROS, estudante, testemunha de prática de


balaio.

JOÃO, morador na fazenda do padre Custódio Alvares Roxo, mencionado


por ensinar magia amorosa a JOÃO MENDES PINHEIRO.

JOSÉ CAETANO CORDEIRO, subchantre da Sé de Belém, ensinou oração


de amor a MANOEL NUNES DA SILVA.

JOSÉ DE GOUVEIA, escrivão dos órfãos, mencionado por recomendar os


serviços de JOSÉ a JOSÉ JANUÁRIO DA SILVA.

JOSÉ LUIS, soldado, morador da Rua de S. Mateus, mencionado de invocar


o Diabo por IGNACIO PERES PEREYRA.

JOSÉ MARIA, morador ao pé de Santo Antônio , mencionado como


paciente de JOSÉ.

LÍVIA, cumprindo degredo no Macapá, mencionada por aprender oração


amorosa de ANTONIO MOGO.

LÚCIA, moradora ao pé do Rosário, em casa do Capitão da Vigia ,


mencionada por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

MANOEL DA COSTA FERRÃO, tesoureiro dos ausentes, mencionado por


sua casa ter sido palco da ação de SABINA.

MANOEL LOURENÇO, sapateiro, morador ao pé do sargento-mor


MANOEL JOSÉ DE LIMA , mencionado como paciente de SABINA.

MARIA DA FÉ, moradora em frente à roda dos enjeitados , mencionada


como paciente de JOSÉ.
176

MARIA JO SEFA DE BITANCO UR, moradora atrás da igreja de S. João ,


mencionada por aprender oração de amor de ANTONIO MO GO e por ensiná-la a MARIA
JOANA DE AZEVEDO.

MARIA JOSEFA DE BRITES, esposa de RAYMUNDO JOSÉ


BITHENCOURT, mencionada como paciente de SABINA.

MARIANA BARRETO, moradora na Rua do Açougue, mencionada como


paciente de LUDOVINA FERREIRA.

MARIANA DE MESQUITA, mencionada como paciente de LUDOVINA


FERREIRA.

ROSA MARIA DOS SANTOS, moradora na Rua do Pacinho, com


Bernarda Amatildes , mencionada por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE
AZEVEDO.

SIMÃO JOSÉ DE OLIVEIRA, soldado, morador na casa de JOSÉ


JANUÁRIO DA SILVA, mencionado como testemunha de cura de JOSÉ.

THEODORA LAMEIRA, moradora ao pé da Misericórdia , mencionada


por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

VICTORIANA, moradora em casa de Manoel da Costa Couto na rua ao pé


de Santo Antônio , mencionada como paciente de JOSÉ.
177

- AN EXO IV: DELITO S CONFESSADO S E DENUNCIADO S AO


VISITADOR

D E LI T O S D E N UN CI AD O S CO N F E SSAD O S T O TAL (%)


Curan derismo 13 02 15 (25)
Magia Amo ro sa 02 07 09 (15)
Magia D ivin at ó ria 02 03 05 (8)
So do mia 02 03 05 (8)
Blasfêmia 04 01 05 (8)
Magia de P ro t eção 05 - 05 (8)
H eresia 04 - 04 (6)
Judaísmo 03 - 03 (5)
Bigamia 02 01 03 (5)
I n vo cação do D iab o 01 01 02 (3)
P act o D emo n íaco - 02 02 (3)
P ro p o siçõ es E rrô n eas 02 - 02 (3)
Visio n arismo - 01 01 (1,5)
Lut eran ismo 01 - 01 (1,5)
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