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Como o objetivo deste trabalho não é o de analisar pormenorizadamente a população

indígena no Brasil, situemos apenas que os indígenas viviam em tribos nômades “cuja
desigual evolução não dera para distingui-las profundamente uma das outras”
(CALMON, 1959, p. 322), que pertenciam à formação social que historiadores
marxistas denominam como “comunismo primitivo” (GORENDER, 1980, p.126).
Em que pese o nomadismo, tribos do litoral atlântico, por exemplo, detinham
conhecimentos produtivos e cultivavam milho e mandioca, evidenciando, portanto,
certo grau de complexa experiência produtiva. Padre Serafim Leite aponta, por
exemplo, a engenhosidade dos índios na atividade construtiva de suas aldeias (LEITE,
2006, p. 93).
Nos três primeiros decênios, a Coroa portuguesa não deu tanta atenção à sua colônia
na América, limitando-se à exploração do pau-brasil, estabelecendo de forma pacífica
com a população autóctone que vivia no Brasil o escambo: troca de artigos europeus
por alimentos e mão de obra para o corte e transporte do pau-brasil.
Numa segunda fase, na qual a Coroa Portuguesa decidiu colonizar (povoamento e
exploração econômica permanente) o Brasil, a relação com os indígenas muda
drasticamente e o escopo inicial é o de expulsar os silvícolas de grandes pedaços de
terra e toma-los para o trabalho escravo (GORENDER, 1980, p. 126).
Nesse sentido, Gorender:

guerra e o extermínio indiscriminados tornaram-se inevitáveis, por


mais que a Coroa e os jesuítas se empenhassem em disciplinar a
atuação dos colonos e impor ao menos algumas normas de
convivência que salvassem da destruição completa o patrimônio
populacional representado pelos nativos. Colocada entre a pressão
dos jesuítas, que se orientaram no sentido da catequese e da
formação de aldeamentos indígenas sob o seu controle, e a cobiça
dos colonos, exclusivamente interessados na ocupação da terra e na
escravização, a Coroa portuguesa produziu infindável e contraditória
legislação que imprimiu caráter peculiar à escravidão dos índios
GORENDER (1980, p. 126).

Fundamentado em relatos como o de Robert Southey e Gabriel Soares, GORENDER


(1980, p. 129) assevera que até o contato com os europeus, os indígenas que
habitavam nossas terras desconheciam o fato social da escravidão. E, em que pese o
contato com o colonizador, em termos gerais as tribos indígenas não absorveram a
escravidão para dentro de seu seio social, todavia, a colonização os habituou ao
comércio de escravos: alianças de portugueses com tribos indígenas para captura de
prisioneiros e fornecê-los como mão de obra para os colonos em troca de ferramentas
e artefatos europeus.
GORENDER (1980, p. 130) também aponta para o equívoco historiográfico de
apressar-se em justificar a preferencia dos portugueses pelos escravos africanos
diante da ineficiência do índio como escravo em comparação com o africano, naquelas
razões usualmente atribuídas ao Padre Antônio Vieira, quais sejam: i) índios tem
menor capacidade/aptidão ao trabalho; ii) menos resistentes à enfermidades; iii)
morrem de saudades de sua vida natural e, portanto, mais propensos à fuga.
GORENDER (1980, p. 130) argumenta que à época do Padre Vieira, também os
africanos eram dizimados por doenças infecciosas e suas tentativas de fuga não eram
inferiores à dos índios, que padeciam do mesmo “mal” de saudades da vida pregressa,
que denominavam de “banzo”. Além disso a capacidade de aprendizagem e trabalho
dos índios foi elogiada por Gabriel Soares de Sousa e Padre Sepp, sempre apontando
para as aptidões dos aborígenes, e, portanto, considera GORENDER (1980, p. 131)
essa suposta inaptidão do índio ao trabalho como a mais destoante da realidade,
apontando que os indígenas representaram a mão-de-obra predominante nas
plantagens até o final do século XVI aproximadamente.
GORENDER (1980, p. 468-473) aponta os seguintes processos que desembocavam
em escravidão indígena:

a) Guerras justas: desde Carta Régia de 1570 de D. Sebastião, que objetivava limitar a
atuação dos colonos, ficou autorizado as denominadas guerras justas como meio
legítimo para escravizar índios, consistindo tais guerras como aquelas autorizadas
pela Coroa, governadores ou para combater tribos antropofágicas. Em que pese
delimitado na mencionada Carta Régia, outras autorizações legislativas posteriores
elasteceram as guerras justas para abranger praticamente quaisquer motivações,
tornando-se autorizada por lei, na prática, a escravização dos indígenas.
b) Expedições de apresamento: prática bem conhecida dos bandeirantes paulistas –
que chegaram ao ápice desse processo no período de 1628-1641 –, tratavam-se de
expedições orquestradas para a caça de aborígenes com o objetivo claro de
escravização e tráfico. Historiadores apontam que no período das expedições, cerca
de 300 mil índios foram capturados e escravizados pelos bandeirantes.
c) Resgate de “índios de corda”: compra de índios prisioneiros condenados pelas
tribos ao sacrificio ritual, sendo legalmente autorizada pela Coroa portuguesa.
d) Escravidão voluntária: esfomeados, roubados ou espalhados, por vezes os índios
ofereciam a si próprios e aos filhos como escravos, costume esse introduzido aos
índios pelos europeus.
e) Casamentos de índios com escravas negras: praticado por colonos, o processo
considerado “informal” consistia em reter os índios que laboram nos engenhos e
fazendas, e casá-los com escravas negras, o que, na prática, tornava-os também
escravizados e, conforme a lei, do seu casamento nasciam filhos escravos.

Por conseguinte, as leis pombalinas de 1755 e 1758 aboliram formalmente a


escravidão de indígenas, todavia, seu cumprimento não foi completamente efetivo no
que toca à escravidão na sua forma completa, além de dar margem à diversas formas
do que GRODER denominou como ”escravidão incompleta”.

FONTES:

CALMON, Pedro. História do Brasil, vol. II. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol. 2. Belo Horizonte:


Editora Itatiaia, 2006 [edição fac-símile].

GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 3.ed. São Paulo: Ática, 1980.

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