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PRADO JÚNIOR, Caio. Início da Agricultura. In: PRADO JÚNIOR, Caio.

História
Econômica do Brasil. 30. ed. São Paulo: Brasilense, 1984. p. (31-40)

“NO TERCEIRO decênio do séc. XVI o Rei de Portugal estará bem convencido
que nem seu direito sobre as terras brasileiras, [...] nem o sistema, [...] era
suficiente para afugentar os franceses que cada vez mais tomam pé em suas
possessões americanas. Cogitará então de defendê-las por processo mais
amplo e seguro: a ocupação efetiva pelo povoamento e colonização. Mas para
isto ocorria uma dificuldade: ninguém se interessava pelo Brasil. A não ser os
traficantes de madeira [...].” (p. 31)

“Todas as atenções de Portugal estavam voltadas para o Oriente, cujo


comércio chegara neste momento ao apogeu.” (p. 31)

“[...] realizar o povoamento de uma costa imensa como a do Brasil era tarefa
difícil. Procurou-se compensar a dificuldade outorgando àqueles que se
abalançassem a ir colonizar o Brasil vantagens consideráveis [...].” (p. 31)

“Assim mesmo, poucos serão os pretendentes.” (p. 31)

“São todos (doze apenas, aliás), indivíduos de pequena expressão social e


econômica. A maior parte deles fracassará na empresa e perderá nela todas as
suas posses (alguns até a vida), sem ter conseguido estabelecer no Brasil
nenhum núcleo fixo de povoamento. Apenas dois tiveram sucesso; e um destes
foi grandemente auxiliado pelo Rei.” (p. 31)

“[...] dividiu-se a costa brasileira (o interior, por enquanto, é para todos os


efeitos desconhecido), em doze setores lineares com extensões que variavam
entre 30 e 100 léguas.6 Estes setores chamar-se-ão capitanias, e serão
doadas a titulares que gozarão de grandes regalias e poderes soberanos [...].
Em compensação, os donatários das capitanias arcariam com todas as
despesas de transporte e estabelecimento de povoadores.” (p. 31-32)

“Somas relativamente grandes foram despendidas nestas primeiras empresas


colonizadoras do Brasil. Os donatários, que em regra não dispunham de
grandes recursos próprios, levantaram fundos tanto em Portugal como na
Holanda, tendo contribuído em boa parte banqueiros e negociantes judeus.” (p.
32)

“A perspectiva principal do negócio está na cultura da cana-de-açúcar.” (p. 32)

“O volume deste fornecimento era contudo tão reduzido que o açúcar se vendia
em boticas, pesado aos gramas. Já se conhecia o bastante do Brasil para
esperar que nele a cana-de-açúcar dar-se-ia bem.” (p. 32)

“É nesta base, portanto, que se iniciarão a ocupação efetiva e a colonização do


Brasil.” (p. 32)

“Entre os poderes dos donatários das capitanias estava, como vimos, o de


disporem das terras, que se distribuíram entre os colonos.” (p. 32)

“As doações foram em regra muito grandes, medindo-se os lotes por muitas
léguas. O que é compreensível: sobravam as terras, e as ambições daqueles
pioneiros recrutados a tanto custo, não se contentariam evidentemente com
propriedades pequenas; não era a posição de modestos camponeses que
aspiravam no novo mundo, mas de grandes senhores e latifundiários. Além
disso, e sobretudo por isso, há um fator material que determina este tipo de
propriedade fundiária. A cultura da cana somente se prestava,
economicamente, a grandes plantações. Já para desbravar convenientemente
o terreno [...] tornava-se necessário o esforço reunido de muitos trabalhadores;
não era empresa para pequenos proprietários isolados. Isto feito, a plantação,
a colheita e o transporte do produto até os engenhos onde se preparava o
açúcar, só se tomava rendoso quando realizado em grandes volumes. Nestas
condições, o pequeno produtor não podia subsistir.” (p. 32)

“A mesma coisa aliás se verificou em todas as colônias tropicais e sub-tropicais


da América. O clima terá um papel decisivo na discriminação dos tipos
agrários.” (p. 32-33)

“A influência dos fatores naturais é tão sensível nesta discriminação de tipos


agrários que ela acaba se impondo mesmo quando o objetivo inicial e
deliberado de seus promotores é outro.” (p. 33)

“Nas ilhas de Barbados passou-se qualquer coisa de semelhante. A primeira


organização que se estabeleceu aí foi de propriedades regularmente
subdivididas, e não se empregou o trabalho escravo em escala apreciável. Mas
pouco depois, introduzia-se na ilha a cultura eminentemente tropical da cana-
de-açúcar: as propriedades se congregam, transformando-se em imensas
plantações; e os escravos, em número de pouco mais de 6.000, em 1643,
sobem, 23 anos depois, para mais de 50.000.” (p. 33)

“A grande propriedade será acompanhada no Brasil pela monocultura; os dois


elementos são correlatos e derivam das mesmas causas.” (p. 33)

“A agricultura tropical tem por objetivo único a produção de certos gêneros de


grande valor comercial, e por isso altamente lucrativos.” (p. 33)

“Com a grande propriedade monocultural instala-se no Brasil o trabalho


escravo. Não somente Portugal não contava com população bastante para
abastecer sua colônia de mão-de-obra suficiente, [...] como qualquer outro
colono europeu, não emigra para os trópicos, em princípio, para se engajar
como simples trabalhador assalariado do campo. A escravidão torna-se assim
uma necessidade[...].” (p. 33-34)

“[...] o Brasil se recorreu, a princípio, ao trabalho dos indígenas. Estes já se


tinham iniciado na tarefa no período anterior da extração do pau-brasil; prestar-
se-iam agora, mais ou menos benevolentemente, a trabalharem na lavoura de
cana. Mas esta situação não duraria muito. Em primeiro lugar, à medida que
afluíam mais colonos, e portanto as solicitações de trabalho, ia decrescendo o
interesse dos índios pelos insignificantes objetos com que eram dantes pagos
pelo serviço. Tornam-se aos poucos mais exigentes, e a margem de lucro do
negócio ia diminuindo em proporção.” (p. 34)

“Além disto, se o índio, por natureza nômade, se dera mais ou menos bem com
o trabalho esporádico e livre da extração do pau-brasil, já não acontecia o
mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade organizada e
sedentária como a agricultura. Aos poucos foi-se tornando necessário forçá-lo
ao trabalho, manter vigilância estreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono
da tarefa em que estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi
apenas um passo. Não eram passados ainda 30 anos do início da ocupação
efetiva do Brasil e do estabelecimento da agricultura, e já a escravidão dos
índios se generalizara e instituíra firmemente em toda parte. Isto não se fez,
aliás, sem lutas prolongadas.” (p. 34)

“Os nativos se defenderam valentemente, [...] Revidaram então à altura, indo


assaltar os estabelecimentos dos brancos; e quando obtinham vitória, o que
graças a seu elevado número relativamente aos poucos colonos era freqüente,
não deixavam pedra sobre pedra nos núcleos coloniais, destruindo tudo e
todos que lhes caíam nas mãos. Foi este um período agitado da história
brasileira.” (p. 34)

“De toda esta agitação eram os índios naturalmente que levavam o pior; mas
nem por isso os colonos deixaram de sofrer muito.” (p. 34)

“Para fazer frente a este estado de coisas, a metrópole procurará legislar na


matéria. Data de 1570 a primeira carta régia a respeito. Estabelece-se nela o
direito da escravidão dos índios, mas limitada aos aprisionados em "guerra
justa".” (p. 35)

“A questão indígena e os atritos dela resultantes nunca serão resolvidos no


Brasil senão indiretamente pelo recurso a outras fontes de trabalho [...]. Mesmo
assim, sobretudo em regiões mais pobres que não poderão pagar o elevado
preço dos escravos africanos, os colonos nunca abrirão mão de sua pretensão
de constranger os índios ao trabalho; e não houve lei ou limitação que os
detivesse.” (p. 35)

“Entre suas vítimas estarão as missões dos Jesuítas, que se tinham localizado
com seus índios domesticados [...]. A caça ao índio será um dos principais
fatores da grandeza atual do Brasil.” (p. 35)

“Além da resistência que ofereceu ao trabalho, o índio se mostrou mau


trabalhador, de pouca resistência física e eficiência mínima.” (p. 35)

“Os portugueses estavam bem preparados para a substituição; já de longa


data, desde meados do séc. XV, traficavam com pretos escravos adquiridos
nas costas da África e introduzidos no Reino europeu onde eram empregados
em várias ocupações; [...].” (p. 35)
“Não se sabe ao certo quando apareceram pela primeira vez no Brasil; há
quem afirme que vieram já na primeira expedição oficial de povoadores (1532).
O fato é que na metade do século eles são numerosos.” (p. 36)

“O processo de substituição do índio pelo negro prolongar-se-á até o fim da era


colonial. Far-se-á rapidamente em algumas regiões: Pernambuco, Bahia.
Noutras será muito lento, e mesmo imperceptível em certas zonas mais pobres,
como no Extremo-Norte (Amazônia), e até o séc. XIX em São Paulo. Contra o
escravo negro havia um argumento muito forte: seu custo. Não tanto pelo preço
pago na África; mas em conseqüência da grande mortandade a bordo dos
navios que faziam o transporte.” (p. 36)

“O valor dos escravos foi assim sempre muito elevado, e somente as regiões
mais ricas e florescentes podiam suportá-lo.” (p. 36)

“Mas seja com escravos africanos, escravos ou semi-escravos indígenas, a


organização das grandes propriedades açucareiras da colônia foi sempre,
desde o início, mais ou menos a mesma.” (p. 36)

“É a exploração em larga escala, que conjugando áreas extensas e numerosos


trabalhadores, constitui-se como uma única organização coletiva do trabalho e
da produção.” (p. 36)

“O seu elemento central é o engenho, isto é, a fábrica propriamente, onde se


reúnem as instalações para a manipulação da cana e o preparo do açúcar.” (p.
36)

“Embora o proprietário explore, em regra, diretamente suas terras [...] há casos


freqüentes em que cede partes delas a lavradores que se ocupam com a
cultura e produzem a cana por conta própria, obrigando-se contudo a moerem
sua produção no engenho do proprietário. São as chamadas fazendas
obrigadas; o lavrador recebe metade do açúcar extraído da sua cana, e ainda
paga pelo aluguel das terras que utiliza urna certa porcentagem, variável
segundo o tempo e os lugares, e que vai de 5 a 20%.” (p. 36)

“Os lavradores, embora estejam socialmente abaixo dos senhores de engenho,


não são pequenos produtores, da categoria de camponeses. Trata-se de
senhores de escravos, e suas lavouras, sejam em terras próprias ou
arrendadas, formam como os engenhos grandes unidades.” (p. 36)

“A razão por que nem todas as propriedades dispõem de engenho próprio são
as proporções e o custo das instalações necessárias. O engenho é um
estabelecimento complexo, compreendendo numerosas construções e
aparelhos mecânicos.” (p. 36-37)

“A grande propriedade açucareira é um verdadeiro mundo em miniatura em que


se concentra e resume a vida toda de uma pequena parcela da humanidade. O
número de trabalhadores é naturalmente variável. Nos bons engenhos, os
escravos são de 80 a 100. Chegam às vezes a muito mais [...].” (p. 37)

“Além do açúcar, extrai-se também da cana a aguardente. A aguardente é uma


produção mais democrática que o aristocrático açúcar. Há no entanto
destilarias com dezenas de escravos.” (p. 37)

“Durante mais de século e meio a produção do açúcar, com as características


assinaladas, representará praticamente a única base em que assenta a
economia brasileira.” (p. 37)

“Até meados do séc. XVII o Brasil será o maior produtor mundial de açúcar, e é
somente então que começarão a aparecer concorrentes sérios [...] a
colonização brasileira, superados os problemas e as dificuldades do primeiro
momento, desenvolveu-se rápida e brilhantemente, estendendo-se cada vez
mais para novos setores.” (p. 37)

“Além do açúcar, embora em escala relativamente pequena, começará a


cultivar-se também, desde princípios do séc. XVII, o tabaco. Trata-se, como se
sabe, de uma planta indígena da América, e cujo produto teve logo crescente
aceitação na Europa. Mas não é só com este objetivo que se cultivou no Brasil,
e sim também para ser utilizada no tráfico de escravos; o tabaco servirá para
adquirilos pelo escambo na costa da África, e será em grande parte em função
deste negócio que se desenvolverá a cultura brasileira. Quando em princípios
do séc. XIX começam a se estabelecer restrições ao tráfico, a produção entrará
paralelamente em crise. Mas até esta época será próspera.” (p. 38)

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