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Tradução TEXTO 1

**Contam que no final de 1974, Stephen Hawking fez uma aposta com seu colega Kip Thorne de que
buracos negros não existiam. Se Hawking vencesse, receberia uma assinatura de quatro anos da revista
satírica Private Eye. Se Thorne vencesse, Hawking pagaria a assinatura de um ano da revista erótica
Penthouse. Anos depois, Hawking decidiu pagar a aposta. A anedota tem outros detalhes engraçados e
é contada pelo próprio Hawking em seu livro "Uma Breve História do Tempo". Em 2017, Thorne ganhou
o Prêmio Nobel. Hawking faleceu pouco depois, tão laureado e reconhecido quanto seu colega, embora
sem o Nobel. Acredito que ele não se importaria. Ele teve grandes e inspiradoras ideias, mas não fez
algo como provar a existência das ondas gravitacionais.**

**Eu não apostei nada sério com meu amigo e admirado Jordi Ferrer em relação à existência dos
padrões de prova, além de refeições ou jantares com os quais já nos presenteamos sem a necessidade
de apostas. Nenhum de nós ganharia o Nobel, mesmo que existisse para juristas, pois infelizmente
nenhum de nós tem as mentes dos anteriormente citados. No entanto, existem alguns paralelismos
curiosos com a história contada. Ferrer e eu trabalhamos muito a favor da racionalização da atividade
probatória em um processo judicial. Quase desde o início doutrinário, tentamos tirar essa atividade do
subjetivismo do juiz. E outros, eu mesmo inclusive, tentamos o mesmo nos últimos anos. No livro que
estou comentando agora - "prova sem convicção" - Ferrer acerta as contas conosco. Com Daniel
González Lagier, com Marina Gascón Abellán, com Ronald J. Allen, com Larry Laudan ou comigo mesmo,
entre outros. E ele faz isso com a contundência própria da amizade que nos temos e com uma
desenvoltura que só observei na área jurídica de forma geral entre filósofos do direito. Infelizmente, isso
não é comum em outras áreas, já que esse comportamento pode causar - mesmo até agora! - um casus
belli. Jordi nos diz claramente, várias vezes, que estamos errados, e nós acreditamos que é ele quem
está errado em diversos pontos, e já o dissemos publicamente e em particular com frequência. E
bendita discordância, porque nos permitirá continuar debatendo, que é outra forma de pesquisar não
tão praticada, mas muito frutífera, desde que a timidez seja vencida, se diga o que se pensa e não se
utilize a retórica ou se fale por falar.**

**Ferrer acredita que os padrões de prova existem, e eu também. Ele acredita que são uma via de
melhoria muito relevante na atividade probatória em um processo, e eu também acredito, embora
apenas em uma pequena parte, e por isso percebo que sua teoria está cheia de boas intenções. Com um
esforço de objetivação louvável - embora insuficiente, como demonstrarei - ele formula até sete
padrões de prova, do mais exigente ao mais simples de cumprir. Com esses padrões, ele tenta orientar o
trabalho judicial, e essa é a única parte que me seduz - em parte - deles. Cada um dos sete é uma
verdadeira diretriz de como um juiz deve se comportar em um processo ao considerar um fato como
comprovado. Uma vez cumprida essa tarefa, é possível - conforme Ferrer nos conta - que a versão de
uma das partes e a versão da outra tenham alcançado o nível do mesmo padrão, momento em que
ocorreria um empate e seria necessário proceder a uma distribuição do risco de erros, que seria operada
graças ao ônus da prova, que nos indicaria quem deve perder o processo nessa situação de igualdade,
ou graças às presunções - ou mesmo presunções aparentes - que impõem uma versão favorável a uma
das partes em caso de persistência da referida incerteza.**

**O esforço argumentativo de Ferrer é muito notável e logicamente consistente em sua formulação.
Mas, em minha opinião, é defeituoso em sua base. Pessoalmente, tenho constantemente tentado
aproximar os conhecimentos extrajurídicos ao estudo do direito, mas nunca pretendi comparar em
termos estritos os métodos usados por outras ciências com os que usamos na ciência jurídica. No
entanto, Ferrer compara explicitamente a atividade probatória com o diagnóstico médico, a
farmacologia e até mesmo a paleontologia. Partindo desse fundamento, seu percurso posterior, que já
foi descrito anteriormente, não é surpreendente. Meu amigo busca uma prova diagnóstica semelhante a
uma tomografia computadorizada, e gostaria - eu também gostaria - que esse diagnóstico apresentasse
imagens que comprovassem, por exemplo, a existência de um tumor. Ele deseja localizar um
medicamento que funcione em 95% dos casos, pesando os riscos de manter o mesmo no mercado,
considerando que 5% dos pacientes, segundo dados estatísticos rigorosos, não são curados ou são
mortos. Este filósofo do direito parece querer afastar o direito da filosofia, e se for assim, tem meu
aplauso, porque há muito tempo deveria ter dado esse salto, embora no caso do direito, sem deixar de
lado algumas bases filosóficas que continuariam sendo interessantes, mesmo que se chegasse a esse
resultado. No entanto, Jordi Ferrer esquece com essas ideias que os diagnósticos médicos não apenas
têm uma base estatística, mas frequentemente evidenciam, sem recorrer a esses cálculos, a presença de
uma patologia, o que afasta a medicina da incerteza e a aproxima da verdade, essa meta do direito
probatório, inalcançável segundo tantos autores. O mesmo acontece com a farmacologia e a
paleontologia. Várias de suas conclusões são verdadeiras, sem matizes, sem nenhum tipo de dúvida.
Uma enorme vantagem para essas matérias, embora ainda tenham um tremendo espaço para
hipóteses, como não

pode deixar de ser na ciência.**

**No processo judicial, a situação é muito diferente. Geralmente não há certezas, embora às vezes
estejam presentes, ao contrário do que costuma ser afirmado com uma vocação um tanto mítica, quase
teológica. O juiz pode constatar a presença de um cadáver, e que esse sujeito está morto é uma certeza
que de forma alguma é irrelevante para o julgamento. Ele pode ir ainda mais longe e localizar evidências
do ocorrido de um fato sem lugar para qualquer dúvida. O assassinato de Lee Harvey Oswald foi
perpetrado por Jack Ruby, e disso não há dúvida alguma. Todos nós vimos as imagens. No entanto, para
dar um exemplo que misture medicina com direito, apesar das vezes que ele foi rotulado como
demente, não podemos ter certeza de que Adolf Hitler sofria de uma doença mental que poderia tê-lo
absolvido em um processo penal. Algumas imagens parecem revelar a doença de Parkinson, e suas
decisões e forma de se expressar indicam um grave transtorno de personalidade, mas nada disso pode
ser afirmado com certeza. E diante dessas dúvidas, talvez devesse ter absolvido Adolf Hitler de crimes
contra a humanidade, o que certamente não teria sido aceito por nenhum de nós. Por quê? Aqui está a
chave de toda essa questão, e Ferrer aponta para ela em alguns trechos de sua obra. Eliminar o
subjetivismo é difícil, e também não devemos esquecer que todas as nossas categorizações em matéria
probatória estão construídas sobre a base desse subjetivismo, não devemos esquecer disso. Em Roma,
não foi dada muita atenção a esse assunto, a ponto de deixarem a matéria probatória nas mãos, não do
pretor, mas da população indígena conquistada no processo formulário. Eles começaram a se preocupar
mais no período clássico e pós-clássico, quando os juízes reassumiram a função probatória. Mas quando
os burgueses universitários do século XII perceberam que seriam os juízes designados pela nobreza e
realeza que resolveriam seus casos, criaram o secundum allegata et probata (partium), o sistema legal
de valoração da prova e a própria instituição do ônus da prova, como chegou até nós nos dias de hoje.
Dessa forma, eles limitaram o juiz ao que as partes diziam. Uma verdadeira "luta de classes" fora de
época. Princípios dispositivos e de contribuição da parte. Essas mesmas bases inspiraram o sistema
adversarial no mundo do Common Law, como é facilmente identificável. Dito de outra forma, o
subjetivismo foi eliminado de uma vez por todas porque não confiavam nesses juízes. Com toda razão.
Mas nesse mundo do Common Law, o júri começou a ter protagonismo, quase ao mesmo tempo. E foi
justamente de seu trabalho que derivou o estudo moderno da prova. O júri não podia estar sujeito ao
regime de valoração legal, porque não conhecia o direito. Portanto, os jurados deveriam encontrar seu
veredicto de acordo com "o melhor de seu conhecimento", como disse Blackstone. E nem mesmo o
veredicto era motivado, uma vez que, tendo prestado juramento, eram inspirados por Deus, de quem
não se podia duvidar. Esse foi o sistema proposto por Bentham para a França, e esse é o sistema da
intime conviction, também citado por Ferrer. Basta ler Bentham para perceber que esse autor, assim
como já havia ocorrido séculos antes, confiava na intuição dos juízes para descobrir a realidade dos fatos
através da gestualidade das testemunhas e das partes, e pouco mais. Daí também veio, aliás, a obsessão
pela oralidade. E esse é o ponto de partida de tudo o que aconteceu depois: puro subjetivismo, apenas
limitado pela persistência tenaz de algumas antigas - e absurdas - regras de prova legal.**

**Apesar do empirismo radical de Bentham e de seu desejo de aproximar o direito dele como entusiasta
da lei escrita - como se sabe, em seu país não deram ouvidos a ele -, talvez os séculos XVIII e XIX não
fossem propícios para mais nesse esforço empírico, e não havia outra alternativa senão se acomodar ao
subjetivismo em matéria de prova. E insisto, desse subjetivismo parte todo o nosso sistema. Jordi Ferrer,
ou eu mesmo, tentamos mudar precisamente essa situação, não porque não confiamos nos juízes, mas
porque pensamos - acredito que concordo com Ferrer - que um litigante merece algo mais do que uma
resposta intuitiva de um julgador. Pessoalmente, tenho procurado revelar as ciências por trás dos meios
de prova: psicologia da testemunha, semiótica textual e todas as que se referem aos pareceres periciais.
E também tenho estudado o subjetivismo judicial desde a psicologia cognitiva através dos heurísticos e
dos vieses. Ferrer, sem desconsiderar absolutamente nada do que foi mencionado anteriormente,
propõe dar um passo além: regular a tarefa de julgamento através dos padrões, que dariam - mais -
objetividade à tarefa probatória. E é aqui que nossos caminhos se separam.**
Claro, aqui está a tradução do texto para o português:

**Meu amigo formula os referidos sete padrões com uma brilhantez impecável. No entanto, ele reluta
em assumir - e espero que continue fazendo isso - que seus padrões estão carregados de subjetivismo.
Quando, por exemplo, no primeiro afirma que "todas as outras hipóteses plausíveis explicativas dos
mesmos dados que sejam compatíveis com a inocência do acusado/requerido devem ter sido
refutadas", parece deixar de lado que a plausibilidade de uma hipótese muitas vezes deriva de um
julgamento subjetivo baseado em uma noção mais ou menos intersubjetiva da experiência. Ou quando,
no segundo, nos fala que os dados probatórios disponíveis devem se integrar "coerentemente", perde
de vista que a coerência também não é uma variável objetiva, ainda mais quando a usamos como
parâmetro para avaliar comportamentos humanos. À medida que descemos na exigência de
plausibilidade na escalada dos demais padrões, o subjetivismo assume paulatinamente cada vez mais
protagonismo.**

**Mas suponhamos, como faz Jordi Ferrer, que os padrões funcionam da forma que meu colega deseja.
Se ambas as partes alcançam igualdade no cumprimento dos padrões, deve-se utilizar a carga da prova
ou as presunções - legais, por sinal - reais ou aparentes. E novamente eu me separo de sua doutrina. A
carga da prova em sua versão clássica, a única que provavelmente existiu até o século XIX e a mais
frequentemente usada fora do âmbito do Common Law, distribui entre os litigantes a responsabilidade
de provar. Em um trabalho anterior, Ferrer rejeitou esta versão da carga da prova, mas parece retornar
agora à mesma em sua formulação, embora tente se acomodar mais à "burden of persuasion" do
âmbito anglo-saxônico. No final, estamos dividindo os fatos de um processo com base em quem deve
prová-los, e acabamos condenando quem não o faz. Essa é a carga subjetiva. A objetiva parte da
subjetiva e nos indica, no âmbito desta segunda, qual é o nível ou padrão probatório que cada parte
deve alcançar, e esse é exatamente o núcleo dessa carga objetiva.**

**Alguns autores argumentaram que, por isso, carga subjetiva e objetiva eram duas faces da mesma
moeda, quando na realidade o que ocorre é que são dois estágios distintos do processo probatório,
como explica acertadamente Ferrer. No processo norte-americano, isso é mais facilmente visto porque
ambas as cargas são usadas em fases processuais distintas, graças, em parte, ao júri. Mas acontece que
o segundo estágio - a carga objetiva - acaba dependendo do primeiro - a carga subjetiva - e é nesse
ponto que acredito que toda a argumentação acaba sendo errônea, além de que no processo
continental ambas as cargas, caso existam, são usadas exatamente na mesma fase processual: no
momento da sentença e apenas se a prova não foi eficiente. Curiosamente, no solemnis ordo iudiciarius,
a carga - subjetiva - da prova era valorizada no início do processo, e as "medidas de prova" no final do
processo. De forma semelhante ao processo norte-americano. Fica dito.**
**O que acontece é que atualmente, no processo, ninguém tem a responsabilidade de provar nada,
também não a um determinado nível, mas as partes vão ao processo tentando defender sua posição e
ganhar assim o processo. Não se pode imaginar esse cenário como se fosse um laboratório, porque não
o é. Nele aparecem as ferramentas dos atores, as emoções do público e até o ânimo do diretor do
teatro, se me permitem a comparação. E todos esses elementos são muito difíceis de controlar e avaliar.
Para que realmente fossem ao mesmo nível que a medicina ou a física, deveríamos possuir um método
de avaliação infalível da credibilidade de litigantes e testemunhas, e esse método nem o temos nem o
podemos ter, pelo menos nesta geração. Deveríamos também conhecer todos os detalhes do contexto e
intenções do autor de um documento, ou pelo menos possuir cálculos estatísticos em torno dos
mesmos parecidos com os que existem, mesmo de modo insuficiente, em psicologia do testemunho. Ou
então deveríamos poder confiar a 100% no parecer de um perito. No entanto, não temos nada disso. E
por isso - também - não podemos sancionar com uma condenação quem não conseguiu provar um fato,
porque não é exatamente que não tenha conseguido prová-lo, mas sim que não o fez de acordo com o
padrão que lhe exigimos, cuja formulação, não se esqueça, era subjetiva. Como também é subjetiva sua
apreciação, por mais que Ferrer se esforce em guiá-la, o que insisto que é acertado em seu propósito.
Por isso, afirmei há muito tempo que a carga da prova não tem nenhum papel no sistema de livre
valoração, pois no mesmo não se exige que nenhum litigante aporte nada nem se avalia a prova em
função de níveis de prova. Pelo contrário, isso é o que ocorria no regime legal de valoração, repito. Mais
do que carga, a prova era uma obrigação das partes, pois eram suas proprietárias em função do
secundum allegata et probata. E foram surgindo níveis ou medidas de prova para diferentes usos,
embora fundamentalmente para desfazer as situações de empate - com esse sistema elas se produziam
objetivamente, com o atual são subjetivas e marginais - dado que as provas eram pesadas e ganhava
quem obtinha um maior volume probatório. Por isso, distinguia-se entre prova semiplena ou prima facie
ou prova de indícios - as três coisas eram iguais -, prova plena e até mesmo prova pleníssima, e era
insultantemente diáfano quando ocorria o primeiro e o segundo, embora não tanto o terceiro, apesar
de que a rubrica plenissima diz tudo. Comparem esses três parâmetros respectivamente com a
"probable cause", a "preponderance of evidence"

**Meu amigo formula os referidos sete padrões com uma brilhantez impecável. No entanto, ele reluta
em assumir - e espero que continue fazendo isso - que seus padrões estão carregados de subjetivismo.
Quando, por exemplo, no primeiro afirma que "todas as outras hipóteses plausíveis explicativas dos
mesmos dados que sejam compatíveis com a inocência do acusado/requerido devem ter sido
refutadas", parece deixar de lado que a plausibilidade de uma hipótese muitas vezes deriva de um
julgamento subjetivo baseado em uma noção mais ou menos intersubjetiva da experiência. Ou quando,
no segundo, nos fala que os dados probatórios disponíveis devem se integrar "coerentemente", perde
de vista que a coerência também não é uma variável objetiva, ainda mais quando a usamos como
parâmetro para avaliar comportamentos humanos. À medida que descemos na exigência de
plausibilidade na escalada dos demais padrões, o subjetivismo assume paulatinamente cada vez mais
protagonismo.**

**Mas suponhamos, como faz Jordi Ferrer, que os padrões funcionam da forma que meu colega deseja.
Se ambas as partes alcançam igualdade no cumprimento dos padrões, deve-se utilizar a carga da prova
ou as presunções - legais, por sinal - reais ou aparentes. E novamente eu me separo de sua doutrina. A
carga da prova em sua versão clássica, a única que provavelmente existiu até o século XIX e a mais
frequentemente usada fora do âmbito do Common Law, distribui entre os litigantes a responsabilidade
de provar. Em um trabalho anterior, Ferrer rejeitou esta versão da carga da prova, mas parece retornar
agora à mesma em sua formulação, embora tente se acomodar mais à "burden of persuasion" do
âmbito anglo-saxônico. No final, estamos dividindo os fatos de um processo com base em quem deve
prová-los, e acabamos condenando quem não o faz. Essa é a carga subjetiva. A objetiva parte da
subjetiva e nos indica, no âmbito desta segunda, qual é o nível ou padrão probatório que cada parte
deve alcançar, e esse é exatamente o núcleo dessa carga objetiva.**

**Alguns autores argumentaram que, por isso, carga subjetiva e objetiva eram duas faces da mesma
moeda, quando na realidade o que ocorre é que são dois estágios distintos do processo probatório,
como explica acertadamente Ferrer. No processo norte-americano, isso é mais facilmente visto porque
ambas as cargas são usadas em fases processuais distintas, graças, em parte, ao júri. Mas acontece que
o segundo estágio - a carga objetiva - acaba dependendo do primeiro - a carga subjetiva - e é nesse
ponto que acredito que toda a argumentação acaba sendo errônea, além de que no processo
continental ambas as cargas, caso existam, são usadas exatamente na mesma fase processual: no
momento da sentença e apenas se a prova não foi eficiente. Curiosamente, no solemnis ordo iudiciarius,
a carga - subjetiva - da prova era valorizada no início do processo, e as "medidas de prova" no final do
processo. De forma semelhante ao processo norte-americano. Fica dito.**

**O que acontece é que atualmente, no processo, ninguém tem a responsabilidade de provar nada,
também não a um determinado nível, mas as partes vão ao processo tentando defender sua posição e
ganhar assim o processo. Não se pode imaginar esse cenário como se fosse um laboratório, porque não
o é. Nele aparecem as ferramentas dos atores, as emoções do público e até o ânimo do diretor do
teatro, se me permitem a comparação. E todos esses elementos são muito difíceis de controlar e avaliar.
Para que realmente fossem ao mesmo nível que a medicina ou a física, deveríamos possuir um método
de avaliação infalível da credibilidade de litigantes e testemunhas, e esse método nem o temos nem o
podemos ter, pelo menos nesta geração. Deveríamos também conhecer todos os detalhes do contexto e
intenções do autor de um documento, ou pelo menos possuir cálculos estatísticos em torno dos
mesmos parecidos com os que existem, mesmo de modo insuficiente, em psicologia do testemunho. Ou
então deveríamos poder confiar a 100% no parecer de um perito. No entanto, não temos nada disso. E
por isso - também - não podemos sancionar com uma condenação quem não conseguiu provar um fato,
porque não é exatamente que não tenha conseguido prová-lo, mas sim que não o fez de acordo com o
padrão que lhe exigimos, cuja formulação, não se esqueça, era subjetiva. Como também é subjetiva sua
apreciação, por mais que Ferrer se esforce em guiá-la, o que insisto que é acertado em seu propósito.
Por isso, afirmei há muito tempo que a carga da prova não tem nenhum papel no sistema de livre
valoração, pois no mesmo não se exige que nenhum litigante aporte nada nem se avalia a prova em
função de níveis de prova. Pelo contrário, isso é o que ocorria no regime legal de valoração, repito. Mais
do que carga, a prova era uma obrigação das partes, pois eram suas proprietárias em função do
secundum allegata et probata. E foram surgindo níveis ou medidas de prova para diferentes usos,
embora fundamentalmente para desfazer as situações de empate - com esse sistema elas se produziam
objetivamente, com o atual são subjetivas e marginais - dado que as provas eram pesadas e ganhava
quem obtinha um maior volume probatório. Por isso, distinguia-se entre prova semiplena ou prima facie
ou prova de indícios - as três coisas eram iguais -, prova plena e até mesmo prova pleníssima, e era
insultantemente diáfano quando ocorria o primeiro e o segundo, embora não tanto o terceiro, apesar
de que a rubrica plenissima diz tudo. Comparem esses três parâmetros respectivamente com a
"probable cause", a "preponderance of evidence" e

o "beyond any reasonable doubt" e talvez se surpreendam. Só lhes faltará a "clear and convincing
evidence" entre os padrões mais conhecidos, dado que ainda há mais. Mas se perceberem que os três
primeiros são também os mais antigos, é possível que vejam um paralelismo que de forma alguma é
infundado. Jordi Ferrer não me parece que negue que este paralelismo exista, mas opina que não é a
origem dos padrões. Eu não posso evitar pensar o contrário, permitam-me a piada, além de toda dúvida
razoável. Acontece que os padrões atuais não são tão toscos quanto os antigos - as medidas de prova -,
e Ferrer tenta afiná-los ainda mais do ponto de vista epistêmico e metodológico. Mas pretendem
exatamente o mesmo que se desejava com aqueles do passado: guiar o juiz na prova dos fatos, mesmo
com muito mais liberdade, felizmente. O novo livro de Jordi Ferrer é uma excelente notícia muito
esperada. Emociona lê-lo em muitos de seus trechos. Se diverte muito com sua ironia e veemência, na
qual os que o conhecemos visualizamos sua pessoa, sorriso e olhar. Mas com o que realmente o leitor
aproveitará é com o rigor científico de seus argumentos. Tomara que dê muito o que falar. Certamente,
por mim, e acredito que por vários dos aludidos, não vai ficar.**

o "beyond any reasonable doubt" e talvez se surpreendam. Só lhes faltará a "clear and convincing
evidence" entre os padrões mais conhecidos, dado que ainda há mais. Mas se perceberem que os três
primeiros são também os mais antigos, é possível que vejam um paralelismo que de forma alguma é
infundado. Jordi Ferrer não me parece que negue que este paralelismo exista, mas opina que não é a
origem dos padrões. Eu não posso evitar pensar o contrário, permitam-me a piada, além de toda dúvida
razoável. Acontece que os padrões atuais não são tão toscos quanto os antigos - as medidas de prova -,
e Ferrer tenta afiná-los ainda mais do ponto de vista epistêmico e metodológico. Mas pretendem
exatamente o mesmo que se desejava com aqueles do passado: guiar o juiz na prova dos fatos, mesmo
com muito mais liberdade, felizmente. O novo livro de Jordi Ferrer é uma excelente notícia muito
esperada. Emociona lê-lo em muitos de seus trechos. Se diverte muito com sua ironia e veemência, na
qual os que o conhecemos visualizamos sua pessoa, sorriso e olhar. Mas com o que realmente o leitor
aproveitará é com o rigor científico de seus argumentos. Tomara que dê muito o que falar. Certamente,
por mim, e acredito que por vários dos aludidos, não vai ficar.**

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