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SAVIGNY, KIRCHMANN, ZITELMANN,

KATOROWICZ

A CIÊNCIA DO
DIREITO

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JULIO GERMÀN VON KIRCHMANN

O CARÁTER ACIENTÍFICO DA CHAMADA CIÊNCIA


DO DIREITO

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PRÓLOGO

O desejo de algumas pessoas conhecidas é a primeira razão por que eu


público as páginas que se seguem. Além do mais, me inclina a isto a consideração
de que dita publicação constitui o melhor meio para evitar mal entendidos e
intepretações errôneas, quando em uma conferência se expõe pensamentos
inusitados.
Que o leitor me perdoe pela forma oratória da expressão! Um discurso
oral e ditado, em grande parte, sem base escrita a faz imprescindível e
inevitável.

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A tese da minha atual conferência provoca facilmente a
suspeita de que apenas o paradoxo das teses me tenha
interessado sem que eu estivesse preocupado com a verdade
profunda da realidade.
Tenho que refutar tal suposição. Nenhuma palestra pode
ter sua recompensa ou pode inclusive divertir outras pessoas
sem que o orador possua habilidade para tanto. Eu, desde logo,
teria que renunciar a tal tratamento à minha tese pelo devido
respeito do caráter da sociedade que me prestigia e a seriedade
de seus membros.
Afirmo, por isso, de antemão que tudo o que exponho, é a
minha total convicção; e que a verdade foi pelo menos a minha
meta, embora não a houvesse alcançado.
A tese, estabelecida por mim, é ambígua. O caráter
acientífico da jurisprudência como ciência pode significar, por
um lado, “que a jurisprudência, se bem constitui uma ciência,
carece da influência da realidade e a vida dos povos que
qualquer ciência possui e deve ter”; por outro lado, minha tese
pode trazer à mente “que a jurisprudência carece de valor como
ciência teórica que não constitui uma ciência com acordos ao
autêntico conceito dela mesma.
Não refuto esta ambiguidade, ainda que se introduza na
minha tese de contrabando. Ambos os sentidos da tese contêm
o que quero expor.
É certo que semelhantes afirmações são inusitadas.

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Todavia, seguem em pé a santidade e a grandeza da
jurisprudência inalterada e geralmente reconhecidas.
Não obstante, a experiência diária abarca algumas
observações suscetíveis a gerar dúvidas e objeções contra
aquele axioma. Quais dos juristas práticos podem se esquivar
do sentimento de insuficiência e vazio da sua profissão? Qual
outra classe de literatura possui ao lado de suas boas obras um
semelhante cúmulo de livros carentes de espírito e de gosto,
como possui a literatura jurídica? A Santa Justiça é ainda hoje
objeto de burla no povo. Inclusive o homem culto, ainda que
defendesse a justa causa, teme a entregar-se em suas mãos.
Em vão tenta se orientar entre suas formas e
procedimentos. Que quantidade de leis e, contudo, quantas
lacunas! Que quantidade de funcionários públicos, contudo, que
lentidão da justiça! Quão grande é o número de estudos e
erudição, porém, grande também é a incerteza entre a teoria e a
prática. Um Estado que proclama como sua missão suprema a
realização do Direito, e que, no entanto, se faz pagar cada
aplicação do mesmo em dinheiro vivo.
A força bruta do costume consegue que, mesmo a melhor
parte dos juristas, passe com indiferença por fenômenos
semelhantes; e se o homem profano se atreve a abrir a boca, os
juristas a calam, advertindo-lhe que não entende do assunto.
Mas os fenômenos mencionados são muito constantes para não
poder ser considerados como sintoma seguro de que há pano de
fundo. Á par, são tão significativos que um teste de investigar
as razões mais profundas dos ditos fenômenos pode contar com
certo interesse da parte dos estimados participantes.
A jurisprudência, como qualquer outra ciência, se ocupa
de um objeto que existe livre e independentemente,

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sem preocupar-se com a existência da ciência, ou se ela é
compreensível ou não. Esse objeto é o Direito, conforme vive
no povo e se realiza no círculo de cada qual; se poderia falar em
Direito natural. A mesma relação existe em todas as demais
ciências. A natureza, por exemplo, é o objeto das ciências
naturais: A flor floresce, o animal vive sem ter em consideração
de si que a fisiologia conhece ou desconhece a sua essência e
suas forças. A alma também é objeto da psicologia; o espírito
em sua atividade simples do pensar é objeto da lógica. Os
homens pensavam e sentiam da mesma maneira antes e depois
da descoberta dessas ciências. Nem mesmo a matemática se
ocupa de objetos criados por ela mesma. Se bem que é certo que
as relações de espaço e de números são abstratas da realidade:
o Teorema de Pitágoras já existia antes de Pitágoras o descobrir.
Até a filosofia tem por objeto algo real, absoluto e eterno que a
ciência deve compreender.
A filosofia moderna tem tentado suprimir essa diferença
entre objeto e ciência. Contudo, podemos no lugar prescindir tal
teste. De efeito, a identidade presumida do ser e saber foi
colocada, até por aqueles grandes pensadores, apenas a cabeça
de seus sistemas. Em seus desenvolvimentos ulteriores a
oposição volta a aparecer. É certo que não se fala deles da
natureza como tal “natureza”, se não como “ideia na forma de
alienação e exteriorização. Mas não é menos que isso o que não
suprime dita oposição, se não a que se move simplesmente do
substantivo ao adjetivo.
O objeto da jurisprudência, portanto é o Direito, e mais
concretamente, as instituições abundantes do matrimônio, da
família, da propriedade, dos contratos, da herança, as diferenças
entre

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as propriedades, a relação do Governo com o povo e das nações
entre si. A substantividade do Direito a respeito da ciência
jurídica implica uma ideia de suma importância. Várias vezes
se tem tentado a pôr em dúvida ou limitá-la. Entretanto,
considerações simples são capazes de demonstrar seu
indubitável acerto. Um povo pode viver muito bem sem ciência
jurídica, mas não sem Direito. E mais, o Direito deve ter
alcançado um desenvolvimento alto para que seja possível
pensar em uma ciência jurídica ou desenvolvê-la. A história nos
evidencia isso. Na Grécia, já havia iniciado a vida pública,
contudo, a ciência jurídica havia acabado de começar.
Encontramos situação semelhante em Roma até a queda da
República e entre os povos germânicos e românicos na Idade
Média até a época dos críticos.
Talvez surjam dúvidas a respeito de uma diferença que
reveste o Direito em comparação com os objetos de outras
ciências: nos referimos ao que é inerente ao Direito como objeto
da ciência.
Essa diferença realmente existe. Um povo tem um saber
de seu Direito, mesmo sem a existência de uma ciência jurídica.
Mas tal saber não é ciência, senão a que descansa nas regiões
obscuras do sentimento e do tato natural. Dito saber constitui
apenas um saber do Direito no caso concreto. É certo que possui
princípios abstratos nos brocardos jurídicos. Porém não é
menos que tais brocardos, longe de revestirem-se de sentido
científico, algumas vezes se aplicam outras não. O decisivo é a
particularidade do caso concreto e não aquela tese firmada. A
filologia nos brinda outro exemplo do que foi exposto.
Também, o objeto filológico implica um saber: o particular
conhece, ao falar, o modo e os tempos verbais e os aplica
acertadamente; no entanto,

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conhece muitas vezes a gramática, a ciência da linguagem, só
de nome.
A missão da jurisprudência é, portanto, a mesma que a de
todas as demais ciências. Deve compreender seu objeto,
verificar suas leis, desenvolver os conceitos, dar em conta do
parentesco e da conexão de várias instituições e, por fim, expor
seus conhecimentos em um sistema simples. Minha tese se
reduz, por conseguinte, a seguinte pergunta: Como a
jurisprudência faz a sua tarefa? Como a faz em comparação as
outras ciências? A jurisprudência tem vantagem ou fica atrás?
Se poderia acreditar que o mencionado saber, inerente ao
seu próprio objeto, constituiria para a jurisprudência uma
grande vantagem em comparação às demais ciências. A
história, contudo, nos demonstra outra coisa. Quando na Grécia
todas as ciências já haviam feito grandes progressos, a
jurisprudência, sem contar com o Direito Público, não havia
nem sequer começados suas atividades. Os juristas romanos do
Império recuperaram o tempo perdido no que se refere ao
Direito criminal e Direito Privado e por seus esforços logrou,
naquela época, a ciência jurídica vantagem sobre as demais
ciências. Na Idade Média, em que os autores podiam apoiar-se
sobre aqueles estudos, mantinham por longo tempo essa
relação, mas a partir de Bacon, se leva a cabo uma
transformação completa. Agora se aceitava por todas as ciências
o princípio da observação, do sentimento das especulações da
experiencia, ao que no fundo também a jurisprudência dos
clássicos romanos deve sua excelência. Os resultados deste
novo método raiavam como se fossem um milagre.
Descobrimentos após descobrimentos se seguiam. Se antes cada
século derrubava o que o anterior estimava comprovado por
especulações fantásticas por outras de melhor classe, agora
havia conquistado terreno firme: os trabalhos e descobrimentos

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de um século ficavam também nos seguintes a base firme, sobre
a qual se construía o edifício, que já agora tem alcançado alturas
assombrosas. A jurisprudência, no entanto, não fez progressos,
pelo menos desde os tempos de Bacon. Suas regras e conceitos
não melhoraram desde então, adquirindo mais nítidos
contornos. As controvérsias não diminuíram, pelo contrário,
aumentaram; inclusive onde a investigação mais trabalhosa
acreditava ter logrado um resultado seguro e inquebrantável,
volta a luta a começar porque se passou apenas uma década. Os
trabalhos de Cujatius, Donellus, Hottmann e Duaren se
consideram ainda hoje como obras modelo e não podemos
oferecer estudos melhores, conforme se reconhece os intelectos
de nossa ciência.
Com estas considerações extrínsecas, entretanto, não
quero dar o problema por terminado e a tarefa por resolvida.
Uma prova direta da minha tese exigiria que se definisse um
conceito da ciência em geral e que a pusesse em comparação
com outros trabalhos da jurisprudência. Porém, tal método teria
por si só suas grandes dificuldades e seria, além disso, dado o
tempo limitado da minha conferência, irrealizável. Ademais, o
resultado seria apenas superficial deixando ignoradas as causas
intrínsecas da diferença. Tentarei, portanto, outro caminho.
Com efeito, se minha afirmação do caráter acientífico da
jurisprudência como ciência é verdadeira, deduz-se dela que a
culpa não pode recair sobre as pessoas, ou seja, os cultivadores
da ciência. Embora seja verdade que durante certas épocas o
retrocesso de uma ciência foi a culpa de seus cultivadores e
estudiosos, também é verdade que tal situação não pode se
comparar aos milhares de anos que existe uma ciência inteira.
Isso estaria em contradição com a natureza do espírito humano,
sempre igualmente vigoroso qualquer que seja seu objeto.
Suponho, portanto,

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que a jurisprudência fosse realmente atrás das outras ciências, a
causa deve radicar em seu mesmo objeto, em forças secretas
impeditivas inerente ao objeto, que obscurecem nesta região os
esforços do espírito humano. O melhor caminho para indagação
da minha tese será, portanto, o de começar com uma
comparação do objeto da jurisprudência com o de outras
matérias. Esta maneira de tratá-la oferece, caso se logre, a dupla
vantagem de criar a demonstração da tese e fazer compreensível
as causas dela mesma.
Se agora aplicamos esse método comparativo, oferecem-
nos várias determinações distintivas que, particularidades do
Direito, não se encontram nos objetos de outras ciências.
A primeira que se destaca é a mutabilidade do Direito
natural como objeto da jurisprudência. O sol, a lua e as estrelas
brilham hoje como milhares de anos atrás. A rosa floresce ainda
hoje como igual no paraíso. Mas o Direito mudou. O
matrimônio, a família, o Estado e a propriedade têm se
transformado nas formas mais variadas. O nome mais
conhecido para essa mutabilidade da matéria é o
desenvolvimento progressivo das diferentes instituições do
Direito. Costuma-se declarar esse progresso como vantagem,
elevando-se até este movimento, com prescindência de seu
conteúdo e direção, a sua verdadeira essência. Tais afirmações
são ao menos esquisitas. Não há dúvidas que a humanidade teria
vantagens inexprimíveis porque foi dotada desde o princípio do
melhor organismo possível. Por que não haveria sido também
muito mais feliz, se houvessem adjudicado a ela, no ato, as
instituições jurídicas que houvessem sido as mais excelentes
para cada estado de seu desenvolvimento? Como pode ser uma
vantagem se os povos tiveram que lutar durante séculos com
fatiga e dor para obter os bens requeridos?
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Entretanto, não nos ocupemos com essas objeções. Basta-nos
dizer que existe progresso, sendo ele mesmo a vantagem e o
defeito. O problema consiste em conhecer os efeitos dessa
mutabilidade do objeto sobre a ciência. A contestação a esta
pergunta não pode ser duvidosa. O efeito há de ser muito
prejudicial. Pertence a mesma natureza de todas as ciências que
sua verdade pode amadurecer apenas lentamente. A ciência tem
que atravessar erros de toda classe. Suas leis são apenas o
resultado de esforços seculares comuns de seus cultivadores.
Para as demais ciências, seguir com os pés no chão não é
nocivo. A terra gira hoje em dia em torno do sol como faz há
mil anos. As árvores crescem e os animais vivem como nos
tempos de Plínio. Ainda que, para tanto, se descobriram as leis
da natureza e suas forças despois de longos e cansativos
trabalhos, elas são hoje tão verdade como nos tempos antigos e
seguirão verdadeira por toda a eternidade. A situação na ciência
jurídica é diferente. Por fim, se ela encontra, depois de esforços
de muitos longos anos, o conceito autêntico, a verdadeira lei de
uma de suas instituições, o objeto já sofreu outra transformação.
A ciência chega sempre tarde dado o progressivo
desenvolvimento. Nunca ela consegue captar o presente. A
ciência jurídica se assemelha aos peregrinos do deserto. Diante
de si, tem carmins florescentes, lagos com a movimentação das
ondas; contudo, apesar de caminharem o dia todo, todos eles se
acham pela noite ainda tão distantes dele como pela manhã.
Desde o tempo de Goethe muitas tentativas de melhora foram
levadas a cabo. No entanto, a burla do Mefistófeles em seu
“Fausto” é, contudo, acertada, sobretudo para o Direito Público.
Não se poderia compreender o Estado Grego, a não ser depois
de seu declínio. A ciência dos severos “instituta” do Direito
Romano somente se acabava quando o “ius gentium” já havia
o substituído. Não se deram conta do Espírito e das

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excelências da Constituição Imperial alemã, a não ser depois de
que Napoleão houvesse aniquilado suas últimas folhas. Eis aqui
o primeiro mal fundamental do que nossa ciência padece e do
qual emanam muitas consequências que a obscurecem.
A primeira delas consiste em que a ciência jurídica em
geral tende a se opor a todo o progresso no Direito. É
confortável demais ficar no prédio antigo, bem instalado e bem
conhecido, em vez de ter que deixá-lo ano a ano e ter que se
estabelecer e se orientar de novo. E se a ciência cede ao
progresso, no entanto, ela mantém sua predileção de forçar as
instituições de hoje nas bem conhecidas categorias de
instituições extintas. Os juristas romanos dão exemplos dessa
tendência.
Exemplos neste sentido com suas "ações úteis", suas
"quase delicadas", "quasi contractus", "quasi possessio": em
geral, sua adaptação das instituições livres da era moderna ao
modelo do período antigo e severo.
Os juristas alemães se comportaram ainda pior. Eles
forçavam o casamento alemão, o poder de família parental, as
servidões germânicas e as concepções alemãs das propriedades
para enquadrá-las dentro dos conceitos do Direito Romano, com
os quais eles dificilmente são mais comuns do que o nome. E se
o objeto oferecia muita resistência a esse procedimento, os
juristas careciam de concepção livre e científica dele, que o
incluíam à "Instituta" como "usus modernus". É verdade que
agora o mundo inteiro tacha o procedimento dos juristas
alemães de defeituosos; mas uma falta cometida durante séculos
por todos deve ter sua causa em uma particularidade do próprio
objeto.
Entre os juristas romanos se estabelece ainda hoje

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esse procedimento como modelo. Esse fato causa espanto, já
que em toda parte o melhor método é abordar cada nova
formação sem preconceitos de nenhum tipo, fazendo emanar
novos conceitos e leis dela. Nem toda instituição jurídica que
ocorreu após a outra, necessariamente vem dela. O Direito
Privado nos primeiros tempos do Estado Romano era
evidentemente o produto da pior despótica, que a nobreza e os
sacerdotes exerciam sobre o povo: formas e fórmulas rígidas
dificultavam o tráfego e a perseguição do direito; o povo
ignorava até os dias em que se concedia-lhes esta última. Todo
o desenvolvimento do Direito Privado durante a era republicana
e imperial nada mais é do que a libertação progressiva do
Direito dessas cadeias. Ao contrário dessa direção, os juristas
romanos retiveram, com certa audácia, as antigas instituições
tirânicas, estabelecendo-as como a principal forma das
instituições do período posterior. Eis aqui a divisão que se
encontra em todo o sistema do Direito romano: a oposição
abrupta de formas rígidas e mobilidade livre, de rigor literal e
equidade independente.
Esse perigo, inerente ao próprio objeto e ameaçador à
ciência, a seduziu com frequência até esquecer completamente
a atualidade, dedicando-se ao passado e a abandonar o Direito
atual ao desprezado "artesanato" dos práticos. É muito sedutor
cultivar um campo ao qual a grande massa não tem acesso, onde
o brilho da erudição adquire sua luminosidade máxima e onde
há certeza de que mesmo os resultados mais absurdos não
podem ser demonstrados pelo senso comum. A Escola Histórica
nos dá muitos exemplos. Os intelectos dela apenas conseguiram
escolher um caminho intermediário.

Em qualquer caso, a ciência jurídica arrasta um fardo


enorme:

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o estudo do passado, produzido pela mobilidade de seu objeto.
Mas só hoje tem valor. O passado morreu e serve apenas na
medida em que constitui um meio de compreender e dominar o
presente. Se a natureza do objeto exigia o desvio histórico,
comparável com óculos embaçados, a ciência deveria se
resignar-se; mas não se trata de uma benção. Quão melhor seria
a ciência jurídica, se pudesse, como ciências naturais, entrar em
contato direto com seu objeto. Esse lastro de instituições do
passado absorve muitas das melhores forças. O mal é muito
maior, pois as fontes do Direito passada são tão escassas e
defeituosas. O que a diligência e os dons divinatórios de séculos
construíram, pode desintegrar-se nas próprias fundações a
qualquer dia para um velho pergaminho recém-encontrado. A
filologia só nos oferece um panorama similar, já que seu objeto
também se desenvolve progressivamente. Mas, por outro lado,
a filologia tem vantagens sobre a jurisprudência, uma vez que
possui o passado de seu objeto em toda a sua riqueza e é
facilmente acessível em documentos e livros antigos.
Se a comparação for continuada, uma nova funcionalidade
do objeto da jurisprudência é descoberta no fato de que o Direito
não consiste apenas no saber, mas também no sentir: a sede do
seu objeto não se acha apenas na cabeça, mas também no peito
dos homens. Os objetos de outras ciências estão livres de tal
aditamento. Se a luz constitui um movimento ondulatório do
éter ou o movimento retilíneo de corpúsculos finos; se razão e
intelecto são uma coisa ou entidades diferentes; se as equações
do quarto grau podem ou não ser diretamente resolvidas, todos
esses problemas são muito interessantes, mas em relação a
nenhum deles existe um preconceito sentimental. Uma ou outra
resposta é igualmente bem vinda:

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a única coisa que é exigida é a verdade. Pense, em vez disso, no
Direito: que apaixonamento, quantas paixões, quantos partidos
se introduzem ao contrabando na busca pela verdade! Todas as
questões de Direito Público estão mergulhadas nisso.
Constituição ou a falta dela, a liberdade ou a censura de
imprensa, sistema bicameral ou um regime diferente,
emancipação judaica, preservação da punição corporal ou sua
abolição – o mero enunciado desses problemas é o suficiente
para que o coração de cada um bata mais de pressa. O mesmo
acontece no Direito Privado. Pense se o casamento entre judeus
e cristãos deve ser admissível; que causas do divórcio devem
ser estabelecidas; se o mayorazgos é admitido ou não, a
redenção do direito de caça. Nestes, como em quase todos os
problemas jurídicos, o sentimento já respondeu, antes do início
da investigação científica.
Não julgamos essa particularidade do Direito com caráter
pejorativo; pelo contrário: talvez seja seu valor supremo. Mas o
problema da minha pesquisa é apenas se essa particularidade
facilita ou dificulta a ciência do Direito. E neste aspecto é
evidente que o que acontece é o último. O sentimento nunca e
em nenhum lugar é um critério da verdade: é o produto da
educação, do hábito, da atividade, do temperamento, em uma
palavra, do azar. O que em um povo indigna, é aplaudido em
outro. Para que a investigação da verdade não se desvie,
encontramos sua primeira suposição: que se livre de um
companheiro tão apressado. E, no entanto, quase ninguém é
capaz disso quando realiza investigações legais. Mesmo a
vontade mais forte não pode escapar completamente das
poderosas influências da educação e do costume. Encontramos
os resultados dessa situação em todos os lugares.

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Todos os grandes problemas do dia se transformaram em lutas
partidárias. Em vão espera a verdade para um pesquisador livre
de preconceitos. Os mestres da ciência ou não lidam com essas
questões ou fazem parte de um partido. Mesmo se a verdade
tivesse sido encontrada, a paixão não lhe permitiria levantar a
voz. É por isso que é necessário no Direito que o tempo com
seu poder tranquilizador passe pelos problemas antes que a
ciência possa agir e encontrar a verdade livremente. E então é
quase sempre tarde.
Que diferença há neste particular entre a jurisprudência e
as ciências naturais! Que concórdia, que interpenetração
pacífica reina nessas últimas! O que um se descobre, agradecido
o reconhece por outro. Todos colaboram na construção do
trabalho. Se encontramos uma paixão, é apenas vaidade; e isso,
porque não cria raízes no próprio objeto, logo desaparece.
Devemos nos referir neste contexto a uma instituição
estranha: a censura, que tem sua base natural na união do
Direito com o sentimento. Só por isso a censura sobrevive a
todas as demonstrações convincentes da ciência. O ataque
contra um costume arraigado e bem-amado, contra o que é
considerado Direito sagrado, revolta os sentimentos. A ciência
jurídica se encontra com novas cadeias; e é somente a ela
acontece assim, já que as ciências naturais e todas as outras
ciências possuem o belo privilégio de se protegerem. É verdade
que a liberdade de pesquisa científica é afirmada até pelo
Direito, querendo obstruir apenas sua chegada ao povo; mas não
é menos que essa distinção, é como se fosse dito a um arquiteto:
"Você pode desenhar e pintar suas casas, mas não tem
permissão para construí-las"
A comparação dos objetos das ciências entre si nos leva a
outra particularidade do Direito, cujas

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consequências são muito mais importantes do que as das
particularidades mencionadas até agora. Refiro-me à figura do
direito positivo, forma híbrida de ser e saber que se introduz de
contrabando entre o Direito e a ciência e produz consequências
prejudiciais para ambos.
Todas as ciências têm leis e essas leis são seu objetivo
supremo. Todas as ciências têm, em todos os momentos, além
das verdadeiras leis, também falsas leis. Mas a imprecisão
dessas últimas não tem repercussões no objeto científico. A
terra gira incessantemente em torno do sol, embora Ptolomeu
tenha estabelecido uma lei que afirmava o contrário. A alma
permanece simples, embora Wolf e Kant a tenham decomposto
em inúmeras forças. O trigo retira seu principal alimento do ar
e não do solo, embora até que Liebig tenha estabelecido o
contrário como lei na economia.
As leis positivas do Direito nos ensinam uma situação
diferente. Abastecidas de poder e sanções impostas a seu objeto,
não importa se é verdadeiro ou falso. O Direito natural deve
entregar sua verdade e capitular ante elas. Enquanto que em
todas as outras regiões o saber deixa o ser intacto e, cheio de
respeito, cede a ele, se consegue pela força na esfera do Direito,
o oposto por meio da lei positiva. O saber, inclusive o saber
errado e defeituoso, vence o ser.
Não queremos negar o progresso necessário que conduz
do Direito natural à lei positiva. A cultura desenvolvida, a
divisão do trabalho, a complexidade da vida, a necessidade de
situações fixas e definidas, produziram leis positivas em todos
os povos. Mas nem tudo que cresce naturalmente e
rigorosamente lógico, por isso já é uma benção. A humanidade
pode se desviar do seu caminho, e então pode ser

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aconselhável revertê-la, desde que isso seja possível.
As desvantagens da lei positiva para o Direito Natural são
bem conhecidas.
Qualquer lei positiva é condicionada pelo grau de
conhecimento do Direito Natural. Uma grande parte delas vem
de períodos em que a ciência mal tinha começado sua jornada.
Outra grande parte desprezava a ajuda da ciência. Por
conseguinte, nos encontramos com a inevitável consequência
de que o conteúdo do direito positivo engloba, ao lado de ideias
verdadeiras, bastantes desacertos. Outra consequência consiste
na luta da Direito Natural contra a lei positiva.
Mas mesmo com relação a uma lei com conteúdo
verdadeiro, devemos ter em mente que sua forma, sua expressão
é frequentemente defeituosa. Esta é a origem das lacunas, das
contradições, das obscuridades e das dúvidas.
A lei positiva é rígida, o Direito é progressivo. Portanto,
até mesmo a verdade do primeiro se torna falsa no tempo. A
derrogação de uma lei por uma nova nunca é possível sem
violência, uma vez que a sucessão carece do desenvolvimento
gradual e suave do Direito Natural.
A lei positiva é abstrata e sua simplicidade necessária
destrói a riqueza das formações individuais. Tal é a causa dos
conceitos híbridos da equidade e do arbítrio judicial.
As determinações definitivas da lei positiva criam raízes
no puro arbítrio. Quem pode deduzir da própria essência do
objeto se a maioridade começa com vinte e quatro ou vinte e
cinco anos, se o prazo da prescrição comportará trinta anos ou
trinta e um anos, seis semanas e três dias, se a forma escrita dos
contratos será estabelecida a partir de uma participação

265
de 50 taieros e qual será a duração exata das penalidades?
A lei positiva é, finalmente, a arma inerte e sempre pronta,
tanto pela sabedoria do legislador quanto pela paixão do tirano.
Considerações semelhantes levaram Savigny a negar a
vocação do nosso tempo para a legislação. Sua afirmação foi
reprovada por sua amplitude excessiva. Eu acho que o erro de
Savigny não foi que ele foi longe demais, mas que ele falhou.
Não só nossa época carece de uma vocação legislativa no
sentido indicado: ninguém a possui. A crença de que a ciência
alcançaria e compreenderia a atualidade, desde que tivesse
tempo suficiente, foi um erro ingênuo. A ciência fica
eternamente atrás da lei. Nenhuma legislação positiva, embora
dedique mil anos à sua preparação, evitará as deficiências acima
mencionadas. O máximo louvor que pagamos por esse grande
representante da ciência que é Savigny consiste em abster-se de
legislar, mesmo quando o Estado delegou-lhe o poder
legislativo.
Apesar de o Direito Natural sofrer muito por causa da lei
positiva, a ciência sofre ainda mais. De uma sacerdotisa da
verdade, ela se torna uma serva do azar, do erro, da paixão e da
impremeditação. Seu objeto não é mais o eterno e o absoluto,
mas o fortuito, o defeituoso ... o éter celeste desce na lama da
terra.
Longe de mim a afirmação de que a lei positiva contém
apenas o erro: uma grande parte dela é verdadeira e talvez seja
a parte menor a falsa. Mas a lei positiva contém, em relação ao
conteúdo e a forma, a verdadeira expressão do Direito Natural,
basta fazer e conseguir o que constitui atividade e aspiração da
ciência, cujo objetivo também é apenas a descoberta das
verdadeiras leis do Direito.

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Nesse sentido, portanto, a ciência é apenas uma tarefa
explicativa e aclamatória, em uma palavra: o ofício de professor
da escola. E não nos surpreende que a ciência não se sinta
atraída por tamanha tarefa. Os autores muitas vezes expressam
surpresa de que as codificações suprimem em todos os lugares
a ciência por um certo tempo, procurando as causas deste
fenómeno, aqui e ali, enrolando-o especialmente para a mesma
codificação. Mas a verdade é exatamente o oposto. Quanto mais
excelente é o Código, quanto mais se aproxima da verdade,
mais contém pura ciência escrita com precisão máxima, isto é,
exatamente o que a ciência poderia oferecer. O natural é,
portanto, no que diz respeito à parte boa do Código, a ciência
que não entra em ação até que, no curso do desenvolvimento do
Direito, ela se torne obsoleta.
Carecendo a ciência de uma missão com relação à parte
verdadeira da lei positiva, se é que a tem em relação à falsidade
da lei, e em todos os momentos, se atacou sobre isso com inveja
e avidez.
Qual é o conteúdo de todos esses comentários, exegeses,
monografias, perguntas, meditações, tratados e casos judiciais?
Apenas uma pequena parte desta literatura trata do Direito
Natural: a cada nove de dez lidam com as lacunas,
ambiguidades, contradições, do falso, antiquadas e arbitrárias
leis positivas. Seu objeto é a ignorância, o descuido e a paixão
do legislador. O gênio nem se recusa a servir aos não-
premeditados e a se desenvolver para justificá-lo, toda a sua
engenhosidade e toda a sua erudição. Por causa da lei positiva,
os juristas se tornaram vermes que vivem apenas de madeira
podre. Abandonando a madeira saudável, eles aninham-se e
tecem-se no bicho comido. A ciência, ao fazer do azar seu
objeto, torna-se ela própria

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um azar: três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas
inteiras tornam-se artigos inúteis.
Uma crítica exige uma prova detalhada. Alguns exemplos
podem oferecer utilidade ideal.
Em que consiste o interesse jurídico no processo chamado
"causa polonesa"? Meramente na definição defeituosa de alta
traição dada no Direito prussiano. Não há dúvida de que a
separação de províncias inteiras do Estado é equivalente no
Direito Natural ao colapso da constituição. Mas como a lei
positiva não previu este caso, as autoridades são forçadas a
erguer um edifício artificial com a ajuda de dicionários, a
história e as constituições de outros países, edifícios destruídos
todos os dias pela defesa com as mesmas armas. Três palavras
complementares do legislador, como as promete o novo projeto,
e ninguém vai lidar com todos aqueles trabalhos, apesar de seu
alto valor científico.
No que repousa as considerações conscienciosas e interessantes
nos processos de imprensa dos últimos anos sobre o problema
de se a permissão de impressão da censura de outro dos estados
federais também protege o autor na Prússia? Bem, estão
enraizados na formulação ambígua do art. 7 da Lei da Dieta, de
20 de setembro de 1819. Todas essas obras só têm valor
duradouro, pois tratam da essência do objeto, o Direito Natural.
Tudo mais não deixa de ser ciência; mas ninguém o estuda
desde que uma Declaração foi publicada neste mesmo ano.
Durante séculos, era motivo de discórdia entre os juristas
o problema de se a culpa tem dos ou três graus. No campo do
Direito Natural, o acordo completo estava em vigor há muito
tempo. Com efeito, o Direito Natural não conhece esses
números e compartimentos estanques em uma matéria contínua
de acordo com sua própria essência. Höpfner confessa que a
prática não questiona por

268
graduação, mas apenas investiga se há "culpa" em geral. Mas
na esfera do Direito Romano bastavam apenas algumas
passagens escritas com clareza insuficiente e ambíguas porque
estavam separadas de seu contexto, para ocupar completamente
os sábios.
Bibliotecas inteiras foram produzidas sobre a preferência
da filha como herdeira; e, no entanto, uma pequena seção mais
no "liber feudorum" teria evitado toda essa erudição.
Para evitar a aparência como se meus exemplos tivessem
sido escolhidos de um certo ponto de vista, fiz o último volume
dos julgamentos do "Supremo Tribunal Secreto". Não farei
nenhuma seleção e começarei com a primeira resolução
plenária, examinando uma após a outra. Os recitais se destacam
por sua erudição e nitidez e são, pelo menos, equivalentes aos
dos volumes anteriores, mas qual é o objeto de tais
considerações científicas verdadeiramente excelentes? Cuidar
do absoluto, do verdadeiro, do necessário? Esses trabalhos
científicos têm uma duração imperecível e uma utilidade
ilimitada, como exige a ciência?
A primeira resolução do plenário trata da questão de saber
se os formulários para autenticar as assinaturas de partes
analfabetas são para o juiz o mesmo em contratos como em
disputas processuais. Esse problema leva a um processo de leis
positivas que cobrem nove páginas. E, no entanto, a dúvida foi
provocada apenas por uma formulação defeituosa do Apêndice
da "Ordem Geral dos Tribunais". Se se houvesse dado ao
Decreto Circular de 30 de dezembro de 1798 um lugar mais
adequado, segundo o qual seria eu teria me referido aos dois
casos por mim mesmo, nunca teria sido necessário ditar a
Resolução Plenária acima mencionada e suas considerações. O
propósito da resolução é um defeito, e uma ligeira modificação
da

269
colocação do Apêndice faz com que sua importância científica
desapareça.
A próxima resolução plenária trata do problema de saber
se o usufrutuário é obrigado, não só ao proprietário, mas
também ao credor hipotecário, a pagar os juros das dívidas que
gravitam sobre a coisa. Esse problema é objeto de uma
investigação muito minuciosa e aguda de vinte e quatro páginas.
Seis autores, incluindo Bornemann e Koch, já lidaram
com o problema. Para o Direito Natural, a questão não levanta
dúvidas. A natureza do direito real desconhece os devedores
pessoais, como o próprio Bornemann reconhece. Todas as
dúvidas surgem da redação do art. 70, título 21, primeira parte
do "Direito Territorial Geral da Prússia", que afirma: "O
usufrutuário pagará os juros sobre as dívidas que incidem
sobre a coisa".
Se esta disposição tivesse sido elaborada como formulado
pelo "Supremo Tribunal Secreto Real", todas aquelas
investigações agudas teriam permanecido, o que obviamente
perderia todo o seu valor, de modo que o legislador resolvesse
corrigir sua falta.
A resolução plenária seguinte determina que o
consentimento do marido para o empréstimo de uma mulher não
precisa necessariamente ser emitido por escrito, mesmo que seja
mais de 50 taleros. A interpretação direta da lei evidentemente
leva à solução oposta, pois, por um lado, estabelece o art. 133,
título 5o Parte 1 do "Direito Territorial Geral da Prússia" que
até mesmo declarações unilaterais relativas a objetos de valor
superior a 50 taleros deve ser por escrito, se as suas
consequências se estendem para o futuro, e que, por outro lado,
nenhuma exceção é decretado na lei que regula o regime de bens
no casamento. Mas a equidade, o Direito Natural, exigem com
evidência

270
o arranjo oposto, como indicado no final do preâmbulo da
resolução. Para destruir o erro, não formal, mas material, se
busca uma brecha na lei positiva para contrabandear e tornar o
Direito Natural eficaz. Essa brecha se encontra, de modo por
certo audacioso, não emoldurado nas declarações de vontade
dos consentimentos.
A próxima resolução plenária constitui uma estranha
oposição à anterior. Você quase pode acreditar em uma ironia
do acaso. Na citada resolução fica estabelecido que o
consentimento da mulher à alienação de bens imóveis da
comunidade de bens, feita pelo marido, deve ser emitido por
escrito. À primeira vista, parece que o mesmo problema é
tratado nesta resolução como na anterior e que é resolvido uma
vez de forma afirmativa e uma vez no sentido negativo. Com
efeito, o Tribunal precisa de 16 páginas baseadas na história da
lei e do direito comum para encontrar uma diferença. A causa
real por a qual não se havia desprendido simplesmente das
palavras do art. 133, título 59, Parte 1 'da "Direito Territorial
Geral Prussiano", reside simplesmente no desejo de salvar as
consequências da interpretação do dito preceito dado na
resolução anterior.
A seguinte resolução plenária trata novamente
exclusivamente da má elaboração da lei. Trata-se do problema
frequentemente comentado pelos tribunais, pelo Ministério e
pelos intérpretes de que se deve ser entendido pelas verbas
atribuídas às crianças para sua segurança especial e do qual o
pai, de acordo com o art. 169 do título 2, parte 22 da "Direito
Territorial Geral Prussiano" não pode dispor com plena
liberdade. A razão de todas essas disputas consiste apenas em
que a lei estabelece uma categoria por meio das palavras:
"verbas atribuídas para a sua segurança especial", que não
reaparece no Código

271
e nem foi desenvolvido no referido local, sendo até
incompatível com os princípios do regime hipotecário
prussiano. Por essa razão, encontramos muitas dúvidas e
especulações eruditas para dissipá-las.
A próxima resolução plenária tenta novamente uma
mudança e mediação entre o direito positivo e o Direito Natural.
Como se sabe, na maioria das províncias do Estado há um
costume entre os camponeses de que o camponês idoso
transmita a fazenda a um de seus filhos, impondo-lhe a
obrigação de pagar certas quantias do preço a seus irmãos
quando eles se casam ou começam a viver por conta própria.
Não há dúvida entre as pessoas que os irmãos poderiam exercer
seu direito perante os tribunais, mesmo que eles não tivessem
feito parte do contrato, desde que o pai não tenha feito objeções.
O "Direito Territorial Geral prussiano" infelizmente
passou em silêncio por essa instituição, e por isso deve ir para
as disposições gerais do artigo 75, título 59 parte 12 da mesma
lei, segundo o qual um terceiro só pode exercer judicialmente
os direitos que um contrato feito por terceiros atribui a ele, se
concordasse com o seu consentimento, em outras palavras, se
ele aderisse ao contrato. No entanto, a aplicação desta
disposição leva ao nosso caso um resultado de dureza
insuportável e, portanto, se busca há muito tempo um remédio
para subtrair a instituição para o efeito destrutivo do
mencionado art. 75. Se empregava ficções, conversões,
heranças antecipadas e outros dispositivos para dar
flexibilidade à lei positiva. O "Tribunal Supremo Secreto"
demonstra conscienciosamente que todos esses recursos não
são aplicáveis ao "Direito Territorial Geral da Prússia". Em vez
disso, a Suprema Corte ensaia um novo método para salvar a
instituição

272
de raízes históricas indiscutíveis. Eu não sei se é um método
muito feliz. O pai é concebido como um agente que aceita em
nome de seus filhos. Deixando de lado que estes contratos
geralmente não se referem a nenhuma palavra para esta
construção, que milita contra a teoria de que, ao contrário da
natureza das coisas, a mesma pessoa que faz a oferta, a aceita,
e que de acordo com os seus direitos são reforçados irmãos para
além do Direito natural, já que o mesmo pai perderia, sob essa
concepção, o direto no preço, implica em consequência
incompatível com a instituição. A causa de todas essas
múltiplas provações da ciência é meramente um defeito da lei;
e é deplorável que tal perspicácia e erudição devam esforçar-se
em vão para remediar esse defeito.
Permita-me interromper aqui. Acredito ter fornecido
muitas provas da tese de que apenas os erros e defeitos de todos
os tipos são objeto do qual a jurisprudência trata quase
exclusivamente e, infelizmente, tem de lidar. Aqui está uma
questão tão repugnante que causa espanto a quantas pessoas
ainda estão dispostas a dedicar-se a ele. Pode ser que essa tarefa
seja necessária, mas não é por essa razão que um objeto é digno
de ciência.
Que altura de visão encontramos, no entanto, nas ciências
naturais! Seu objeto é apenas natural, o eterno, o necessário. O
menor tapete de grama tem esse selo. Toda criatura é
verdadeira, concordante consigo mesma; e a arbitrariedade com
suas falsificações não atinge a ciência.
Além disso, essas ciências contêm erros e leis falsas. Mas
um olhar luminoso do gênio é suficiente para que o erro
desapareça como a noite antes do sol. Somente a ciência jurídica
sofre a desgraça

273
de servir o erro por séculos e de ter que prestar homenagem e
prestígio a impremeditação.
Ainda não esgotamos os sofrimentos da nossa ciência. O
esquematismo, a rigidez da forma da lei positiva penetra na
ciência do Direito, que repudiará a riqueza individual mesmo
que saiba apreciar. A lei positiva se parece com um alfaiate
teimoso que tem apenas três figurinos para toda a paróquia. A
ciência se parece com a dona de casa, boa como um pedaço de
pão, que percebe onde o traje incomoda e não sente; mas o
respeito que ela tem pelo marido não a permite, a não ser apenas
abrir as costureiras aqui ou ali um pouco, ou adicionar um
pedaço de pano.
A arbitrariedade nas últimas determinações do direito
positivo também penetra na ciência. O arbitrário nestas
determinações limitantes de formas, termos etc., permanecerá
de acordo com sua própria natureza e apesar da mais cuidadosa
redação de uma inesgotável fonte de dúvidas. A ciência se
depara com a ingrata missão de resolver essas dúvidas, de
sistematizar o arbitrário. Todos os comentários sobre essas
formalidades são muito extensos. Que fontes de erudição se
tornaram as discussões sobre as solenidades dos testamentos na
lei romana ou a admoestação de mulheres por ocasião dos laços
da lei prussiana! Outro esplêndido botão de amostra é a mais
recente lei de 1845 sobre a forma de instrumentos notariais. Não
há dúvida de que o maior cuidado foi tomado na elaboração
desta lei; e, no entanto, que quantidade de dúvidas surgiram
durante esses dois anos. Se se examina detalhadamente o modo
de ser destas dúvidas, a ciência abaixa os olhos
vergonhosamente.
É necessário escrever o instrumento inteiro do começo

274
ao fim ou os formulários impressos podem ser usados e
preenchidos?
É inadmissível como testemunha apenas o escrevente do notário
atuante ou também de qualquer outro notário da monarquia?
Deve o notário atuante autenticar a firma dos analfabetos
ou outro notário deve fazê-lo?
O notário assinará apenas com seu nome, sobrenome e
endereço ou também com seu título oficial? E assim as
controvérsias continuam, tudo isso sob pena da nulidade de todo
o instrumento. Refiro-me ao Boletim Ministerial deste ano.
Tais assuntos tornaram-se os objetos mais importantes da
ciência. Sua missão é resolvê-los. Quão altas se encontram neste
aspecto todas as outras ciências! Apesar da suprema legalidade
de seu objeto, encontramos um rico desdobramento e
multiplicidade do individual. Apesar da determinação máxima
de seu objeto, não encontramos arbitrariedade em parte alguma,
mas necessidade absoluta.
Até este ponto, nossa investigação partiu de uma
comparação do objeto de jurisprudência com o de outras
ciências. Ao perseguir minha tese, chego a outro obstáculo. Até
aqui a força impeditiva do objeto havia prosseguido. Mas agora
a ciência exerce um efeito destrutivo ao enquadrar o objeto em
sua forma, como se quisesse punir a persistente resistência do
objeto com a aniquilação de sua própria essência.
O Direito não pode existir sem as características do saber
e do sentir. Um povo deve saber o que o Direito requer no caso
dado; e seu Direito deve ser consagrada com amor a ele. Se o
Direito é despojado dessas características, continua sendo uma
grande obra de arte, mas uma obra morta e, desde logo, nenhum
Direito há. Ao aproximar-se a ciência ao Direito como seu
objeto, a destruição desses elementos é inevitável.

275
O povo perde o conhecimento de seu direito e sua devoção ao
mesmo: torna-se a herança exclusiva de uma classe especial.
Isso é ensinado pela lógica dos eventos e da história. A ciência
se contradiz: quer captar o objeto e esmagá-lo. As
consequências desse fato são extraordinárias.
A ciência carece, por isso, de seu terreno natural e se
desvia facilmente para sofisticação e especulações estéreis.
Outra consequência é a hesitação da legislação. O
legislador até faz experimentos. A legislação processual
prussiana desde 1833 oferece um bom exemplo nesse aspecto,
especialmente sua regulação dos recursos.
No entanto, os maiores inconvenientes ocorrem na
aplicação do Direito ao caso concreto. Até mesmo os atos da
jurisdição voluntária são desfigurados por impressos e artifícios
de todos os tipos. Mas ainda são processos. Não me refiro
àqueles processos em que apenas a execução está envolvida e
nos quais apenas a indolência e a má vontade do devedor devem
ser superadas: elas não constituem controvérsias autênticas e
não precisam de jurisprudência nem de juízes. Mas os
verdadeiros processos em que o Direito é controverso são
reduzidos pelo efeito destrutivo da ciência a uma mera operação
como qualquer outra. Nenhum vestígio de uma realização
autêntica do Direito já foi encontrado.
Nenhuma das partes sabe quem está certo. A voz da
consciência permanece em silêncio. Os advogados são
consultados. E a resolução depende exclusivamente de
considerações externas, como a probabilidade de vitória, o
custo do julgamento e a duração do processo. Se você vencer, a
especulação foi bem-sucedida. Se for perdido, o homem
razoável é consolado exatamente como o comerciante que
acaba de perder uma carga rica

276
na tempestade, ou igual aos acionistas da bolsa cujos cálculos
foram frustrados por eventos políticos. Em nenhum desses
casos a sombra do Direito ainda aparece: nem a indignação
sobre um mal sofrido nem a satisfação orgulhosa da vitória do
Direito.
A aparência do processo suporta essa visão. Até mesmo o
juiz e o homem da ciência ignoram o que se procede em um
determinado caso. Eles são forçados a consultar códigos
volumosos, comentários empoeirados: eles iniciam um cálculo
artificial para descobrir o que no peito de cada um deve ser
escrito em letras muito claras. Em primeira instância se prova
com agudeza e erudição e de maneira artificial a verdade de uma
tese cuja falsidade da qual é demonstrada na segunda com igual
nitidez e erudição idêntica. E que novidade se na terceira
instância a verdade não for mudada novamente!
Como a Nação pode conhecer o Direito através destes
cálculos artificiais, deduções e teses hesitantes, o Direito,
nascido e cultivado com ela, cujos decretos paladinos devem ser
encontrados em cada coração como algo sagrado e inquebrável!
Mas isso é impossível: a justiça tornou-se pela ciência um jogo
de azar. Além disso, uma pequena guerra é desencadeada por
paixões baixas, em vista do fato de que a paz lhe faz impossível
levar outra maior.
A linguagem do homem na rua tem termos significativos
para esse estado das coisas. Se a um camponês é perguntado
como um processo avança, ele responde que ele mesmo "ainda
está suspenso". Que palavra excelente para o lento progresso do
julgamento e sua completa incompreensibilidade para a parte!
Se o camponês perde o processo, ele não diz que não tinha
razão, mas disse: eu perdi o jogo. A perda do processo e a
devastação de sua agricultura por tempestades de granizo
constituem para os eventos de natureza análoga: má sorte, mas
não injustiça.
277
Aqui está o resultado triunfante da ciência jurídica: um
direito ignorado pelo povo, que já não reside em seu coração e
que ele equipara às forças selvagens da natureza.
Tais males são grandes demais para não produzirem
reações à medida que as nações se tornam mais independentes.
Durante todo os tempos encontramos rastros nesse sentido.
Nós mencionamos a proibição de Justiniano em comentar
seu Código. Por mais que os sábios tenham sorrido, essa
proibição baseia-se no desejo muito estimulante de preservar o
direito do povo e protegê-lo da desintegração realizada pela
ciência. Após quase treze séculos encontramos novamente a
mesma proibição no documento de publicação da "Direito
Territorial Geral Prussiano", art. 18 e na Introdução, art. 47
A tentativa de Frederico, o Grande, de abolir a advocacia
repousa sobre as mesmas ideias. A empresa estava fadada ao
fracasso, pois parou no meio da estrada. Não bastava descartar
os advogados, mas também teria que remover os juízes de
carreira.
Sua obra, a "Ordem Geral dos Tribunais", está imbuída do
mesmo espírito que reluta a jurisprudência. Seu princípio
consiste no livre-arbítrio de um juiz honesto que cumpre a
equidade, e não na regra científica baseada nas melhores
abstrações e cálculos.
A contradição acima mencionada entre o fim e o resultado
da jurisprudência também explica a estranha recomendação e a
promoção de mudanças. As pessoas e o governo concordam, e
assim também estão, ingenuamente, os juristas. E, no entanto,
do ponto de vista científico constitui a subgerência de uma
mudança, uma desonra. O mais óbvio "testimonium
paupertatis". O que seria dito de um

278
matemático que aconselha duas pessoas que lhe rogaram para
resolver seus problemas de matemática, que fizessem uma
mudança pelo cálculo ser demasiado lento e inseguro? Outro
problema: um homem rico contrata um comprador de carros,
dá-lhe dinheiro e o envia para comprar um carro confortável,
flanges sólidos e robustos cavalos; Assim se faz e o homem rico
ordena ao motorista que prepare o carro para sair. Mas em vez
de obedecer, é dito ao senhor para ir a pé, porque a viagem de
carro é muito complicada e incerta. O homem rico não demitirá
o motorista naquele mesmo instante? O que deve fazer a nação
com seus juristas que a propõe acudir as mudanças?
O que significa essa paixão por conciliadores amigáveis,
a tendência de todas as províncias a fortalecer e ampliar seu
campo de ação, mas o esboço vago do mau estado das coisas e
o desejo de remover a jurisprudência das mãos dos juízes de
carreira e devolvê-lo à nação: em uma palavra, para restaurar o
direito do decreto? Esta é a única maneira de explicar a
contradição que os curandeiros são punidos na medicina,
enquanto os curandeiros são privilegiados na jurisprudência.
Pelas mesmas razões, se apela a tribunais comerciais sem
conselheiros eruditos, a favor de tribunais de fábrica, juízes de
paz etc. Mesmo os tribunais patrimoniais são defensáveis
apenas deste ponto de vista contra os ataques da ciência, pelos
demais irresistível: um juiz rico que ocupa o cargo por algum
tempo residindo em um povo ou em uma cidade pequena, chega
logo ao feliz estado tão desejado por seus concidadãos, em que
ele esquece todo o lastro da erudição e deriva suas decisões
principalmente de seu sentimento jurídico igual ao deles. O
camponês e o cidadão não temem ninguém como juiz, a não ser
o recém

279
licenciado, que usa toda a farsa de sua erudição e conhecimento
jurídico para resolver com clareza os vários casos.
O desejo de se estabelecer júris baseia-se no mesmo
fundamento. É bem verdade que a ciência não quer concedê-lo
a nada no mundo e que implanta toda a sua inteligência para
encontrar a vantagem do júri em outro campo; mas não é menos
do que o sentir simples e inconsciente do povo, de quem o
desejo procede, ignorante de sutilezas, quer se livrar da ciência
erudita por meio dos júris.
Todos os fenômenos possuem, portanto, o mesmo
fundamento. A nação repudia os juristas científicos. A suspeita,
o sentimento sombrio da contradição entre Direito e ciência
existe. A única coisa que ainda falta é a clara compreensão do
povo. Ainda assim, as pessoas não se atrevem a pensar
claramente esse fato. Por isso, esses fenômenos são justificados
superficialmente e erroneamente. Mas tão logo um
conhecimento preciso tenha sido obtido, dificilmente as pessoas
se contentarão com meios isolados e incompletos para remediar
a situação; e o Governo, ao qual os juristas também se
importam, prestará graciosamente sua ajuda. A jurisdição será
devolvida ao povo não apenas em matéria de fato, mas também
em matéria de direito, não apenas em matéria penal, mas
também em processos civis. Outra consequência benéfica
consistirá na redução de leis positivas. O Estado contentar-se-á
com o estabelecimento dos princípios fundamentais,
abandonando ao sadio saber do povo sua aplicação em todas as
suas ramificações sem a necessidade de uma ponderação exata.
Eu realmente não acredito que isso resulte em uma grande
desgraça. Os processos certamente não durariam tantos dias
meses ou anos como hoje acontece. As despesas não seriam
para ninguém um obstáculo para perseguir seu bom

280
direito. Pode ser que as decisões coincidam nessa pequena
suposição com a lei positiva, artificialmente estabelecida, e com
os resultados eruditos da ciência; mas ainda mais estarão de
acordo com o Direito vivente do povo. Na esfera em que esse
último Direito reina, ele será concretizado em sua pura essência
e verdadeiramente. E fora dessa órbita, quando a complexidade
do caso é grande demais, o objetivo principal é encontrar uma
solução rápida e barata. Você não pode falar sobre Direito
Natural em todas essas ramificações. De modo algum pode a
jurisprudência reclamar se eles não pedem a sua verdade, a qual,
artificialmente construída após uma longa espera de 100 livros,
não sobrevive nem à segunda instância do mesmo processo.
Uma jurisdição semelhante não é um mero jogo de
fantasia. Nações inteiras viveram e ampliaram-se sem juristas
instruídos, sem a construção artificial de leis positivas,
sobretudo no Direito Privado. Os gregos não sabiam dessas
instituições mesmo em seus momentos mais brilhantes. Juízes
do Povo resolviam a questão de acordo com o Direito que o
costume havia consagrado e que em seu coração levantava a
voz. Seus grandes pensadores, como Platão e Aristóteles, nem
sequer suspeitavam que a interpretação do direito positivo, a
luta frouxa sobre dúvidas e obscuridades, pudesse reivindicar a
dignidade de uma ciência. Consideram tais assuntos de tão
pouca importância que não os acham em seus escritos, pelos
demais tão práticos. Também entre os romanos, incluindo um
longo período durante o Império, em que a complexidade da
vida e o comércio e tráfego suficientes não eram negados, a
jurisdição estava apenas nas mãos de juízes profanos. O pretor
geralmente era um funcionário sem erudição, conforme
evidenciado por seu trabalho, o Édito, cujas provisões vêm
todas da Direito Natural.

281
Também os "juízes" eram homens do povo que resolviam a
questão do fato de acordo com sua simples concepção; e mesmo
na questão jurídica eles não terão observado tão
escrupulosamente a "fórmula prescrita" do pretor, como
afirmam nossos livros didáticos.
Em meus postos oficiais, inspecionei pouco a pouco mais
de 200 tribunais. Eu testemunhei vários casos em que a preguiça
e a leveza do juiz atingiram tal grau que a jurisdição havia
parado completamente. Nenhuma ação era despachada, não se
legalizavam os contratos, o Registro de Hipoteca não existia:
em vez de arquivos, nada além de folhas soltas espalhadas por
toda parte. Apesar do fato de que esta situação ter se prolongado
por vários anos, as pessoas não eram as mais pobres nesses
partidos, nem a comarca era a mais devastada que em outros
lugares. As pessoas tinham aceitado mudança: haviam feito uso
do professor da escola e do prefeito, em vez de irem ao juiz.
Uma situação semelhante se encontra na Inglaterra, graças
à sua abundância de Atos do Parlamento, a regra e não apenas
a exceção. A jurisdição constitui nesse país um item de luxo
para pessoas ricas. O juiz de paz, que é muito importante, não é
um jurista de carreira. E, no entanto, esta nação se tornou a
maior e mais poderosa nação da terra.
Destacamos as forças impeditivas contidas na
jurisprudência. Acabamos de destacar a contradição entre o
princípio e o resultado dela mesmo. Mas ainda temos a seguinte
questão: que instrumentos, que instituições a jurisprudência
criou para tornar seu objeto mais acessível à humanidade, para
mitigar o peso e a dor de seu desenvolvimento?
Todas as outras ciências prestaram, nesse aspecto, os
serviços mais brilhantes: suas criações raiam como se fosse um
milagre. As ciências naturais e a matemática estão na primeira
página. Eles conduzem

282
os homens sobre as ondas do oceano e para as profundezas da
terra. Canais, ferrovias e telégrafos fizeram com que a distância
desaparecesse quase completamente. Os microscópios nos
levaram aos milagres da natureza minúscula, enquanto que os
telescópios abriram os espaços celestes. A fotografia desenha
rostos amados. Nem as outras ciências ficaram para trás. A
psicologia basicamente suporta a arte do ensinamento e corrige
o método de ensino. Mnemônicos e frenologia oferecem seus
serviços.
O que significam, então, os serviços da jurisprudência? Eu
estou procurando em todas as direções e o que eu encontro são
impressos para contratos e julgamentos: um grupo de
admoestações, ensinamentos, formas e cláusulas, que procuram
parar a precipitação e proteger contra a burocracia judicial.
Finalmente, encontro todo o sistema do processo comum, cheio
de detalhes e erudição. Em uma palavra: tudo, exceto a maneira
de lhe dar seu bom direito durante a vida. Tal é, em linhas
gerais, o que é devido aos estudiosos. Ao contrário, Em vão se
busca uma ajuda, uma direção científica onde realmente o
necessitamos, isto é, no desenvolvimento geral do Direito.
Cada época tem seus problemas jurídicos que comovem a
nação em suas próprias entranhas, quer se refiram à família,
quer se refiram à relação entre a Igreja e o Estado, quer se
refiram à Constituição do último, quer afetem os privilégios de
alguma classe, quer se relacionam com diferentes povos entre
si. Em torno desses problemas gira a luta e se agrupam os
partidos. Eis aqui os pontos neurálgicos onde se estingue a velha
cultura e o Direito corre em direção a uma nova forma. A grande
massa da nação é sempre prudente no começo do
desenvolvimento. Na falta de uma compreensão clara do

283
problema, ele volta sua pergunta para a ciência, de modo que a
dúvida irá se dissipar e levá-lo ao caminho sombrio da
evolução. Mas a ciência sempre foi impotente para essa tarefa.
Nunca entende o presente. Os povos tinham que se ajudar. Não
é de surpreender que caíram nas mãos dos partidos e que
tiveram que recorrer, em vez do caminho reto do
desenvolvimento contínuo, aos desvios da paixão e do erro
antes de alcançar o objetivo.
A história nos ensina esse fato entre todos os povos. Os
juristas romanos, ocupados pelo Direito Privado, eram servos
obedientes da tirania. Com essa mesma tranquilidade e
idêntico espírito consciencioso, comentavam a constituição
despótica do Império que a lei da República baseada na
doutrina da liberdade. A segurança do tráfego naquele grande
império exigia urgentemente a proteção da boa-fé e um direito
hipotecário flexível e facilmente visível. Em vez disso, os
juristas romanos mantiveram a rigorosa “rei vindicatio"; e eles
construíram um direito hipotecário com tais privilégios que
eles mesmos aconselhavam aos tutores que seria melhor para
eles enterrar o dinheiro de seus alunos do que os distribuir em
um empréstimo hipotecário. Os juristas romanos não
compreenderam a enorme transformação que o cristianismo
realizou no Direito Privado. Justiniano, o legislador
acientífico, é mais alto que todos eles. Só ele e depois os Papas
abriram um caminho em Direito Privado para este novo
espírito. Lembro-lhes a "bona fides" na prescrição e o
"possessorium summarissimum".
A história alemã não pode contar coisas melhores sobre
seus juristas. Os príncipes e os povos tinham que se ajudar com
seu próprio senso comum em todas as crises e com respeito a
todas as novas instituições.

Não foram os juristas que aconselharam a luta dos imperadores


da Francônia contra os Grão-Ducados para revigorar o poder
imperial. Quando a Reforma destruiu a antiga constituição
eclesiástica e tratou de encontrar e moldar a nova e autêntica
284
relação do Príncipe com a Igreja Protestante, do poder
eclesiástico com a paróquia, a ciência jurídica não aparece em
lugar algum para destacar a verdadeira situação, instituição
mais conveniente. Ela deixou os príncipes e reformadores
fossem às cegas e procurassem o bom caminho; e até hoje
sofremos por causa desse abandono da ciência.
O tráfego mais vivo do nosso século, o aumento do
loteamento do terreno requer urgentemente uma forma mais
simples do Registro de Hipoteca. A nova legislação prussiana
é, neste aspecto, insatisfatória. A forma das teses firmadas para
a terra agrícola transmissível é defeituosa, uma vez que é
utilizável apenas nas antigas províncias que têm muitos
funcionários; também força o juiz a fazer longas transcrições
mecânicas, e o menor erro é perigoso para o público e para o
juiz. Ainda hoje, a ciência não estabeleceu nada melhor do que
o simples senso de funcionários profanos idealizados após a
abolição dos tribunais populares: os livros de comércio e
consentimento. Essa é a forma francesa de Registro
Hipotecário, que, prescindindo de defeitos materiais do Direito
hipotecário francês tem sido feito até agora com pouca força e
tem dado bons resultados, embora a desintegração do solo na
França já alcançou o número de 125 milhões de fazendas.
Não há objeção a esses ataques de que as questões não
pertencem à jurisprudência, mas à política e à arte da legislação.
Este é precisamente o caso deplorável da jurisprudência que se
desgarra da política,

que se declara impotente para dominar a matéria e o caminho


de novas instituições ou mesmo para dirigi-las, enquanto todas
as outras ciências a consideram sua parte mais essencial, sua
missão suprema.

285
A tão falada evolução do Direito através dos juristas, da
qual todos os livros didáticos falam agora, refere-se meramente
ao jogo dos menores detalhes. Os juristas, por outro lado, são
impotentes para lançar as fundações e erigir a própria estrutura
de um edifício sólido. Somente após a conclusão da construção,
se os articuladores a suportarem, os milhares de juristas
aparecem como corvos e aninham-se em todos os cantos,
medem os limites e dimensões até o último centímetro e
desfiguram o nobre edifício de tal maneira que o príncipe e as
pessoas apenas voltem a conhecer seu próprio trabalho.
Eu cheguei aqui no final da minha missão. O resultado que
ofereço é deprimente e desanimador. Por essa razão, parece-me
natural terminar com algumas palavras de consolo.
Quem compartilha com minha convicção agora, ou mais
tarde, após um exame mais aprofundado, terá seu consolo como
homem, no entendimento de que o substancial não está contido
em uma única classe, mas em toda a nação.
Quem, pelo contrário, por minhas explicações não se sente
convencido, a quem apenas suas convicções e preconceitos
foram abalados sem desmoroná-los, sobra o consolo. O bom
humor inabalável de tais pessoas é suficiente para impor a
alegria da pessoa à seriedade do assunto.

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