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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO À LUZ DA RETÓRICA

Bruno Bianco Leal

Poiesis Editora

Marília e New York

2015
Ao meu pai, Paulo, “in memoriam” que tanto me ajudou espiritualmente, deixando-me
saudades e exemplos, e à minha mãe, Sandra, responsável por todas as oportunidades que tive
e minha maior incentivadora.
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Roberto Cavallari Filho

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ISBN 978-85-61210-42-7

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Vera Teresa Valdemarin (UNESP / Araraquara, Brasil)


AGRADECIMENTO

Escorando-me na assertiva feita por Edmundo L. de Arruda Jr. e Marcus Fabiano Gonçalves,
de que todo livro, ao nascer, traz consigo a deficiência de não contar a história de sua própria
escritura, de sorte a amenizar tal carência, gostaria de externar meus francos agradecimentos a
todos que, de certa maneira, contribuíram à realização da presente obra, seja por meio de
críticas, comentários, estímulos, seja por um auxilio material, ou ainda, pela mera
compreensão e apoio moral; dentre estes, familiares, amigos, professores.

Externo, ainda, minha eterna gratidão a Deus, sem O qual, sequer, estaria vivo.
“Saber as leis, dizem os jurisconsultos, não é ter-lhes em mente as palavras, mas conhecer-lhes a força e a intenção.
Scire leges non est verba earum tenere, sed vim ac potestatem.”

Rui Barbosa
ÍNDICE

INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - LINEAMENTOS HISTÓRICOS E TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Do surgimento e sucumbência da teoria pura do direito e positivismo jurídico
Do surgimento e individualização do conceito de retórica
A redescoberta do estudo da arte retórica
Ética e retórica
Lineamentos acerca da teoria da argumentação jurídica
Razão Teórica e Razão Prática
Raciocínio do Juiz
Da Hermenêutica Jurídica
CAPÍTULO II - DIREITO E RETÓRICA
Do surgimento da lógica jurídica
Da comunicação jurídica – objeto do estudo da arte retórica
Principiologia do direito processual
Retórica no direito processual brasileiro
Do Procedimento do Júri
Do Processo Civil
CONCLUSÃO
REFERÊNCIA
NOTAS
INTRODUÇÃO

(voltar)

Cuida a presente obra de explicitar a evolução histórica pela qual o direito tem passado,
transpondo os “dogmas” nascidos com a Revolução Francesa, com o Código de Napoleão,
com o Positivismo Jurídico, bem como com a Teoria Pura do Direito, idealizada por Hans
Kelsen, retrocedendo às idéias Clássicas – Argumentação e Retórica, aplicadas à lida do
direito –, proemialmente idealizadas por Aristóteles, com o fito de integrar as contemporâneas
decisões emanadas do poder judiciário aos interesses meta-individuais, de modo a tornarem-se
mais democráticas, individuais e, via de conseqüência, mais justas.

Importante expressão desta mudança de paradigmas é a obrigatoriedade de fundamentação


das decisões jurídicas (consagrada no artigo 93, IX, da Carta Magna de 1988), à qual
constitui um dos elementos essenciais do Estado Democrático de Direito, bem como, eleva a
grau máximo o princípio basilar da Dignidade Humana, assegura o respeito aos direitos
individuais e garante a necessária segurança daquelas decisões.

A Retórica, que grosso modo caracteriza-se como a metodologia de persuadir, convencer


quando necessário, buscando à adesão das mentes à um fato plausível, verossímil, a despeito
de opiniões dissidentes, nasceu concomitantemente ao surgimento da civilização, quando da
necessidade de imposição de uma vontade, de uma realidade, por meio do uso dos gestos e,
posteriormente da palavra, falada e escrita; mas foi com Aristóteles, que esta se transmudou
em arte, ganhou conteúdo e foi totalmente sistematizada.

No que tange à consideração da Retórica como arte, conforme o faremos no decorrer do texto,
impende entender suas técnicas, sua metodologia, seus meios de atuação e, sobretudo,
compreender que, como toda arte, requer um dom e um mínimo ético em seu proceder.

Com o advento do positivismo jurídico, por meio da vinculação do direito à estrita


observância do texto legal – este fora utilizado por muitos anos como meio de garantir o poder
dos governantes e instrumento de dominação das massas -, a Arte Retórica caiu no
esquecimento, subsistindo, apenas, e ainda com pouca expressividade no âmbito jurídico, por
meio da arte correlata da oratória, espécie do qual àquela é gênero.

Devido à constante implementação das relações sociais e o consequente surgimento de novos


conflitos de interesse, os quais não mais poderiam ser resolvidas por meio do vetusto
positivismo jurídico (ainda muito utilizado), conjugada com a ascensão ao poder de governos
democráticos, com Constituições de índole assistencialista e fulcradas na Dignidade Humana,
à exemplo da Constituição Norte Americana, de 18 de setembro de 1946, os pensadores do
direito viram-se obrigados a procurar novas formas de compor os conflitos que batiam às
portas do Judiciário e, para tanto, escoraram-se nos clássicos ensinamentos de Retórica e
Argumentação.
A retomada destes estudos clássicos, nos moldes em que, primordialmente, foram concebidos,
dentre outras importantes consequências ao estudo do direito, proporcionou uma maior
liberdade em relação ao texto legal, mais expressiva flexibilidade na prática forense, obtendo
como produto um processo mais equânime, democrático e substancialmente mais justo.

A transposição dos dogmas positivistas, em grande medida, deu-se pela relegação da lógica
formal e do silogismo “stritu sensu” à ineficácia, no que tange à apreciação das ciências
humanas, a exemplo da ciência do direito, bem como, pela correlata criação da lógica dita
jurídica, peculiar às ciências humanas, no todo alheia àquela destinada a por termo em
questões de ordem analítica, exatas.

Assim, pretendemos, com as breves linhas que seguem, fazer uma preleção histórica e, por
meio desta, demonstrar a imensurável contribuição que as culturas clássicas, mormente os
estudos da Retórica e da Argumentação, deram e certamente continuarão dando à formação
desta nova concepção de direito, em todas as suas formas de manifestação. Buscamos, ainda,
aguçar o interesse do leitor às questões filosóficas que, a nosso entender, é pressuposto básico
para a atuação prática de quaisquer profissionais, nomeadamente o profissional da área
jurídica. Reputamos, pois, ser a retomada de tais estudos nas academias, o único meio de se
transpor a diuturna e inexorável crise pela qual o direito tem passado, imbuindo-o de maior
humanidade, liberdade e democracia e, assim, tornando-o apto a atingir seu real mister.
CAPÍTULO I

LINEAMENTOS HISTÓRICOS E TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

(voltar)

Do surgimento e sucumbência da teoria pura do direito e positivismo jurídico

(voltar)

Conforme já nos referimos anteriormente, o “mestre inconteste do pensamento jurídico”,


Hans Kelsen, visando conceber uma ciência do direito inteiramente alheia ao mundo exterior,
isenta de qualquer ideologia, totalmente dissonante das concepções de sua época e, pois,
revolucionária e significativamente importante, criou a Teoria Pura do Direito, também
denominada de Teoria do Positivismo Jurídico.

A este propósito, de plano, oportuno trazer à colação, as sábias palavras do insigne Mestre
acerca de sua teoria, vejamos:
Quando se designa a si própria (sic) como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir
um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir desse conhecimento tudo quanto não pertença ao seu
objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito (SILVA, 2004).

No prefácio de sua Teoria Geral do Direito e do Estado, assevera, o festejado autor, o que já
havia dito na sua Teoria Pura do Direito:
Quando esta doutrina é chamada de teoria pura do Direito, pretende-se dizer com isso que ela está sendo
conservada livre de elementos estranhos ao método específico de uma ciência cujo único propósito é a
cognição do Direito, e não a sua formação. Uma ciência que precisa descrever o seu objeto tal como ele
efetivamente é, e não prescrever como ele deveria ser do ponto de vista de alguns julgamentos de valor
específico. Este último é um problema da política, e, como tal, diz respeito à arte do governo, uma atividade
voltada para valores, não um objeto da ciência, voltada para a realidade (SILVA, 2004).

Indigitada teoria, não obstante a clareza e credibilidade peculiares a seu criador, na prática,
com o passar do tempo, mostrou-se imprópria, incoerente, alheia aos verdadeiros escopos
buscados pelo direito e, pois, inapta à prática forense, eis que suas conseqüências, diga-se,
seus resultados, restaram-se substancialmente paradoxais.

Analisemos o sábio entendimento de Chaïn Perelman (2000, p.474), acerca da teoria


Kelseniana:
A ciência do direito, como conhecimento de um sistema de normas jurídicas, só pode constituir-se, segundo
o nosso autor, excluindo tudo quanto é alheio ao direito propriamente dito. Sendo o direito um sistema de
normas de coerção válida num determinado estado, cabe diferenciá-lo nitidamente, de um lado, das ciências
que estudam os fatos de todo tipo, o que é e não o que deve ser (o Sein oposto ao Sollen), e, do outro, de
qualquer outro sistema de normas – de moral ou de direito natural – com o qual se quereria confundi-lo ou
ao qual se quereria subordiná-lo.

Nesta toada, torna-se assente o desiderato kelseniano de, conforme o próprio título de sua obra
prima, purificar o direito de todas as circunstâncias que supostamente o envolvam; entendia
que somente seria viável uma ciência peculiar ao direito se seu objeto não sofresse qualquer
interferência distinta ao positivismo jurídico. Com efeito, para que a aplicação do direito se
faça apta à resolução de conflitos (pacificação social), nos moldes da concepção positivista,
deve o magistrado, meramente, enquadrar as situações fáticas ocorridas às normas jurídicas,
sendo estas, necessariamente válidas, resultantes de um sistema hierarquizado, pelo qual a
norma superior autoriza e valida as normas hierarquicamente inferiores. Destarte, fica o
magistrado intrinsecamente vinculado ao texto legal e, ao decidir, nunca poderá expressar seu
conhecimento, diga-se, não poderá fundamentar, argumentar sobre o caso, dar seu parecer
jurídico acerca do assunto, sob pena de incorrer em parcialidades (segundo o entendimento de
Hans Kelsen) (PERELMAN, 2000).

Neste ponto, sem maiores esforços, conseguimos demonstrar as mais significativas


incoerências e paradoxos que maculam a Teoria Pura do Direito, haja vista, todas as suas
implicações filosóficas derivarem de uma teoria do conhecimento que somente valoriza um
saber incontroverso, inteiramente embasado em dados da experiência e da prova
demonstrativa, desprezando, no todo, o fundamental papel da Argumentação e Retórica no
trato com o direito e, portanto, afastando-se da efetiva solução justa de conflitos, seu
primordial escopo.

Por derradeiro, mister se faz assinalar que com o presente estudo, não pretendemos, de forma
cética, criticar e exaurir a importância da Teoria Pura do Direito e de Hans Kelsen, eis que
não seria possível face à insofismável e incontestável contribuição deste autor e mais
especificamente daquela teoria ao mundo jurídico, bem como à coletividade em geral;
todavia, para que se possa cumprir o papel cientifico desta obra, não nos furtaremos de tecer
comentários acerca das máculas e vícios insertos nas teorias que tentam explicar a concepção
do fenômeno jurídico e, dentre estas, a ora apreciada, mormente pela sua inaplicabilidade
prática, conforme o fizemos.

Do surgimento e individualização do conceito de retórica

(voltar)
A retórica não é ciência (έπτστήμη), nem puro empirismo (έμειρίά); não se funda no geral mais no que se
produz as mais das vezes (ώξ έπί τό πολύ); não é prática, ou seja, não influi no comportamento geral da
vida; nem é teorética, isto é, não tem por objeto a essência. É poética, visto que formula as regras da criação.
Enfim, sua finalidade não é tanto persuadir quanto descobrir o que há de persuasivo em cada caso
(ARISTÓTELES, 1964, p.12).

Iniciando a abordagem da retórica, nos seus primitivos desdobramentos, não se pode olvidar,
que incumbe a Aristóteles sua proemial ordenação. Cabe ao Mestre nascido em 384 a.C. em
Estagira, antiga colônia jônia da Calcídica de Trácia, discípulo de Platão, a primeira definição
do caráter e alcance da arte retórica, nos termos da assertiva acima transcrita.

Precipuamente, cuidou o pensador nato, após ter concebido o que alguns autores denominam
de “sua retórica”[1] – sua no que diz respeito a Aristóteles –, de discriminar as distinções e
analogias entre a arte que ora nos debruçamos e a dialética.

Cabe-nos aqui, apenas, definir o campo de atuação da retórica, nas palavras de Aristóteles, o
“lugar da retórica” – tal ideia remete às proposições especiais relativas às ideias que
constituem o fundo do discurso: ideia do justo (no âmbito Judiciário); ideia do útil (no aspecto
deliberativo) e, por fim, ideia do belo e do honorífico (com pertinência ao gênero
demonstrativo) (ARISTÓTELES, 1964, p. 14), aspectos, no todo, peculiares à Arte Retórica e
que auxiliam no momento de sua individuação em relação à outras artes correlatas – sob pena
de extrapolarmos o escopo do presente estudo.

Delimitar o campo da Retórica, no entanto, demanda engolfar-se numa terra de infindáveis


indagações, poréns e, em contra partida, escassos progressos e pouquíssimos resultados.
Várias são as disciplinas com as quais tal assunto se inter-relaciona, dentre elas, a Dialética, a
Linguística, a Oratória, a Estilística da língua, a Sociologia, a Psicologia, a Lógica, a Teoria
Literária, bem como com disciplinas até então inominadas e pouco conhecidas, motivo pelo
qual, nosso maior empenho é no sentido de abreviar o universo da Retórica, diferenciando-a
das disciplinas afins e evidenciando suas reais peculiaridades.

Importante aclarar, de plano, que por vezes a expressão “discurso retórico” é utilizada como
sinônimo de discurso populista, falacioso, imoral, antiético, no qual, supostamente, o emissor
buscaria um convencimento por meio de argumentos falsos, ardis. Todavia, por óbvio, tal
utilização é equivocada e, no todo, contraditória, eis que a utilização escorreita da Arte
Retórica, requer, compulsoriamente, a observância de princípios éticos e morais, bem como a
verossimilhança ou mera plausibilidade de um argumento (não há razoabilidade na utilização
da Retórica para se argumentar sobre algo, sequer, plausível, diga-se, incontroverso).

De outro lado, no que tange à distinção entre Retórica e Dialética, tanto Platão como
Aristóteles, seu mais expressivo discípulo, ao qual outrora incumbimos a primitiva
sistematização da retórica, concordam que a primeira se encerra no estudo das diferentes
considerações acerca das dessemelhantes partes do discurso, seja este, em qualquer forma de
manifestação, ao passo que a segunda, no mais das vezes, é a defesa ou refutação de
determinada ideia. Nesse sentido, a distinção proposta por Charles Thurot (apud
ARISTÓTELES, 1964, p. 13):
Toda a gente as emprega por instinto no comércio da vida; sempre que atacamos ou defendemos uma
opinião, fazemos dialética; sempre que acusamos ou nos defendemos e, poderíamos acrescentar sem trair o
pensamento de Aristóteles, sempre que damos um conselho, que censuramos ou louvamos alguém, fazemos
retórica [...]

Noutro sentido, porém com pertinência à já inicialmente citada distinção entre a Retórica e
outras formas de arte à ela complementares, oportuno trazer a baila, a diuturna e sobremodo
frequente – tanto no meio doméstico, jornalístico quanto no âmbito acadêmico –, confusão
que se assola na conceituação de Retórica e demais expressões/vocábulos que, malgrado a
íntima correlação com aquele conceito, possuem significação e alcance distintos; atentemos
para as linhas que seguem.

Expressivo desconcerto, no que toca à conceituação doutrinária da “Arte de Aristóteles”,


verifica-se quando da individualização desta com a arte correlata de bem falar em público,
diga-se, a oratória e com a eloquência, motivo pelo qual, deveras oportuno, uma vez assente o
que seja a Retórica, conceituar a arte da oratória e a eloquência, apontando suas maiores e
mais expressivas distinções com aquela arte.

Consiste a oratória, conforme já inicialmente apontado, na arte de falar em público de forma


adequada, escorreita, sem vícios, englobando-se tanto a dicção, postura física, ritmo de fala,
timbre de voz, quanto a boa aparência e o apurado conhecimento do público; nesse sentir,
sobrelevam incontáveis distinções entre as artes apreciadas, dentre elas, a maior abrangência
da Arte Retórica, que, como teoria do discurso/linguagem, engloba em seu âmago o estudo
dos desdobramentos da arte de falar em público. Na mesma acepção é a divergência com a
eloquência que, em regra, caracteriza-se como o dom natural que a pessoa possui para a
oratória (ESTEVÃO, 2004).

Nesta espreita, oportuno trazer à colação o conceito de oratória elaborado por Alves Mendes,
citado por Reinaldo Polito em sua Obra, “Como Falar Corretamente e Sem Inibições” (2002,
p. 19), vejamos:
A Oratória é a mais típica e mais gráfica manifestação da arte, porque é a arte da palavra – da palavra que é
a vestidura do pensamento, da palavra que é a forma da idéia, da palavra que é a nítida voz da natureza e do
espírito, da palavra que é tão leve como o ar e tão irisada como a mariposa, da palavra que é transparente
como a gaze e tão sonora como o bronze, da palavra que cicia como a aura e troa como o canhão, que
murmura como o arroio e ruge como a tormenta, que prende com o imã e fulmina como o raio, que corta
como a espada e contunde como a clava, que fotografa como o sol e acadinha como o fogo; da palavra que
ostenta a majestade da arquitetura, o relevo da escultura, o matiz da pintura, a melodia da música, o ritmo da
poesia, e que por seus rendilhados e riquezas, por suas graças e opulência, aclama a oratória, rainha das
artes, e o orador – rei dos artistas!

Noutro sentido, de remeter a leitura à conceituação de Retórica, dada por seu emérito criador
– diz-se emérito, pois entendimentos apontam no sentido da existência da Retórica muito
antes de Aristóteles, seu efetivo sistematizador (ESTEVÃO, 2004) –, exarada no intróito deste
capítulo.

À guisa de exemplo, mister se faz lembrar passagem extremamente enriquecedora da história


da arte retórica, que cuida de aclarar a inexorável distinção entre as artes supra explicitadas,
qual seja, o fato de Demóstenes, um dos maiores oradores de todos os tempos, ter sido
ignorado, propositalmente, na obra primordial de Aristóteles, “A Arte Retórica”, fato que,
estreme de dúvidas, vez por todas, fincou lápide mortuária na tratada distinção entre a arte
Retórica e a arte da oratória/eloquência. (ARISTÓTELES, 1964, p.15-16)
Destarte, malgrado tratar-se, nesta passagem do presente estudo, de algo bastante repisado e
até evidente, não podemos nos furtar de reafirmar que a oralidade é, apenas, uma das formas
de manifestação da Retórica, à qual, como já tivemos a oportunidade de ver, é
demasiadamente mais abrangente que a oratória, sua manifestação no plano oral.

Com efeito, objetivando finalizar a breve preleção acerca do itinerário histórico da Arte
Retórica, para enfim adentrarmos no real mister do presente trabalho, qual seja, a sua
utilização na lida com o direito, cumpre-nos atentar, que após o surgimento (divergências já
citadas) e sistematização no cenário grego – destaque para os Sofistas, deveras criticados por
Platão e Aristóteles, por não utilizarem a Retórica pra seu primordial fim, mas sim, para a
consecução de resultados escusos e imorais –, em âmbito romano, verificou-se sua maior
expressividade, haja vista sua íntima correlação com o insurgente Direito Romano e sua
difundida utilização como meio de dominação, diga-se, meio de justificar o “status quo”
dominante.

Foi também em âmbito romano, mais especificamente com a derrocada do regime


republicano, bem como com o advento do positivismo jurídico e outras correntes de
pensamento que primavam pelo conhecimento científico, frio, estático, lógico – do ponto de
vista da lógica formal – que a história da humanidade viu a Retórica, malgrado as infindáveis
evoluções que tivera em épocas passadas, conforme já anotado, cair em esquecimento, ou
melhor, sucumbir diante das novéis formas de conhecimento e pensamento, deveras alheias às
suas sensibilidades; tal fase se ultimou, apenas, com o retrocesso às culturas clássicas e, via de
consequência, com a retomada dos estudos sobre Retórica, mais focada para o âmbito
jurídico, que se verificaram em meados do séc. XX, conforme veremos nos capítulos
subsequentes.

Após a acepção de todas as implicações e peculiaridades da Arte Retórica, bem como de seu
percurso histórico, chegamos à conclusão de que esta é a arte por meio da qual se busca, de
forma ética e moral, a persuasão, o convencimento de determinada pessoa ou grupo de
pessoas, acerca de um ponto de vista plausível, verossímil, que não se entremostra de plano,
de sorte a obter a adesão de suas mentes e assim, êxito em sua explanação – seja esta na forma
escrita, falada, ou mesmo por meio de gestos e/ou expressões corporais.

A redescoberta do estudo da arte retórica

(voltar)

A Arte Retórica, desde a sua primeira sistematização, como já vimos no cenário grego, ainda
que também voltada a atividades não jurídicas, originariamente, atrelava-se, em suas mais
variadas formas de manifestação, àquela atividade, à salvaguarda de direitos; igualmente, no
que toca ao Império Romano, no qual se verificou o crescimento do estudo e de sua utilização
em conflitos de interesses insurgentes à luz do à época, “novo direito”, estreme de dúvidas,
evidencia-se a total e inflexível relação entre a arte retórica e a arte jurídica, desde o
surgimento de ambas, fato que muito contribuiu para a retomada do estudo daquela arte como
provável meio de contornar as inexoráveis e contemporâneas crises e contradições que
assolam o sistema jurídico, contemporaneamente, como um todo.

Deve-se restar consignado, aprioristicamente, que mesmo em meio às algemas positivistas


que inviabilizavam o escorreito exercício do direito, o que vale dizer que, mesmo na época
áurea da concepção positivista do direito, se faziam presentes inúmeros e incansáveis métodos
e técnicas voltados à persuasão e adesão das mentes. Entretanto, estes, contrariamente ao que
se passa com a Arte Retórica, implementavam-se, de regra, dissociados de princípios éticos e
morais, e tinham como escopo a mantença de regimes governamentais autoritários e
antidemocráticos.

Todavia, face ao paulatino desenvolvimento das sociedades e a consequente implementação


das relações sociais, não acompanhadas pelo desenvolvimento das normas jurídicas, visando
integrar o direito à realidade insurgente e proporcionar soluções mais justas que as
proporcionadas por àquela “justiça cega”, já esmiuçada, fez-se necessário um retrocesso ao
direito dos clássicos, imbuindo o direito contemporâneo de maior liberdade – o direito não
deve ficar estático, preso às leis – e democracia, adotando-se novos meios de integrá-lo, que
não a lei, tais como a Argumentação, a Retórica e a oralidade no itinerário processual.

A este propósito, a voz do Mestre Reale (1973, p.109) sempre se faz ouvir; vejamos:
Se há bem poucos anos alguém se referisse à arte ou técnica da argumentação, como um dos requisitos
essenciais à formação do jurista, suscitaria sorrisos irônicos e até mordazes. Tão forte e generalizado se
tornara o propósito positivista de uma ciência do direito isenta da riqueza verbal, apenas adstrita à fria lógica
das formas ou fórmulas jurídicas [...]. De uns tempos para cá, todavia, a Teoria da Argumentação volta a
merecer a atenção de filósofos e juristas, reatando-se, desse modo, uma antiga e alta tradição, pois não
devemos esquecer que os jovens patrícios romanos preparavam-se para as nobres artes da Política e da
Jurisprudência nas escolas de Retórica.

De análogo intento é o entendimento do Prof. Edmundo Dantès Nascimento (1991, p.194):


Os termos retórica, retórico têm sido usados com significado pejorativo por quem não tem conhecimento do
que sejam ditos termos. O estudo da Retórica volta a interessar as universidades européias e já com muito
atraso, como é vezo entre nós, interessou a USP. Jacques Dubois e outros professores da Universidade de
Liège publicaram pela Editora Larousse de Paris, em 1970, Rhetorique générale, que a Universidade de São
Paulo, também por meio de um grupo de professores traduziu e editou. Do livro extraímos: ‘quem afirmasse
a dez anos que a Retórica iria tornar-se de novo uma disciplina maior teria causado riso’.

Com efeito, denota-se a total dispensabilidade da utilização da Retórica, bem como da


Argumentação Jurídica – no mais das vezes estas caminham conjuntamente –, em um sistema,
conforme o idealizado por Hans Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, por Montesquieu e
ainda, por um sem número de estudiosos do positivismo jurídico, deveras alheio às
peculiaridades que circundam a realidade social da época, onde a justiça é cega e análoga às
ciências naturais, onde as leis são irrefutáveis, devendo, meramente, serem aplicadas; salvo se
utilizada de forma desvirtuada, anti-ética e imoral, de sorte a manter um determinado “status
quo” dominante.
Destarte, torna-se assente, que o papel da Retórica e da Argumentação no âmago da aplicação
prática do direito, cresce em importância, à medida que este (o direito) se socializa e o Poder
Judiciário ganha força e independência, passando a primar, dentre outras metas, pela
transparência e efetivação da democracia; apenas a título exemplificativo, oportuno
mencionar as novéis legislações, no âmbito mundial, que tornaram compulsórias as
motivações/argumentações das sentenças prolatadas.

Com muita propriedade, assim destacou Perelman (Apud MAIA, 2011, online), as diversas
implicações deste procedimento:
Motivar una decisión es expresar sus razones y por eso es obligar al que la toma, a tenerlas. Es alejar todo
arbitrio. Unicamente en virtud de los motivos el que ha perdido un pleito sabe cómo y por qué. Los motivos
le invitan a comprender la sentencia y le piden que no se abandone durante demasiado tiempo al amargo
placer de ‘maldecir a los jueces’. Los motivos le ayudan a decir si debe o no apelar o, en su caso, ir a la
casación. Igualmente le permitirán no colocarse de nuevo en una situación que haga nacer un segundo
proceso. Y por encima de los litigantes, los motivos se dirigen a todos. Hacen comprender el sentido y los
límites de las leyes nuevas y la manera de combinarlas con las antiguas. Dan a los comentaristas,
especialmente a los comentaristas de sentencias, la possibilidad de compararlas entre sí, analizarlas,
agruparlas, clasificarlas, sacar de ellas las oportunas lecciones y a menudo también preparar las soluciones
del porvenir. Sin los motivos no podríamos tener las ‘Notas de jurisprudencia’ y esta publicación no sería lo
que es. La necesidad de los motivos entra tanto dentro de nuestras costumbres que con frecuencia traspasa
los límites del campo jurisdiccional y se va imponiendo poco a poco en las decisiones simplesmente
administrativas cada vez más numerosas.

Nesta espreita, imprescindível trazer à lume, no que concerne ao Ordenamento Jurídico


Pátrio, o art. 93, IX, da Carta Magna, vejamos:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...] IX – todos os julgados dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, (...) (grifo nosso)

Com correlata significação, os arts. 381, III e IV do Código de Processo Penal e 273, § 1º do
Código de Processo Civil.

O mesmo raciocínio se faz válido na esteia Legislativa, onde, conforme este ganha evidência e
independência, seus atos atingem maiores proporções e, assim, mais significativo caráter
democrático, onde tomam lugar os infindáveis debates parlamentares, sobremaneira salutares
à feitura de leis atentas à realidade social e fulcradas em interesses meta-individuais, malgrado
as lamentáveis situações em que imperam o casuísmo e o interesse pessoal.

Do exposto, num primeiro plano, denota-se o imperativo papel da Retórica nesta nova
concepção jurídica, objeto do presente estudo que, conforme já salientado, caminha junto com
a argumentação, intimamente atrelada à supressão da arbitrariedade, outrora imanente à ideia
de direito e, mais especificamente, à busca incessante de democracia através da superação do
Estrito Positivismo, da Teoria Pura do Direito, da acentuada parcialidade pregada pelo Código
de Napoleão[2] e Revolução Francesa, buscando, via de conseqüência, a racionalização e a
equidade da decisão judicial e, por fim, visando a consecução do verdadeiro direito vindicado
ao Poder Judiciário que, ultimamente, em decorrência da exacerbada formalidade processual –
no mais das vezes imbuída de maior importância que o próprio direito pleiteado – e
consequente morosidade, raras vezes é atingido. Do mesmo modo, em plano subseqüente,
incipiente é a conclusão de que a Retórica, para que amealhe seu real desiderato, deve ser
empregada nos moldes em que fora concebida, ou seja, “voltada para o bem”, sempre atenta à
princípios norteadores de ordem ética e moral, conforme veremos mais detalhadamente no
capítulo que segue.

Ética e retórica

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Veritas caríssima

Três âncoras deixou Deus ao homem: o amor à pátria, o amor da liberdade, o amor da verdade.

Cara nos é a pátria, a liberdade mais cara, mas a verdade mais cara que tudo. Pátria cara, carior-Libertas,
Veritas caríssima. Damos a vida pela pátria. Deixamos a pátria pela liberdade. Mas pátria e liberdade
renunciamos pela verdade. Porque este é o mais santo de todos os amores. Os outros da terra e do tempo.
Este vem do céu, e vai à eternidade. (RUI BARBOSA apud ADEODATO, 2002, p. 1)

Etiologicamente, a palavra ética, que tem origem grega, surgiu do termo ethos, o qual designa
uma das dimensões fundamentais da vida humana; diuturnamente, a ética ganhou conceito
mais amplo, passando a ser concebida, não apenas como a doutrina do bom, do correto, do
escorreito, da melhor conduta, mas sim, como a teoria do conhecimento e realização destes
desideratos, em todos os aspectos da convivência humana (ADEODATO, 2002, p.1).

Vejamos o que diz Nalini (2001, p.36), apoiando-se nos conceitos de Adolfo Sánchez
Vázquez e Eduardo García Máynez, sobre o que seja a Ética:
Ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. É uma ciência, pois tem objeto
próprio, leis próprias e método próprio. O objeto da Ética é a moral. A moral é um dos aspectos do
comportamento humano. A expressão deriva da palavra romana mores, com o sentido de costumes,
conjunto de normas adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática.

Com exatidão maior, o objeto da ética é a moralidade positiva, ou seja, “o conjunto de regras de
comportamento e formas de vida através das quais tende o homem a realizar o valor do bem”.

A Retórica, nos moldes da concepção, já exaustivamente referida, grosso modo, caracteriza-se


como a arte da persuasão, o poder do convencimento, a demonstração de algo plausível,
possível, por meio da palavra, seja esta escrita, gesticulada ou falada, nas palavras de
Perelman (1998, p.141), “é o estudo das técnicas discursivas que visam a provocar ou a
aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento.”

Nesse sentir, salta aos olhos, que a escorreita utilização daquela, sob pena de transmudar-se
em poderoso instrumento voltado à massificação e obtenção de poder, requer a necessária
observância de princípios éticos e morais, que cuidam de balizar os eventuais devaneios e
excessos comumente cometidos pelos detentores das técnicas que insculpem tal arte – insta
consignar que a retórica não é técnica, mais sim, arte que se forma pelo domínio de várias
técnicas.

Fartos são os exemplos históricos que evidenciam a utilização da arte da persuasão como
instrumento apto a conquista, inicialmente do apoio das massas e, num segundo plano, por via
de consequência, de poder político; a este propósito, não poderíamos deixar de aludir ao chefe
do partido operário alemão nacional-socialista, Adolf Hitller, talvez o maior exemplo das
nefastas implicações da utilização da retórica dissociada do mínimo ético que sua utilização
compulsoriamente implica.

O homem que em sua auto-biografia (CHEVALLIER, 1993, p. 400) – primeiro volume do


livro escrito na Fortaleza de Lendsberg, quando fora recolhido em razão do fracasso do putsch
prematuro de Munique, denominado de “Mein Kampf” (“Minha Luta”) – afirma ter sido
enviado por Deus para acabar com a mestiçagem, para salvar e purificar a raça superior, por
meio do seu alto domínio da arte retórica, conjugado com o dom da eloqüência que lhe era
inato, em poucos anos tornou-se líder da nação alemã e implementou seu nefasto e insano
intento com maciço apoio popular, obtendo como resultado, o mais funesto genocídio
presenciado pela história mundial.

Hitler, no todo cético e abstenço de qualquer princípio ético e moral, lançara mão de atos
propagandísticos de sorte a convencer e obter a maciça adesão a sua causa. A este respeito,
importante citar a exclamação que fizera em 25 de outubro de 1939, pouco antes de invadir a
Polônia: “Darei uma razão propagandística para começar a guerra, não importa se é plausível
ou não. Ao vencedor não se pergunta depois se ele disse ou não a verdade”. (FEST, 1973,
p.82)

Para provar que a Polônia não aceitava suas propostas de paz, e obter sua “razão
propagandística”, ordenou a Himmler-Operation - alemães das SS e Gestapo, fardados como
soldados poloneses – atacar uma estação de radio em Gleiwitz, fronteira de Alemanha, ato
que, supostamente, daria início à luta armada.

Similar artifício fora utilizado por George W. Bush, quase 70 (setenta) anos mais tarde,
quando da utilização do atentado terrorista contra o World Trade Center e o Pentágono de
11/09/2001, intentos comprovadamente previstos pelo FBI e CIA, para implementar uma
política expansionista e consolidar, vez por todas, a hegemonia Norte Americana, sob o
slogan: “The war on terror will not be won on the defensive” (ALLEN; DE YONG, 2002).

Desta ameaçadora utilização da Retórica[3] conjugada com a rigidez dos sistemas jurídicos que
vigiam à época, vale dizer, estrito positivismo jurídico, surgiram as vigas mestras que
sustentaram os sistemas demasiadamente autoritários e centralizadores que se verificou na
história próxima, à exemplo do Regime Militar Brasileiro.

Doravante, com relação à atuação jurídica, ainda que as proporções sejam consideravelmente
menos significativas, as conseqüências da utilização anti-ética da Retórica implicam em
resultados igualmente indesejáveis.

Uma vez transposto o dogma positivista e implementado no direito uma maior liberdade,
libertando-o das algemas que outrora o prendiam, mas significativo torna o papel da moral e
da ética no seu exercício, eis que a utilização da arte persuasiva se faz mais marcante.

O agente do direito, buscando a adesão das mentes, mais especificamente, a formação do


convencimento do Magistrado, diuturnamente, consciente ou não, utiliza-se de técnicas da
Retórica, desde a dedução da vindícia do autor em sede de peça inaugural, até os debates
implementados em um Tribunal do Júri; o utilizar destas técnicas, ainda que de forma
inconsciente, requer, cogentemente, a observância de valores éticos e morais, que a nosso ver,
dimanam da própria sociedade, diga-se, ações consideradas boas, ou ao menos aceitáveis,
socialmente aprováveis (ARRUDA JÚNIOR; GONÇALVES, 2002, p.73).

Sendo a ética e a moral inatas aos indivíduos e, desta maneira avaliáveis aos olhos das
condutas sociais destes, importante que encontremos seu verdadeiro lugar, o momento em que
estas se entremostram dissociadas dos demais atributos amealhado pelo indivíduo no decorrer
de seu desenvolvimento, físico e intelectual. Com tal fim, trazemos à colação trecho
elucidativo da obra Fundamentação ética e Hermenêutica – alternativas para o Direito
(JÚNIOR; GONÇALVES, 2002, p.75-77); vejamos:
Desde o nascimento até a vida adulta, o desenvolvimento de um indivíduo em meio a uma comunidade
envolve seu progressivo acesso bem-sucedido ao desempenho de algumas habilidades, cujas práticas são
avaliadas segundo escalas que vão do pior ao melhor. Acompanhando a classificação proposta por von
Wright e retomada por Tugendhat em seus estudos, uma ordenação dessas habilidades pode incluir as
chamadas (1) habilidades corporais (andar, falar, correr), (2) as habilidades instrumentais ou de produção
(construir, cozinhar), (3) as habilidades técnicas (cantar, pintar), até chegarmos, na vida adulta, ao
desempenho dos diversos papéis sociais (advogado, médico, professor, mãe, cozinheiro profissional).

O desempenho público dessas diversas habilidades e papéis oferecidos à expectação social produz vários
retornos de avaliações que são computados na formação da auto-estima de um indivíduo [...]

Ter auto-estima então significará ser reconhecido como bom no desempenho de determinado papel social
previamente escolhido. Entretanto, esse bom ainda é mais técnico do que propriamente ético [...]

Ao lado dessas habilidades especiais, e de nosso esforço para sermos bons nos seus desempenhos, existe
também o que Tugendht chama de capacidade central para a socialização: uma habilidade geral para sermos
bons como entes cooperadores segundo os padrões de uma dada sociedade [...]
São justamente as normas éticas que tratam de fixar os conteúdos e exigir a observância a esses padrões
gerais de cooperatividade do ser bom perante uma comunidade [...]

Importante que citemos, ainda, que o fracasso em relação às habilidade morais, ainda que
proporcione uma vergonha ao individuo, não configura uma vergonha moral, àquela que, no
mais das vezes é acompanhada pela indignação, pela censura, pelo sentimento de revolta e
clamor por parte dos expectadores, como é característica das condutas imorais e anti-éticas.
Estreme de dúvidas, o mal proceder em relação à Retórica, a utilização do domínio de certas
técnicas para se projetar e sobrepor-se em relação à terceiros, buscando a adesão de suas
mentes, se enquadra na segunda hipótese, motivo pelo qual, tamanha é a nossa repulsa por
atitudes como a tomada por Hitler e W. Bush, citadas no intróito deste capítulo.

Lineamentos acerca da teoria da argumentação jurídica

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Levando-se em conta o desiderato buscado pela presente pesquisa, tornar-se-ia um contra-


senso relegar à prescindibilidade algumas digressões acerca da Teoria da Argumentação,
teoria que tem como pilar a Retórica, nossa temática; objetivamos, pois, com base em
premissas jus-filosóficas, encontrar o efetivo lugar do direito dentre as demais ciências, e, por
via reflexa, buscar soluções mais ágeis e justas no seu exercício prático.

Destarte, passemos, nesse sentir, ao estudo dos mais significativos lineamentos e pressupostos
iluminadores da sobredita teoria, de sorte a abrirmos caminho para a ulterior análise das
implicações da Retórica em sentido estrito.

Razão Teórica e Razão Prática

Malgrado o estudo de uma lógica peculiar ao direito ser objeto de um capitulo aparte da
vertente pesquisa, imperioso destacar, em sede de Teoria da Argumentação, que a correlação
da ciência jurídica com a razão teórica – lógica formal, à qual lida com a existência de
verdades irrefragáveis, premissas inquebrantáveis –, peculiar à algumas ciências, caracterizar-
se-ia, no mínimo, negligenciar à especificidade de tal área do conhecimento, deveras alheia à
qualquer premissa externa, axiológica ou normativa, pois tem em vista uma finalidade
qualquer, não exata. Busca, mais do que a demonstração de uma verdade correta,
instransponível, uma justificação argumentativa plausível. No magistério de Alexy (2001, p.
218), “os discursos jurídicos se relacionam com a justificação de um caso especial de
afirmações normativas, isto é, aquelas que expressam julgamentos jurídicos”.

De correlata significação é o entendimento de Perelman (2000, p. 283), vejamos:


É em face de valores e de normas múltiplas, de autoridades imperfeitas, que se manifesta o interesse do
raciocínio prático. É então, num pluralismo de valores, que assume toda a sua importância a dialética,
entendida em seu sentido aristotélico, como técnica de discussão, como capacidade de objetar e de criticar,
de refutar e de justificar, no interior de um sistema aberto, inacabado, suscetível de precisar-se e de
completar-se no próprio decorrer da discussão.
Assim, não se pode obter na ceara jurídica, as ditas verdades analíticas, peculiares às ciências
de cálculo e medição, mas sim, buscar, fulcrado na razão prática, a obtenção da maior
exatidão possível.

Conceber a aplicação prática do direito de outra maneira, diga-se, com apelo ao raciocínio
lógico formal, nada mais seria, senão, implicitamente, afirmar que as normas informadoras
desta ciência são, no todo, coerentes, completas, absolutas, abstenças de quaisquer
imperfeições, perfeitos axiomas, o que, de fato, não são. Os Argumentos Jurídicos, a despeito
dos axiomas, não podem, “prima facie”, serem tachados de verídicos ou inverídicos, certos ou
errados, “são, de fato, fortes ou fracas, mas jamais coercitivas e, por isso mesmo, jamais
impessoais” (PERELMAN, 2000, p.492); necessitam, portanto, de provas concretas de
justificação, de persuasão, de Retórica.

Ainda nesta espreita, o Mestre Reale (1999, p.65), de sorte a justificar sua Teoria
Tridimencional do Direito – direito como fato, valor e norma –, afirmou que, “o ato de julgar
não obedece a meras exigências lógico-formais, implicando sempre apreciações valorativas
(axiológicas) dos fatos, e, não raro, um processo de interpretação da lei, aplicável ao caso
[...]”.

Larenz, citado por Alexy (2001, p.20), por sua vez, afirma que a aplicação da lei não se esgota
na mera subordinação do caso concreto à ela, mas sim, requer um amplo e salutar alcance de
julgamentos de valor. Engisch, também citado por Alexy (2001, p.20), assim exterioriza seu
pensamento:
“[...] hoje as próprias leis em todos os ramos do Direito (são) construídas de tal forma, que os juízes e
administradores não só têm de tomar a sua decisão e justificá-la simplesmente subordinando-a a conceitos
jurídicos estáveis, cujo conteúdo por certo é desenvolvido através de interpretação, mas também são
chamados a se tornar independentes, a decidir e decretar de vez em quando de acordo com a lei.”

De todas estas afirmações, podemos chegar a um ponto comum em relação à utilização de


juízos de valor no ato de julgar. Todavia, uma vez assente tal informação, surgem novos
questionamentos, mormente, onde e até que ponto são necessários os julgamentos de valor e,
como estes devem ser justificados.

Cuidaremos, aqui, de três prováveis soluções àqueles questionamentos, apontando,


ulteriormente, qual reputamos mais coerente e, pois, mais indicada (ALEXY, 2001, p. 22-25).

A proemial solução que se levanta é no sentido de que os julgamentos de valores devem ser
calcados em valores de caráter universal, ou mesmo relativos à um grupo específico. Esta, de
plano, é rechaçada pelos estudiosos e doutrinadores do direito, pelo fato de, na prática, ser
custoso, ou mesmo impossível, detectar se os argumentos de valor são ou não gerais; e ainda,
se são suficientemente concretos para embasar uma decisão judicial. Ademais, com relação à
aceitabilidade por um determinado grupo específico, mas criticável se torna tal solução, eis
que, raramente se obterá este juízo comum, fato que implicará em julgamentos desiguais, de
valores divergentes e, contraditórios.
A segunda provável solução que cuidaremos é aquela que leva em conta o sentido, o alcance
da ordem jurídica, sendo este tomado na sua amplitude, no seu todo. (LARENS apud
ALEXY, 2001, p. 23). Tal modelo, a despeito de se entremostrar, a priori, mais coerente que o
anterior, na prática se mostra ainda mais falho, haja vista, o sentido das normas não serem, no
todo, unívocos; são frutos de uma elaboração que leva em conta diferentes cargas valorativas,
o que impossibilita sua utilização como limitador dos juízos valorativos expendidos no
decisório. Importante deixar claro, que a busca do real sentido da ordem jurídica, diga-se, da
acepção da norma, é aconselhável e perfeitamente salutar ao ato de julgar, todavia, face à não
univocidade valorativa que os informa, não deve ser utilizado como limitador ou como
paradigma dos julgamentos de valor.

A terceira possibilidade que se vislumbra é a utilização de uma ordem objetiva de valores,


seja esta já expressa em uma Lei Suprema, ou ainda não vislumbrada pelo direito. Nesse
sentir, ainda que algumas proposições objetivas sejam frutíferas à fundamentação de um
julgamento, raramente poderão ser utilizadas como limite para a carga valorativa contida em
uma decisão, à exemplo das demais sugestões analisadas.

Por fim, devemos concluir, levando em conta o vultoso entendimento de que nenhum dos
procedimentos acima é apto a solucionar o problema proposto, que há que se fazer uma
conjugação de todas as expressões de valores – inter-subjetivos, sociológicos, valores
buscados pela lei, pelo ordenamento jurídico como um todo, proposições de caráter objetivo –
e, assim, em cada caso, dosar a carga valorativa necessária à por termo no ato decisório. A
não obtenção de quaisquer desses valores, todavia, não deve ser utilizada como instrumento
justificador de uma possível escusa de julgar, mas sim, como um motivo ensejador da busca
de meios alternativos para tanto.

Raciocínio do Juiz

Para que possamos demonstrar, na prática, a incongruência de se analisar o direito sob o


mesmo prisma utilizados à apreciação das ciências exatas – lógica formal –, aderindo à
orientação Perelmeniana, utilizaremos como pedra angular de nossa apresentação, o raciocínio
do Magistrado, ator processual que, diante das teses antagônicas que lhe são apresentadas,
analisará, fulcrado em seu conhecimento e senso de justiça e/ou equidade, qual a mais
verossímil e, ulteriormente, motivando seu posicionamento, decidirá da maneira mais
transparente e democrática. Assim, sem sobra de dúvidas, é o Magistrado o personagem mais
indicado a evidenciar a utilização da razão prática jurídica.

Primordialmente – para ser mais exato, com o advento da Escola de Exegese –, entendia-se
que a atividade do Juiz se reduzia à aplicação de um silogismo jurídico, ou seja, à mera
aplicação da Lei ao caso concreto. Exemplificando, colacionamos um hipotético silogismo
jurídico, nos moldes da Escola de Exegese, vejamos:

Premissa Maior (norma):

Matar alguém.
Pena: Reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

Premissa menor (fato):

David matou Golias.

Conclusão (decisão):

David deverá cumprir pena de reclusão pelo período de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

Dessarte, sem maiores digressões, denota-se que a função do judiciário, definitivamente, não é
de tamanha simplicidade, como acreditavam os exegetas, mormente pelo fato da norma
utilizada no exemplo como premissa maior – proposição, obrigatoriamente cética, hermética,
sem falhas – encontrar-se sobremodo distante da acuidade, necessitando, por via de efeito, de
uma conduta integradora ativa por parte do Juiz, sobretudo face à constante e frenética
evolução social.

Ademais disso, importante frisar que os fatos levados à apreciação do Poder Judiciário, a
despeito da premissa menor de nosso exemplo, via de regra, não se entremostram incontestes,
eis que se formam de uma guerrilha contraditória entre as teses acusatórias e defensivas, sem
falar no arcabouço probatório por vezes apresentado pelas partes, acrescidos, por fim, à
própria formação intelectual, espiritual e moral do julgador, caracteres profundamente
influenciadores da atividade julgadora.

Por derradeiro, há que se falar, ainda, nas classes normativas comumente encontradas no jaez
dos direitos dispositivos, que relegam ao magistrado, expressa ou tacitamente, a mensuração
de seu real alcance, uma vez que, mostram-se, aprioristicamente, incompletas e, pois,
diametralmente opostas aos axiomas. Deste modo, cediço por todos, torna-se a inexistência de
verdades incontestáveis no seio do direito, restando, porquanto, aos agentes jurídicos, de
modo a demonstrarem a viabilidade de seus direitos, a via argumentativa.

Noutro sentido, porém com vias a sanar quaisquer duvidas que eventualmente remanesçam no
que tange ao temário, ainda que não seja objeto de nossa análise, mister se faz tecer alguns
comentários acerca da Hermenêutica Jurídica, integrante da mesma senda a que se integra a
Retórica.

Da Hermenêutica Jurídica

Grosso modo, hermenêutica jurídica consiste na obtenção do real sentido da norma, na busca
do “espírito da lei”[4], na prática, a real aplicação da norma consiste na subsunção do fato
concreto à norma, os quais, por vezes, são separados por um significativo hiato que deverá ser
preenchido/integrado, pela atividade dos agentes do direito.

Por extremo, cuidando para não transpormos o ânimo do presente, uma vez que, ainda que
retórica e hermenêutica sejam consectárias de uma mesma teoria, esta merece tratamento
autônomo, estudo apartado, motivo que nos leva à furtação de maiores comentários, trazemos
à colação as sábias palavras de Maximilianos, bem como, em seguida, o clarividente exemplo
formulado por Perelman, que resta por exaurir, vez por todas, o assunto expendido, vejamos:
As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem
normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer à minúcias. É tarefa primordial do executor
a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é,
aplicar o Direito. Para conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro
da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. (DINIZ, 1998, p.407-408)

Passemos ao exemplo e sua correlata explicação, que tratam da interpretação de uma norma
que, hipoteticamente, proíbe a entrada de automóveis em um parque público, vejamos:
[...] se um letreiro, colocado na entrada de um parque público, proíbe a entrada de veículos, o guarda de
plantão deverá opor-se à entrada de uma ambulância que vem buscar a vítima de um infarto, de um veículo
do serviço de limpeza municipal, de um táxi chamado para transportar uma criança que quebrou a perna ou
para levar à maternidade uma mulher grávida, surpreendida inopinadamente pelas dores do parto?

Vê-se por esse exemplo, por mais singelos que sejam, que quem deve aplicar uma regra de direito terá,
muito amiúde, de perguntar-se quais são os valores que ela protege e com quais outros valores ela
eventualmente entra em conflito, de modo que lhe amplie ou lhe restrinja o alcance. Às vezes nos oporemos
à letra do texto em razão do espírito da lei, a ‘ratio legis’; às vezes nós lhe oporemos a ‘ratio júris’, o espírito
do sistema de direito, para lhe tirar a hierarquia dos valore que nele se encontra afirmada explícita ou
implicitamente. (PERELMAN, 2000, p.616-617)

Conclui-se, com profusa relevância ao nosso estudo, que os preceptivos legais emanados do
Poder Legislativo Brasileiro, de regra, não são perfeitos, completos, herméticos, mas ao revés,
são inacabados, genéricos, necessitando, portanto, de intensa e constante atividade integradora
de seu operador; assim, forçoso é concluir que a aplicação do direito não se coaduna e não se
viabiliza por meio da utilização de uma lógica formal, mas sim, por um proceder especial,
peculiar, por uma lógica jurídica.
CAPÍTULO II

DIREITO E RETÓRICA

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Do surgimento da lógica jurídica

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Já tivemos a oportunidade de ver no capítulo anterior que a arte do direito, para que seja
exercida com maestria, nas mais variadas atividades forenses, deve ater-se,
concomitantemente com o estudo da técnica, ao estudo e efetiva utilização da Retórica que,
como já vimos também, não é a arte de bem falar, num estilo florido e empolado, para utilizar
a expressão de Perelman (2000, p.505), mas sim, a arte de persuadir, convencer quando
necessário, dominando, pois, a denominada lógica jurídica, que tanto se distingue da lógica
formal, conforme atentaremos.

No decorrer deste capítulo, com o mister de estudar o surgimento da lógica jurídica e, por
conseguinte, o modelo de silogismo utilizado no âmbito do direito, no todo distinto do modelo
stritu sensu, conforme o fez Perelman, partiremos da perspectiva do Magistrado como
destinatário das provas e argumentações produzidas no decorrer do processo – não se pode
olvidar que o destinatário das provas é sempre o processo, cabendo ao juiz, vértice sobremodo
importante do triângulo que simboliza a relação processual, analisá-las a formar seu
convencimento.

No aspecto positivista, até poucos anos tido como inquebrantável, o juiz, mero aplicador das
normas, lançando mão do silogismo apto a por termo em questões relativas às ciências
naturais, propunha-se a solucionar conflitos de ordem jurídica, como se estes fossem lógicos e
exatos como aquelas ciências, fazendo da nobre atividade julgadora, mero tecnicismo.

Consistem as leis da lógica formal, em proposições que independem de matéria de raciocínio,


motivo que leva seu aplicador a negligenciar ao estudo das formas de raciocínio que, como
consabido, são indispensáveis àquelas disciplinas que cuidam de matérias de fato, de
controvérsias, de proposições não exatas, mas plausíveis, como o direito. (PERELMAM,
2000, p. 472)

Vejamos o entendimento de Perelman:


Ao querer reduzir a lógica à lógica formal, tal como ela se apresenta nos raciocínios demonstrativos dos
matemáticos, elabora-se uma disciplina de uma beleza e de uma unidade inegáveis, mas se descura
inteiramente do modo como os homens raciocinam para chegar a uma decisão individual ou coletiva. É
porque, de fato, a razão prática, aquela que deve guiar-nos na ação, é muito mais próxima daquela do juiz do
que daquela do matemático, que o lógico que se veda examinar a estrutura dos raciocínios alheios às
matemáticas, que recusa reconhecer a especificidade do raciocínio jurídico e do raciocínio prático em geral,
presta um mal serviço à filosofia e à humanidade. À filosofia, obrigada a renunciar, por causa da ausência de
um fundamento teórico, ao seu tradicional papel de educadora do gênero humano. À humanidade, que à
mingua de encontrar um guia nas filosofias de inspiração racional, tem de abandonar-se à irracionalidade, às
paixões, aos instintos e à violência. (PERELMAN, 2000, p. 473)

Assim, submeter a atividade jurídica à lógica formal seria admitir o direito como algo exato,
incontroverso e abstenço de quaisquer especificidades frente às ciências matemáticas e, por
conseguinte, relegar a atividade julgadora, a atividade do Poder Judiciário, à vontade da lei, à
vontade do Poder Legislativo, o que atinge, frontalmente ao preceito constitucional da
separação dos poderes.

Nesse sentido:

Esta é a verdadeira matriz racionalista que preside o sistema e que, ao atribuir ao magistrado a função de
apenas “dizer “ o direito criado pelo legislador, veda-lhe qualquer possibilidade de sua criação através da
jurisprudência. O sistema, ao assim proceder, mantém-se fiel às filosofias políticas do século XVII,
especialmente a HOBBES, para quem a questão da justiça não era um problema a ser resolvido pelo juiz,
mas pelo legislador. Justo seria aquilo que o legislador tivera como justo. Ao juiz caberia a exclusiva função
de “vontade da lei”. E como antes já havia dito HOBBES, a justiça do juiz – enquanto justiça diversa
daquela disposta pelo legislador – era, por definição, injusta (Leviathan, XXV, 7). (BAPTISTA, 2002, p.42-
43)

Todavia, face à implementação das relações sociais e o surgimento de conflitos de interesses


ainda não cuidados pelo legislador, sequer arquitetados por ele, passou o direito, de forma
gradativa, por profundas e imprescindíveis modificações, o que levou alguns pensadores à
criação da chamada lógica jurídica e a conceberem o silogismo jurídico em oposição ao strito
sensu, com estrutura não coincidente com a dos raciocínios analíticos.

Neste diapasão, vale mencionar que as novéis formas de conceber o direito (lógica jurídica),
sobremaneira distintas das formas aptas a desvendar as ciências naturais, muito se aproximam
do clássico silogismo dialético, diga-se, dos entimemas aristotélicos.

Sobredita afinidade resta por corroborar a exaustivamente citada, retomada das culturas
clássicas, mais especialmente as greco-romanas, como meio de contornar as constantes
obliqüidades que maculavam a teoria do positivismo jurídico.

Apenas para não incorrer em omissões, consistem os entimemas em silogismos nos quais não
são enunciadas todas as premissas – algumas já são conhecidas e aceitas pelo auditório – e as
que o são, não se vestem de veracidade incontestável, apenas, plausíveis e provável
admissibilidade.

Nesse sentir, o magistério aristotélico muito se aconchega com a nova lógica jurídica –
baseada a nosso ver sob seus pressupostos –, à qual procura não engessar a atividade do Poder
Judiciário, especialmente do magistrado, mas imbuí-lo de maior alvedrio para analisar as
peculiaridades do caso concreto; baseado nas argumentações das partes, manifestadas por
meio de um discurso ou texto escrito, cabe ao juiz, de forma motivada, verificar a quem cabe
a razão, não meramente enquadrar a situação vertente à norma in abstracto.

Boaventura de Sousa Santos (1988, p. 6), assim concebe a apreciada lógica jurídica:
Esta concepção procura situar-se na conhecida distinção, que tem caracterizado o pensamento ocidental pelo
menos desde ARISTÓTELES, entre o conhecimento/raciocínio apodídico, que aspira à verdade absoluta e
recorre para isso à demonstração analítica, través da dedução lógica (silogística) ou da experimentação
empírica, e o conhecimento/raciocínio dialéctico-retórico, que aspira à adesão ao que é crível, plausível,
razoável, recorrendo para isso a provas dialéctico-retóricas, isto é, à argumentação e deliberação a partir de
opiniões ou pontos de vista geralmente aceites (os topoi). Segundo a concepção tópico-retórica, o discurso
jurídico tem uma natureza argumentativa, visando a deliberação dominada pela lógica do razoável em face
do circunstancialismo concreto do problema, em caso algum redutível à dedução lógica e necessária a partir
de enunciados normativos gerais. O conhecimento do discurso jurídico pressupõe, assim, uma teoria da
argumentação onde se dê conta, de modo global, do processo da construção cumulativa da persuasão que
culmina na deliberação.

Percebe-se, porquanto, a insofismável valia da transposição dos dogmas advindos com a


Revolução Francesa e com o Positivismo Jurídico e o conseqüente engenho de uma lógica
peculiar ao direito, no todo alheia à lógica dita formal, ao silogismo stritu sensu,
possibilitando, por via de efeito, a implementação da arte argumentativa no itinerário
processual e elevando a Retórica ao status de corolário da atividade jurídica, e fazendo do uso
da palavra o mais valioso instrumento à disposição dos agentes do direito.

Da comunicação jurídica – objeto do estudo da arte retórica

(voltar)
In disputationibus nos utimur vocabulis loco rerum quia ipsas res médium afferre non possumos
(Aristóteles).

Já que não podemos trazer as coisas para nossas discussões, trazemos em lugar delas as palavras.
(DAMIÃO, 2000, p. 17)

Inelutavelmente, o homem, diga-se, o ser humano, côncio de suas limitações e ciente da


necessidade inata de se agrupar em sociedade, congrega-se com os demais de sua espécie,
com o fito de atingir os objetivos, por todos, colimados e, assim, prover suas necessidades.
Desta atividade, que nada mais é que a comunicação, surgiu a expressão latina – como
consabido, a Grécia é o berço da sistematização da arte retórica – “communicare”, à qual
remete à idéia de convivência, relação de grupos, sociedade. (DAMIÃO, 2000, p. 17)

Do conceito acima consubstanciado, genuína de dúvidas torna-se a maior discussão que aflige
o estudo da retórica, qual seja, se esta surgiu ou não com Aristóteles; sendo o ser humano “um
ser essencialmente político, a comunicação só pode ser um ato político, uma prática social
básica” (DAMIÃO, 2000, p. 17), motivo pelo qual, torna-se assente, que a retórica não surge
com o advento da obra aristotélica, mas sim, paralelamente ao surgimento da humanidade, ou
melhor, conjuntamente ao aparecimento das primeiras formações sociais.
Nesse sentir, evidencia-se que o direito, primordialmente concebido como o conjunto de
normas aptas a regulamentar a vida em sociedade, forma-se e cresce em importância, à
medida que o ser humano congrega-se em grupos, exercita o convívio social; em suma, direito
e “communicare”, encontram-se intimamente atrelados, do que resulta a direta
proporcionalidade entre a mais efetiva comunicação e o mais efetivo direito – quanto maior a
comunicação, mais concretizado estará o direito.

Atentemos ao que reza a Bíblia Sagrada (Gêneses capítulo 1, versículo 8), acerca de que a
palavra tem força criadora, eis que, no princípio era o verbo e, com a palavra, tudo foi feito
(“Faça-se a luz.... e a luz foi feita”). E ainda, sobre a Torre de Babel, ficamos sabendo que
Deus lançou a confusão entre os homens, fazendo com que perdessem a língua comum e
passassem a falar línguas diferentes, o que impedia uma obra em comum, abrindo as portas
para todos os desentendimentos e conflitos de interesse; nesse particular, vem a lume a
necessidade de um meio, fulcrado na linguagem, de por termo a tais conflitos, de sorte a
interpretar e reorganizar as sociedades, qual seja, o Direito.

Oportuno, neste direcionamento, o entendimento de Edmundo Dantes Nascimento, citado por


Sabbag em matéria Publicada na revista Consulex (2004, p.28); senão vejamos o que ele diz:
“A linguagem é um meio de transmissão de ideias. Quanto melhor for o meio, melhor será a
transmissão. Em direito, a transmissão terá que ser perfeita, a fim de alcançar seus altos
objetivos.”

O mesmo Prof. Sabbag, mais uma vez com o fito de aclarar a estreita relação entre o direito e
a linguagem, lança mão de mais dois trechos sobremodo importantes e, ao nosso ver,
perfeitamente aptos a imiscuírem quaisquer dúvidas eventualmente remanescentes acerca da
temática. Inicialmente, cita o renomado professor, entrevista do Juiz de Direito e conselheiro
da Escola Paulista de Magistratura, José Renato Nalini, concedida ao jornal O Estado de São
Paulo, em dezembro de 1999, vejamos:
Se o português é essencial para qualquer carreira, em relação ao direito ele é um pressuposto. A única arma
do bacharel é a linguagem. Do mal conhecimento ou da inadequada utilização deste instrumento, poderão
derivar vulnerações e mesmo o perecimento de direitos alheios, como a liberdade, a honra e o patrimônio
das pessoas. (SABBAG, 2004, p.29)

Noutras palavras, todavia contendo, em suma, a mesma mensagem, é o magistério de


Hêndricas Nadólskis e Marleine Paula M. F. Toledo (SABBAG, 2004, p.29), lembrados pelo
mesmo autor:
Todo cidadão deve zelar pelo vernáculo, mas o advogado é o grande profissional da palavra. É a palavra que
da forma final a seu trabalho. Se ele não sabe usá-la com perícia, os testemunhos, os documentos, o apoio
legal, a bibliografia jurídica, as provas factuais não se transformam em argumentos e não lhe permitem
defender, acusar, contestar, exigir, exortar, tergiversar, persuadir, convencer com eficiência. Seu sucesso na
profissão é diretamente proporcional a seu desempenho lingüístico, a sua habilidade em manejar palavras.

Asseveram os afamados escritores:


Muito mais que a parafernália retórica é respeito a esta verossimilhança que persuade e convence, dando
foros de verdade aos textos jurídicos, porque um discurso vazio, por mais retumbante que seja, não
convence ninguém, é ‘címbalo que tine’, ‘bronze que soa’, cujo som não persiste (1, Co, 13). [...] O
advogado é o homem da palavra, e a palavra é a ‘terra’ que lhe cabe submeter e dominar (Gen, 2).
(SABBAG, 2004, p.29)

Sobreleva ressaltar, ainda, seguindo a mesma linha de raciocínio, que a Retórica, de forma
gradativa e a nosso ver, sobremaneira salutar, retomou, vez por todas, seu verdadeiro lugar na
história contemporânea, passando a ser concebida e a atuar como consectário do saber
jurídico, realidade esta, que desde a queda do Império Romano não mais se via.

Tal arte da linguagem, conforme já detalhada no capítulo pertinente, passou por vasta e
deflexora fase de anonimato, sucumbindo diante das novas formas de concepção do
pensamento jurídico, mormente, o positivismo jurídico, à qual rendeu ao direito
contemporâneo, à sociedade como um todo e, mais expressivamente, ao Ordenamento
Jurídico Brasileiro – limite territorial do nosso estudo –, heranças nefastas que culminam, no
mais das vezes, em legislações oblíquas e contraditórias, quando não ligadas, apenas, a
interesses individuais, sentenças lacônicas ou extremamente rebuscadas e prolixas, excesso de
formalismo e demais aberrações jurídicas, que tanto contribuíram para o engessamento do
Poder Judiciário e, até, em algumas perspectivas mais pessimistas, na hodierna e iminente
falência deste poder.

Destarte, neste sentido, se faz imprescindível a retomada dos estudos da linguagem – uma das
mais importante manifestação da Arte Retórica – paralelamente ao estudo da técnica jurídica,
como forma de melhor salvaguardar direitos – ou mesmo, de apenas tentar salvaguardá-los, o
que, ultimamente, tendo em conta a morosidade do Poder Judiciário, raramente ocorre –,
como meio de dinamizar a solução dos novéis e, até o momento não regulamentados pela lei,
conflitos de interesse e, por via de efeito, superar o inexorável tecnicismo que contaminou o
itinerário forense brasileiro.

Mantenhamos na memória que as casas criadoras de Leis, em países que se inclinam por um
sistema democrático de governo, tal qual o Brasil, possuem membros de vários segmentos da
sociedade, diga-se, são donas de um significativo caráter de heterogeneidade, tanto no que
concerne ao nível social, quanto ao intelectual; tal assertiva, grosso modo, resta por evidenciar
o motivo dos erros, impropriedades, ambigüidades, diuturnamente encontrados nos textos
oriundos das casas legislativas brasileiras. De inigualável acuidade, é a terminação de Paulo
de Barros Carvalho (2002, p. 5-6) sobre o assunto, vejamos:
Ponderações desse jaez nos permitem compreender o porquê dos erros, impropriedades, atecnias,
deficiências e ambigüidades que os textos legais cursivamente apresentam. Não é, de forma alguma, o
resultado de um trabalho sistematizado cientificamente. [...] Ainda que as Assembléias nomeiem comissões
encarregadas de cuidar dos aspectos formais e jurídico-constitucionais dos diversos estatutos, prevalece a
formação extremamente heterogênea que as caracteriza.

Dentro de uma acepção ampla do vocábulo “legislador” havemos de inserir as manifestações singulares e
plurais emanadas do Poder Judiciário, ao exarar suas sentenças e acórdãos, veículos introdutórios de normas
individuais e concretas no sistema do direito positivo. O termo abriga também, na sua amplitude semântica,
os atos administrativos expedidos pelos funcionários do Poder Executivo e até atos praticados por
particulares, ao realizarem as figuras tipificadas na ordenação jurídica. Pois bem, a crítica acima adscrita
não se aplica, obviamente, às regras produzidas por órgãos cujos titulares sejam portadores de formação
técnica especializada, como é o caso, por excelência, dos membros do Poder Judiciário. Se atinarmos,
porem, à organização hierárquica das regras dentro do sistema, e à importância de que se revestem as
normas gerais e abstratas, como fundamento de validade sintática e semântica das individuais e concretas,
poderemos certamente concluir que a mencionada heterogeneidade dos nosso Parlamentos influi,
sobremaneira, na desarrumação compositiva dos textos do direito posto.

De outro turno, uma vez assente a impropriedade e falta de técnica da produção legislativa,
sobreleva-se, com tamanha intensidade, a importância da linguagem científica do agente do
direito – único, dentre os atores jurídicos a deter tal conhecimento – de sorte a vislumbrar,
arquitetar e, por conseguinte, atingir o real sentido e alcance da norma posta.

Ainda escorando-se no mesmo autor, pedimos, com a devida “vênia”, para transcrevermos
gráfico deveras elucidativo no que tange à idéia da sobreposição das camadas de linguagem:

Os dois bonecos simbolizam o plano das relações humanas intersubjetivas, que ocorrem no contexto social.

L1 é o corpo de linguagem do direito positivo, exposto em termos prescritos e em forma técnica.

L2 é o nível da linguagem da Ciência do Direito, descritiva de seu objeto (L1) e vertida em termos
científicos.

L3 é o estrato de linguagem da Teoria Geral do Direito, que descreve os pontos de intersecção dos vários
segmentos da Ciência do Direito. Apresenta-se também descritiva e com a utilização de termos
rigorosamente científicos.

L4 é o patamar da Lógica Jurídica. Sua linguagem é absolutamente unívoca e seus termos tem uma e
somente uma significação.
Formalização é o processo de busca das estruturas lógico-formais (análise lógica). O encontro se dá no
espaço da Lógica Jurídica.

Desformalização é o processo inverso. Depois de encontrado o esquema lógico correspondente à proposição


de L1, ou L2, ou de L3, o analista volta ao ponto de partida, substituindo as variáveis lógicas pelas
constantes do direito positivo. (CARVALHO, 2002, p. 7)

Analisando brevemente o quadro acima, percebe-se, sem maiores esforços, a demasiada e


inflexível distancia entre a linguagem positivista, baseada unicamente na lei, e a lógica
jurídica, unívoca, ideal, na qual o magistrado, com base nas argumentações das partes, bem
como no seu conhecimento técnico, encontrará a solução mais justa para o conflito que lhe é
apresentado, ainda que esta seja contraria à lei positivada. Devemos, pois, para que a
aplicação do direito se mostre mais efetiva e condizente com os anseios sociais, buscar a
formalização da linguagem jurídica, o que vale dizer, afastar-se do positivismo jurídico e
aproximar-se da lógica jurídica, à qual, conforme já nos referimos no capitulo oportuno, é
substancialmente oposta à lógica formal e imbuída, em seu todo, da arte Retórica e da
argumentação. Noutros termos, ainda que exista disposição legal acerca da situação fática
levada à apreciação do Poder Judiciário, e esta seja válida e eficaz, não deve o magistrado
aplicá-la de plano, mas sim, após um processo de Formalização, diga-se, após a passagem
pelo crivo da lógica jurídica.

Por derradeiro, apenas com o escopo aclaratório, de salientar, que o vertente estudo, não
prega, exclusivamente, a boa redação, escorreita e, por vezes, excessivamente rebuscada e
complexa, ininteligível, mas sim, o bom uso da palavra, nos seus mais variados contornos, o
aprimoramento da língua e a retomada dos estudos da arte retórica na formação do
profissional do direito, visando, assim, obter maior efetividade na solução dos conflitos
levados à apreciação do Judiciário, imbuindo-o, pois, de maior flexibilidade e democracia.

Principiologia do direito processual

(voltar)

Preliminarmente à abordagem da principiologia do direito processual brasileiro, cumpre-nos


esclarecer que do decorrer deste capítulo discorreremos acerca do direito processual como
ciência autônoma no campo da dogmática jurídica; assim, não nos atentaremos à discussão
acadêmica que gravita entre a possibilidade ou não de se estudar o direito processual em uma
teoria geral, sem cindi-lo em processo penal e processo civil. Cuidaremos, pois, apenas para
fins didáticos, do direito processual como um todo que, ulteriormente, se bifurcará em dois
ramos.

São princípios norteadores do direito processual brasileiro, pacificamente conhecidos pela


doutrina e jurisprudência – uns em âmbito cível, outros criminal e, alguns em ambos – (I) o
princípio da imparcialidade do juiz, (II) o princípio da igualdade, (III), do contraditório e da
ampla defesa (tratados conjuntamente pelo legislador constitucional ordinário), (IV) da ação,
(V) da disponibilidade e indisponibilidade, (VI) dispositivo e da livre investigação das provas
(verdade real e verdade formal), (VII) princípio do impulso oficial, (VIII) da oralidade, (IX)
persuasão racional do juiz, (X) da motivação das decisões judiciais, (XI) da publicidade, (XII)
da lealdade processual, (XIII) da economia e instrumentalidade das formas e, por fim, (XIV) o
princípio do duplo grau de jurisdição (CINTRA, 2002, p.51-76).

Malgrado a indispensabilidade de todos os retro-citados princípios, cuidaremos, neste


trabalho, apenas daqueles que evidenciam a nova perspectiva do estudo jurídico e que, por
conseguinte, patenteiam a desmedida importância da Retórica e da Argumentação neste novo
cenário jurídico.

Primeiramente, tendo em conta a imensurável acuidade, impende comentar os princípios do


contraditório e da ampla defesa, princípios inafastáveis e indelegáveis do Ordenamento
Jurídico Pátrio, consubstanciados no bojo da Constituição Federal de 1988, e que, de forma
sumária, trazem em sua essência a indispensabilidade, em qualquer processo – seja penal,
cível ou administrativo[5] –, do debate ou discussão entre as partes (“auditur et altera pars”);
cada parte, obrigatoriamente, deve ter a oportunidade de exercitar sua defesa, ter
conhecimento e possibilidade de argumentar sobre as provas e argumentações expendidas
pela parte adversária, elevando a grau máximo a relação compulsória entre retórica e direito.

Com correlata importância, podemos citar o princípio da oralidade, o qual, em sede de direito
alienígena – podemos citar a França, Alemanha, Áustria, Hungria, Japão, dentre outros –,
transpôs o status de princípio, transmudando-se em regra, obtendo como conseqüência um
direito imbuído de maior celeridade, transparência, democracia e, portanto, demasiadamente
mais efetivo.

Consiste o princípio da oralidade, na mínima redução a termo das relações fenomênicas e


peculiaridades que circundam o caso levado à apreciação do Judiciário, diga-se, na redução do
exacerbado apega ao papel. Noutras palavras, as provas e argumentações produzidas no
decorrer do processo, quando possível, devem ser realizadas oralmente, perante o magistrado,
possibilitando-lhe mais específica cognição sobre a veracidade das alegação e implementando
a celeridade processual.

Por fim, conforme já dito, sem exaurir o estudo dos demais princípios do direito processual
brasileiro, atentemos aos correlatos princípios da publicidade e da necessária motivação das
decisões judiciais – diz-se correlatos pois ambos possuem o mesmo desiderato, qual seja, por
meio da utilização da linguagem, imbuir o direito de maior democracia e propiciar o controle
popular sobre o exercício da função jurisdicional.

Tendo em vista que o real destinatário do serviço prestado pelo Poder Judiciário é o povo, “o
povo é o juiz dos juizes” (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2002, p. 69), todas as
audiências terão presença do público e público sara o conteúdo dos processos – existem
exceções que, nesta guisa, não merecem maiores comentários, tendo em vista o escopo da
presente pesquisa –, visando, como já dito, coibir aberrações e atrocidades que outrora
marcaram presença no seio deste Poder.[6]
Quanto à necessária motivação das decisões emanadas do Poder Judiciário, princípio que, a
exemplo dos princípios do contraditório e ampla defesa possui status constitucional –
conforme já exarado na seção “A redescoberta do Estudo da Arte Retórica” –, tem o objetivo
de tornar compulsória a utilização da argumentação jurídica no ato de por termo aos conflitos
de interesse, visando, pois, aferir em concreto a imparcialidade do magistrado, facilitar o
exercício da impugnação das partes (eventuais recursos – princípio do duplo grau de
jurisdição), tornando mais transparente a atividade jurisdicional.

Do exposto, denota-se, sem maiores delongas, o completo entrelaçamento da Retórica e da


argumentação com o itinerário processual brasileiro; quanto mais expressivo seu exercício,
por meio dos princípios acima esmiuçados e quaisquer outras condutas de cunho
argumentativo e retórico, mais efetiva será a tutela jurisdicional e mais célere sua obtenção.

Retórica no direito processual brasileiro

(voltar)

A Retórica, uma vez imprescindível na formação do jurista contemporâneo, como expusemos,


possuirá, também, importante papel no bojo do direito processual brasileiro, mormente no que
toca ao procedimento do júri, ao qual compete o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
– tentados ou consumados, bem como nos procedimentos mais simplificados, como os dos
Juizados Especiais; com relação ao Júri, vale mencionar, apenas como exemplo, que a Carta
Política de 1988 vislumbra em seu texto a possibilidade da abrangência da competência deste
tribunal, fato que, sem dúvidas, alargaria a importância da retórica no direito contemporâneo
e, via de consequência, democratizar-se-ia, sua utilização.

Passando brevemente pelos demais procedimentos admissíveis no direito processual


brasileiro, impende mencionar que, diuturnamente, as novas metodologias processuais que
foram idealizadas com o objetivo de sanar os vícios que conspurcavam o procedimento
comum (ordinário), mais especificamente a morosidade, maior algoz do direito hodierno (os
quais têm como escopo a concentração das fases processuais), face ao exacerbado apego ao
papel, bem como ao desprivilegio das sentenças monocráticas, eis que incontáveis são os
recursos viáveis, na prática, restaram inócuos frente aos fins colimados.

Tal resultado, ao nosso julgar, era perfeitamente previsível, haja vista o despreparo do
legislador e, mais ainda, do operador do direito que, alheios às lições clássicas da retórica,
reduziram as fases orais destes procedimentos – os quais lhe renderiam resultados mais breves
–, e retiram-lhe eficácia ao facultarem ao vencido, incontáveis possibilidades de recurso.

Cabe, aqui, mais uma vez, a extenuadamente citada ressalva pertinente à não vinculação entre
Retórica e oralidade, uma vez que essa é uma da formas de manifestação daquela, à qual se
revela, em incontáveis vezes, na forma escrita e, mormente no que diz respeito ao
Procedimento do Júri, na própria expressão e gesticulação do agente do direito, condutas
imprescindíveis à persuasão dos jurados. Todavia, em relação ao Processo Civil, a feição
retórica a ser abiscoitada é a oral, com vias a obter maior celeridade e, pois, mais efetiva
justiça.

Nesse sentido, asseveram Arenhart e Marinoni (2003, p. 500-501), que o direito processual
brasileiro, face ao desmedido apego ao papel e ao já citado desprestígio às sentenças exaradas
por juizes de primeiro grau, desloca-se em sentido contrário às novas tendências em nível
alienígena, às quais tem surtido resultados mais céleres, mais justos e, consideravelmente,
mais democráticos, eis que atentas ao ideário clássico (retórica).

Do Procedimento do Júri

Noutro sentido, de citar o procedimento do júri, certamente o mais democrático do


emaranhado processual brasileiro e, pois, a expressão máxima do salutar entrelaçamento entre
os estudos clássicos da retórica, já apontados, e o exercício prático da atividade jurisdicional.

Destarte, para que possamos entender e vislumbrar, na prática, as particularidades que fazem
do Tribunal do Júri, no nosso sentir, dos mais eficazes – do ponto de vista da celeridade, do
caráter democrático e da justiça –, mister se faz atentar, de forma breve, a respeito de seu iter,
diga-se, à sequência de seus atos processuais, atentando para o que se convencionou chamar
de “Novo Rito do Tribunal do Júri”, o qual veio a lume em 09 de junho de 2008, quando
sancionada a Lei 11.689.

Podemos dizer que esse rito de julgamento constitui um dos pilares do Estado Democrático de
Direito, já que viabiliza à própria sociedade a verificação da gravidade da conduta do acusado
perante ela mesma, sociedade. Vale dizer, os pares terão a faculdade de condenar, absolver ou
perdoar o mesmo, prerrogativa exclusiva dos julgamentos dessa natureza.

O procedimento do Júri, mesmo após a nova lei, é escalonado, ou seja, possui duas fazes; A
primeira, a Judicium Accusationis, agora chamada de instrução preliminar, inicia-se com a
denúncia e encerra-se na sentença de pronúncia, já a segunda, chamada de Judicium Causae,
parte da sentença de pronúncia e termina com a decisão final do Conselho de Sentença.

Neste ponto, sem ainda exaurir as fases do fluxograma em apreço, no que pertine à arte
retórica, cumpre-nos a feitura de alguns apontamentos; vejamos:

Precipuamente, verifica-se a ampla possibilidade de defesa na fase de instrução preliminar, à


qual, conforme já vimos, julga apenas a viabilidade da acusação, havendo, inclusive, a
designação de audiência de instrução e julgamento; vê-se, pois, o amplo exercício da arte
retórica, tanto por parte dos acusadores e defensores, bem como por parte do Magistrado, que
possui um leque de opções consideravelmente distintas, que caminham desde a absolvição até
a desclassificação da competência. Por fim, seguir-se-ão as alegações finais, necessariamente,
orais e também a prolação da sentença, igualmente, oral, durante a audiência, ou escrita, no
prazo máximo de 2 (dois) dias.

Retomando o estudo procedimental, inicia-se a segunda etapa com a preparação para o


julgamento e este propriamente dito. No momento em que receber os autos que indicam a
necessidade de realização de julgamento em Plenário, o juiz-presidente intimará o Ministério
Público ou o querelante e o defensor do acusado para, no prazo de cinco dias, arrolar um
máximo de cinco testemunhas para deporem em Plenário, bem como juntar documentos e
requerer diligências. Seguirão, nesta ordem, a oitiva do ofendido, inquirição de testemunhas –
acusação e defesa, respectivamente –, esclarecimentos e interrogatório do acusado.

Posteriormente, finalizada a instrução, seguem os debates, e por fim, o julgamento, pelos


jurados, dos quesitos, os quais, diga-se de passagem, constituem a mais significativa alteração
da nova norma, eis que, traz mais liberdade para a análise do jurado.

Apurados os resultados, o juiz-presidente elaborará a sentença, determinando que retornem


todos ao plenário para que haja a leitura da mesma. Realizada a leitura da sentença, o escrivão
lavrará ata detalhando todo o procedimento que deverá ser assinada pelo juiz-presidente e
pelas partes.

Por derradeiro, importante citar que o Tribunal do Júri é um tribunal de primeira instancia (1º
Grau de Jurisdição), todavia, suas decisões são soberanas, insuscetíveis de modificações no
que tange ao mérito, fato que lhe imbui de maior força e seriedade.

De todo o exposto, urge concluir que, vis-à-vis às abrangentes formas de defesa, à


oportunidade de debates orais, ao julgamento por pares (julgamento popular), à fiscalização e
ordenação pelo presidente, bem como pelo povo, o Tribunal do Júri muito se assemelha aos
julgamentos clássicos, nos quais a retórica sempre se fazia presente e a simplicidade e
competência dos defensores, mesclada com o apurado senso crítico do povo, resultavam em
decisões céleres, justas e democráticas, o trinômio que, com urgência deve ser abiscoitado
pelo Poder Judiciário brasileiro, sob pena de ser devorado por seus próprios pressupostos.

Do Processo Civil

Contrariamente ao que pudemos verificar acerca da estreita relação entre o Processo Penal,
mais expressivamente o Procedimento do Júri e as lições da Retórica, no que tange ao
processo civil, reduzida e/ou inexpressiva tem sido sua conjugação, motivo que nos obriga a
tecer alguns comentários acerca da temática.

Os direitos civis, e por conseqüência o processo civil, que é o conjunto de normas


procedimentais aptas a salvaguardar àqueles direitos, por conta da implementação das
relações sociais e o inexorável surgimento de novos gêneros de conflitos de interesses na
órbita particular, geraram o que muitos denominam de caos do judiciário, diga-se,
impossibilidade do julgamento de todas as lides levadas ao seu conhecimento, o que, por via
de efeito o torna ineficaz e inapto à consecução de seu desiderato.

Por conta deste estado caótico que se encontra o processo civil brasileiro, poucas e louváveis
iniciativas legislativas se fazem presentes nesta esteia jurídica, às quais buscam, acima de
tudo, imbuir as lides civis de maior caráter democrático e menor dispêndio de tempo; tais
projetos legislativos, atentos à necessária relação entre retórica e direito, no mais das vezes
não chegam ao status de lei, haja vista, malgrado algumas exceções, interesses casuístas no
sentido de manter a situação vigente (status quo).

Noutra toada, quando algumas destas citadas iniciativas tornam-se leis, face à ignorância dos
operadores do direito, bem como da aversão à mudanças incrustada nas mentes positivistas,
ainda que estas sejam benéficas, tem seus objetivos desvirtuados e, até mesmo, são relegadas
à inaplicabilidade. A título exemplificativo, podemos citar, ainda em âmbito cível, a alteração
efetuada pela Lei nº 8.952/94 no artigo 331 do Código de Processo Civil, que culminou em
sérias consequências ao procedimento prosaico, diga-se, comum, ordinário, inserindo a
audiência preliminar ao final da fase postulatória, compondo-se este ato procedimental de três
elementos que constituem sua base, quais sejam, a conciliação, o saneamento e o ordenamento
da instrução.

Da exegese do mencionado dispositivo legal, denota-se, de plano, que a intenção do


legislador, sobremaneira atento às já exaradas tendências mundiais (busca da democracia no
direito e de maior celeridade) foi, além de viabilizar um prévio acordo entre os litigantes,
evitando, assim, as agruras do processo, buscar aparelhar o processo, evitando discussões
desnecessárias e atos meramente protelatórios. Destarte, resta incontroverso o escopo do
legislador de agilizar o itinerário processual e, ainda, o caráter eminentemente democrático e
retórico da modificação implementada.

Ocorre, porém, que na prática, a aplicação deste conteúdo tem se mostrado um grande
equívoco, no todo desvirtuado de seu precípuo mister, sendo, inclusive, tachado de inócuo e
procrastinatório.

Sem adentrarmos muito ao tema para mantermos o foco do presente estudo, conseguimos,
com facilidade, concluir que o estudo da retórica e das formas de pensamento que tentam
conceber as causas e efeitos aptos a dinamizarem o aparato processual brasileiro é
indispensável a todos os aplicadores do direito, bem como aos legisladores, sob pena de
incursão em equívocos, conforme o acima exposto que, a longo prazo, muito contribuirão para
a já comentada falência do poder judiciário.

Portanto, ainda que o Código de Processo Civil em vigor traga uma boa quantidade de
elementos orais, todos os atos praticados oralmente são reduzidos a termo, ou se faculta à
parte a forma escrita.

Assim, apesar de sua exposição de motivos ser clara em relação à busca de um processo oral,
e mesmo após as reformas de 1994/2006, o processo do Código de Processo Civil de 1973 é
escrito[7].

Neste cenário, importante trazermos à colação o novíssimo Código de Processo Civil/NCPC –


recém sancionado pela Presidenta da República e que passará a vigorar em 17 de março de
2016 – o qual, segundo abalizada doutrina, “não se quis, com o novo Código, ‘zerar’ o direito
processual, fazer ‘tabula rasa’ de tudo o que existe. Quis-se, sim, inovar, a partir do que já
existe, respeitando as conquistas. Dando-se passos à frente. Assim é que devem ocorrer as
mudanças das ciências ditas sociais, da lei, da jurisprudência: devagar. Porque também
devagar mudam as sociedades. Nada de mudanças bruscas, que não correspondem àquilo que
se quer, que assustam, atordoam e normalmente não são satisfatoriamente assimiladas. Não há
razão para não se manter tudo o que de positivo já tínhamos concebido. Nada como se
engendrar um novo sistema, de forma equilibrada, entre conservação e inovação.”
(WAMBIER, Teresa; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins
e; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo CPC. Artigo por
artigo. São Paulo: RT, 2015).

No entanto, alvissareiras alterações se fizeram constar, muitas delas pertinentes à nossa


temática, especialmente a consolidação, em sua parte geral (art. 1º ao 12) de princípios e
regras gerais do processo civil, todos em franca consonância com o texto constitucional,
dentre os quais nos cabe citar a da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV e NCPC,
art. 3º, caput), da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII e NCPC, art. 4º, caput),
do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV e NCPC, art. 7º), da proteção à dignidade
da pessoa humana e dos princípios da legalidade, publicidade e eficiência (CF, art. 1º, III e
37, caput, e NCPC, art. 8º) e da fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX e
NCPC, art. 11).

Ademais, plasmando que a verdadeira finalizada social do processo civil é a pacificação


social, o NCPC muda o foco do processo, e atento às lições clássicas aqui estudadas, traz a
conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflito como um de seus
pilares.

Por fim, em 26/05/2015 foi sancionada a reforma da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), a
qual, além de representar um pleito de todos os setores da área jurídica, proporciona maior
racionalidade e possibilidade de soluções/procedimentos atentos às teorias estudadas (retórica
e argumentação jurídica), portanto, mais justos, céleres e democráticos, por ser um meio de
resolução de conflitos extrajudicial, com efeito direto de desafogar o Judiciário de muitas
questões que não precisam da decisão de um juiz, e por via reflexa, deslocar os esforços do
Poder Judiciário para os casos em que ele se mostre imprescindível, criando assim, um ciclo
virtuoso de melhorias à sociedade.
CONCLUSÃO

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“A idéia de um direito natural que forneceria a solução objetiva de todos os problemas de


justiça, tão clara e tão segura como a dos problemas da matemática” (PERELMAN, 2000, p.
515), bem como da lógica formal em âmbito jurídico, no balizado entendimento de Perelman,
atravessou abatido o átrio do século XX. As correntes jusnaturalistas e positivistas
sucumbiram diante de seus próprios pressupostos, em grande parte devido aos desatinos e
idiossincrasias pregados por seus próprios criadores e adeptos.

É consabido que nenhuma doutrina idealizada pelo homem é insuscetível de mudanças, diga-
se, é estanque, rígida e imodificável, motivo pelo qual, com considerável freqüência
deparamo-nos com superações de paradigmas, surgimento de novas correntes de pensamentos
e, ainda, desmistificações de teorias consideradas, até o momento, inquebrantáveis.

Nesse sentir, resta claro que o escopo do presente trabalho não reside apenas em criticar,
ceticamente, a Teoria Pura do Direito, o Positivismo Jurídico, dentre outras teorias afins, mas
sim, demonstrar que, com o passar do tempo e com a inexorável implementação das relações
sociais, não mais há lugar para um direito estático, ancorado em pressupostos absolutos,
alheios à realidade da época, como outrora se acreditava.

Destarte, devem os operadores do direito, na busca incessante pela efetividade e justiça, lançar
mão de todos os meios aptos a aproximá-lo de seus consumidores – perspectiva
completamente adversa das antigas concepções de direito –, tornando-o mais acessível[8],
democrático e universal.

Deve-se, vez por todas, substituir-se o arbitrário pelo verossímil, o estático pelo mutável, a
ditadura pela democracia, a injustiça pela busca incessante por justiça e, no que tange ao
direito, somente a argumentação retórica possui este condão; vejamos o magistério do Prof.
Reale (1999, p.91):
Se uma ciência do direito pressupõe posicionamentos [propõe Perelman], tais posicionamentos não serão
considerados irracionais, quando puderem ser justificados de uma forma razoável, graças a uma
argumentação cujas força e pertinência reconhecemos. É verdade que as conclusões de tal argumentação
nunca são evidentes, e que não podem, como a evidência, coagir a vontade de todo ser razoável. Elas só
podem incliná-la para a decisão mais bem-justificada, aquela que se apóia na argumentação mais
convincente, embora não se possa afirmar que ela exclui absolutamente qualquer possibilidade de escolha.
Assim é que a argumentação apela para a liberdade espiritual, embora seu exercício não seja arbitrário.
Graças a ela é que podemos conceber um uso razoável da liberdade, ideal que a razão prática se propõe em
moral, em política, mas também em direito.

Estreme de dúvidas, a inspiração social e democrática do direito, diga-se, a justiça das


decisões judiciais – quando estas são realmente alcançadas –, surgem da confrontação das
teses controversas levadas ao Poder Judiciário, da análise das argumentações expendidas por
ambas as partes e, por fim, da argumentação conclusiva do magistrado. Assim, o Direito que
impõe uma cominação alheia à vontade social é um Direito ilegítimo, injusto, ao passo que o
Direito que se funda na relação retórica e argumentativa entre os valores sociais da época, se
autentica como instrumento de promoção da paz e da justiça, ou seja, atinge seu primordial
desígnio. Desta feita,
O papel da retórica se torna indispensável numa concepção do direito menos autoritária e mais democrática,
quando os juristas insistem sobre a importância da paz judiciária, sobre a idéia de que o direito não deve
somente ser obedecido, mas também reconhecido, que ele será, aliás, tanto mais bem observado quanto mais
largamente for aceito (PERELMAN, 2000, p. 554)

Nesta perspectiva, uma vez provada a inépcia da lógica na resolução de conflitos de interesse,
bem como a total inadmissibilidade de um direito estanque, alheio às realidades da época, faz-
se necessário o retrocesso às culturas clássicas da Retórica e da Argumentação, como a mais
eficaz alternativa em benefício do Poder Judiciário, dos operadores do direito e, mais ainda,
em benefício da sociedade, consumidora do direito e maior prejudicada com sua diuturna
ineficácia.

Deste modo, ainda que o Direito, recentemente, não se mostre efetivo, sério, célere,
democrático e, pois, afastado de seus consumidores, mas ao revés, um instrumento
antidemocrático, inacessível e voltado, no mais das vezes à dominação das massas, não devem
seus agentes e usuários quedarem-se inertes e entregarem-se em face das dificuldades, mas
sim, por meio de instrumentos de justiça e democracia como a Argumentação e Retórica
buscarem a flor que, cedo ou tarde, certamente nascerá diante da náusea. Assim poetizou
Drummond (1945):
A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,


vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:


Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre


fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.


Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!

Vomitar esse tédio sobre a cidade.


Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?


Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.


Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.


Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.


Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde


e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
REFERÊNCIA

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NOTAS

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[1] Barthélemy Saint-Hilaire apud Aristóteles (1964, p.12): “Segundo a expressão de Barthélemy Saint-Hilaire,
Aristóteles regulou tudo e tudo ordenou no domínio da retórica. Graças a seu gênio, ela passou a ser uma disciplina e,
assim como sua Lógica é a única lógica, assim não há outra retórica além da sua”.
[2] Em alguns casos o Código de Napoleão, malgrado a parcialidade e totalitarismo que lhe eram peculiares,
entremostrou-se vanguardista e de suma importância ao direito contemporâneo, à exemplo da obrigatoriedade na
fundamentação das sentenças, por ele primeiramente positivada.
[3] A rigor, este proceder não pode ser denominado de Retórica, eis que a utilização daquela pressupõe um mínimo
ético em seu proceder. Todavia, assim denominaremos para fins didáticos.
[4] Ainda que discordemos do rigorosismo técnico desta expressão, insistimos no seu uso face à seu indiscutível
alcance didático
[5] O Processo Administrativo, ainda que alheio ao processo Judicial, objeto do nosso estudo, a ele muito se assemelha,
mormente no que tange aos princípios que a ambos informa.
[6] A este respeito, ler “O Processo”, de Franz Kafka; editado postumamente em 1925, este livro narra o estranho
infortúnio que acomete o funcionário de banco Josef K., um belo dia acusado de um crime que ele não sabe qual é.
Quanto mais tenta entender o processo em que está envolvido, consultando advogados e juízes, mais ele se envereda no
mistério e no absurdo. Tal obra narra, com perfeição, as atrocidades que resultam de um direito estanque, e totalitário.
[7] “II – Do Processo Oral. 13. O projeto manteve, quanto ao processo oral, o sistema vigente, mitigando-lhe o rigor, a
fim de atender a peculiaridades da extensão territorial do país. O ideal seria atingir a oralidade em toda a sua pureza. Os
elementos que a caracterizam são: a) a identidade da pessoa física do juiz, de modo que este dirija o processo desde o
seu início até o julgamento; b) a concentração, isto é, que em uma ou em poucas audiências próximas se realize a
produção das provas; c) a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, evitando a cisão do processo ou a sua
interrupção contínua, mediante recursos, que devolvem ao Tribunal o julgamento da decisão impugnada. Falando de
processo oral em sua pureza, cumpre esclarecer que se trata de um tipo ideal, resultante da experiência legislativa de
vários povos e condensado pela doutrina em alguns princípios. Mas, na realidade, há diversos tipos de processo oral,
dos quais dois são os mais importantes: o austríaco e o alemão. Entre estes, a diferença, que sobreleva notar, concerne
ao princípio da concentração. Ocorre, porém, que o projeto, por amor aos princípios, não deve sacrificar as condições
próprias da realidade nacional. O Código de Processo Civil se destina a servir ao Brasil. Atendendo a estas
ponderações, julgamos de bom aviso limitar o sistema de processo oral, não só no que toca ao princípio da identidade
da pessoa física do juiz, como também quanto à irrecorribilidade das decisões interlocutórias. O Brasil não poderia
consagrar uma aplicação rígida e inflexível de princípio da identidade, sobretudo porque, quando o juiz é promovido
para comarca distante, tem grande dificuldade para retornar ao juízo de origem e concluir as audiências iniciadas. O
projeto preservou o princípio da identidade física do juiz, salvo nos casos de remoção, promoção ou aposentadoria (art.
137). A exceção aberta à regra geral confirma-lhe a eficácia e o valor científico. ‘O que importa’, diz Chiovenda, ‘é que
a oralidade e a concentração sejam observadas rigorosamente como regra’”. (CARDOSO, A Oralidade e a Escrita no
Novo Código de Processo Civil Brasileiro; UFRGS).
[8] Ainda que não pertinente ao tema da obra, oportuno citar que o acesso ao Poder judiciário é um dos grandes
problemas do nosso direito, seja pelo elevado custo, pelo excesso de formalismo ou ainda pelas eternamente
controversas condições da ação.
Indice
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - LINEAMENTOS HISTÓRICOS E TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO
JURÍDICA
Do surgimento e sucumbência da teoria pura do direito e positivismo jurídico
Do surgimento e individualização do conceito de retórica
A redescoberta do estudo da arte retórica
Ética e retórica
Lineamentos acerca da teoria da argumentação jurídica
CAPÍTULO II - DIREITO E RETÓRICA
Do surgimento da lógica jurídica
Da comunicação jurídica – objeto do estudo da arte retórica
Principiologia do direito processual
Retórica no direito processual brasileiro
CONCLUSÃO
REFERÊNCIA
NOTAS

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