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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS

CURSO DE GESTÃO PÚBLICA

MAYARA MYRIAM ALVES MAGALHÃES

RESENHA

Cidadania e Justiça – A política social na ordem brasileira.

Belo Horizonte

2014
Sobre o autor

Wanderley Guilherme dos Santos, nascido em 13 de outubro de 1935, no Rio de Janeiro. Um


dos fundadores da ciência política no Brasil, intelectual com forte influência nos estudos da
fase da transição para a democracia.

Bacharel e Licenciado (Filosofia) - Universidade do Brasil, UB (hoje Universidade Federal do


Rio de Janeiro, UFRJ), em 1958;
especialista (Problemas do Desenvolvimento econômico) - CEPAL – BNDE, em 1963;
professor visitante - Universidade de Wisconsin, Madison, em 1974;
doutor (Ciência Política) - Universidade de Stanford, EUA, em 1979;
Edward Thinker Visiting Professor - Universidade de Stanford, em 1980; e
professor titular aposentado (Teoria política) - UFRJ.

Sobre o livro

Santos propõe analisar com esse livro as relações de poder e conflito na distribuição de custos
e benefícios sociais no contexto da ordem política autoritária brasileira. É neste livro, no
capítulo 4, que ele desenvolve o conceito de “cidadania regulada”, conceito este, amplamente
citado no âmbito da ciência política.

Capítulo 1 - Teoria Social e análise de políticas públicas.

Neste capítulo inicial, Santos afirma ser impossível, inicialmente, fazer uma avaliação
completa e objetiva de uma política social. Ele apresenta a hipótese da corrente que defende o
naturalismo científico, que considera a ordem social objetiva, como um sistema fechado que
não possui fontes de variações causais autônomas, com causalidades estáveis, no qual é
possível prever e explicar todas as situações. Em contraponto a essa hipótese, ele expõe o
argumento de que a ordem social é um sistema aberto com causalidades estáveis, no qual
existem fontes de variações causais que nem sempre podem ser explicadas, mas que geram
mudanças no processo que está sendo explicado. Essa segunda hipótese mostra que os
processos de ordem social são repletos de subjetividade, uma vez que são constituídos de
interações sociais e os agentes sociais podem responder a uma mesma situação de formas
diferentes. Então, para Santos, a análise de políticas públicas refere-se à análise das teorias
sociais, como por exemplo, o conflito, a distribuição e redistribuição do poder, processos de
decisão e divisão de custos e benefícios sociais.
Capítulo 2 – Legislação, instituições e recursos da política social brasileira.

Santos apresenta a política social brasileira como sendo consequência da industrialização e,


esta, consequência dos direitos civis adquiridos quando da mercantilização. A variação
decorreria apenas em função do ritmo da regulamentação social e do escopo desta – formato
burocrático da administração, esquema de financiamento, grupos e dimensões sociais cobertos
e a articulação dos programas destinados a maximizar a equidade com as demais políticas
sociais orientadas para a acumulação.

Ele vai demonstrar que o Brasil seguiu uma tendência universal do que diz respeito à política
de bem-estar:

“(...) iniciar-se com programas relativos a acidentes de trabalho, expandindo-se para a


cobertura de velhice, invalidez e dependentes, depois, doença e maternidade, alargando-se
para abonos familiares (salário-família e salário-educação, por exemplo) para chegar,
finalmente, ao seguro-desemprego.” (p.14).

A Constituição brasileira de 1824 não reconhecia a existência de problemas sociais e manteve


a não-regulamentação das profissões. E a Constituição de 1891 também mantém o princípio
da não regulamentação. Com a falta de uma legislação de proteção social no Brasil em 1834 e
1838 fundam-se associações privadas. A partir de 1888 o poder público passa a criar
legislações de proteção social para algumas categorias profissionais.

O autor vai ressaltar a importância da legislação criada em 1907, que reconhece aos
profissionais da agricultura e indústrias rurais o direito de organizar e formar sindicatos. Ele
vai falar que a literatura sobre o sindicalismo brasileiro menospreza o impacto efetivo dessa
legislação, mas para ele, ela é uma importante fissura na ordem política institucional laissez-
fairiana ao dar legitimidade a demandas coletivas. E é com os sindicatos operários que surge a
demanda por regulamentação trabalhista

Em 1923, a lei Eloy Chaves criou as primeiras CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões),
dos ferroviários, destinadas a utilizar recursos de empregados, empregadores e governo para
custear pensões e indenizações (em caso de acidentes), além de serviços de saúde. A década
de 1930 foi de grande legislação social. A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comercio permitiu intensa observância e ações nos âmbitos trabalhistas, sindicais e da
previdência social. A Constituição Federal de 1934 contemplou a diretriz societal, criando a
Justiça do Trabalho, em pleno funcionamento desde 1941. Em 1930 foram criados os IAPS
(Institutos de Aposentadoria e Pensão), contando cada um com seu Conselho e
Administração. Vários direitos trabalhistas foram regulados, até a criação da CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho), em 1943.

Capítulo 3 – Perfil de desequilíbrio e paradigma de análise.

Para avaliar políticas sociais que são destinadas a compensar ou reduzir desigualdades sociais,
Santos expressa que é preciso analisar o conceito adotado de “justiça social’ ou “bem-estar
social” e “sociedade” ou “população” em suas decomposições analíticas. Ele ressalta que no
Brasil não existem informações produzidas em quantidade e precisão suficientes para
preencher a matriz de desigualdades. Deste modo, a avaliação fica vulnerável, sujeita a juízos
equivocados.

Ele ainda faz uma classificação das políticas sociais encaixando-as em três grupos:
preventivas, compensatórias e social “strictu sensu”. “Por políticas preventivas entende-se o
conjunto de medidas governamentais que, se bem adequadas, deveriam, no limite, produzir o
mínimo de desigualdades sociais. Por políticas compensatórias são entendidas aquelas
medidas destinadas a remediar desequilíbrios gerados pelo processo de acumulação.
Finalmente, políticas sociais strictu sensu são aquelas explicitamente orientadas, ao menos em
intenção, para a redistribuição de renda e de benefícios sociais.” (p.52).

Segundo o autor, um dos propósitos básicos de se analisar políticas públicas é explicar


quando e por que as políticas se modificam. Ele aborda a teoria de Mosca e Pareto que relata
que a elite é formada por pessoas que possuem atributos naturais que as favorecem a ocupar
posições de poder. No entanto, é com a teoria de Michels que ele concorda, que diz que “são
as organizações e instituições de poder que convertem seus ocupantes em uma elite,
destacando-os da base social ou do público a que teoricamente deveriam obediência, e não o
inverso.”(p.53). São essas elites que, através das instituições de poder que controlam, impõem
seus planos a coletividade, tornando-se determinantes das políticas públicas. E ele vai explicar
que não necessariamente é preciso que haja renovação das elites para que ocorram
modificações em orientações de políticas.
O autor apresenta também a variável estrutura da escassez, que se refere à quantidade e
qualidade dos recursos disponíveis, explicando que à medida que a disponibilidade desses
recursos muda, os tomadores de decisão mudam o curso das ações da política. Por sua vez,
essa variável pode promover a variável complexificação social. Diz respeito a organizações
que, através de demandas, exercem pressão sobre as elites decisórias na intenção de criar
mudanças nas decisões.

Santos vai dizer que além de estrutura da escassez e complexificação social mudarem as
decisões das elites, essas variáveis também podem decorrer de mudanças políticas, criando
assim um sistema de retroalimentação. Ele acrescenta ainda mais três variáveis que são
responsáveis por variações na estrutura da escassez e complexificação social: crescimento
populacional, os processos de urbanização e a divisão do trabalho. O que ele chama de
processos naturais.

De acordo com o autor, todo esse processo anteriormente descrito não é totalmente
responsável por gerar modificações nas decisões políticas, pois as elites decisórias não
operam o aparado do Estado sozinhas. As burocracias estatais – burocracias, grupos técnicos,
assessorias - são capazes de colocar obstáculos à mudança ou ser fontes delas.

Capítulo 4 – Do laissez-faire repressivo à cidadania em recesso.

O autor expõe que no pós-30 a cidadania estava vinculada ao sistema de estratificação


ocupacional definido por lei, o que ele vai chamar de “cidadania regulada”. Sendo assim,
cidadãos são “todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em
qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei” (p.68). Os benefícios
previdenciários eram transmitidos apenas aqueles que trabalhavam em atividades
regulamentadas pelo Estado, isto é, o sistema corporativo de aplicação das políticas
contemplava apenas aqueles que se encaixavam nos padrões sindicais estabelecidos pelo
governo, o que garantia maior controle do Estado sobre a sociedade e a economia, mas
deixava de lado os desempregados e empregados de atividades não-regulamentadas. Com
isso, a regulamentação das profissões, a carteira profissional e o sindicato público passaram a
ser os três parâmetros para se definir cidadania.

O conflito social passa a se estruturar na esfera da acumulação e distribuição. Santos vai


demonstrar que as instituições não mais conseguiam dar respostas aos atores sociais que
pressionavam com demandas radicais e intolerância política, gerando um contexto de
paralisação governamental e administrativa no fim de 1963 e início de 1964. “Dada a
resistência da ordem conservadora da cidadania regulada, o conflito resolveu-se pelo
rompimento da democracia limitada. No contexto do presente estudo, tal é o significado do
movimento militar de 1964.” (p.75).

Capítulo 5 – A política social autoritária e a cidadania em emergente

O autor explica que o controle sindical e o controle salarial foram as formas encontradas pelos
governos revolucionários – autoritários – de compatibilizar os objetivos de acumulação
acelerada, modernização tecnológica da economia e baixo nível de investimento educacional.
E que as políticas governamentais nas áreas preventivas – saúde, educação e saneamento –
não alteraram o perfil de desigualdades sociais significativamente. Isso levaria ao
agravamento das condições da população, gerando a demanda por “compensações”, de modo
a amenizar os desequilíbrios socais.

A política compensatória brasileira se inicia com uma dinâmica reproduzindo as


desigualdades geradas pelo processo acumulativo. “Fazendo a prestação de serviços e do
pagamento de benefícios por parte de rede previdenciária, ou de suas agencias, função da
contribuição de cada um, associada à partilha profissional da população, produziu,
imediatamente o efeito de distinguir a capacidade dos institutos em prestar os diversos
serviços pela simples razão de que os recursos arrecadados por cada um variavam em função
da melhor ou pior posição do grupo ocupacional na escala de salários ganhos.” (p.80).

Em 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social uniformiza a prestação de serviços, sobre tudo
médicos, possibilitando equidade na distribuição de serviços, criando efeitos redistributivos.
Porém, Santos expressa que, a permanência da vinculação de outros benefícios –
aposentadorias, pensões e pecúlios – à contribuição prévia ainda mantém o aspecto contratual
do sistema e reproduz o caráter estratificado produzido pelo processo de acumulação.

Conclusão

Santos conclui que as políticas compensatórias no Brasil estão associadas a períodos de


recessão econômica, e as redistributivas, em geral, a períodos de abundância relativa. Ele vai
oberservar que a política social brasileira teve maior progresso nos períodos autoritários,
especialmente no governo de Vargas e na década no pós-1966, mas ressalta que nesses
períodos a sociedade teve que pagar um alto preço político – extensão da cidadania regulada e
recesso da cidadania política.
Bibliografia

SANTOS, W. G. dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. 2 ed. Rio

de Janeiro: Campus, 1987.

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