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EXMO(A) SR.

(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE


MILAGRES – ESTADO DO CEARÁ.

Proc. nº. 0050318-29.2021.8.06.0124


Imputação: Ato infracional equiparado ao art. 217-A do Código Penal
Vítima: Raissa Valentina dos Santos Pereira
Adolescentes infratores: JAKSON DOS SANTOS (v. "BUDA") e Outro

JAKSON DOS SANTOS, conhecido por "BUDA" e EZEQUIEL DOS SANTOS, já


devidamente qualificada nos autos da Ação Penal supramencionada, que lhes move o
Representante do Ministério Público, vem por meio do seu advogado dativo adiante
firmado, respeitosamente perante Vossa Excelência apresentar DEFESA PRÉVIA na
apuração de ato infracional, na forma do art. 396 e seguintes do Código de Processo Penal
e art. 186, §3º, da Lei. nº. 8.069/90 (ECA), de acordo com os fatos e fundamentos a seguir
expostos:

1) BREVE RESUMO DOS FATOS

Foram os acusados representados e encontra-se respondendo aos autos neste juízo


em virtude da ocorrência dos fatos que, segundo entendimento do ilustre representante
do Ministério Público, submetem-se à ato infracional equiparado ao delito previsto no art.
217-A do Código Penal Brasileiro.

Depreende-se dos autos que no mês de fevereiro de 2021, os adolescentes infratores


acima indicados abusaram sexualmente a menor RAISSA VALENTINA DOS SANTOS
PEREIRA, sua prima, com idade de 05 (cinco) anos na data do fato.

Apurou-se no procedimento investigativo que os adolescentes supostamente


praticavam atos libidinosos com a menor, tendo a vítima relatado que seu primo Ezequiel
lhe levava para o banheiro e passava a introduzir o dedo em suas partes íntimas, tendo
em certa ocasião, chegado a praticar o ato sexual, contra a sua vontade, e obrigando-a a
fazer sexo oral, sob ameaças de contar à genitora de menor.
Ainda segundo a vítima, seu primo Jakson também cometia os abusos sexuais,
tendo em certo dia colocado o dedo em suas partes íntimas. Por fim, a menor também
declarou que tem medo dos agressores.

O Laudo Pericial de fls. 21/24 concluiu pela ocorrência de ato libidinoso diverso de
conjunção carnal, relatando a existência de "discreto enantema bilateral (equimose em
mucosas) com possibilidade de ter sido provocada de forma intencional".

Segundo o Relatório apresentado pelo Conselho Tutelar de Milagres, fls. 17/18, a


genitora da vítima sra. Maria Jocélia dos Santos informou estar sendo ameaçada pelos
adolescentes e sofrendo pressão psicológica, haja vista que não tem pra onde ir e reside
próximo aos infratores.

Ouvidos perante a autoridade policial, os adolescentes negaram todas as acusações


e alegaram que a vítima estaria mentindo e que não é a primeira vez que ela inventa esse
tipo de história.

Ocorre que, Excelência, a peça acusatória se baseou quase que única e


exclusivamente no que a responsáveis da suposta vítima informou, além do relato da
suposta vítima, não havendo assim qualquer outro tipo de prova material que as lesões na
mucosa genital da criança tenham sido praticadas pelos menores infratores.

Portanto, douto julgador, se o réu tivesse realmente praticado tal ato, que no caso
seria de ter passado o dedo na vagina da criança, devido á idade desta, provavelmente
teria havido a ruptura do hímen e possivelmente teria havido sangramento.

Os menores infratores e a vítima sempre tiveram convívio social tranquilo,


inclusive frequentavam as residências mutuamente, e quando a mãe da suposta vítima
saía para trabalhar sempre ficava um adulto na residência onde os adolescentes e a criança
estavam (conforme dito pelas partes na audiência preliminar).

Logo, está mais do que claro e provado de que não existe prova da incidência do
mencionado delito tipificado ao teor do artigo 217-A do Código Penal Pátrio (Estupro de
Vulnerável) na referida peça acusatória, em virtude da insuficiência de provas nos autos.
É a síntese necessária.

2) DO DIREITO

2.1 - DA NEGATIVA DE AUTORIA


Diante dos fatos e argumentos expostos, o réu requer sua absolvição por negativa
de autoria e ausência de provas, de acordo com o disposto na norma processual penal:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;

II - não haver prova da existência do fato;

IV – estar prova do que o réu não concorreu para a infração penal; .

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;

2.2 - DA AUSÊNCIA DE DOLO

Os menores infratores jamais tiveram a intenção de praticar o ato que está sendo-
lhes imputado pelo parquet.

O crime em espécie somente ocorre com a intenção dolosa do agente e, como se


depreende da análise dos autos, não há prova robusta que os adolescentes tenham
violentado ou praticado ato libidinoso contra sua prima. Não está comprovado que as
lesões na mucosa da vítima tenham sido praticadas pelos infratores.

Necessário também aturar os fatos e circunstâncias ditas na audiência preliminar


que a mesma acusação de estupro de vulnerável contra a mesma vítima tenham recaído
sobre outras pessoas do convívio sociofamiliar da mesma.

Não há nos autos elementos de prova que demonstrem que os infratores sejam os
autores do crime de Estupro de Vulnerável, devendo prevalecer o princípio constitucional
da presunção de inocência e do in dubio pro reo.

Os representeados negam a autoria dos fatos que estão sendo-lhes tributados na


peça acusatória. Ademais, assoma deprimoroso, nos dias que correm, sob o palio do
Estado Democrático de Direito, intentar o Ministério Público, valer-se dos elementos
granjeados durante o fabrico do inquérito policial, para em estabelecendo-os,
unilateralmente, como “fonte da verdade”, sabido que o inquérito é peça meramente
informativa, de características administrativas e sendo elaborado por autoridade
discricionária, não se sujeitando a ciranda do contraditório e da ampla defesa.
Desse modo, ao contrário do alegado pelo ilustre representante do Ministério
Público na peça acusatória, como o delito imputado aos adolescentes é de consumação
imediata e, nos autos, não há prova capaz de confirmar a ocorrência de tal infração penal,
naquele momento nem em momentos anteriores, o réu não merece ser condenado, ao
contrário, deve ser absolvido da imputação que está sendo-lhe imposta (Estupro de
Vulnerável), diante da ausência de provas.

2.3 – DA IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA E


DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS ALTERNATIVAS NO CASO
DE CONDENAÇÃO.

Para fins de Inimputabilidade, sua apuração considera a idade no momento da


conduta (teoria da atividade – art. 4º, CP). Tratando-se de menor inimputável, não
existe pretensão punitiva estatal propriamente, mas apenas pretensão educativa,
que, na verdade, é dever não só do Estado, mas da família, da comunidade e da
sociedade em geral, conforme disposto expressamente na legislação de regência (Lei
8.069/90, art. 4º). (STJ, HC 83.315-DF, Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJe
26.05.2008).

O Superior Tribunal tem entendimento de que, para a aplicação das medidas


socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, leva- se em
consideração apenas a idade do menor ao tempo do fato (ECA, art. 104, parágrafo
único), sendo irrelevante a circunstância de atingir o adolescente a maioridade civil
ou penal durante seu cumprimento (ECA, art. 2º, parágrafo único, c.c. os arts. 120, § 2º, e
121, § 5º). (STJ, HC 111.994-RJ, Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJe 24.11.2008).

Art. 112 do ECA. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência; (...)

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semiliberdade. (...)

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as


circunstâncias e a gravidade da infração.
As medidas socioeducativas são, em natureza, protetivas e, não, punitivas, estando a
internação, enquanto privativa de liberdade, limitada de forma absoluta à sua
necessidade. Para a aferição da medida socioeducativa mais adequada às finalidades
do Estatuto da Criança e do Adolescente, devem ser consideradas as condições
pessoais e as circunstâncias do caso concreto, não sendo automática a aplicação da
internação a adolescente representado pela prática de ato infracional cometido mediante
violência ou grave ameaça a pessoa, tendo em vista a própria excepcionalidade da
medida mais severa (art. 122, § 2º, do ECA). No caso, evidencia-se a existência de
constrangimento ilegal na decisão que determinou a aplicação de medida
socioeducativa de internação ao paciente baseada na gravidade abstrata do ato, sem
apontar relevante motivo concreto que justificasse a imposição de medida mais gravosa.
(STJ, HC 83.315-DF, Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJe 26.05.2008).
Tratando-se de menor inimputável, não existe pretensão punitiva estatal
propriamente, mas apenas pretensão educativa, que, na verdade, é dever não só do
Estado, mas da família, da comunidade e da sociedade em geral, conforme disposto
expressamente na legislação de regência (Lei 8.069/90, art. 4º) e na Constituição
Federal (art. 227). De fato, é nesse contexto que se deve enxergar o efeito primordial
das medidas socioeducativas, mesmo que apresentem, eventualmente, características
expiatórias (efeito secundário), pois o indiscutível e indispensável caráter pedagógico é
que justifica a aplicação das aludidas medidas, da forma como previstas na legislação
especial (Lei 8.069/90, arts. 112 a 125), que se destinam essencialmente à formação e
reeducação do adolescente infrator, também considerado como pessoa em
desenvolvimento (Lei 8.069/90
imediata liberação da paciente, com recomendação ao Ministério Público para, seo caso,
tomar as medidas civis pertinentes. (STJ, HC 11.337-PI, Min. Maria Thereza de
Assis Moura, 6ª Turma, DJe 18.05.2009).

Art. 121 ECA. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos
princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.

Conforme ainda o art. 122 da legislação de proteção à criança e adolescente, a


medida de internação é a mais extrema e só pode ser aplicada nas hipóteses previstas em
lei. O que pelas circunstâncias do fato, não é o caso.

O magistrado pode, inclusive, aplicar cumulativamente mais de uma medida


socioeducativa ao menor junto com medidas de proteção.
A medida de internação provisória somente pode ser aplicada quando
presentes as hipóteses dos arts. 108 e 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
segundo os quais devem estar presentes indícios suficientes de autoria e
materialidade, deve ser demonstrada a necessidade imperiosa da medida e o ato
infracional tenha sido cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, por
reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento
reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. (STJ, RHC 76.252/ MG,
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 01.02.2017).

A gravidade abstrata do ato infracional não serve como fundamento para a


decretação da internação provisória, uma vez que é imperiosa a demonstração
concreta de uma das hipóteses autorizadoras da medida definitiva, previstas no art.
122 do ECA. (STJ, HC 351.995/SP, Min. Felix Fischer, DJe 01.08.2016)

Não há, portanto, como subsistir, na espécie, a medida excepcional imposta,


porquanto a conduta perpetrada pelo Paciente e suas condições pessoais não se
amoldam às hipóteses do art. 122, do Estatuto da Criança e do Adolescente. (STJ, HC
50.340-SP, Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ07.12.2006).

Em face do princípio da excepcionalidade, a aplicação da medida de internação


por prazo indeterminado somente é possível nos casos em que (A) o ato infracional
for praticado com grave ameaça ou violência contra a pessoa, ressalvadas as
hipóteses nas quais outras medidas menos severas forem suficientemente
adequadas; (B) houver o reiterado cometimento de outras infrações graves ou, ainda
(C) haja o descumprimento reiterável e justificável de medida anteriormente imposta.
A reiteração prevista nos incisos II e III do art. 122 do ECA, não se confunde com o
conceito de reincidência, de sorte que, para sua configuração, é necessária a prática de,
pelo menos, 3 atos anteriores, seja infração grave ou medida anteriormente imposta,
respectivamente. (STJ, HC 90.920-SP, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, DJe
26.05.2008).

A medida socioeducativa de internação está autorizada nas hipóteses


taxativamente previstas no art. 122 do ECA. (Precedentes). A gravidade dos atos
infracionais equivalentes aos delitos de tráfico de entorpecentes e porte ilegal de arma
não enseja, por si só, a aplicação da medida socioeducativa de internação, se as
infrações não foram praticadas mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ex vi
do art. 122, inciso I, do ECA. (Precedentes). A reiteração no cometimento de infrações
capaz de ensejar a incidência da medida socioeducativa da internação, a teor do art. 122,
inciso II, do ECA, ocorre quando praticados, no mínimo, 3 (três) atos infracionais
graves. (STJ, HC 142.781-MG, Min. Felix Fischer, 5ª Turma, DJe 07.12.2209).

Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o
representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de
exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto
social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no
ato infracional.
Art. 188. A remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, poderá ser
aplicada em qualquer fase do procedimento, antes da sentença.
Art. 189. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça
na sentença: (...)
IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional.

A remissão prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser aplicada


em qualquer fase do procedimento menorista, uma vez que prescinde de comprovação
da materialidade e da autoria do ato infracional, nem implica em reconhecimento de
antecedentes infracionais. Não há, portanto, violação aos princípios do contraditório
e da ampla defesa quando a proposta oferecida pelo Ministério Público é
homologada antes mesmo da oitiva do adolescente. (STJ, HC 135.935/SP, Min. Laurita
Vaz, 5ª Turma, DJe 28.09.2009)
Este Tribunal Superior, interpretando o art. 127 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, firmou o entendimento no sentido da possibilidade de cumulação da
remissão judicial com medida socioeducativa, desde que esta não importe em
restrição à liberdade do menor. (STJ, RHC 71.853/MG, Min. Joel Ilan Paciornik, DJe
30.11.2016).

É possível conceder a remissão e aplicar medida socioeducativa que não


implique em restrição à liberdade do menor infrator, nos exatos termos do artigo 127 do
Estatuto da Criança e do Adolescente. (STJ, HC 135.935/SP, Min. Laurita Vaz, 5ª Turma,
DJe 28.09.2009)
A remissão, quando cumulada com medida socioeducativa, pressupõe o
consentimento do adolescente, ou de seus pais ou responsável, tendo em vista não se
tratar de ato unilateral, podendo a imposição da medida, ou mesmo sua natureza,
não ser por eles aceita. Assim, verificando-se que a menor infratora e/ ou seus
representantes não foram consultados quanto à aceitação ou não da medida
socioeducativa proposta, deve ser revogada a decisão. (TJMG, Processo nº
1.0411.08.042713-0/001, Rel. Des. Doorgal Andrada, DJ 09.09.2009).
3 - DOS PEDIDOS

Postas tais considerações e por entendê-las prevalecentes sobre as razões que


justificaram o pedido de condenação despendido pelo preclaro órgão de execução,
confiante no discernimento afinado e no justo descortino de Vossa Excelência, esta defesa
requer:

I) Que seja recebida a presente defesa preliminar, para que surta os seus efeitos
legais;
II) A intimação e a oitiva da testemunha de defesa ao final arrolada;
III) Diante da complexidade da causa e de razões de motivo profissional, o
advogado dativo anuncia que sairá da defesa do processo e requer que os
infratores sejam intimados a constituir novo defensor;
IV) Requer, por sua vez, o arbitramento de honorários proporcionais à sua
participação no processo (qual seja, a participação em audiência preliminar e
feitura da presente defesa prévia);
V) Solicita, também, a saída do processo dos advogados habilitados nos autos via
substabelecimento de fl. 52.

Protesta provar por todos os meios de provas admitidos em direito.

Nesses Termos, pede e Espera Deferimento,

Milagres/CE, 15 de fevereiro de 2022.

Lucas Tavares de Figueiredo


ADVOGADO - OAB/CE 30.373

Rol de testemunhas:
Joel Joaquim dos Santos. Residente na mesma localidade dos adolescentes infratores

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