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TEORIA DA PENA

Punibilidade

Com a realização do crime (fato típico, ilícito e culpável), surge o poder de punir
do Estado, ou seja, a punibilidade, que consiste na aplicabilidade da sanção penal. A
punibilidade NÃO integra o conceito analítico de delito, segundo doutrina majoritária, que
adota a TEORIA TRIPARTIDA.
* Atenção: o STJ adotou, em alguns precedentes, a TEORIA
QUADRIPARTIDA, com base nas lições de Andreas Eisele, o qual, adotando um
conceito integral de delito, inclui a punibilidade como um quarto elemento da sua estrutura
– a qual seria a de um fato típico, antijurídico, culpável e punível – e que pode ser definida
como a possibilidade jurídica de incidência de uma pena, ou seja, no poder estatal de aplicar
a sanção, dada a dignidade penal do fato, derivada da constatação da relevância social do
ilícito penal. Ou seja, a punibilidade concreta complementaria o conceito tripartido
(formal) de delito, atribuindo-lhe um conteúdo material e, logo, um sentido social.
Assim, no RHC 126.272/MG, a 6ª Turma do STJ manifestou adesão à teoria
quadripartida, esposando o entendimento de que as hipóteses de incidência do “princípio
da insignificância penal” melhor se ajustariam à categoria da punibilidade, tanto para a
valoração quantitativa da ofensividade do fato (classificação da dimensão da afetação do
bem jurídico), quanto para a valoração do significado social do fato decorrente da conduta
social do sujeito (indicado preponderantemente pela habitualidade delitiva). O caso
concreto versava sobre furto de "dois steaks de frango, cada um no valor de R$ 2,00,
equivalentes a 0,42% do salário mínimo vigente na época dos fatos, de que foi vítima
pessoa jurídica, e os registros da FAC não indicavam ação penal em curso ou condenação
definitiva em crime contra o patrimônio. De todo modo, o STJ ressalvou que, ainda que
assim não fosse, o valor ínfimo dos bens furtados não alcança patamar que evidencie lesão
ao bem jurídico tutelado.
Na mesma esteira, no Inf. 769/23, a 5ª Turma do STJ, também partindo da adoção
da teoria quadripartida, afirmou que, na punibilidade concreta, valora-se o significado
social sobre o fato, sob o enfoque da gravidade da lesão ao bem jurídico, de acordo com as
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características do ilícito penal, a fim de ensejar, ou não, a punição do sujeito. Assim, na
hipótese em que a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante
quanto do acórdão paradigma (o réu possuía 19 anos de idade, ao passo que a vítima
contava com 12 anos de idade), bem como há concordância dos pais da menor somado a
vontade da vítima de conviver com o réu e o nascimento do filho do casal, o qual foi
registrado pelo genitor, entendeu não se evidenciar relevância social do fato, não havendo
afetação relevante ao bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal, de modo a se
evidenciar a desnecessidade de pena, consoante os princípios da fragmentariedade,
subsidiariedade e proporcionalidade. Diversamente, entendeu que o encarceramento se
mostra mais lesivo aos valores protegidos, em especial, à família e à proteção integral da
criança, do que a resposta estatal para a conduta praticada, o que não pode ocasionar
punição na esfera penal. Confira-se:
Destaque: Admite-se o distinguishing quanto ao Tema 918/STJ
(REsp 1.480.881/PI), na hipótese em que a diferença de idade entre
o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão
paradigma (o réu possuía 19 anos de idade, ao passo que a vítima
contava com 12 anos de idade), bem como há concordância dos
pais da menor somado a vontade da vítima de conviver com o réu
e o nascimento do filho do casal, o qual foi registrado pelo genitor.
Inteiro teor:
De acordo com o precedente da Terceira Seção, submetido ao rito
dos recursos repetitivos: "Para a caracterização do crime de estupro
de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta
que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato
libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da
vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de
relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a
ocorrência do crime" (REsp 1.480.881/PI, Rel. Ministro Rogerio
Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe
10/9/2015).
Contudo, a presente hipótese enseja distinguishing quanto ao
acórdão paradigma da nova orientação jurisprudencial, diante das
peculiaridades circunstanciais do caso.
Na questão tratada no acórdão proferido, sob a sistemática dos
recursos repetitivos, a vítima era criança, com 8 anos de idade,
enquanto que o imputado possuía idade superior a 21 anos.
No presente caso, o imputado possuía, ao tempo do fato, 19 anos
de idade e a vítima, adolescente, contava com apenas 12 anos de
idade.

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A necessidade de realização da distinção feita no REsp
Repetitivo 1.480.881/PI se deve em razão de que, no presente
caso, a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se
mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma, bem como
porque houve o nascimento do filho do casal, devidamente
registrado, fato social superveniente e relevante que deve ser
considerado no contexto do crime.
Pela TEORIA QUADRIPARTIDA, o crime consistiria em fato
típico, ilícito, culpável e punível concretamente, sendo este último
definido pela possibilidade jurídica de aplicação de pena, por
melhor categorizar o comportamento humano.
Nessa concepção de conceito integral de delito, a tipicidade e a
antijuridicidade possuem classificação formal e absoluta sobre o
fato praticado. Destaca-se que a culpabilidade e a punibilidade
concreta têm conteúdo relativo ou dimensionável a permitir a
valoração do comportamento do agente.
Na culpabilidade, avalia-se a reprovabilidade da conduta, tendo
como consequência a responsabilidade subjetiva do sujeito,
enquanto na punibilidade concreta valora-se o significado social
sobre o fato, sob o enfoque da gravidade da lesão ao bem jurídico,
de acordo com as características do ilícito penal, a fim de ensejar,
ou não, a punição do sujeito.
A teoria quadripartida foi adotada pela Sexta Turma, em que,
analisando a questão relacionada ao aspecto material, o Ministro
Rogério Schietti, no voto proferido no RHC 126.272/MG,
defendeu a existência de um quarto elemento, qual seja,
punibilidade concreta, sob os seguintes fundamentos extraídos da
decisão: "o significado da forma e da extensão da afetação do bem
jurídico define a relevância social do fato e configura sua
dignidade penal. Esse aspecto, por sua vez, fundamenta a
punibilidade concreta, que complementa o conceito tripartido
(formal) de delito, atribuindo-lhe um conteúdo material e, logo,
um sentido social".
Aplicando o aludido posicionamento na presente hipótese, extrai-
se da decisão que rejeitou a denúncia que a vítima e o denunciado
moraram juntos, diante da concordância dos pais com o
relacionamento amoroso, tendo resultado no nascimento de um
filho, o qual foi registrado pelo genitor.
Não se evidencia relevância social do fato a ponto de resultar a
necessidade de sancionar o acusado, tendo em vista que o juízo de
origem não identificou comportamento do denunciado que pudesse
colocar em risco a sociedade, ou o bem jurídico protegido.
As particularidades do presente feito, em especial, a vontade da
vítima e o nascimento do filho do casal, somados às condições
pessoais do acusado, denotam que não houve afetação relevante do
bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal, de modo que
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não se evidencia a necessidade de pena, consoante os princípios da
fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade.
Não se registra proveito social com a condenação do recorrente,
pois o fato delituoso não se mostra de efetiva lesão ao bem jurídico
tutelado. Diversamente, e ao contrário, o encarceramento se mostra
mais lesivo aos valores protegidos, em especial, à família e à
proteção integral da criança, do que a resposta estatal para a
conduta praticada, o que não pode ocasionar punição na esfera
penal.
O filho do casal também é merecedor de proteção, de modo que,
de acordo com o princípio VI da Declaração Universal dos Direitos
da Criança, "a criança necessita de amor e compreensão, para o
desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre
que possível, deverá crescer com o amparo e sob a
responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um
ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo
circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de
tenra idade de sua mãe".
Consoante a jurisprudência desta Corte, "a proteção integral da
criança e do adolescente, defendida pela Organização das Nações
Unidas (ONU) com base na Declaração Universal dos Direitos da
Criança e erigida pela Constituição da República como instrumento
de afirmação da dignidade da pessoa humana (art. 227), exerce
crucial influência sobre o intérprete da norma jurídica
infraconstitucional, porquanto o impele a compreendê-la e a aplicá-
la em conformidade com a prevalência dos interesses do menor em
determinada situação concreta" (REsp 1.911.030/PR, Rel. Ministro
Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/6/2021, DJe
31/8/2021).

Obs.: 5ª Turma do STJ, Inf. 769/23: Não se admite o distinguishing realizado no


julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP - caso de dois jovens namorados, cujo
relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva
constituição de núcleo familiar - nas hipóteses em que não há consentimento dos
responsáveis legais somado ao fato do acusado possuir gritante diferença de idade da vítima
- o que invalida qualquer relativização da presunção de vulnerabilidade do menor de 14
anos no crime de estupro de vulnerável. Ademais, a genitora da menor relatou que sua
filha, após se relacionar com o acusado, apresentou comportamento agressivo, além de
reprovar de ano na escola, tendo de ser submetida a tratamento psicológico.

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Teorias da pena e a crise de fundamentos do Direito Penal

1) Teorias absolutas ou retributivas da pena – no Estado Absolutista (unidade


entre soberano e Estado; entre Estado e religião), a pena era um castigo para expiar o
pecado cometido. Posteriormente, com Kant e Hegel, o fundamento do caráter retributivo
da pena passou a ser filosófico. Para Kant, a fundamentação da pena era de ordem ética,
consistindo numa retribuição moral; assim, a partir do Iluminismo, aquele que violasse o
contrato receberia uma pena como retribuição, com fundamento no livre-arbítrio. Já para
Hegel, era de ordem jurídica, visto que, como o delito é a negação do direito e a pena é a
negação do delito, a pena seria a negação da negação do direito, como forma de anular o
delito, restabelecendo o direito. Em síntese, para as teorias absolutas, a pena seria um fim
em si mesmo, sem nenhum aspecto social. A pena como retribuição fundamenta-se no mito
de liberdade como pressuposto da culpabilidade do autor, o que, segundo Juarez Cirino, é
um dado indemonstrável.
2) Teorias relativas ou preventivas da pena – elas se subdividem em teorias
preventivas especiais, que atuam sobre os que delinquiram, e em teorias preventivas gerais,
que atuam sobre os que não deliquiram.
A prevenção especial positiva se refere à ressocialização do agente e é adotada por
Liszt e Ferri.
A prevenção especial negativa se refere à neutralização ou inocuização do agente
através da segregação da liberdade, da retirada do convívio social com o recolhimento ao
cárcere. Adotada por Bentham e Garofalo.
A prevenção geral negativa se refere à teoria da coação psicológica de Feuerbach,
ou seja, à finalidade de intimidação ou dissuasão sobre a generalidade das pessoas. A pena
aplicada no criminoso reflete na sociedade, intimidando aqueles que ainda pretendem
praticar crimes.
A prevenção geral positiva ou integradora ou estabilizadora, com base
sociológica na teoria dos sistemas de Luhmann, refere-se à função de estabilização das
expectativas sociais, buscando, com a pena, conservar e reforçar na sociedade a vigência
da norma, reafirmando os valores por ela protegidos. Ela se divide em fundamentadora
(Welzel; Jakobs) e limitadora (Roxin).
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a) A concepção fundamentadora ou sistêmica de Jakobs apresenta a teoria da
prevenção geral positiva como função única da pena e sem limitações exteriores ao seu
conteúdo, de modo que a pena visa a afirmação da validade da norma penal, ou seja,
estabilizar as expectativas normativas e restabelecer a confiança no Direito. Assim, em sua
visão, a pena possui a função simbólica de reafirmar a vigência da norma, desvinculando-
se da teoria do bem jurídico e perdendo a função delimitadora do Direito Penal.
b) Já a concepção de Roxin mantém a função da pena como a busca pela
conservação e pelo reforço da confiança jurídica, porém acompanhada da missão de
proteção subsidiária e fragmentária de bens jurídicos e do princípio da culpabilidade como
formas de limitação exteriores à teoria. Em sua teoria diacrônica dos fins da pena/ teoria
unificadora dialética da pena, Roxin agrega às finalidades de prevenção geral, sob os
aspectos negativo e positivo, a função retributiva como limite da pena.
* Modelo penal garantista/ direito penal mínimo/ minimalismo penal: a
justificativa da pena no modelo penal garantista de Ferrajoli é, além da prevenção geral dos
delitos, minimizar a reação violenta ao desvio social não tolerado e impedir os arbítrios de
sistemas não jurídicos de controle social. Com isso, Ferrajoli busca a redução das penas
detentivas e a limitação das proibições penais ao direito penal mínimo. Em suma, para
Ferrajoli, são finalidades do direito penal a prevenção geral dos delitos, estabelecendo um
limite mínimo das penas, e a prevenção geral das penas informais arbitrárias ou
desmedidas, estabelecendo um limite máximo das penas, de modo a se buscar uma
prevenção da violência dos delitos e das penas arbitrárias. Portanto, o modelo garantista de
um direito penal mínimo se contrapõe às doutrinas abolicionistas do Direito Penal, pois,
neste caso, a solução das condutas desviantes ficaria a cargo de um controle social não
formalizado, o que ensejaria a arbitrariedade. Propaga-se a “necessidade política” do
direito penal enquanto instrumento de tutela dos direitos fundamentais, os quais lhe
definem normativamente os âmbitos e limites.
3) Teoria mista ou unificadora da pena – foi adotada pelo Brasil no art. 59 do
CP. Juarez Cirino critica que a teoria unificadora importa em adotar uma pluralidade de
discursos legitimantes capazes de racionalizar a punição.
4) Teoria agnóstica e negativa da pena – de acordo com Nilo Batista e Zaffaroni,
as teorias absolutas, relativas e mistas são teorias positivas/ legitimadoras da pena, pois
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consideram as funções aparentes/ declaradas da pena, que se extraem de uma verificação
da compatibilidade, semelhança ou oposição entre normas do direito positivo e o esquema
das teorias, legitimando o poder punitivo. Todavia, as funções declaradas não coincidem
com as funções ocultas/ não declaradas/ latentes/ reais da pena, já que o exercício do
poder punitivo, dotado de seletividade e reprodutor das desigualdades sociais, se identifica
como um capítulo do modelo de estado de polícia que sobrevive dentro do estado de direito.
Assim, considerando que a pena é o mero exercício de poder (ato do poder político), que
não tem função reparadora ou retributiva, os autores defendem a renúncia a qualquer teoria
positiva da pena, defendendo uma teoria agnóstica e negativa da pena. Negativa por não
reconhecer qualquer função positiva à pena. Agnóstica por confessar não conhecer todas
as funções reais que a pena cumpre. Do ponto de vista político-criminal, a teoria agnóstica
visa a redução do poder punitivo do estado de polícia, com a ampliação do estado de direito.
5) Teoria materialista/ dialética da pena – com base na criminologia marxista, a
teoria materialista/ dialética da pena é construída a partir da distinção entre funções reais e
funções ilusórias da ideologia penal nas sociedades capitalistas. Assevera que a função real
da pena nas sociedades contemporâneas capitalistas é a retribuição equivalente do crime,
fundada no modo de produção da vida social (relação capital e força de trabalho), de modo
a garantir a desigualdade social e a opressão de classe da ordem capitalista. A desigualdade
social e a opressão de classe do capitalismo, por sua vez, são garantidas pela ideologia
penal da neutralização individual, intimidade e reforço da fidelidade jurídica do povo.
Juarez Cirino, pioneiro no desenvolvimento da criminologia crítica no Brasil, manifesta
preferência pela teoria materialista da pena por entender que o componente agnóstico da
teoria negativa, como renúncia de cognição das funções reais ou latentes do sistema penal,
rompe com a tradição da criminologia crítica, que busca revelar a natureza real da pena
criminal nas sociedades contemporâneas capitalistas, marcadas pela seletividade. Nesse
contexto, o autor defende que a dogmática penal deve ser vista como sistema de garantias
do indivíduo em face do poder punitivo estatal, para amenizar o sofrimento produzido pela
desigualdade e pela seletividade do sistema penal.
* Patrick Cacicedo, Defensor Público de SP, em sua tese de doutorado (Ideologia
e Direito Penal), buscou aprofundar a crítica aos fundamentos do direito penal, trazida por
Nilo Batista e Juarez Cirino, a partir do conceito de ideologia. O conceito de ideologia, na
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perspectiva de Karl Marx, se refere à construção a-história e idealista que oculta, inverte e
naturaliza uma situação de injustiça com a função de preservar as relações de dominação.
O descompasso entre o ser e o dever ser, entre as funções declaradas e as latentes da
pena, revela uma crise dos fundamentos do direito penal.
Importante lembrar que, no campo da criminologia, desde o positivismo
criminológico, o foco era o estudo das causas do comportamento criminoso (perspectiva
etiológica), o que estava em consonância com a busca pelas finalidades declaradas da pena.
Por sua vez, com a teoria da reação social/ labelling approach, há um giro epistemológico
para se concentrar no estudo dos processos de criminalização, evidenciando a seletividade
do sistema penal como elemento estrutural do seu funcionamento.
Em síntese, a reprodução dos fundamentos do direito penal pela doutrina
tradi-cional é entendida por Cacicedo como uma manifestação ideológica, pois se
desvincula da história, generaliza aspectos particulares do fenômeno e oculta a função
do direito penal na reprodução das condições sociais de desigualdade e racismo,
contribuindo para a dominação de classe e racial. Nessa mesma esteira, Nilo Batista e
Zaffaroni sustentam que o minimalismo penal não pode ser tratado como uma teoria da
pena porque não deve legitimar o poder punitivo (que é mero ato de poder).
Como o direito penal é produto do capitalismo, a quem serve de sustentação,
Cacicedo enxerga o abolicionismo penal dentro da luta pela superação do próprio
capitalismo. Por sua vez, enquanto subsistir o capitalismo, Cacicedo defende a
limitação do poder punitivo do Estado e a redução de danos através do garantismo, o
que deve estar associado à crítica à reprodução dos fundamentos ideológicos do
direito penal, e não como forma de legitimá-lo.

Economia política da pena

Tema trabalhado no artigo do Patrick Cacicedo: punição e estrutura social no Brasil


Colônia: o público e o privado na reprodução da ordem escravista
Em oposição epistemológica ao idealismo, é importante lançar o olhar para a
economia política da pena, que correlaciona as formas punitivas (ou seja, as variações
históricas da pena) às relações de produção e às transformações econômicas daquela
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sociedade. Assim, sob uma perspectiva materialista da história do direito, percebe-se
que a prisão como pena principal na modernidade surge no contexto da consolidação do
modo capitalista de produção, após a Revolução Industrial, marcada por relações de poder
entre capital e trabalho assalariado, como uma ferramenta de controle de classe. A uma,
diante do valor potencial da mão-de-obra humana à disposição das autoridades, a ser
explorada no cárcere. A duas, assumindo um papel de controle social da pobreza. Em suma,
a pena de prisão como fruto de uma evolução humanitária é colocada em xeque a partir da
historicização do fenômeno, constatando-se que ela é um dos maiores símbolos de
desumanização.
No Brasil Colônia, a história das formas punitivas deve ser analisada não sob a ótica
do idealismo e do positivismo, que se limita à análise da sucessão de leis no tempo, mas
sim sob uma perspectiva materialista que considera o contexto histórico da sociedade
colonial escravocrata. E, sob a perspectiva da economia política da pena, que relaciona as
formas punitivas com as relações de poder da sociedade, verifica-se que o controle social
punitivo no Brasil Colônia tinha como finalidade a reprodução da ordem escravista.
Conclusão de Patrick Cacicedo: “A economia política da pena revela, pois, a razão
do nascimento do poder punitivo no Brasil destinado ao controle social da população
negra em punições públicas e privadas, bem como práticas policiais e de criminalização
que, ainda no século XXI, teimam em permanecer sobre os mesmos destinatários. As
relações entre sistema penal e reprodução do modo de produção vigente conferem um
importante caminho para a compreensão do papel da pena em sua dimensão histórica e
concreta”. Nessa mesma esteira, é a doutrina de Nilo Batista, quando estuda as raízes do
sistema punitivo brasileiro no escravismo colonial, associando as formas punitivas ao
modo de produção social.
A passagem para o regime republicano e a adoção da prisão como pena principal
mantêm o cerne do empreendimento de controle social baseado no racismo, avalizado
pelo positivismo criminológico de Nina Rodrigues, que associa criminalidade e raça. E, até
hoje, como reflexo, temos que apenas parte da população é atingida pelo programa de
criminalização (seletividade), sendo a maioria da população carcerária brasileira composta
de negros, periféricos e pobres, do que se conclui que o racismo estrutural segue marcando
a prisão e a polícia, promovendo um racismo institucional.
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Conforme se verifica, a economia política da pena revela que a reprodução dos
fundamentos do direito penal pela doutrina tradicional, sob a ótica das teorias positivas da
pena, é uma manifestação ideológica, que desconsidera o fenômeno histórico, visando, na
verdade, o controle de classe e racial.

Consequências jurídico-penais das infrações penais: pena e medida de segurança

As consequências jurídico-penais das infrações penais se referem às sanções penais.


São espécies de sanção penal a pena e a medida de segurança.
Em relação aos crimes/ delitos, as penas podem ser das seguintes espécies:
privativa de liberdade (reclusão - regime inicial aberto, semiaberto e fechado - ou detenção
- regime inicial aberto ou semiaberto, ressalvada a possibilidade de regressão para o
fechado na execução penal), restritiva de direito e de multa (art. 5º, XLVI e XLVII, da CF,
e art. 32 do CP). Já em relação às contravenções penais, as penas podem ser das seguintes
espécies: prisão simples (regime aberto ou semiaberto, vedada a regressão para o fechado
mesmo na execução penal), multa (art. 5º da Lei 3.688/41), restritiva de direitos e multa.
As medidas de segurança, por sua vez, são aplicáveis ao inimputável que pratica
fato típico e ilícito (art. 26, caput, do CP - causa de exclusão da culpabilidade - sentença
de absolvição imprópria) e ao semi-imputável que necessita de especial tratamento curativo
(art. 26, p. único, c/c art. 98 do CP - sentença condenatória com incidência de causa de
diminuição de pena, substituindo-se a pena privativa de liberdade pela medida de
segurança). São espécies de medida de segurança a internação e o tratamento ambulatorial.

Aplicação da pena

Uma vez comprovada a prática do fato criminoso, é proferida sentença penal


condenatória, com a imposição da pena, à vista das condições pessoais e objetivas do caso
concreto (teoria da pena). Trata-se de manifestação do princípio da individualização da
pena (art. 5º, XLVI, da CF) na fase judicial.
Passo a passo da aplicação da pena na sentença penal condenatória:

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a) Espécies de pena dentre as cominadas: privativa de liberdade (reclusão/
detenção), prisão simples e/ou multa (arts. 59, I). * Art. 28 da Lei 11.343/06
b) Fixação da pena: método trifásico de dosimetria penal (arts. 59, II, e 68)
* Juízo de discricionariedade juridicamente vinculada: controle de legalidade, de
constitucionalidade e de convencionalidade da atividade jurisdicional
- Pena-base: circunstâncias judiciais (art. 59, caput), dentro dos limites do tipo
penal básico (delito simples, elementares) ou derivado (delito qualificado)
- Pena provisória: circunstâncias agravantes e atenuantes (arts. 61, 62, 65 e 66
do CP)
- Pena definitiva: causas de aumento e de diminuição de pena.
c) Regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade
d) Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos
e) Suspensão condicional da pena

* Atenção: Ensina Rodrigo Roig que deflui do princípio constitucional da


dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e do princípio da humanidade, bem como
dos objetivos fundamentais previstos no art. 3º, I, III e IV, da CF, um dever jurídico-
constitucional de minimização da intensidade de afetação do indivíduo sentenciado.
A atividade de aplicação da pena deve ser pautada pelas seguintes assertivas:
reconhecimento da força normativa dos princípios + escopo constitucional de
contenção de danos e limite punitivo + garantia individual de aplicação redutora da
pena. Assim, na atividade interpretativa da lei penal, deve-se considerar a interpretação
pro homine (aquela que mais amplia o exercício de um direito, liberdade ou garantia) e a
máxima efetividade redutora. Nesse contexto, ganham importância os princípios
limitadores da interpretação da lei penal quanto à aplicação da pena (ex.: princípios
da humanidade – alteridade; legalidade, lesividade, fundamentação, ne bis in idem,
proporcionalidade, culpabilidade, intranscendência, presunção de inocência).
Leonardo Schmitt e João Martinelli são partidários do modelo de contenção do
poder punitivo na aplicação da pena, proposto por Rodrigo Roig, como consequência da
adoção da teoria agnóstica da pena, que refuta os discursos legitimadores das teorias
positiva, que trabalham com fins retributivos e preventivos da pena. Assim, os princípios
extraídos da Constituição e dos tratados internacionais são uma importante ferramenta para
a limitação do poder punitivo, no contexto da perspectiva de redução de danos extraída da
CF.

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Pleno do STF, Inf. 1096/23: A dosimetria da pena é uma fase independente do
julgamento, razão pela qual todos os ministros possuem o direito de se manifestar,
independentemente de terem votado no sentido da absolvição ou condenação do réu.
Assim como o julgamento de uma preliminar de mérito — como, por exemplo, a prescrição
— não impede, mesmo se afastada, que todos os ministros continuem a participar do
julgamento, o voto vencido que absolve o réu não priva o magistrado que o proferiu da
participação do julgamento da dosimetria da pena. Desse modo, se todos podem participar
do julgamento de posteriores eventuais embargos de declaração, nada obsta que participem
da dosimetria da pena, de forma a garantir o amplo debate sobre a aplicação de uma pena
justa, garantia fundamental do réu, notadamente porque a decisão do Tribunal deve ser o
reflexo do colegiado. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, resolvendo
questão de ordem proposta pela Presidência, decidiu pela participação de todos os ministros
quando da votação relativa à dosimetria da pena, inclusive dos que emitiram juízo
absolutório.

1) Espécie de pena dentre as cominadas


Art. 59, I, do CP: o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente
para reprovação e prevenção do crime, as penas aplicáveis dentre as cominadas.
Com relação à pena de multa, ela pode ser pena principal (arts. 49 e 60) ou
substitutiva (arts. 44, I, e 45, §§ 1º e 2º). A multa, quando cominada como pena principal
(de forma isolada, alternativa ou cumulativa), é estabelecida em dias-multa. O número de
dias-multa varia de 10 a 360, sendo fixado em conformidade com o método trifásico. Por
sua vez, o valor de cada dia-multa é estabelecido entre 1/30 e 5 salários mínimos (§1º) e é
baseado na situação econômica do réu, podendo ser aumentado até o triplo (art. 60).
* Atenção: sob a perspectiva redutora de danos, no caso de cominação alternativa,
a não aplicação da pena de multa como pena principal requer fundamentação idônea (art.
93, IX, CF), notadamente diante do estado de coisas inconstitucional do sistema
penitenciário brasileiro.

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Outrossim, no caso da pena privativa de liberdade ou da prisão simples, a aplicação
da pena também deve se dar em consonância com o método trifásico.
Obs.: a pena restritiva de direitos é, em regra, substitutiva da pena privativa de
liberdade, sendo analisado o seu cabimento em seguida. Exceção: art. 28 da Lei 11.343/06.

2) Método trifásico de dosimetria penal


Art. 59, II, do CP: o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta
social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente
para reprovação e prevenção do crime, a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites
previstos.
Para tanto, o art. 68, caput, do CP, adotou o método trifásico de dosimetria da
pena, formulado por Nelson Hungria: a pena-base será fixada atendendo-se ao critério
do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes
e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
STF, Inf. 733: a dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade
judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras
absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais
próximas dos fatos e das provas, fixar as penas. Às Cortes Superiores, no exame da
dosimetria das penas em grau recursal, compete o controle da legalidade e da
constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais
discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas
pelas instâncias anteriores. A dosimetria penal, portanto, encerra um juízo de
discricionariedade juridicamente vinculado, sujeito ao controle de legalidade,
constitucionalidade e convencionalidade.
Obs.: Rodrigo Roig, Leonardo Schmitt e João Martinelli (posição minoritária):
Devido ao alto grau de abstração das circunstâncias judiciais, só deveriam ser aferidas em
favor do réu, até mesmo por força do princípio da legalidade, além de poderem levar a pena
para aquém do mínimo legal.

2.1 Princípio do ne bis in idem


13
Dentro desse contexto, o STF desenvolveu uma compreensão ampliada do
princípio do ne bis in idem (art. 8º, 4, Pacto de São José da Costa Rica, c/c art. 5º, § 2º, da
CF), não restrito à impossibilidade das persecuções penais múltiplas, mas também visando
balizar a individualização da pena, com vistas a impedir mais de uma punição individual
pelo mesmo fato em momentos diversos do sistema trifásico adotado pelo Código Penal.
Com efeito, as elementares integram a descrição da conduta típica, cuja ausência
pode acarretar a atipicidade absoluta ou relativa. Por sua vez, as circunstâncias são
elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, não interferindo
na tipificação, mas apenas na dosimetria penal. Por conseguinte, em apreço ao princípio do
ne bis in idem, considerando que as elementares já são consideradas na tipificação da
conduta, não podem ser também invocadas para exasperar a pena. Ademais, uma mesma
circunstância não pode ser utilizada para aumentar a pena em diferentes fases da dosimetria
penal.
Nessa esteira, Súmula 241 do STJ, segundo a qual a reincidência penal não pode
ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância
judicial.
No mesmo sentido, o PLENO DO STF, em sede de repercussão geral, no ARE
666334, DJ 06/05/2014, assentou a seguinte tese: “as circunstâncias da natureza e da
quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma
das fases do cálculo de pena”. A rigor, os critérios previstos no art. 42 da Lei 11.343/06
não podem ser utilizados para exasperar a pena-base e influenciar na fração adotada por
ocasião da minorante do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, mas, segundo o STF, caberá ao
magistrado, alternativamente e com vistas ao princípio da individualização da pena, fazer
com que tais circunstâncias recaiam na primeira ou na terceira fase da dosimetria penal.
Recentemente, a 3ª seção do STJ se filiou integralmente à posição do STF, assentando,
no HC 725.534, j. 25/04/2022, Inf. 734/22, que É POSSÍVEL A VALORAÇÃO DA
QUANTIDADE E DA NATUREZA DA DROGA APREENDIDA TANTO PARA A
FIXAÇÃO DA PENA-BASE QUANTO PARA A MODULAÇÃO DA CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33 DA LEI 11.343/06, neste último caso ainda
que sejam os únicos elementos aferidos, desde que não tenham sido considerados na
primeira fase do cálculo da pena.
14
Em síntese, caso um mesmo fato apareça sob diferentes formas, é necessário
dar preferência à mais gravosa: elementar, qualificadora, majorante/ minorante,
agravante/ atenuante, circunstância judicial.

2.2 Comunicabilidade das elementares e circunstâncias


Art. 30 do CP: não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter
pessoal, salvo quando elementares do crime.
Isto é:
1) Elementares: sempre se comunicam, seja de natureza objetiva ou subjetiva,
desde que ingressem na esfera de conhecimento do agente. Ex.: qualidade de funcionário
público no crime de peculato.
2) Circunstâncias (qualificadora, majorante/ minorante, agravante/ atenuante,
circunstância judicial):
2.1) Objetivas: se comunicam, desde que ingressem na esfera de
conhecimento do agente. Ex.: modo de execução, espécie, meios, lugar, tempo, ocasião,
vítima, arrependimento posterior.
2.2) Subjetivas: NÃO se comunicam. Ex.: reincidência, menoridade,
motivos, relacionamento agente-vítima, condições ou qualidade pessoais, parentesco,
qualidade de funcionário público no crime de falsidade ideológica.

* Obs.: As qualificadoras, embora constituam elementos específicos do tipo penal


derivado, não são elementares do crime básico. Prevalece, portanto, que são circunstâncias
acidentais.
5ª Turma do STJ, Inf. 748/22: A qualificadora da paga (art. 121, 2º, I, do CP)
não é aplicável aos mandantes do homicídio, porque o pagamento é, para eles, a
conduta que os integra no concurso de pessoas, mas não o motivo do crime.
Inicialmente, segundo a jurisprudência desta Quinta Turma, os motivos do homicídio têm
caráter eminentemente subjetivo e, dessa forma, não se comunicam necessariamente entre
os coautores. Especificamente sobre a qualificadora da paga, este colegiado sedimentou a
compreensão de que tal circunstância se aplica somente aos executores diretos do

15
homicídio, porque são eles que, propriamente, cometem o crime "mediante paga ou
promessa de recompensa".

2.3 Pena-base (primeira fase da dosimetria penal): qualificadoras e


circunstâncias judicias
Na primeira fase da dosimetria penal, o juiz deverá fixar a pena-base, considerando
as margens do tipo penal básico ou derivado.
As QUALIFICADORAS se encontram na parte especial do CP e modificam as
margens penais previstas no tipo básico, cominando nova pena, o que dá ensejo a um tipo
penal derivado. Ex.: art. 121, § 2º, do CP.
* Concurso de qualificadoras: para a posição prevalecente (STJ), a primeira
circunstância qualificadora serve para fixar a pena do delito qualificado. Já a segunda, se
encontrar correspondente nas agravantes, será utilizada na segunda fase da dosimetria
penal; senão, será utilizada como circunstância judicial.
Obs.: 6ª Turma do STJ, Inf. 728/22: A qualificadora prevista no art. 129, § 2º, IV,
do CP (deformidade permanente) abrange somente lesões corporais que resultam em
danos físicos (lesão estética de certa monta, capaz de causar desconforto a quem a vê ou
ao seu portador). No caso, a vítima, após o evento danoso, fora acometida de transtorno de
estresse pós-traumático e alteração permanente da personalidade, circunstância que o STJ
entendeu não se enquadrar no inciso IV do § 2.º do art. 129 do Código Penal. conforme
entendimento firmado por ambas as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte
Superior de Justiça, a qualificadora prevista no art. 129, § 2º, inciso IV, do Código Penal
(deformidade permanente), deve representar lesão estética de certa monta, capaz de causar
desconforto a quem a vê ou ao seu portador, abrangendo, portanto, somente as condutas
que resultam em lesão física.
A partir das penas cominadas no tipo penal básico (ex.: homicídio simples, previsto
no art. 121, caput, do CP) ou no tipo penal derivado (ex.: homicídio qualificado, previsto
no art. 121, § 2º, do CP), a pena-base é estabelecida com base nas CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS.
São circunstâncias judiciais, previstas no art. 59 do CP: culpabilidade,
antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e
16
consequências do crime, e comportamento da vítima. Em relação aos crimes previstos na
Lei de Drogas, também há previsão de circunstâncias judiciais específicas no art. 42 da Lei
11.343/06: o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto
no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a
personalidade e a conduta social do agente. Contudo, conforme já visto, o STF e o STJ
admitem que tais critérios sejam usados, alternativamente, pelo julgador, na terceira fase
da dosimetria, por ocasião da modulação do privilégio no crime de tráfico.
O quantum de aumento ou diminuição da pena em razão das circunstâncias judiciais
não está legalmente determinado. Assim, reconhece-se que o magistrado possui uma
margem de discricionariedade por ocasião da fixação da pena-base. Ressalte-se, contudo,
que o juízo de discricionariedade é juridicamente vinculado, devendo respeitar os
limites do ordenamento jurídico brasileiro, notadamente aqueles oriundos dos princípios
da proporcionalidade, da motivação, da lesividade e do ne bis in idem. Trata-se do
reconhecimento da força normativa dos princípios, dentro do contexto do
neoconstitucionalismo, observado ainda o escopo constitucional de contenção de danos
e limite punitivo, que deflui do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, da CF) e dos objetivos fundamentais previstos no art. 3º, I, III e IV, da CF.
Assim, caso não haja circunstâncias judiciais desfavoráveis, a pena-base deverá ser
fixada no mínimo legal. Por sua vez, caso alguma delas seja desfavorável, a pena se afastará
do mínimo, exigindo fundamentação idônea (art. 93, IX, da CF). Nesse caso, a doutrina
leciona que deverá ser respeitado como limite último, nessa primeira fase da dosimetria, o
termo médio entre o mínimo e o máximo de pena cominada; a jurisprudência do STJ,
contudo, se posiciona pela possibilidade em tese de fixação da pena-base no máximo legal,
ainda que tenha valorado apenas uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação
idônea (v. 6ª Turma do STJ, HC 592442, j. 20.10.20; 6ª Turma do STJ, AgRg no HC
611.857, j. 09.03.21). De uma forma geral, contudo, a jurisprudência, diante de cada
circunstância desfavorável, entende razoável o aumento da pena no patamar de ⅛ ou de ⅙.
Tais construções são extraídas do princípio constitucional implícito da proporcionalidade.
3ª Seção STJ, Inf. 608/17: a obtenção de lucro fácil e a cobiça constituem
elementares dos tipos de concussão e corrupção passiva (arts. 316 e 317 do CP), sendo
indevido utilizá-las, para exasperação da pena-base, no momento em que analisados os
17
motivos do crime – circunstância judicial prevista no art. 59 do CP. Trata-se de aplicação
do princípio do ne bis in idem.
5ª Turma do STJ, Inf. 777/23: No crime de furto contra empresa de segurança e
transporte de valores, o prejuízo está inserido no risco do negócio e não autoriza a
exasperação da pena basilar, porquanto ínsito ao tipo penal. O Superior Tribunal de
Justiça admite a exasperação da pena-base pela valoração negativa das consequências
do delito, com base no prejuízo expressivo sofrido pela vítima, quando ultrapassa o
normal à espécie. No caso concreto, não se pode afirmar que o prejuízo extrapolou o tipo
penal, porquanto em se tratando de empresa de transporte de valores, o valor subtraído está
inserido no risco do negócio.
5ª Turma do STJ, Inf. 767/23: É idônea a valoração negativa dos motivos do crime
na hipótese em que o agressor se utiliza de ameaças para constranger a vítima a desistir de
requerer o divórcio e pensão alimentícia em benefício dos filhos. Inteiro teor: A
individualização da pena é submetida aos elementos de convicção judiciais acerca das
circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e
da constitucionalidade dos critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades.
No caso, percebe-se que a pena-base restou fixada acima do mínimo legal pela análise
desfavorável dos motivos do crime. Destacou-se que o crime de ameaça ocorreu em
decorrência do sentenciado reprovar a conduta da vítima - sua ex-esposa, de ter acionado
a Justiça para pôr fim ao casamento e requerer pensão alimentícia para os filhos do casal e
demais direitos relativos a tal demanda. A intenção do agente seria ameaçar a vítima para
que ela desistisse de acioná-lo judicialmente. Tal elemento é concreto e não é ínsito ao tipo
penal em questão, podendo ser sopesado como circunstância judicial desfavorável, na
medida em que demonstra uma maior reprovabilidade da conduta, motivada pelo anseio de
enfraquecimento e de desrespeito aos direitos conferidos à mulher pela Lei Maria da Penha.
Dessa forma, devidamente motivada a exasperação da pena-base, não se constata qualquer
ilegalidade a ser sanada.
5ª Turma do STJ, Inf. 727/22: O roubo em transporte coletivo vazio é circunstância
concreta que não justifica a elevação da pena-base. Com relação às circunstâncias do crime,
para fins do art. 59 do Código Penal, tal vetorial deve abordar análise sobre os aspectos
objetivos e subjetivos de natureza acidental que envolvem o delito. No caso, a valoração
18
negativa considerou o fato do crime ter sido praticado no interior de transporte coletivo,
local de grande circulação de pessoas. De fato, a prática de crimes de roubo dentro de
transportes coletivos autoriza, nos termos da abalizada jurisprudência desta Corte Superior,
a elevação da pena-base por consistir, via de regra, em fundamento idôneo para considerar
desfavorável circunstância judicial. Isso porque no transporte público há comumente
grande circulação de pessoas, o que eleva a periculosidade da ação. Todavia, observa-se
que as circunstâncias concretas do presente caso demonstram que a ação não desbordou da
periculosidade própria do tipo. Conforme mencionado pela própria vítima, o ônibus estava
vazio no momento do delito, o qual foi praticado com simulacro de arma de fogo. Tais
circunstâncias concretas (ônibus vazio e uso de simulacro de arma de fogo) evidenciam
que o modus operandi do delito foi normal à espécie, não se justificando a elevação da
reprimenda. Portanto, de rigor o afastamento da valoração negativa das circunstâncias
judiciais relativas as circunstâncias do crime.
STJ: o comportamento da vítima é a única circunstância judicial que nunca
autoriza o aumento da pena-base, mas somente pode ser considerada como neutra ou
favorável ao condenado.
Culpabilidade: além de elemento do conceito analítico de crime (juízo qualitativo -
reprovabilidade do injusto ao autor), também se apresenta como circunstância judicial a
influenciar na dosimetria penal (juízo quantitativo - grau de censura do comportamento do
réu - intensidade do dolo ou grau de culpa).
5ª Turma do STJ, Inf. 731/22: Ameaçar a vítima na presença de seu filho menor de
idade justifica a valoração negativa da culpabilidade do agente. A respeito da dosimetria
da pena, vale anotar que sua individualização é uma atividade vinculada a parâmetros
abstratamente cominados na lei, sendo, contudo, permitido ao julgador atuar
discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, após o exame
percuciente dos elementos do delito, e em decisão motivada. Dessarte, às Cortes Superiores
é possível, apenas, o controle da legalidade e da constitucionalidade na dosimetria. No
caso, percebe-se que a pena-base do recorrente foi exasperada em razão do maior desvalor
da vetorial culpabilidade. A culpabilidade, para fins do art. 59 do Código Penal, deve ser
compreendida como juízo de reprovabilidade da conduta, apontando maior ou menor
censura do comportamento do réu. Não se trata de verificação da ocorrência dos elementos
19
da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito, mas, sim, do
grau de reprovação penal da conduta do agente, mediante demonstração de elementos
concretos do delito. No caso, depreende-se que o Tribunal de origem apresenta argumento
válido, no sentido de que as ameaças foram lançadas quando a vítima se encontrava com
seu filho menor de idade, o que revela maior desvalor e censura na conduta do acusado,
tratando-se de fundamento idôneo para análise negativa da culpabilidade.
5ª Turma do STJ, Edição Extraordinária nº 10/23: A utilização, por bacharel em
direito, de seus conhecimentos acerca do exame da OAB para participar de esquema de
fraude a essa seleção justifica a valoração negativa da culpabilidade do agente.
6ª Turma do STJ, Informativo Edição Especial nº 7/22: A condição de policial
militar que pratica o crime de extorsão indica maior reprovabilidade e censura da conduta
praticada, o que justifica a majoração da pena base.
Jurisprudência em Teses do STJ nº 211 (julgamentos com perspectiva de
gênero III): A prática de crime em contexto de violência doméstica e familiar contra a
mulher, quando vigente medida protetiva de urgência deferida em favor da vítima, autoriza
a exasperação da pena-base. (Lembrar que há crime autônomo de descumprimento de
medida protetiva deferida com base na Lei Maria da Penha e na Lei Henry Borel. Assim,
se o fato já configurar crime autônomo - a depender da data do descumprimento diante da
irretroatividade da lei penal mais gravosa -, é necessário atentar para o princípio do ne
bis in idem).
* ATENÇÃO: aplicabilidade do princípio da non reformatio in pejus na
dosimetria penal:
A 3ª Seção do STJ, Inf. 713/21, em apreço ao princípio da non reformatio in
pejus, uniformizou entendimento para assentar que é imperiosa a redução proporcional
da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar
uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida no édito
condenatório.
Inteiro teor:
No acórdão embargado, o entendimento da Sexta Turma do STJ é
no sentido de que "se em ação ou recurso exclusivo da defesa, for
afastado o desvalor conferido a circunstâncias judiciais
equivocadamente negativadas, a pena-base deverá

20
necessariamente ser reduzida, ao invés de se manter inalterada,
pois proceder de maneira diversa implicaria o agravamento do
quantum anteriormente atribuído a cada vetorial" (AgRg no HC
493.941/PB, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe
28/05/2019).
Por sua vez, no acórdão paradigma, entende a Quinta Turma desta
Corte que a adoção de novos fundamentos pelo Tribunal de origem,
mantido o quantum da pena fixado pelo Juízo de primeiro grau, não
viola o art. 617 do CPP (AgRg no REsp 1.853.139/PA, Rel.
Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 18/5/2020).
Não obstante, nos termos do art. 617 do Código de Processo Penal,
a reforma prejudicial somente poderá ocorrer na hipótese de
previsão legal de recurso de ofício, em que se devolve ao Tribunal
de Justiça todo o conhecimento da matéria, assim como nas
situações em que houver recurso da acusação.
Desse modo, afastada pelo Tribunal local uma circunstância
judicial negativa reconhecida no édito condenatório, imperiosa é a
redução proporcional da reprimenda básica. Isso, porque a
proibição de reforma para pior não admite, em caso de recurso
exclusivo da defesa, seja agravada a situação do recorrente,
direta ou indiretamente.

2ª Turma do STF, RHC 189695 AgR, DJ 03/11/2021: Ocorre reformatio in pejus


quando o Tribunal, em julgamento de recurso exclusivo da defesa, reconhece
elemento desfavorável não considerado na sentença de primeiro grau ou amplia o
aumento de pena então fixado, ainda que tenha reduzido o quantum total da sanção
imposta ao paciente. Trata-se, portanto, de um EXAME QUALITATIVO e não
somente quantitativo. Interpretação sistemática do art. 617 do CPP. Caso concreto em
que, sem impugnação do Ministério Público, o Tribunal, embora tenha afastado todas as
circunstâncias negativas da primeira fase da dosimetria, aumentou o agravamento
ocasionado pelo reconhecimento da reincidência.

2.4 Agravantes e atenuantes (segunda fase da dosimetria penal)


Uma vez fixada a pena-base, o julgador, na segunda fase da dosimetria penal, deve
considerar as circunstâncias agravantes e atenuantes, que estão previstas nos arts. 61, 62,
65 e 66 do CP.
Circunstâncias agravantes
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando

21
não constituem ou qualificam o crime:
I - a reincidência;
II - ter o agente cometido o crime:
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade
ou vantagem de outro crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro
recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência
contra a mulher na forma da lei específica;
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo,
ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher
grávida;
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer
calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada.

Agravantes no caso de concurso de pessoas


Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que:
I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a
atividade dos demais agentes;
II - coage ou induz outrem à execução material do crime; III
- instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua
autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade
pessoal;
IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa
de recompensa.

Circunstâncias atenuantes
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior
de 70 (setenta) anos, na data da sentença;
II - o desconhecimento da lei;
III - ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo
após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter,
antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em

22
cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência
de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do
crime;
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se
não o provocou.

Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de


circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime,
embora não prevista expressamente em lei.

Súmula 231 do STJ: a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir


à redução da pena abaixo do mínimo legal. Nesse sentido, 3ª Seção do STJ, REsp
1117073/PR, regime dos recursos repetitivos, DJe 29/06/2012, e STF, RE 597.270 com
repercussão geral, j. 26/03/2009. Todavia, recentemente, a 6ª Turma do STJ afetou para
julgamento na 3º Seção três recursos especiais (REsps 2.057.181, 2.052.085 e 1.869.764)
que discutem a possibilidade de fixação da pena abaixo do mínimo previsto em lei, hoje
vedada pela súmula do STJ. Ao propor a rediscussão da súmula, o Min. Schietti destacou
o argumento apresentado pela defesa no REsp 2.057.181 quanto a uma possível violação
do princípio da legalidade, tendo em vista que o artigo 65 do Código Penal traz um rol de
"circunstâncias que sempre atenuam a pena", bem como que a vedação, com base apenas
no posicionamento jurisprudencial do STJ, seria contrária ao princípio constitucional da
individualização da pena. Fundamentos da crítica da doutrina: i. a súmula, que já nasceu
ultrapassada para o seu tempo, foi inspirada pelo sistema bifásico, quando as circunstâncias
agravantes e atenuantes eram observadas em conjunto com as circunstâncias judiciais,
impossibilitando que resultassem em fixação do quantum de pena aquém do mínimo legal;
ii. não há vedação legal, sendo o entendimento fruto de analogia in malam partem; iii. o
art. 65 dispõe “são circunstâncias que sempre atenuam a pena...”; iv. o art. 68 do Código
Penal determina que o artigo 59 do mesmo diploma legal seja observado apenas quando da
fixação da pena-base, de modo que é possível ultrapassar os limites máximo e mínimo nas
demais fases da dosimetria penal; v. princípios constitucionais da individualização da pena,
da proporcionalidade e da isonomia.
Como o quantum de pena a ser aumentada ou diminuída não está estabelecido pelo
legislador, caberá ao julgador considerar as agravantes e atenuantes na segunda fase da

23
dosimetria penal com base nos princípios da motivação e da proporcionalidade. STJ: a
aplicação de fração superior a 1/6 pela reincidência exige motivação idônea e
concreta.
Súmula 545 do STJ: quando a confissão for utilizada para a formação do
convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do
Código Penal. Assim, a atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida, ainda
que tenha sido parcial ou qualificada, seja ela judicial ou extrajudicial, e mesmo que o réu
venha a dela se retratar, quando a manifestação for utilizada para fundamentar a sua
condenação.
“A confissão informal do agravante de que seria o proprietário das drogas
apreendidas e de que exerceria a traficância, feita aos policiais no momento da prisão em
flagrante, foi utilizada na sentença para se concluir pela autoria delitiva. Por essa razão, é
devida a incidência da atenuante do art. 65, III, d, do CP” (6ª Turma do STJ, AgRg no
AREsp 1.852.136, DJ 21.06.21).
* ATENÇÃO! 5ª Turma do STJ, Inf. 741/22: O réu fará jus à atenuante do
art. 65, III, d, do CP, quando houver admitido a autoria do crime perante a
autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos
fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada,
extrajudicial ou retratada. Nesse sentido, o art. 65, III, "d", do CP não exige, para sua
incidência, que a confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma das razões
da condenação. Com efeito, o direito subjetivo à atenuação da pena surge quando o réu
confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na fundamentação
da sentença condenatória (momento meramente declaratório). Ademais, viola o princípio
da legalidade condicionar a atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença
como razão decisória, mormente porque o direito subjetivo e preexistente do réu não pode
ficar disponível ao arbítrio do julgador. Afinal, se a lei condicionasse a atenuação da pena
à menção da confissão na sentença condenatória, haveria um pressuposto adicional que
mudaria o momento constitutivo do direito subjetivo do réu. Da mesma forma, caso o art.
65, III, "d", do CP impusesse à confissão pressupostos adicionais, não previstos para as
demais atenuantes, ou exigisse que a confissão produzisse certos efeitos práticos sobre a
investigação criminal, não haveria que se falar em legítima expectativa à redução da pena
24
por parte do acusado que não cumprisse todos os requisitos legais. Essa restrição ofende
também os princípios da isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em
situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a
sentença condenatória de um deles elenque a confissão como um dos pilares da condenação
e a outra não o faça. Ao contrário da colaboração e da delação premiadas, a atenuante da
confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu
eventualmente traga para a apuração do crime (dimensão prática), mas sim no senso de
responsabilidade pessoal do acusado, que é característica de sua personalidade, na forma
do art. 67 do CP (dimensão psíquico-moral). Consequentemente, a existência de outras
provas da culpabilidade do acusado, e mesmo eventual prisão em flagrante, não
autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em especial porque a confissão,
enquanto espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente as demais. O sistema
jurídico precisa proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado na legislação penal,
tutelando sua expectativa legítima e induzida pela própria lei quanto à atenuação da pena.
A decisão pela confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off entre a
diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda. É
contraditória e viola a boa-fé objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena
pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados confessem; para depois
desconsiderá-la no processo judicial, valendo-se de requisitos não previstos em lei. Por
tudo isso, o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, "d", do CP quando houver confessado a
autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo
juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória.
* A 3ª Seção do STJ acolheu a proposta de afetação do REsp 2.001.973-RS ao rito
dos recursos repetitivos (Tema 1194), a fim de uniformizar o entendimento a respeito da
seguinte controvérsia: "Definir se eventual confissão do réu, não utilizada para a formação
do convencimento do julgador, nem em primeiro nem em segundo grau, autoriza o
reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, III, 'd', do Código Penal".
Súmula 630 do STJ: a incidência da atenuante da confissão espontânea no
crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo
acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio.

25
Se, além da confissão, houver a delação de comparsas, apontando as outras pessoas
que também praticaram as infrações penais, deve-se atentar para os benefícios legais
decorrentes da delação premiada (arts. 13 a 15 da Lei 9.807/99; art. 41 da Lei
11.343/2006; art. 159, § 4º, CP; art. 1º, §5º, da Lei 9.613/1998). A jurisprudência admite a
possibilidade de DELAÇÃO PREMIADA UNILATERAL, que é aquela colaboração que
independe de negócio jurídico prévio celebrado entre o réu e o órgão acusatório e que,
desde que efetiva, deverá ser reconhecida pelo magistrado, de forma a gerar benefícios em
favor do réu (STJ, AgRg no REsp 1875477 / PR, DJe 28/06/2021).
Jurisprudência em Teses do STJ nº 211 (julgamentos com perspectiva de
gênero III): A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, f, do Código Penal, de
modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 não acarreta bis in idem, pois
a Lei Maria da Penha visou recrudescer o tratamento dado para a violência doméstica e
familiar contra a mulher. A 3ª Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps
2.027.794/MS, 2.026.129/MS e 2.029.515/MS ao rito dos recursos repetitivos (Tema
1197), a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "verificar
se a aplicação da agravante do art. 61, II, 'f', do Código Penal, em conjunto com as
disposições da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), configuraria bis in idem".
* 5ª Turma do STJ, Inf. 775/23: A aplicação da agravante prevista no art. 61,
II, "f", do Código Penal, em condenação pelo delito do art. 129, § 9º, do CP, por si só,
não configura bis in idem.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia à incidência da agravante do art. 61, II, "f",
do Código Penal (CP) quando adotado o rito da Lei n. 11.340/2006
(Lei Maria da Penha).
A figura qualificada do crime de lesão corporal prevista no § 9º, ou
a causa de aumento, § 10, e a agravante genérica não possuem o
mesmo âmbito de incidência, não redundando, pois, em uma
dupla punição pelo mesmo fato. A causa de aumento do § 10 do
art. 129 do CP pune mais gravemente o agente que pratica a lesão
corporal utilizando-se das relações familiares ou domésticas,
circunstância que torna a vítima mais vulnerável ao seu agressor e
também eleva as chances de impunidade do agente. Nessa hipótese,
a vítima pode ser tanto homem quanto mulher, já que a ação
não é movida pelo gênero do ofendido. Assim, nesse caso, há
maior reprimenda em razão da violência doméstica.

26
De outro lado, a agravante genérica prevista no art. 61, II, "f",
do CP visa punir o agente que pratica crime contra a mulher
em razão de seu gênero, cometido ou não no ambiente familiar
ou doméstico. Destarte, nessa alínea, prevê-se um agravamento da
penalidade em razão da violência de gênero.
Ou seja, a aplicação conjunta da agravante e da causa de
aumento pune o agressor pela violência doméstica contra a
mulher. Tanto não há bis in idem que o legislador inseriu novo
parágrafo no art. 129 do CP (§ 13), para punir com maior
severidade exatamente a lesão corporal praticada contra a
mulher, em razão da condição do sexo feminino, a denotar que
o § 9º não abordava essa circunstância específica.
Não se olvida, contudo, que é possível cogitar-se a ocorrência de
bis in idem em determinadas hipóteses de aplicação conjunta
dos dois dispositivos em comento, como, por exemplo, quando
se está diante apenas da circunstância de o crime ter sido
cometido com prevalecimento das "relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade".

STJ: A incidência da agravante da calamidade pública pressupõe a existência


de situação concreta dando conta de que o acusado se prevaleceu da pandemia pela
COVID-19 para a prática delitiva. A 3ª Seção do STJ acolheu a proposta de afetação do
REsp 2.031.971/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a
respeito da seguinte controvérsia (tema 1185): "Incidência da circunstância agravante
prevista no art. 61, II, j, do Código Penal, independentemente de nexo causal entre o estado
de calamidade pública e o fato delitivo".
Inf. 679/20, 5ª Turma do STJ: Não se aplica a agravante prevista no art. 61, II,
"h", do Código Penal na hipótese em que o crime de furto qualificado pelo
arrombamento à residência ocorreu quando os proprietários não se encontravam no
imóvel, não havendo que se falar, portanto, em ameaça à vítima ou em benefício do
agente para a prática delitiva em razão de sua condição de fragilidade. Informações
do Inteiro Teor: Por se tratar de agravante de natureza objetiva, a incidência do art. 61, II,
"h", do CP independe da prévia ciência pelo réu da idade da vítima, sendo, de igual modo,
desnecessário perquirir se tal circunstância, de fato, facilitou ou concorreu para a prática
delitiva. A incidência da agravante ocorre em razão da fragilidade, vulnerabilidade da
vítima perante o agente, em razão de sua menor capacidade de defesa, a qual é presumida.
Ausente qualquer nexo entre a ação do réu e a condição de vulnerabilidade da vítima,

27
quando o furto qualificado pelo arrombamento à residência ocorreu quando os proprietários
não se encontram no imóvel, com a escolha da residência de forma aleatória, nada
indicando a condição de idoso do morador da casa invadida. Configurada a
excepcionalidade da situação, deve ser afastada a agravante relativa ao crime praticado
contra idoso, prevista no art. 61, II, h, do Código Penal.
Enquanto as circunstâncias agravantes figuram em rol taxativo/ numerus clausus,
as atenuantes constam em rol exemplificativo (art. 66 do CP), figurando ainda na legislação
especial, como no art. 14 da Lei 9.605/98. Assim, parte da doutrina sustenta a
coculpabilidade como circunstância atenuante inominada, e até mesmo como causa
supralegal de exclusão da culpabilidade. A coculpabilidade reconhece a co-
responsabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos por cidadãos que
possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstâncias do caso concreto,
principalmente no que se refere às condições sociais e econômicas do agente, o que
ensejaria menor reprovação social em razão da inadimplência estatal. Isto é, trata-se de
uma forma de responsabilização indireta do Estado, dada sua omissão no cumprimento de
seus deveres constitucionais, gerando consequências na cominação, aplicação e execução
da pena. * NÃO confundir a coculpabilidade com a teoria da culpabilidade pela
vulnerabilidade.
Art. 385 do CPP (criticável frente ao sistema acusatório): Nos crimes de ação
pública, poderá o juiz proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha
opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido
alegada”.
* 6ª Turma do STJ, Inf. 765/23: O art. 385 do Código de Processo Penal é
compatível com o sistema acusatório e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei
n. 13.964/2019, responsável por introduzir o art. 3º-A no Código de Processo Penal.
* Tribunal do Júri:
Nos termos do art. 476 do CPP, encerrada a instrução, será concedida a palavra ao
Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões
posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de
circunstância agravante. E, de acordo com o art. 492, I, b, do CPP, o presidente proferirá
sentença que, no caso de condenação, considerará as circunstâncias agravantes ou
28
atenuantes alegadas nos debates. Note-se que as agravantes e atenuantes não são objeto de
quesitação ao Conselho de Sentença, mas se trata de tema afeto ao Juiz Presidente do
Tribunal do Júri por ocasião da sentença condenatória.
As agravantes não debatidas no Plenário do Tribunal do Júri não podem ser
reconhecidas pelo juiz-presidente, de ofício, na sentença condenatória. Por outro lado, com
relação à atenuante da confissão espontânea, é suficiente que a tese defensiva tenha sido
debatida em plenário, seja arguida pela defesa técnica ou alegada pelo réu em seu
depoimento (5ª Turma do STJ, AgRg no AREsp 1754440 / MT, DJe 08/03/2021; 5ª Turma
do STJ, HC 596624 / SP, DJe 03/09/2020; 5ª Turma do STJ, HC 527258 / SP, DJe
17/12/2019). Na mesma esteira, de acordo com precedente do STF, invocado pelo STJ,
“pode o Juiz Presidente do Tribunal do Júri reconhecer a atenuante genérica atinente à
confissão espontânea, ainda que não tenha sido debatida no plenário, quer em razão da sua
natureza objetiva, quer em homenagem ao predicado da amplitude de defesa, consagrado
no art. 5º, XXXVIII, "a", da CF, por se tratar de direito público subjetivo do réu, e a regra
do art. 492, I, do Código de Processo Penal, deve ser interpretada em harmonia aos
princípios constitucionais da individualização da pena e da proporcionalidade." (1ª Turma
do STF, HC 106376, j. 01/03/2011; 5ª Turma do STJ, AgRg no AREsp 949914 / MG, DJe
15/03/2021).

2.5 Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes


Art. 67 do CP: No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se
do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que
resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da
reincidência.
Assim, as circunstâncias subjetivas, como motivos, personalidade, reincidência,
idade, se sobrepõem às demais de natureza objetiva, além de poderem ser compensadas
entre si.
3ª Seção do STJ, HC 365.963/SP, j. 11/10/2017: a reincidência, seja ela específica
ou não, deve ser compensada integralmente com a atenuante da confissão. Readequação
da Tese 585 pelo STJ no Resp 1931145, sob o rito dos recursos repetitivos, Inf. 742/22:
29
É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação integral da atenuante
da confissão espontânea com a agravante da reincidência, seja ela específica ou não.
Todavia, nos casos de multirreincidência, deve ser reconhecida a preponderância da
agravante prevista no art. 61, I, do CP, sendo admissível a sua compensação proporcional
com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da
individualização da pena e da proporcionalidade.
6ª Turma do STJ, Informativo Edição Especial nº 7/22: A atenuante da
menoridade relativa deve ser considerada circunstância preponderante na
exasperação da pena, pois, assim como a da confissão espontânea, estão relacionadas com
a personalidade do agente.
6ª Turma do STJ, Inf. 761/22: A atenuante da confissão, mesmo qualificada,
pode ser compensada integralmente com qualificadora deslocada para a segunda fase
da dosimetria em razão da pluralidade de qualificadoras.
Inteiro teor:
A controvérsia cinge-se a definir se uma qualificadora
sobejante, analisada como agravante, deve preponderar sobre a
atenuante da confissão.
Inicialmente, consigne-se que a utilização de uma das
qualificadoras do homicídio para exasperação da pena
intermediária é plenamente cabível. Logo, em se tratando de
homicídio triplamente qualificado, não há ilegalidade na utilização
de uma das qualificadoras para recrudescimento da pena, já que,
conforme jurisprudência desta Corte, "havendo duas ou mais
qualificadoras, uma delas deverá ser utilizada para qualificar a
conduta, alterando o quantum da pena em abstrato, e as demais
poderão ser valoradas na segunda fase da dosimetria, caso
correspondam a uma das agravantes previstas na legislação penal,
ou, ainda, como circunstância judicial, afastando a pena-base do
mínimo legal" (HC 402.851/SC, relator Ministro Felix Fischer,
Quinta Turma, DJe 21/9/2017).
Ademais, nos termos da orientação do Superior Tribunal de
Justiça, "a confissão, ainda que parcial, ou mesmo qualificada -
em que o agente admite a autoria dos fatos, alegando, porém,
ter agido sob o pálio de excludentes de ilicitude ou de
culpabilidade -, deve ser reconhecida e considerada para fins
de atenuar a pena" (HC 350.956/SC, relator Ministro Nefi
Cordeiro, Sexta Turma, DJe 15/8/2016).
Em se tratando "de julgamento realizado perante o Tribunal
do Júri, todavia, considerando a dificuldade em se concluir pela

30
utilização, pelos jurados, da confissão espontânea para justificar a
condenação, este Superior Tribunal de Justiça firmou o
entendimento de que é suficiente que a tese defensiva tenha sido
debatida em plenário, seja arguida pela defesa técnica ou
alegada pelo réu em seu depoimento" (AgRg no AREsp
1.754.440/MT, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma,
DJe 8/3/2021).
No caso, a atenuante da confissão, mesmo qualificada,
pode ser compensada integralmente com a qualificadora do
motivo fútil, que fora deslocada para a segunda fase da
dosimetria em razão da pluralidade de qualificadoras. Isso,
porque são circunstâncias igualmente preponderantes,
conforme entende este Tribunal Superior, que define que "tal
conclusão, por certo, deve ser igualmente aplicada à hipótese dos
autos, por se tratarem de circunstâncias igualmente
preponderantes, que versam sobre os motivos determinantes do
crime e a personalidade do réu, conforme a dicção do art. 67 do
CP" (HC 408.668/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta
Turma, DJe 21/9/2017).

6ª Turma do STJ, Inf. 745/22, em caso de condenação por crime de homicídio


duplamente qualificado (art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal), em que uma
qualificadora é usada para alterar as margens do tipo e a outra é valorada como
agravante (no caso, dissimulação): No concurso entre agravantes e atenuantes, a
atenuante da confissão espontânea deve preponderar sobre a agravante da
dissimulação, nos termos do art. 67 do Código Penal.
Inteiro teor:
O art. 67 do Código Penal determina que "no concurso de
agravante e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite
indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como
tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da
personalidade do agente e da reincidência".
Esta Corte Superior entende que a confissão espontânea é
circunstância preponderante, e a agravante da dissimulação não
está prevista como circunstância preponderante por não se encaixar
nos quesitos previstos no art. 67 do Código Penal. Assim, a
reprimenda deve ser reduzida na segunda fase da dosimetria.
No caso, a Corte de origem, a despeito de considerar que não
caberia a preponderância da agravante da dissimulação sobre a
atenuante da confissão, ainda que qualificada, concluiu que
deveriam ser compensadas a agravante da dissimulação com a
atenuante da confissão espontânea. Contudo, tal entendimento
destoa do art. 67 do Código Penal.
31
Tendo a pena-base sido fixada e mantida em 14 anos de
reclusão, impõe-se a sua redução em 1/12 (um doze avos), na
segunda fase da dosimetria, pela preponderância da atenuante da
confissão espontânea sobre a agravante da dissimulação, restando
a sanção intermediária em 12 anos e 10 meses de reclusão, a qual,
à míngua de outras causas modificativas, torna-se definitiva.

2.6 Reincidência X maus antecedentes


A reincidência (contrário de primariedade) está prevista no Código Penal como
agravante, ao passo que os maus antecedentes consubstanciam circunstância judicial.

2.6.1 Reincidência
O STF, em sede de repercussão geral, entendeu que é constitucional a aplicação da
reincidência como agravante da pena em processos criminais, afastando a alegação de
violação aos princípios do ne bis in idem, da proporcionalidade e da individualização da
pena.
Arts. 63 e 64 do CP e art. 7º da Lei das Contravenções Penais (DL 3.688/41).

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo


crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou
no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Art. 64 - Para efeito de reincidência:


I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do
cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver
decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos,
computado o período de prova da suspensão ou do livramento
condicional, se não ocorrer revogação;
II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

Art. 7º Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma


contravenção depois de passar em julgado a sentença que o
tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime,
ou, no Brasil, por motivo de contravenção.

➢ Para caracterizar a reincidência, a infração penal deve ser praticada


APÓS A DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DE CONDENAÇÃO por fato
anterior. Assim, se o trânsito em julgado da condenação por fato anterior sobrevier

32
posteriormente à data do cometimento da nova infração penal, essa condenação não tem o
condão de gerar a reincidência. Assim, para análise da reincidência, é importante atentar
para os seguintes marcos: 1) data do trânsito em julgado da condenação anterior; e 2) data
da prática da nova infração penal.
➢ Em homenagem ao princípio da legalidade penal, se a prática de novo
crime for posterior ao trânsito em julgado de condenação por contravenção anterior,
não resta caracterizada a reincidência.
Assim:
1) condenação transitada em julgado por crime + crime: gera reincidência;
2) condenação transitada em julgado por crime + contravenção: gera reincidência;
3) condenação transitada em julgado por contravenção + contravenção: gera
reincidência;
4) condenação transitada em julgado por contravenção + crime: NÃO gera
reincidência.
* Importante: por força do princípio constitucional da proporcionalidade,
condenação transitada em julgado pelo crime do art. 28 da Lei 11.343/06 não tem o
condão de gerar a reincidência caso praticado novo crime dentro do período
depurador. Isso porque o crime de porte de droga para consumo próprio é
ontologicamente menos grave que as próprias contravenções penais. Nesse sentido,
Informativos de Jurisprudência nº 632 e 636 do STJ. Assim, condenação anterior pelo
crime do art. 28 da Lei 11.343/06 tampouco configura obstáculo à aplicação do tráfico
privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06). No mesmo sentido, 2ª Turma do STF, Inf.
1048/22: O delito previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 não comina pena privativa de
liberdade, mas tão somente “advertência sobre os efeitos das drogas” (inc. I); “prestação
de serviços à comunidade” (inc. II) e “medida educativa de comparecimento à programa
ou curso educativo” (inc. III). Não se afigura razoável, portanto, permitir que uma conduta
que possui vedação legal quanto à imposição de prisão, a fim de evitar a estigmatização do
usuário de drogas, possa dar azo à posterior configuração de reincidência. Deve-se
ponderar, ainda, que a reincidência depende da constatação de que houve condenação

33
criminal com trânsito em julgado, o que não ocorre em grande parte dos casos de incidência
do art. 28 da Lei 11.343/2006.
➢ Em seguida, deve-se analisar o PERÍODO DEPURADOR LEGAL DE 5
ANOS, findo o qual o agente readquire a primariedade, cessados os efeitos da condenação
para fins de reincidência. De acordo com o art. 64, I, do CP, para efeito de reincidência,
não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena
e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 anos, computado o
período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer
revogação.
Isto é, o período depurador considera lapso temporal superior a cinco anos, que
deve transcorrer entre a data do cumprimento ou extinção da pena aplicada na condenação
anterior (independentemente da data do trânsito em julgado) e a data do cometimento da
nova infração penal. Assim, para análise do período depurador, é importante atentar para
os seguintes marcos: 1) data do cumprimento ou extinção da pena da condenação anterior;
e 2) data da prática da nova infração penal.
* Importante: no caso de concessão da suspensão condicional da pena (art. 77
do Código Penal) ou do livramento condicional (art. 83 do Código Penal) em relação
à CONDENAÇÃO ANTERIOR, deve ser computado o período de prova para fins de
integralizar o período depurador, desde que não tenha ocorrido a revogação do
“benefício”.
Assim, no caso de suspensão condicional da pena, aplicada pelo juiz da condenação
na sentença, o tempo do período de prova deve ser computado para integralizar o lapso
temporal necessário para o período depurador, DESDE QUE NÃO TENHA HAVIDO A
REVOGAÇÃO. Nesse caso, o termo inicial da contagem do período depurador não mais
será a data da extinção da pena, mas sim a data do início do período de prova do sursis.
Por sua vez, no caso de livramento condicional, concedido pelo juiz da execução,
consiste na última etapa do cumprimento de pena no sistema progressivo, o tempo do
período de prova deve ser computado para integralizar o lapso temporal necessário para o
período depurador, DESDE QUE NÃO TENHA HAVIDO A REVOGAÇÃO. Nesse caso,

34
o termo inicial da contagem do período depurador não mais será a data da extinção da pena,
mas sim a data do início do período de prova do livramento condicional.
➢ Não se consideram para fins de reincidência os crimes militares próprios
ou políticos.
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.003.716/RS, ao rito
dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte
controvérsia: definir se é possível a elevação da pena por circunstância agravante, na fração
maior que 1/6, utilizando como fundamento unicamente a reincidência específica do réu.

Obs.: condenação transitada em julgado no exterior pela prática de crime pode


ensejar a reincidência.
Obs.: sentença de absolvição imprópria, com aplicação de medida de segurança,
NÃO enseja reincidência.
Obs: Súmula 18 do STJ: a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da
extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.
Obs.: a prescrição da pretensão punitiva, a abolitio criminis e a anistia são causas
de extinção da punibilidade que afastam todos os efeitos penais de eventual condenação.
Assim, NÃO ensejam reincidência. X a prescrição da pretensão executória e o indulto são
causas de extinção da punibilidade que NÃO afastam os efeitos penais secundários da
condenação (mas apenas o efeito principal - aplicação da pena), de forma a ensejar o
reconhecimento da reincidência.

Súmula 636 do STJ: A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a


comprovar os maus antecedentes e a reincidência.

Atenção: a 3ª Seção do STJ, no EREsp n. 1.738.968/MG, DJe 17/12/2019,


pacificou o entendimento de que a intangibilidade da sentença penal condenatória
transitada em julgado não retira do Juízo das Execuções Penais o dever de adequar o
cumprimento da sanção penal às condições pessoais do réu, podendo considerar

35
reincidência não reconhecida pelo juízo da condenação para a concessão dos direitos da
execução.

2.6.2 Maus antecedentes


➢ Apenas condenação transitada em julgado possui o condão de gerar
maus antecedentes. Súmula 444 do STJ: é vedada a utilização de inquéritos policiais e
ações penais em curso para agravar a pena-base. Trata-se de aplicação do princípio da
presunção de inocência, não podendo ser utilizados como maus antecedentes, conduta
social desfavorável ou personalidade distorcida. No mesmo sentido, STF (v. Inf. 791/15).
➢ O fato objeto da condenação definitiva deve ser anterior à nova
infração penal. Assim, condenações transitadas em julgado por fatos posteriores não
podem ser consideradas como maus antecedentes, má conduta social ou personalidade
desajustada, sob pena de malferir o princípio constitucional da presunção de não-
culpabilidade (Inf. 535/14 do STJ). Obs.: diversamente do que ocorre na reincidência,
prevalece que o trânsito em julgado da condenação não precisa necessariamente se dar
antes da prática da nova infração penal.
➢ Diferentes condenações pretéritas com trânsito em julgado que sirvam
para fins de reincidência: a jurisprudência entende razoável que uma delas seja utilizada
para fins de reincidência e as demais como maus antecedentes; OU que tal fato seja
invocado como fundamento para a utilização de fração superior a 1/6 na segunda fase da
dosimetria penal (juízo de discricionariedade juridicamente vinculado).
➢ Condenações já depuradas que não sirvam para fins de reincidência: o
Plenário do STF, em sede de repercussão geral, Inf. 947/19, decidiu pela possibilidade de
considerar como maus antecedentes condenação anterior já alcançada pelo período
depurador da reincidência. ATENÇÃO PARA REAJUSTE DA TESE ASSENTADA
NO TEMA 150 DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF, em 24.04.23: Não se aplica ao
reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da
reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal, podendo o julgador,
fundamentada e eventualmente, não promover qualquer incremento da pena-base em
razão de condenações pretéritas, quando as considerar desimportantes, ou

36
demasiadamente distanciadas no tempo, e, portanto, não necessárias à prevenção e
repressão do crime, nos termos do comando do artigo 59, do Código Penal.
Obs.: em casos excepcionais, em que a condenação é muito antiga, a jurisprudência
admite o afastamento dos maus antecedentes, invocando a teoria do direito ao
esquecimento (v. 6ª Turma do STJ, REsp 2.038.998/MG, DJe 19/04/2023; 6ª Turma do
STJ, AgRg no REsp 1875382, J. 20.10.20).
* Atenção: Inf. 702/21, 3ª Seção STJ, recurso repetitivo: Condenações
criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência,
somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes
criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a
conduta social do agente. Em conclusão, o vetor dos antecedentes é o que se refere única
e exclusivamente ao histórico criminal do agente. "O conceito de maus antecedentes, por
ser mais amplo do que o da reincidência, abrange as condenações definitivas, por fato
anterior ao delito, transitadas em julgado no curso da ação penal e as atingidas pelo período
depurador, ressalvada casuística constatação de grande período de tempo ou pequena
gravidade do fato prévio" (STJ, AgRg no AREsp 924.174/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro,
Sexta Turma, DJe 16/12/2016). No mesmo sentido, Inf. 647/19, a 3ª Seção do STJ decidiu
que “eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para
caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a
título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a
personalidade ou a conduta social do agente. Inf. 639/19, 6ª Turma do STJ: “não é possível
a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado como fundamento para
negativar a conduta social”. Inf 643/19, 6ª Turma: “a existência de condenações definitivas
anteriores não se presta a fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade
voltada para o crime”.
Obs.: 5ª Turma do STJ, Inf. 770/23: O intenso envolvimento com o tráfico de
drogas constitui fundamento idôneo para valorar negativamente a conduta social do agente
na primeira fase da dosimetria da pena no crime de homicídio qualificado. Informações do
inteiro teor: Inicialmente, cabe ressaltar que a exasperação da pena-base deve estar
fundamentada em dados concretos extraídos da conduta imputada ao acusado, os quais
devem desbordar das elementares inerentes ao tipo penal. Quanto à valoração negativa da
37
conduta social, na sentença consta que "o acusado, em seu ambiente social, trata-se de
indivíduo ligado diretamente ao tráfico de drogas, que atuava sob ordens diretas do tráfico
de drogas da região de Guaraná, encontra-se em alto nível de inserção criminosa e se trata
de pessoa temida na comunidade, possuindo, ainda, laços estreitos com uma rede de
pessoas dedicadas à prática criminosa". Nesse contexto, é plenamente justificada a
negativação dessa circunstância judicial, porquanto reflete o temor causado pelo agente,
pois trata-se de uma avaliação de natureza comportamental, pertinente ao relacionamento
do agente no trabalho, na vizinhança, perante familiares ou amigos, não havendo uma
delimitação mínima do campo de análise, podendo ser pequena como no núcleo familiar
ou mais ampla como a comunidade em que o indivíduo mora. No caso, o fato de o
sentenciado estar envolvido com o tráfico de drogas denota sua periculosidade, destemor
às instituições constituídas, e também demonstra sua propensão para violar as regras
sociais, sendo o caso, portanto, de manter a negativação da conduta social.
➢ Condenações por contravenção que não sirvam para fins de
reincidência por força do art. 63 do CP (v. 5ª Turma do STJ, AgRg no HC 612700, j.
06.10.20).
➢ Prevalece no STJ que condenações por ato infracional NÃO podem ser
consideradas como maus antecedentes (embora possam ser invocadas para justificar prisão
preventiva; obs.: há divergência no STF e no STJ se podem ser invocadas para afastar a
aplicabilidade do tráfico privilegiado).

2.7 Causas de aumento e diminuição de pena (terceira fase da dosimetria


penal)
As causas de aumento e diminuição de pena, também chamadas de majorantes e
minorantes, podem se encontrar tanto na parte geral, quanto na parte especial. O quantum
de pena a ser aumentado ou diminuído está expresso na lei, de forma fixa ou variável.
STF, HC 226.018/SC, decisão monocrática, DJe 03/04/2023: Apenas na terceira
fase da dosimetria da pena, em razão do reconhecimento de causas especiais de aumento,
é permitido o incremento da reprimenda acima do máximo cominado tipo penal.

38
Princípio da motivação (art. 93, IX, da CF): a adoção de fração de aumento ou
de diminuição de pena mais gravosa ao réu exige fundamentação idônea do juiz.
Assim, Inf. 547/14, STJ: reconhecida a semi-imputabilidade do réu, o Juiz não pode aplicar
a causa de diminuição de pena prevista no art. 46 da Lei 11.343/2006 em seu grau mínimo
sem expor qualquer dado substancial, em concreto, que justifique a adoção dessa fração,
pois a ausência da justificativa para aplicação do redutor em seu grau mínimo viola o
princípio do livre convencimento motivado, malferindo o disposto no art. 93, IX, da CF.
Inf. 697/13, STF: uma vez reconhecida a incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei
11.343/06, a não utilização da fração de 2/3 deve ser motivada pelo julgador.

2.7.1 Concurso de majorantes e minorantes


Em regra, todas as majorantes e minorantes devem ser aplicadas na terceira fase da
dosimetria penal. Assim, em geral, aplicam-se primeiro as causas de aumento e diminuição
de pena na parte especial e, após, as causas de aumento e diminuição de pena na parte geral.
A última etapa é concernente à aplicação do método do cúmulo material ou da exasperação,
referente a eventual concurso de crimes.
Existem, basicamente, dois métodos para aplicação majorante e minorantes: o
sucessivo e o isolado. O critério da incidência cumulativa/ sistema em cascata/ método
sucessivo propugna que cada operação aritmética na terceira fase leve em consideração a
pena já aumentada ou diminuída (ex.: com base na pena de 6 aumenta ½, que dá 9; com
base na pena de 9 diminui ⅓, que dá 6). Já o critério da incidência isolada/ método isolado
(Mirabete) não considera o produto da operação anterior, fazendo com que cada operação
incida sobre a pena-provisória, definida na segunda fase.
Na hipótese de concurso de minorantes, o critério da incidência isolada pode levar
à pena-zero, razão pela qual prevalece largamente a utilização do sistema em cascata.
Na hipótese do concurso de majorantes, o sistema em cascata é prejudicial ao
acusado e implica em penas desproporcionais, razão pela qual parte substancial da doutrina
(como Leonardo Schmitt, João Martinelli e Rogério Sanches) defende a aplicação do
critério de incidência isolada.

* ATENÇÃO: concurso de causas de aumento na parte especial:


39
➢ Súmula 443 do STJ: o aumento da pena acima da fração mínima prevista
não pode se fulcrar tão-somente na indicação da quantidade de majorantes, mas é preciso
fundamentar concretamente para aumentar além do mínimo previsto.
➢ Decisão da 3ª Seção do STJ, no Informativo 684/21: “O deslocamento
da majorante sobejante para outra fase da dosimetria, além de não contrariar o
sistema trifásico, é a que melhor se coaduna com o princípio da individualização da
pena. Inteiro teor: A questão jurídica diz respeito, em síntese, à valoração de majorantes
sobejantes na primeira ou na segunda fase da dosimetria da pena, a depender se a causa de
aumento traz patamar fixo ou variável. De início, ressalta-se que não é possível dar
tratamento diferenciado à causa de aumento que traz patamar fixo e à que traz patamar
variável, porquanto, além de não se verificar utilidade na referida distinção, o mesmo
instituto jurídico teria tratamento distinto a depender de critério que não integra sua
natureza jurídica. Quanto à possibilidade propriamente dita de deslocar a majorante
sobejante para outra fase da dosimetria, considero que se trata de providência que, além de
não contrariar o sistema trifásico, é a que melhor se coaduna com o princípio da
individualização da pena. Com efeito, o sistema trifásico, trazido no art. 68 do Código
Penal, disciplina que a fixação da pena observará três fases: a fixação da pena-base, por
meio da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal; a
fixação da pena intermediária, com a valoração das atenuantes e das agravantes; e a pena
definitiva, após a incidência das causas de diminuição e de aumento da pena. O Código
Penal não atribui um patamar fixo às circunstâncias judiciais nem às agravantes e
atenuantes, as quais devem ser sopesadas de acordo com o livre convencimento motivado
do Magistrado, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. As
causas de aumento e de diminuição, por seu turno, já apresentam os patamares que devem
ser utilizados, de forma fixa ou variável. Segundo a doutrina, as causas de aumento também
são chamadas de qualificadoras em sentido amplo e, "por integrarem a estrutura típica do
delito, permitem a fixação da pena acima do máximo em abstrato previsto pelo legislador".
Nessa linha de raciocínio, nos mesmos moldes em que ocorre com o crime qualificado,
já existindo uma circunstância que qualifique ou majore o crime, autorizando, assim,
a alteração do preceito secundário, ou a incidência de fração de aumento, considera-

40
se correta a jurisprudência que prevalece no Superior Tribunal de Justiça, no sentido
de que as qualificadoras e majorantes sobressalentes podem ser valoradas na
primeira ou na segunda fase da dosimetria da pena. De fato, da mesma forma que a
existência de mais de uma qualificadora não modifica nem o tipo penal nem o preceito
secundário, tem-se que a existência de mais de uma majorante também não autoriza a
retirada da fração de aumento do mínimo, uma vez que se "exige fundamentação concreta,
não sendo suficiente a mera indicação do número de majorantes", nos termos do
entendimento sumulado no verbete n. 443 da Súmula desta Corte. Nesse contexto, a
desconsideração tanto da qualificadora quanto da majorante sobressalentes acaba
por violar o princípio da individualização da pena, o qual preconiza a necessidade de
a pena ser aplicada em observância ao caso concreto, com a valoração de todas as
circunstâncias objetivas e subjetivas do crime. Ademais, referida desconsideração vai
de encontro ao sistema trifásico, pois as causas de aumento (3ª fase), assim como algumas
das agravantes, são, em regra, circunstâncias do crime (1ª fase) valoradas de forma mais
gravosa pelo legislador. Assim, não sendo valoradas na terceira fase, nada impede sua
valoração de forma residual na primeira ou na segunda fases. A desconsideração das
majorantes sobressalentes na dosimetria acabaria por subverter a própria individualização
da pena realizada pelo legislador, uma vez que as circunstâncias consideradas mais
gravosas, a ponto de serem tratadas como causas de aumento, acabariam sendo
desprezadas. Lado outro, se não tivessem sido previstas como majorantes, poderiam ser
integralmente valoradas na primeira e na segunda fases da dosimetria. Por fim, não há se
falar que o deslocamento da causa de aumento para a primeira fase permite o "agravamento
do regime prisional por via transversa", porquanto o que não se admite é a fixação de
regime prisional mais gravoso sem a devida fundamentação. Assim, ainda que a pena-base
seja fixada no mínimo legal, é possível a imposição de regime mais gravoso que o
estabelecido em lei, desde que seja declinada motivação concreta”.
➢ A partir das Leis 13.654/18 e 13.964/19, passaram a estar previstas no § 2º,
no § 2º-A e no § 2º-B do art. 157 do CP três diferentes causas de aumento de pena, com
frações distintas, para o crime de roubo. Assim, ganhou importância a análise do art. 68,
p. único, do CP: “no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na

41
parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição,
prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”. Há, contudo,
divergência quanto à interpretação do dispositivo:
1) A aplicação de apenas uma causa de aumento da parte especial, que mais
aumente a pena, é direito subjetivo do acusado: atecnia do legislador ao longo do CP; o §
2º-B prevê a aplicação em dobro da pena do caput; princípio da proporcionalidade.
2) STF e STJ: o art. 68, parágrafo único, do CP, não impede de todo a aplicação
cumulativa de causas de aumento de pena. É razoável a interpretação da lei no
sentido de que eventual afastamento da dupla cumulação deverá ser feito apenas no
caso de sobreposição do campo de aplicação (princípio do ne bis in idem) ou
excessividade do resultado (2ª Turma STF, ARE 896843 AgR, j. 8/9/2015; 5ª Turma do
STJ, HC 527704 / SP, DJe 25/11/2019; 5ª Turma do STJ, HC 472771 / SC, DJe 13/12/2018
– princípio da proporcionalidade). No caso de aplicação cumulativa, essencial observar
o princípio constitucional da motivação (5ª Turma do STJ, AgRg no AREsp 1609745 /
SP, DJe 28/02/2020; 5ª Turma do STJ, HC 472771 / SC, DJe 13/12/2018, 5ª Turma do
STJ, HC 472.771/SC, DJe 13/12/2018).
3) Para Rogério Sanches, o juiz pode limitar-se a um só aumento ou aplicar mais
de um, conforme as finalidades da pena e as circunstâncias do caso concreto, seguindo, na
segunda hipótese, o princípio da incidência isolada (o segundo aumento recai na pena
precedente, não na já aumentada).

Por fim, na hipótese de concurso entre majorantes e minorantes, a doutrina em geral


sustenta a aplicação do sistema da incidência cumulativa.

Concurso de crimes

No caso de concurso de crimes, há dois possíveis métodos de aplicação de pena:


- Cúmulo material: as penas aplicadas na condenação para cada crime integrante
do concurso devem ser somadas. Este sistema é utilizado no concurso material e no
concurso formal impróprio.

42
- Exasperação: em homenagem ao princípio da individualização da pena, deve ser
fixada a pena adequada para cada delito. Contudo, aplica-se apenas a mais grave das penas
cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, com a incidência de uma causa de aumento de
pena referente ao concurso de crimes. Como observação, a pena resultante da exasperação
não pode jamais exceder a que seria resultante da aplicação do método do cúmulo material.
Já as penas de multa, conforme art. 72 do CP, no concurso formal, aplicam-se
cumulativamente; ao crime continuado, por sua vez, o STJ não aplica o art. 72 (v. AgRg
no REsp 1843797, J. 05/03/2020), incidindo o sistema da exasperação também na aplicação
da pena de multa. Este sistema é usado no concurso formal próprio e no crime continuado.
STJ: a fração de aumento de pena deve ser proporcional ao número de infrações que
compõe o concurso de crimes: 1/6 para a prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4,
para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações
(6ª Turma do STJ, Inf. 749/22).
Assim, vamos analisar as modalidades de concurso de crimes:

1) Concurso formal/ ideal: unidade de conduta e pluralidade de crimes.


Art. 70: Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão,
pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais
grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas
aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas
aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é
dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos,
consoante o disposto no artigo anterior.
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível
pela regra do art. 69 deste Código.

1.1) Concurso formal próprio/ perfeito: unidade de desígnios. Ex.: “assalto a


ônibus”, subtraindo o agente, mediante grave ameaça, os pertences dos ocupantes do
veículo. Pela regra do art. 70, 1ª parte, do CP, aplica-se o método da exasperação.
1.2) Concurso formal impróprio/ imperfeito: desígnios autônomos. Ex.: com um
único disparo de fuzil, o agente objetiva matar “A” e “B”. Pela regra do art. 70, 2ª parte,
do CP, aplica-se o método do cúmulo material das penas. Prevalece que a expressão
desígnios autônomos abrange também o dolo eventual. * ATENÇÃO: não se deve
confundir a expressão “desígnios autônomos” com crimes dolosos, pois a jurisprudência é

43
pacífica em reconhecer o concurso formal próprio nos casos de assalto aos passageiros de
um ônibus, por exemplo, em que há múltipla violação patrimonial. Também se reconhece
pacificamente o concurso formal próprio entre crimes patrimoniais e o art. 244-B do ECA.
Portanto, Rogério Sanches leciona que a expressão desígnios autônomos se refere a crimes
decorrentes de planos delituosos independentes.
2) Concurso material: pluralidade de condutas e pluralidade de crimes. Aplica-se
o método do cúmulo material.
Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou
omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-
se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja
incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e
de detenção, executa-se primeiro aquela.
§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada
pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para
os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste
Código
§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o
condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis
entre si e sucessivamente as demais.

3) Crime continuado: no caso de pluralidade de condutas e pluralidade de crimes,


sendo estes da mesma espécie e praticados em condições semelhantes de tempo, lugar,
maneira de execução e outras, configura-se o crime continuado, incidindo o método da
exasperação. Adota-se a teoria da ficção jurídica.
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou
omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas
condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes,
se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer
caso, de um sexto a dois terços
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz,
considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,
aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave,
se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do
art. 70 e do art. 75 deste Código.

44
No que tange ao crime continuado, segundo a Exposição de Motivos da Parte Geral
do Código Penal, item 591, o art. 71 adotou a teoria objetiva, bastando a análise objetiva
da presença dos requisitos do crime continuado para a sua configuração.
Todavia, os tribunais superiores vêm adotando a teoria objetivo-subjetiva para a
configuração da continuidade delitiva, asseverando a necessidade de existir unidade
objetiva e subjetiva de condutas para a aplicação do art. 71 do CP. Assim, para a teoria
objetivo-subjetiva, o crime continuado exige: (a) a pluralidade de condutas; (b) a
pluralidade de crimes da mesma espécie (prevalece na jurisprudência que crimes da mesma
espécie são aqueles previsto em um mesmo tipo penal, não sendo possível, p. ex.,
reconhecer o crime continuado entre roubo e extorsão, e até mesmo entre roubo e
latrocínio; para uma 2ª corrente, basta que os crimes ofendam um mesmo bem jurídico);
(c) que os crimes sejam praticados em continuação, tendo em vista as circunstâncias
objetivas (mesmas condições de tempo - em geral, não superando 30 dias- , lugar - em
geral, mesma cidade ou cidades próximas-, modo de execução e outras semelhantes); e (d)
a unidade de desígnios. Nesse sentido, destaque-se:
Informativo de Jurisprudência nº 457 do STJ
HC. CONTINUIDADE DELITIVA. REQUISITOS.
A Turma denegou a ordem de habeas corpus para não reconhecer
a continuidade delitiva entre os delitos de homicídio praticados
pelo paciente. Para a caracterização do crime continuado,
consignou-se que o STJ vem adotando a teoria mista, a qual exige
o preenchimento dos requisitos objetivos - mesmas condições de
tempo, lugar e maneira de execução - e do subjetivo - unidade de
desígnios. In casu, asseverou o Min. Relator que entender de modo
contrário à conclusão do tribunal a quo de que tais requisitos não
teriam sido cumpridos demandaria revolvimento fático-probatório
dos autos, o que não é possível em habeas corpus. Salientou,
ademais, que eventual modificação da sentença condenatória, in
casu, exigiria ainda mais cautela por se tratar de julgamento
proveniente do tribunal do júri, em que impera a soberania dos
veredictos. Precedentes citados do STF: HC 89.097-MS, DJe
24/4/2008; HC 85.113-SP, DJ 1º/7/2005; RHC 85.577-RJ, DJ
2/9/2005; HC 95.753-RJ, DJe 6/8/2009; HC 70.794-SP, DJ
13/12/2002; do STJ: HC 142.384-SP, DJe 13/9/2010, e HC 93.323-
RS, DJe 23/8/2010.

1
“O critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das
objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva”

45
(5ª Turma do STJ, HC 151.012-RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado
em 23/11/2010)

Informativo de Jurisprudência nº 691 do STF


Em seguida, o Tribunal, por maioria, rejeitou questão suscitada
pelo Min. Marco Aurélio no que se refere à regra da continuidade
delitiva (CP, art. 71: “Quando o agente, mediante mais de uma ação
ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas
condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras
semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes,
se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer
caso, de um sexto a dois terços”). No ponto, prevaleceu o voto do
Relator. Este explicou que a jurisprudência da Corte fixara que a
citada norma somente seria aplicável se o agente praticasse o
mesmo tipo penal e, ainda assim, se observadas certas condições.
Examinou que, no caso, não haveria nexo de continuidade entre os
crimes de corrupção ativa e peculato. Ao contrário, seriam
condutas inteiramente distintas e conduziriam a diferentes
resultados criminosos. Nenhum dos requisitos do art. 71 do CP —
condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras — seria
comum, presentes situações díspares e específicas para cada um
desses delitos, cometidos com dolos autônomos. Frisou
entendimento das Turmas do STF segundo o qual a incidência do
aludido preceito — ao invés de concurso material — dependeria de
os crimes subsequentes poderem ser considerados continuação do
primeiro. Assim, deveria haver unidade objetiva e subjetiva de
condutas. Destacou que delitos de igual espécie seriam fatos típicos
equivalentes tanto do ponto de vista objetivo quanto do subjetivo.
Acresceu não haver relação de dependência ou de subordinação
entre condutas delituosas atentatórias a bens jurídicos diversos.
Aquilatou que, na espécie, os crimes de corrupção ativa pelos quais
condenados Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach
não poderiam ser reputados uma unidade continuada, pois
envolveriam renovação de contrato de empresa privada com
entidade pública; pagamento do Presidente da Câmara para
interferir em procedimento licitatório e permitir a contratação de
outra empresa e pagamento de propina a parlamentares para apoio
político. O único elemento comum entre esses crimes seria inerente
ao tipo penal, insuficiente para concluir acerca de eventual unidade
continuada de conduta criminosa.
(Pleno do STF, AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 5 e
6.12.2012)

46
Crime continuado específico: é possível a caracterização do crime continuado
ainda que se trate de delitos dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência
ou grave ameaça à pessoa, hipótese em que a exasperação da pena será mais intensa, na
forma do art. 71, p. único, do CP. Assim, se se tratar de crimes dolosos com violência
contra a mesma vítima, aplica-se a figura do caput; se se tratar de crimes contra vítimas
distintas, mas sem violência ou grave ameaça à pessoa, aplica-se a figura do caput (crime
continuado genérico ou comum).
Inf. 734/22, 6ª Turma do STJ: O reconhecimento da continuidade delitiva não
importa na obrigatoriedade de redução da pena definitiva fixada em cúmulo material,
porquanto há possibilidade de aumento do delito mais gravoso em até o triplo, nos termos
do art. 71, parágrafo único, in fine, do Código Penal. No caso, o agente foi condenado a 30
anos de reclusão, em cúmulo material de dois delitos de homicídio qualificado com
decapitação e esquartejamento das vítimas. Em recurso de apelação, foi reconhecido crime
continuado, mas sem alteração na pena final, porquanto aplicado o aumento por
continuidade delitiva para dobrar a pena de 15 anos, nos termos do art. 71, parágrafo único,
in fine, do Código Penal. Sobre o tema, é pacífica a distinção entre os institutos da
continuidade delitiva e da pena-base, a despeito de aparentemente partilharem a
necessidade de valoração de vetoriais semelhantes, mesmo porque cada crime permanece
independente na cadeia delitiva, tanto que se permite dosimetrias distintas para cada
evento. A distinção entre os referidos institutos - a saber, pena-base e continuidade delitiva
- permite, inclusive, a valoração da mesma circunstância fática sob dois aspectos distintos,
sem infringência ao princípio do ne bis in idem. Ademais, o reconhecimento da
continuidade delitiva não importa na obrigatoriedade de redução da pena definitiva fixada
em cúmulo material, porquanto há possibilidade de aumento do delito mais gravoso em até
o triplo, conforme o trecho do dispositivo acima citado. Portanto, mantida a pena definitiva
no mesmo montante, modificados somente os institutos penais sem o decote de qualquer
vetorial negativa ou causa de aumento, não há de se falar em reformatio in pejus. Frisa-se,
na mesma linha, a manifestação da Procuradoria-Geral da República, para quem "não
houve nova valoração das circunstâncias judiciais na primeira fase da dosimetria da pena,
mas apenas o apontamento de elementos concretos para fundamentar o patamar aplicado

47
em razão da continuidade delitiva, nos exatos termos do art. 71, parágrafo único, do
Estatuto Repressivo, não havendo cogitar-se de reformatio in pejus".

* A 3ª Seção do STJ afetou o REsp 1.960.300-GO ao rito dos recursos repetitivos


(Tema 1192), a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "O
crime de roubo, praticado mediante uma única ação contra vítimas diferentes e em um
mesmo contexto fático, configura o concurso formal de crimes e não um crime único,
quando violados patrimônios distintos."
* 5ª Turma do STJ, Edição Extraordinária nº 10/23: Tendo havido a indicação de
que os delitos, autônomos, resultaram de ações distintas, não incide o concurso formal aos
tipos penais dos artigos 306 (embriaguez ao volante) e o art. 309 (direção de veículo
automotor sem a devida habilitação) do Código de Trânsito Brasileiro.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Os tipos penais do art. 306 e 309 do CTB possuem momentos
consumativos distintos, na medida em que o art. 306 do CTB
(embriaguez ao volante) é de perigo abstrato, de mera conduta,
enquanto o art. 309 do CTB (direção de veículo automotor sem a
devida habilitação) é de perigo concreto.
Extrai-se do caso que, consoante consignado no pelo Tribunal de
origem, "é impossível aplicar o concurso formal de crimes no
presente caso, pois há duas ações isoladas, com desígnios de
vontades autônomas e com dois resultados distintos. Com efeito, o
momento em que o acusado passou a conduzir a motocicleta em
via pública, com a capacidade psicomotora alterada em razão da
influência de álcool (art. 306 do CTB), em hipótese alguma se
confunde com aquele que é flagrado dirigindo referido automóvel,
sem a devida habilitação ou permissão para dirigir (art. 309 do
CTB), em zigue-zague entre as duas pistas de rolamento, quase
atropelando pedestres que atravessavam a rua, gerando, assim,
perigo de dano."
No tocante à substituição da pena privativa de liberdade por duas
restritivas de direitos, a Quinta Turma é assente no sentido de que
"não se mostra socialmente recomendável a aplicação de uma nova
pena de multa, em caráter substitutivo, no caso de o preceito
secundário do tipo penal possuir previsão de multa cumulada com
a pena privativa de liberdade, devendo-se privilegiar a incidência
de duas medidas restritivas de direitos nessa hipótese" (HC
470.920/SC, Quinta Turma, Rel. Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, DJe de 15/10/2018).

48
Portanto, considerando que o crime do art. 306 do CTB já
estabelece a pena de multa, as duas medidas restritivas de direitos
se mostram adequadamente aplicadas na hipótese.

* Atenção: De acordo com o art. 119 do CP, “no caso de concurso de crimes, a
extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”. Assim, para o
cálculo da prescrição, é necessário desprezar a fração de aumento de pena decorrente do
concurso de crimes, tal qual prevê a Súmula 497 do STF em relação ao crime continuado.
* Atenção: Súmula 243 do STJ: “O benefício da suspensão do processo não é
aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal
ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela
incidência da majorante, ultrapassar o limite de um ano”. Súmula 723 do STF Não se
admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena
mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.
* Atenção: STF, ADI 5264, Inf. 1001/20: Os Juizados Especiais Criminais são
dotados de competência relativa para julgamento das infrações penais de menor potencial
ofensivo, razão pela qual se permite que essas infrações sejam julgadas por outro juízo com
vis atractiva para o crime de maior gravidade, pela conexão ou continência, observados,
quanto àqueles, os institutos despenalizadores, quando cabíveis.
* Atenção: Súmula 711 do STF: “A lei penal mais gravosa aplica-se ao crime
continuado ou permanente se era a lei vigente quando da cessação da permanência ou
continuidade”.
* Atenção: Súmula 605 do STF: “Não se admite a continuidade delitiva nos crimes
contra a vida”. Diante da previsão do art. 71, p. único, do CP, a doutrina entende que o
verbete sumular está SUPERADO, embora não tenha havido cancelamento formal.
* Atenção: possibilidade de soma ou unificação das penas, reconhecendo o
concurso de crimes, pelo juiz da execução (art. 66, III, a, da LEP).

No caso de concorrência de concurso formal e crime continuado, aplica-se apenas


o aumento concernente à continuidade delitiva, evitando-se o bis in idem (STJ).

49
Regime inicial de cumprimento de pena

1) Critérios
Uma vez comprovada a prática de fato típico, ilícito e culpável, é proferida
sentença penal condenatória, devendo ser estabelecidas as penas aplicáveis dentre as
cominadas pelo legislador , na forma do art. 59, I, do CP.
Caso imposta pena privativa de liberdade, o juiz deve estabelecer a quantidade
de pena aplicável (dosimetria penal, efetuada em consonância com o método trifásico de
aplicação da pena), bem como fixar o regime inicial de cumprimento de pena (art. 59,
III, do CP).
Os critérios para a definição do regime inicial de cumprimento de pena, na sentença
penal condenatória, estão previstos nos arts. 33 e 59 do CP, c/c art. 387, § 2º, do CP, a
saber: espécie de pena privativa de liberdade aplicada (reclusão ou detenção), quantidade
da pena imposta, reincidência, circunstâncias judiciais e tempo de prisão provisória.
Vejamos:
Art. 33: A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado,
semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto,
salvo necessidade de transferência a regime fechado.
§ 1º - Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de
segurança máxima ou média;
b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola,
industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou
estabelecimento adequado.
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em
forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os
seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime
mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a
cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro)
anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em
regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4
(quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena
far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.

50
Obs.: não há bis in idem na valoração da reincidência como circunstância agravante
e para fundamentar a imposição de regime inicial mais gravoso.

2) Réu primário e sem circunstâncias judiciais desfavoráveis


Veja que as circunstâncias judiciais são consideradas tanto na primeira fase da
dosimetria penal (art. 68 do Código Penal), quanto para fins de fixação do regime prisional
(art. 59, III, c/c art. 33 do Código Penal). Assim, quando fixada pelo julgador a pena-base
no mínimo legal, é forçoso concluir que não há circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Portanto, em se tratando de réu primário e sem circunstâncias judiciais
desfavoráveis, o mesmo tem direito à fixação do regime inicial mais benéfico,
considerando o quantum de pena aplicada: se igual ou inferior a 4 anos, regime aberto;
se superior a 4 e igual ou inferior a 8 anos, regime semiaberto; por fim, se a pena for
superior a 8 anos, é impositivo o regime inicial fechado. Tal entendimento está consagrado
nos seguintes verbetes sumulares dos tribunais superiores:
Súmula 440 do STJ: É vedado o estabelecimento de regime
prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção
imposta, com base apenas na gravidade do delito.

Súmula 718 do STF: A opinião do julgador sobre a gravidade em


abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição
de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

Súmula 719 do STF: A imposição do regime de cumprimento


mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação
idônea.

STJ, HC 816.588/RJ, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, decisão monocrática,


, DJe 20/04/2023: A grave ameaça ou violência, o emprego de arma de fogo e o concurso
de agentes são elementos inerentes ao tipo penal do crime de roubo majorado, não
constituindo motivação suficiente para a fixação de regime mais gravoso Observação:
decisão obtida pela DPRJ, em HC de autoria do Defensor Público Jorge da Silva Neto.

3) Réu reincidente com circunstâncias judiciais favoráveis

51
Súmula 269 do STJ: É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos
reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as
circunstâncias judiciais.

4) Réu primário e com circunstância judicial negativada: possibilidade do


regime aberto
6ª Turma do STJ, Inf. 735/22: Dadas as peculiaridades do caso concreto, admite-
se que ao réu primário, condenado à pena igual ou inferior a 4 anos de reclusão, seja
fixado o regime inicial aberto, ainda que negativada circunstância judicial.
Informações do inteiro teor:
A despeito de o § 3º do art. 33 do Código Penal dispor que para a escolha do modo
inicial de cumprimento da pena deverão ser observados os critérios do art. 59, não fica o
julgador compelido a fixar regime mais gravoso do que o cabível em razão do quantitativo
da sanção imposta, ainda que presente circunstância judicial desfavorável.
Assim, embora a definição da pena-base acima do mínimo legalmente previsto
autorize, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, a fixação do regime inicial
imediatamente mais grave do que o estabelecido em razão do quantum da pena aplicada,
nada impede que o julgador deixe de recrudescer o modo prisional se entender que aquele
cominado ao montante da pena imposta se mostra suficiente à reprovação do delito.
É possível, portanto, concluir que a negativação de circunstâncias judiciais, ao
contrário do que ocorre quando reconhecida a agravante da reincidência, confere ao
julgador a faculdade - e não a obrigatoriedade - de recrudescer o regime prisional.

5) Réu reincidente em furto próximo ao bagatelar e princípio da


proporcionalidade: regime aberto
O Pleno do STF, no julgamento conjunto dos Habeas Corpus 123108, 123533 e
123734, em 03/08/15, decidiu que: “(i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz
da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso
concreto. (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente
indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que
tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser
52
fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art.
33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade”. Tal
entendimento foi ratificado no Inf. 938/19 do STF e em decisão monocrática do Min André
Mendonça no HC 225.706/MG, DJe 06/05/2023.

6) Condenação por mais de um crime


O art. 111 da LEP prevê que, “quando houver condenação por mais de um crime,
no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento
será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a
detração ou remição”.
* Atenção: quando houver condenação por mais de um crime, sendo um punível
com reclusão e outro com detenção, é importante observar que a pena de detenção não é
compatível com o regime inicial fechado. Diante disso, diverge-se acerca da possibilidade
de soma ou unificação das penas de reclusão e detenção para definição do regime inicial,
haja vista os arts. 69, caput, parte final, e 76 do CP. De todo modo, prevalece na
jurisprudência que, em se tratando de execução penal, as reprimendas de reclusão e de
detenção devem ser somadas ou unificadas, haja vista que ambas são modalidades de pena
privativa de liberdade e, portanto, configuram sanções de mesma espécie (2ª Turma do
STF, RHC 118626, DJ 02/12/2013; 6ª Turma do STJ, AgRg no HC 578884 / SP, DJe
09/03/2021; 6ª Turma do STJ, AgRg nos EDcl no HC 551980 / SC, DJe 02/03/2021).
Posição criticável, especialmente em prova discursiva, em que defenderemos a
impossibilidade de unificação das penas de reclusão e detenção.
5ª Turma do STJ, Inf. 771/23: Nos termos do art. 111 da Lei de Execução Penal,
as penas de reclusão e de detenção devem ser consideradas cumulativamente, já que
ambas são da mesma espécie, ou seja, penas privativas de liberdade.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Penal do Superior
Tribunal de Justiça está fixada no sentido de que "(...) concorrendo
penas de reclusão e detenção, ambas devem ser somadas para efeito
de fixação da totalidade do encarceramento, porquanto constituem
reprimendas de mesma espécie, ou seja, penas privativas de
liberdade. Inteligência do art. 111 da Lei n. 7.210/84" (HC

53
460.460/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta
Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 1º/3/2019).
No caso, o Tribunal de origem concluiu pela impossibilidade de
unificação das penas de reclusão e de detenção, sob o argumento
de que o acusado fora condenado a diversos crimes com penas
privativas de reclusão, mas há um crime que a natureza da pena é
de detenção (dano qualificado). Assim, primeiramente deveria ser
cumprida a pena de reclusão, e posteriormente a pena de detenção,
não podendo haver a soma pura e simples para fins de execução,
na medida em que as reprimendas possuem natureza jurídica e
forma de execução diversa.
Todavia, o entendimento do acórdão recorrido está em desacordo
com a orientação do STJ. O art. 111, caput, da Lei n. 7.210/1984
não faz tal distinção e o seu parágrafo único prescreve a soma da
pena superveniente, como forma de determinação do regime.
Portanto, reitera-se que as penas de reclusão e de detenção devem
ser consideradas cumulativamente.

7) Inconstitucionalidade do regime inicial fechado ex lege para crimes


hediondos ou equiparados
No julgamento do ARE 1052700, em 2017, o Pleno do STF fixou a seguinte tese
de repercussão geral: “É inconstitucional a fixação ex lege, com base no artigo 2º,
parágrafo 1º, da Lei 8.072/1990, do regime inicial fechado, devendo o julgador,
quando da condenação, ater-se aos parâmetros previstos no artigo 33 do Código
Penal”.

8) Lei de organização criminosa


A Lei 13.964/19 inseriu o § 8º ao art. 2º da Lei 12.850/13 para prever: “as lideranças
de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o
cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima”.
Trata-se de dispositivo de duvidosa constitucionalidade, pelos mesmos motivos que
levaram o STF a entender pela inconstitucionalidade da imposição ex lege do regime inicial
fechado para os crimes hediondos ou equiparados.

9) Cômputo do tempo de prisão provisória para fins de determinação do


regime inicial

54
Por fim, nos casos em que o acusado respondeu ao processo privado de sua
liberdade, deve-se considerar, ainda, o tempo de prisão provisória para fins de fixação
do regime inicial de cumprimento de pena, em conformidade com o art. 387, § 2º, do
Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 12.736/12:
Art. 387, § 2º, do CPP: o tempo de prisão provisória, de prisão
administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será
computado para fins de determinação do regime inicial de pena
privativa de liberdade.

Ocorre que a natureza jurídica do instituto previsto pelo art. 387, § 2º, do CPP,
é controvertida:
a) Para uma primeira corrente, trata-se de antecipação da progressão de regime, a
ser realizada pelo juízo da condenação no bojo da sentença. Assim, após estabelecer o
regime inicial cabível a partir dos critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º, do CP, deve o
juiz da condenação considerar o tempo de prisão provisória para fins de analisar o
preenchimento dos requisitos para a progressão de regime, o que poderá acarretar a
mudança do regime inicial já na sentença, antecipando-se a aplicação do instituto
originariamente afeto ao juiz da execução. Todavia, considerando que a progressão de
regime demanda o preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 112
da LEP, bem como que o juízo da condenação não dispõe a priori de conhecimento acerca
do comportamento carcerário do acusado preso preventivamente, a adoção dessa corrente
gera uma tendência em se remeter a análise do cabimento da progressão de regime ao juízo
da execução. Essa, a propósito, é a praxe de algumas Câmaras Criminais do TJRJ,
notadamente quando já expedida a carta de execução de sentença (CES) provisória ao juízo
da execução. Assim, na prática, inviabiliza-se a aplicação de instituto tão importante,
contemplado pelo legislador a fim de evitar os frequentes desvios de execução,
especialmente em razão da conhecida delonga no tombamento da CES junto ao juízo da
execução, bem como na apreciação dos direitos da execução.
b) Para uma segunda corrente, trata-se de progressão cautelar de regime, de
competência do juízo do conhecimento Assim, o instituto possui natureza cautelar, assim
como a prisão provisória, sendo proferida no âmbito de uma cognição não exauriente e
provisória, enquanto pendente a presunção constitucional de inocência, e objetivando

55
manter a proporcionalidade concreta da prisão cautelar. Considerando, portanto, que não
estamos diante de uma progressão antecipada, mas sim cautelar, em contrapartida à própria
prisão de natureza cautelar, o art. 387, § 2º, do CPP, exige apenas o adimplemento do
requisito objetivo do art. 112 da LEP para fins de modificação do regime inicial de
cumprimento de pena. Desse modo, após a fixação do regime inicial com base nos critérios
do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP, deve o juiz da condenação considerar o tempo de prisão
provisória para aferir se está adimplido o requisito objetivo do art. 112 da LEP,
ocasionando a alteração para regime mais brando em caso positivo. Esse posicionamento
afigura-se mais favorável que o anterior, vez que prescinde da análise do requisito subjetivo
da progressão de regime, possibilitando conferir efetividade à previsão do art. 387, § 2º, do
CPP.
Nesse sentido, conforme a exposição de motivos do projeto de lei que culminou na
edição da Lei 12.736/12, o novo dispositivo legal leva em consideração que “comumente
ocorre que após a sentença condenatória ter sido proferida, tenha o réu que aguardar a
decisão do juiz da execução penal, permanecendo nesta espera alguns meses em regime
mais gravoso ao que pela lei faz jus, em razão de não existir previsão expressa no Código
de Processo Penal conferindo ao juiz do processo de conhecimento a possibilidade de, no
momento da sentença, realizar o desconto da pena já cumprida”. Assim, afirma que “o que
se almeja com o presente projeto, portanto, é que o abatimento da pena cumprida
provisoriamente possa ser aplicada, também, pelo juiz do processo de conhecimento que
exarar a sentença condenatória conferindo maior celeridade e racionalidade ao sistema de
justiça criminal, evitando a permanência da pessoa presa em regime que já não mais
corresponde à sua situação jurídica concreta”.
Na mesma esteira, é a doutrina de André Luiz Nicolitt e Cipriana Nicolitt:
Em termos práticos, a lei impõe ao juiz a verificação, no
momento da sentença, se o tempo de prisão provisória já lhe
dá, a partir de uma analise meramente objetiva, direito à
progressão. Caso o período de prisão seja inferior a 1/6 da pena
aplicada, nenhum efeito haverá, do contrário, ou seja, tendo o
acusado permanecido preso por período superior a 1/6 da pena
definitiva imposta na sentença, deverá o juiz promover sua
progressão cautelar de regime, isto é, considerará o período de
prisão provisória para fixar novo regime de cumprimento da

56
prisão cautelar. Teríamos assim uma progressão cautelar de
regime.
Tal operação não pode ser confundida com a progressão de regime
da execução penal, pois esta só pode ocorrer no juízo da execução
e pressupõe o trânsito em julgado, o início da execução e a análise
dos requisitos subjetivos, além do tempo de cumprimento da pena
nos termos do art. 112 da LEP.
[...]
Da mesma forma que o efeito prático da prisão provisória é idêntico
à prisão pena, mas isso não faz delas o mesmo instituto, pois uma
é medida cautelar e outra satisfativa, a progressão cautelar de
regime, na prática se equivale à progressão de regime no âmbito da
execução, mas ambas possuem natureza diversa. Trata-se a
progressão cautelar de regime de um instituto de natureza
cautelar que visa manter a proporcionalidade concreta da
prisão cautelar. Repita-se, por ser um instituto cautelar,
destinado ao presumidamente inocente, contenta-se, apenas,
com os requisitos objetivos para sua concessão, o que está
inserto no âmbito da cognição cautelar, de natureza não
exauriente e provisória. Após o trânsito em julgado, aí sim,
poderá o juízo da execução decidir, definitivamente, e de forma
exauriente, as questões afetas ao cumprimento da pena e a
progressão de regime.2

c) Para uma terceira corrente, trata-se de detração para fins de fixação de regime
inicial, de modo que o regime prisional deixa de ser estabelecido com base na pena
definitiva e passa a ser fixado levando-se em conta o quantum de pena resultante do
desconto do tempo de prisão cautelar ou internação provisória a que o acusado foi
submetido durante o processo. Note-se que essa corrente altera a lógica das duas anteriores,
já que deixa de ter como parâmetro o instituto da progressão de regime. Como exemplo,
uma vez fixada uma pena de 4 anos e 2 meses de reclusão, o acusado primário e com
circunstâncias judiciais favoráveis faria jus ao regime inicial semiaberto; todavia, uma vez
descontado o lapso temporal de 3 meses a título de prisão provisória, a pena final a cumprir
resulta em 3 anos e 11 meses, passando a ser cabível a fixação do regime inicial aberto, por
força do art. 33, § 2º, c, do CP. Essa corrente tem sido adotada no âmbito do STJ e por
algumas Câmaras Criminais do TJRJ, bem como, na doutrina, por Renato Brasileiro e
Rogério Greco.

2
NICOLITT, André Luiz; NICOLITT, Cipriana. Boletim IBCCRIM, ano 23, nº 268, março de 2015, p. 16-17.

57
Destacamos julgados do STJ nesse sentido:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO
EM RECURSO ESPECIAL. PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO
DO AGRAVO REGIMENTAL. ART. 258 DO RISTJ. CINCO
DIAS. INTEMPESTIVIDADE. DETRAÇÃO. APLICAÇÃO
OBRIGATÓRIA PELO JUÍZO DE CONHECIMENTO.
CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
1. O agravo regimental deve ser interposto no prazo de 5 (cinco)
dias, conforme estabelecido no art. 258 do RISTJ, o que não
ocorreu no caso.
2. A concessão de habeas corpus, de ofício, ocorre por iniciativa
do próprio órgão jurisdicional quando constatada a existência de
ilegalidade flagrante ao direito de locomoção, o que ocorre na
hipótese.
3. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que a
detração prevista no art. 387, § 2º, do CPP é, sim, de
competência do Juiz sentenciante, cabendo a ele, no momento
da prolação do édito condenatório, considerar o tempo de
prisão provisória do réu, naquele mesmo processo, para a
definição do regime prisional.
4. Agravo regimental não conhecido. Concessão de habeas corpus
de ofício para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem
a fim de que seja efetuada a detração da pena.
(5ª Turma do STJ, AgRg no AREsp 1631641 / SP, Relator Ministro
RIBEIRO DANTAS, DJe 29/06/2020)

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO


PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA.
CONTINUIDADE DELITIVA. DETRAÇÃO DO TEMPO DE
PRISÃO CAUTELAR. REGIME PRISIONAL FECHADO
MANTIDO POR ESTA CORTE. RÉU MULTIRREINCIDENTE.
PENA CONDUZIDA A PATAMAR INFERIOR A 4 ANOS DE
RECLUSÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA.
WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação
nosentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso
legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não
conhecimento da impetração, salvo quando constatada a
existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. Com o advento da Lei 12.736/12, o Juiz processante, ao
proferir sentença condenatória, deverá detrair o período de
custódia cautelar para fins de fixação do regime prisional.
Forçoso reconhecer que o § 2º do art. 387 do Código de

58
Processo Penal não versa sobre progressão de regime
prisional, instituto próprio da execução penal, mas, sim,
acerca da possibilidade de se estabelecer regime inicial menos
severo, descontando-se da pena aplicada o tempo de prisão
cautelar do acusado. Precedentes.
3. Mesmo considerando a multirreincidência do paciente, realizada
a detração penal, o que conduz a pena a patamar inferior a 4 anos
de reclusão, resta evidenciada flagrante ilegalidade na
manutenção do regime prisional fechado, sendo cabível o regime
intermediário na hipótese.
4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para que
o paciente inicie o cumprimento de sua pena no regime semiaberto.
(5ª Turma do STJ, HC 429282 / SP, Relator Ministro RIBEIRO
DANTAS, DJe 14/09/2018)

RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO SIMPLES.


SENTENÇA CONDENATÓRIA. MANUTENÇÃO DA
PRISÃO PROVISÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO. GARANTIA
DA ORDEM
PÚBLICA. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REGIME INICIAL.
FUNDAMENTAÇÃO. REGIME FECHADO FIXADO EM
RAZÃO DA REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DETRAÇÃO. TEMPO DE
CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO COMPUTADO PARA
DEFINIÇÃO DO REGIME. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
WRIT NÃO CONHECIDO NESSE PONTO. REGIME
SEMIABERTO ESTABELECIDO EM OBSERVÂNCIA AO
ART. 386, § 2º, DO CPP. ORDEM DE HABEAS CORPUS
CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Conforme reiterada jurisprudência deste Superior Tribunal, a
prisão cautelar só pode ser imposta ou mantida quando
evidenciada, com explícita e concreta fundamentação, a
necessidade da rigorosa providência.
2. É idônea a fundamentação da prisão preventiva, para garantia
da ordem pública, em razão da reincidência específica do agente
em crimes contra o patrimônio. Precedentes.
3. O regime inicial de cumprimento pena pode ser agravado,
com fundamento na reincidência específica do agente. Precedentes.
4. No caso, o acórdão reconheceu ser cabível o regime
fechado, agravado em razão da reincidência específica, mas se
omitiu em razão quanto ao tempo de cumprimento de prisão
cautelar (art. 387, § 2º, do CPP). Ordem de habeas corpus
concedida, de ofício, para fixar o meio prisional semiaberto por
59
ter computado do quantum da reprimenda o tempo de
segregação preventiva, agravando-o em razão da
reincidência específica.
5. Recurso em habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa
extensão, improvido. Ordem de habeas corpus concedida, de
ofício, para fixar o regime inicial semiaberto na condenação
imposta ao recorrente na Ação Penal n. 0029011-
60.2017.8.13.0707, proveniente
da 2ª Vara Criminal da comarca de Varginha/MG.
(6ª Turma do STJ, RHC 89987 / MG, Relator Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 12/03/2018)

d) Por fim, uma quarta corrente sustenta a inconstitucionalidade do art. 387, § 2º,
do CPP, com fundamento nos princípios constitucionais do juiz natural (porquanto caberia
ao juiz da execução a progressão de regime, por força do art. 66 da LEP), da
individualização da pena e da isonomia (já que ensejaria o tratamento desigual dos
condenados que permaneceram presos no curso do processo e daqueles que responderam
ao processo em liberdade). Trata-se de posição extremamente criticável, vez que o instituto
objetiva exatamente sanar situação de constrangimento ilegal por desvio de execução que
vem sendo sistematicamente experimentada pelos presos provisórios. Ademais, não há que
se falar em violação ao princípio do juiz natural, vez que a disposição está prevista em lei,
não caracterizando juízo de exceção.

10) Colaboração premiada e regime inicial


Art. 4º, § 7º, II, da Lei 12.850/13: são nulas as cláusulas do acordo de colaboração
premiada que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do
art. 33 do CP e as regras de cada um dos regimes previstos no CP e na LEP.

11) Execução provisória da pena privativa de liberdade


O Plenário do STF julgou procedentes pedidos formulados em ações declaratórias
de constitucionalidade (ADC nº 43, 44 e 54 - Inf. 958/19) para assentar a
constitucionalidade do art. 283 do CPP, que veda a execução provisória da pena, diante do
princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), ressalvada a
possibilidade de decretação da prisão preventiva caso presentes os requisitos legais. Assim,
não se admite a antecipação da execução da sanção penal, sob pena de violação ao estado
60
de inocência. Todavia, uma vez prolatada sentença penal condenatória recorrível, é
possível a negativa do direito de recorrer em liberdade, conquanto que o juízo demonstre a
presença dos requisitos da prisão preventiva, previstos no art. 312 do CPP.
Lembrar que a Lei 13.964/19 inseriu o art. 492, I, e, do CPP para prever a execução
provisória da pena em caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de
reclusão pelo Tribunal do Júri. Tal hipótese de prisão como decorrência automática da
sentença condenatória, prevista especificamente no âmbito do Tribunal do Júri, encontra-
se com a sua constitucionalidade pendente de julgamento pelo STF no RE 1.235.340 e na
ADI 6783. No STJ, por sua vez, tem-se entendido pela impossibilidade da execução
provisória mesmo em caso de condenação no Tribunal do Júri (6ª Turma do STJ, no HC
793.944/MG, DJe 04/05/2023, e no HC 737.749-MG, veiculado no Informativo Edição
Especial nº 7/22, bem como 5ª Turma do STJ, no Inf. 730/22).
De toda sorte, tratando-se de réu preso por sentença condenatória recorrível,
será devida a execução provisória da pena privativa de liberdade, assegurando-se que
o preso provisório usufrua dos direitos da execução enquanto aguarda o julgamento de
recurso interposto. Ou seja, a execução provisória da pena privativa de liberdade se baseia
em: 1) sentença penal condenatória ainda NÃO transitada em julgado; e 2) o recolhimento
do réu à prisão em razão da negativa do direito de recorrer em liberdade.

Atenção: as hipóteses de progressão e regressão de regime, bem como de prisão


domiciliar, trabalho externo, saída temporária, remição, dentre outros, são objeto de estudo
do Direito de Execução Penal.

Pena restritiva de direitos

Uma vez aplicada a pena privativa de liberdade na sentença condenatória, com a


fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o juiz deverá analisar o cabimento da
sua substituição por pena restritiva de direitos (art. 59, IV, do CP).
Assim, a pena restritiva de direitos constitui sanção autônoma e substitutiva.
Exceção: art. 28 da Lei 11343/06.

61
1) Espécies
São penas restritivas de direitos, conforme art. 43 do CP: prestação pecuniária;
perda de bens e valores; limitação de fim de semana; prestação de serviço à comunidade
ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; e limitação de fim de semana.
Obs.: a Lei 14.344/22 inseriu o p. único ao art. 152 da LEP para prever, em relação
à limitação de fim de semana, que, nos casos de violência doméstica contra a mulher, o
juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de
recuperação e reeducação.

2) Requisitos
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem
as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro
anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça
à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for
culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode
ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se
superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser
substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas
restritivas de direitos.
§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a
substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida
seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha
operado em virtude da prática do mesmo crime.

➢ Crime culposo, qualquer que seja a pena aplicada


➢ Crime doloso com pena privativa de liberdade aplicada não superior a 4
anos, sem violência ou grave ameaça a pessoa.
Em homenagem ao princípio da proporcionalidade, lesão corporal leve, vias de
fato, constrangimento ilegal e ameaça não são compreendidos na noção de “violência ou
grave ameaça”, por serem infrações de menor potencial ofensivo, em que cabíveis os
institutos despenalizadores da Lei 9.099/95.

62
Súmula 588 do STJ: a prática de crime ou contravenção penal contra a mulher
com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Com efeito, o art. 41 da Lei
11.340/06 afasta a aplicabilidade da Lei 9.099/95 a esses crimes e o entendimento da
violência de gênero como grave violação dos direitos humanos (art. 6º) impõe a
interpretação extensiva do art. 44, I, do CP, para abranger também as contravenções penais.
A 3ª Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 1.994.182/RJ, ao rito dos
recursos repetitivos (Tema 1171), a fim de uniformizar o entendimento a respeito da
seguinte controvérsia: definir se configurado o delito de roubo, cometido mediante
emprego de simulacro de arma, é possível substituir a pena privativa de liberdade por
restritiva de direito.
Art. 69, § 1º, CP: Na hipótese deste artigo (concurso material de crimes - critério
do cúmulo material), quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não
suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o
art. 44 deste Código. Assim, no concurso de crimes, é possível aplicar a PRD em relação a
um dos crimes, mesmo que imposta PPL em relação ao outro, desde que concedida a
suspensão condicional, ou ainda (segundo Cleber Masson) imposto o regime inicial aberto,
dada a possibilidade de cumprimento simultâneo. A jurisprudência ressalva, contudo, a
necessidade de se observar o limite de 4 anos na soma das penas.
Art. 69, § 2º, CP: Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado
cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.
➢ Não reincidente específico no mesmo crime doloso.
STJ: o art. 44, II, do CP não admite a substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos para o réu reincidente em crime doloso, salvo se, em face de
condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha
operado em virtude da prática do mesmo crime.
Inf. 706/21, 3ª Seção do STJ: A reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do
CP, que veda de forma absoluta a substituição da PPL por PRD, se refere a crimes
idênticos (mesmo tipo penal), e não apenas da mesma espécie. O princípio da legalidade

63
penal, do qual decorre a vedação à analogia in malam partem, recomenda que não seja
ampliado o conceito de "mesmo crime".

3) Inconstitucionalidade da vedação ex lege


O Pleno do STF fixou tese de repercussão geral no ARE 663261, no sentido de que
“é inconstitucional a vedação à conversão da pena privativa de liberdade em pena
restritiva de direitos, prevista nos arts. 33. § 4º, e 44 da Lei 11.343/06”. Fundamento: art.
5º, XLVI, XXXV e LIV, da CF.
A Resolução nº 05/2012 do Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da CF,
suspendeu a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos"
do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, declarada inconstitucional por decisão definitiva do
STF no HC 97.256/RS.

4) Modo de substituição
Arts. 44, § 2º, e 46, caput, do CP.
Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser por multa ou
uma restritiva de direitos. STJ, 6ª Turma, EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1962346 /
SC, DJe 30/09/2022; 5ª Turma, AgRg no HC 671663 / SC, DJe 15/08/2022: A
jurisprudência do STJ considera não ser socialmente recomendável a aplicação da multa
substitutiva em crimes cujo tipo penal prevê multa cumulativa com a pena privativa de
liberdade, como no caso em tela.
Se superior a um ano, pode ser por multa e uma restritiva de direitos, ou por duas
restritivas de direitos. A prestação de serviços à comunidade só pode ser aplicada nas
condenações superiores a 6 meses.
* Art. 17 da Lei 11.340/06: proíbe a aplicação de penas de cesta básica ou outras
de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento
isolado de multa nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
5ª Turma do STJ, Inf. 714/21: A prestação pecuniária prevista no art. 45, §1º,
do Código Penal pode ser compensada com o montante fixado com fundamento no
art. 387, IV, do Código de Processo Penal, ante a coincidência de beneficiários (vítima)
e diante da finalidade reparatória de ambos.
64
Inicialmente, em uma interpretação teleológica, tem-se que
o art. 45, § 1º, do Código Penal previu uma ordem sucessiva
de preferência entre os beneficiários elencados. Havendo
vítima determinada, impõe-se que o valor estipulado para
prestação pecuniária seja a ela destinado.
Nesse contexto, é necessário o estudo particularizado dos
institutos da prestação pecuniária (art. 45, § 1º, do CP) e da
reparação dos danos causados pela infração (art. 387, IV,
do CPP) para determinar se é possível a compensação.
O art. 45, § 1º, do Código Penal prevê que a prestação
pecuniária tem natureza de pena (restritiva de direitos),
contudo, possui finalidade nitidamente reparatória
(cível), ao dispor que "(...) consiste no pagamento em
dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública
ou privada com destinação social (...)". A jurisprudência
desta Corte é firme no sentido de que a referida pena
restritiva de direitos guarda correspondência com o prejuízo
causado pelo delito, o que reforça seu caráter reparatório.
Por sua vez, o art. 387, IV, do Código de Processo Penal
visa assegurar a reparação cível dos danos causados
pela infração penal, representando nítida antecipação
efetuada pelo juiz criminal.
Assim, explicitada a natureza jurídica dos institutos, em
razão da finalidade reparatória presente em ambas
disposições legais e, ainda, diante da coincidência de
beneficiários (vítima), impõe-se a dedução do montante
fixado a título de reparação de danos - art. 387, IV, do
Código de Processo Penal, do que foi estipulado a
critério de prestação pecuniária substitutiva - art. 45, §
1º, do Código Penal, que prevê: "(...) O valor pago será
deduzido do montante de eventual condenação em ação de
reparação civil, se coincidentes os beneficiários".
Ressalta-se, por fim, que o valor fixado para reparação dos
danos - art. 387, IV, do CPP - refere-se a um valor mínimo,
nada impedindo que a vítima requeira valor superior no
âmbito cível.

5) Inadmissibilidade da execução provisória da pena restritiva de direitos


Súmula 643 do STJ: “a execução da pena restritiva de direitos depende do
trânsito em julgado da condenação”.

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* Atenção: no caso de conversão da pena restritiva de direitos em privativa de
liberdade, o cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo
cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de
detenção ou reclusão.

Suspensão condicional da pena

Uma vez proferida a sentença penal condenatória, se não for o caso de substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, deve ser analisada a possibilidade
de suspensão condicional da pena (art. 77 do CP). Nesse caso, a execução da pena privativa
de liberdade é suspensa por um determinado lapso temporal, que se denomina período de
prova, o qual se inicia após a audiência admonitória.

1) Requisitos
Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior
a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos,
desde que:
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e
personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias autorizem a concessão do benefício;
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art.
44 deste Código.
§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a
concessão do benefício.
§ 2o A execução da pena privativa de liberdade, não superior a
quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde
que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões
de saúde justifiquem a suspensão.

Em geral, o sursis só é utilizado nas hipóteses de crime com violência ou grave


ameaça, ou em casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher.
No caso de revogação da suspensão condicional da pena, o tempo do período de
prova NÃO conta como tempo de pena cumprida.

2) Condições
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As condições legais da suspensão condicional da pena estão elencadas no art. 78, e
as judiciais no art. 79 do CP.
1) Sursis simples ou comum: está sujeito às condições do art. 78, § 1o, do CP.
2) Sursis especial: está sujeito às condições do art. 78, § 2o, do CP.
3) Sursis etário e humanitário: art. 77, § 2o, do CP. As condições legais poderão se
ajustar, conforme o caso, ao sursis simples ou especial.
STJ, REsp 2.049.233/RJ, Rel. Min. JESUÍNO RISSATO, decisão monocrática, DJe
17/03/2023: A prestação de serviços à comunidade somente é aplicável às condenações
superiores a 6 meses, inclusive como condição da suspensão processual da pena, a teor do
art. 46 do CP. Observação: decisão obtida pela DPRJ, em REsp de autoria do Defensor
Público Matusalem Lopes de Souza.

3) Prorrogação, revogação e extinção


Art. 81, § 2o, do CP: a prorrogação do período de prova é automática
Art. 81, § 3o, do CP: a prorrogação do período de prova é facultativa.
Art. 81, caput, do CP: hipóteses de revogação obrigatória da suspensão condicional
da pena.
Art. 81, § 1º, do CP: hipóteses de revogação facultativa da suspensão condicional
da pena.
Art. 82 do CP: Expirado o prazo sem que tenha havido revogação, considera-se
extinta a pena privativa de liberdade.

Efeitos extrapenais da condenação

Arts. 91, 91-A e 92 do CP.


Art. 91 - São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de
terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo
fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua
proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

67
§ 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes
ao produto ou proveito do crime quando estes não forem
encontrados ou quando se localizarem no exterior.
§ 2º Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na
legislação processual poderão abranger bens ou valores
equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação
de perda.

Art. 91-A (inserido pela Lei 13.964/19). Na hipótese de


condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima
superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a
perda, como produto ou proveito do crime, dos bens
correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do
condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento
lícito.
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo,
entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o
domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração
penal ou recebidos posteriormente; e
II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante
contraprestação irrisória, a partir do início da atividade
criminal.
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da
incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida
expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do
oferecimento da denúncia, com indicação da diferença
apurada.
§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da
diferença apurada e especificar os bens cuja perda for
decretada.
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por
organizações criminosas e milícias deverão ser declarados
perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da
Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em
perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública,
nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento
de novos crimes.

Art. 92 - São também efeitos da condenação:


I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou
superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou
violação de dever para com a Administração Pública;

68
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo
superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou
da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão
cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder
familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado
ou curatelado;
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio
para a prática de crime doloso.
Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são
automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Confisco clássico ou tradicional: art. 91, II. Perda: 1) instrumentos do crime,


desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua
fato ilícito; 2) produto do crime ou qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido
pelo agente com a prática do fato criminoso.
Confisco por equivalência ou subsidiário: art. 91, § 1º, inserido pela Lei
12.694/12. Perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime.
Requisitos: quando não for encontrado o produto ou proveito do crime, ou quando se
localizarem no exterior.
CONFISCO ALARGADO, CONFISCO AMPLIADO OU PERDA
ALARGADA: art. 91-A, inserido pela Lei 13.964/19. Perda dos bens correspondentes à
diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o
seu rendimento lícito. Requisito: condenação por infração com pena máxima cominada
superior a 6 anos de reclusão. Atenção: o confisco alargado não possui relação com a
infração objeto do processo, nem tampouco com qualquer prática criminosa específica
comprovada!
* Imputação patrimonial. Enunciado 2 do CNPG: nos casos de confisco alargado
(art. 91-A), para efeito de indicação do valor a ser perdido (§ 3º), basta a apresentação de
cálculo simplificado, baseado nos dados disponíveis no momento do oferecimento da
denúncia, sem prejuízo do incremento do quantum decorrente de eventuais provas que
venham a ser aviadas aos autos no curso da instrução processual.
* Efeito específico da condenação
* Patrimônio real: conceito de beneficiário final ou beneficiário efetivo (beneficial
ownership)
69
* Inversão do ônus da prova (§2º) e sua compatibilidade com a Constituição?
1) Inversão do ônus da prova. Não é ônus do Estado a comprovação da origem ilícita
dos bens. Cabe ao acusado demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a
procedência lícita do patrimônio.
2) Não houve inversão do ônus da prova, sendo ônus da acusação comprovar o
incremento patrimonial e a sua incompatibilidade com as fontes lícitas de renda. (?)
3) Na ADI 6345, a Anadep defende que o artigo 91-A afronta o devido processo legal
(art. 5º, LIV, CF) e a presunção constitucional de inocência (art. 5º, LVII, CF) porque
presume a origem ilícita do patrimônio consolidado sem que se comprove a fonte ilícita,
importando em inversão do ônus da prova. Ou seja, todo o patrimônio em geral (e não
somente aquele vinculado à conduta criminosa objeto do processo) deve ter
comprovadamente a origem lícita – caso contrário, pode ser confiscado, o que afeta
principalmente os trabalhadores informais. Na ADI 6304, defende-se que a regra cria uma
pena de “confisco de bens”, em violação ao princípio da individualização da pena (art. 5º,
XLVI, CF) e da função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF), já que se refere à perda
de bens sem qualquer vínculo ou relação com o crime que resultou na condenação, o que
caracterizaria confisco sem justa causa e violação ao devido processo legal (art. 5º, LIV,
CF). Enunciado 1 da DP/MG, segundo o qual o art. 91-A, caput e § 2º, é inconstitucional
por violar os princípios da presunção de inocência e da vedação ao confisco (art. 5º, LIV e
LVII), bem como por promover indevida inversão do ônus da prova (art. 156 CP).
* Instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações
criminosas (art. 1º, § 1º, Lei 12850/13) e milícias (art. 288-A CPP)
* Natureza da norma e sucessão de leis no tempo:
1) Natureza cível e aplicabilidade imediata, mesmo aos fatos praticados antes de
sua entrada em vigor;
2) Norma penal e princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa
Obs.: a regra do art. 387, IV, do CPP, que dispõe sobre a fixação, na sentença
condenatória, de valor mínimo para reparação civil dos danos causados ao ofendido, aplica-
se somente aos delitos praticados depois da vigência da Lei 11.719/2008, que deu nova
redação ao dispositivo por se tratar de norma híbrida - de direito material e processual -
mais gravosa ao réu, de sorte que não pode retroagir (STJ: 5ª Turma, Inf. 528/13; 5ª Turma,
70
AgInt no HC 404550 / PR, DJe 28/06/2018, 6ª Turma, REsp 1449981 / AL, DJe
16/12/2019).

* Atenção: STJ, REsp 1.874.899/MG, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA


PALHEIRO, decisão monocrática, julgado em 12/04/2023, DJe 14/04/2023, publicada no
em informativo da DPE RJ: A determinação da perda do cargo ou da função pública em
razão de condenação criminal, com exceções feitas quanto ao crime de tortura, não é
automática, demandando fundamentação específica.

Valor mínimo de reparação do dano

Art. 387, IV, do CPP.


STJ, REsp 2.055.687/RJ, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, decisão
monocrática, DJe 09/05/2023: Para que seja possível a fixação de valor mínimo de
indenização na sentença penal condenatória, é necessário que tal pedido tenha sido
apresentado no momento processual oportuno, isto é, no oferecimento da exordial
acusatória, sob pena de violação do princípio da correlação e entre o pedido e a sentença.
* Observação: decisão obtida pela DPRJ, em REsp de autoria do Defensor Público
Matusalém Lopes de Souza.
A 3ª Seção do STJ, Inf. 621/18, em sede de recurso repetitivo, tema 983, decidiu
que, nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é
possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que
haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a
quantia, e independentemente de instrução probatória, haja vista que a indenização se
dá in re ipsa (ou seja, exsurge da própria conduta típica, independentemente de produção
de prova específica). O entendimento foi veiculado na edição nº 211 do Jurisprudência em
Teses do STJ (julgamentos com perspectiva de gênero III).

Prescrição

1) Considerações introdutórias

71
Prescrição é a perda do ius puniendi, ou seja, do poder de punir do Estado pelo seu
não exercício dentro do prazo fixado (prescrição da pretensão punitiva). Com o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória, a pretensão punitiva se converte em pretensão
executória, consistindo a prescrição na perda do ius punitionis pelo seu não exercício
dentro do prazo fixado (prescrição da pretensão executória).
Natureza jurídica: causa de extinção da punibilidade (art. 107, IV, do CP).
Crimes imprescritíveis: o racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLII e XLIV, da CRFB/88).
* STF (Pleno, Inf. 1036/21) e STJ (6ª Turma, AgRg no AREsp 734.236, DJ
08/03/2018): o crime de injúria racial (art. 140, § 3º, CP), espécie do gênero racismo,
é imprescritível. A prática de injúria racial traz em seu bojo o emprego de elementos
associados aos que se definem como raça, cor, etnia, religião ou origem para se
ofender ou insultar alguém. Consistindo o racismo em processo sistemático de
discriminação que elege a raça como critério distintivo para estabelecer desvantagens
valorativas e materiais, a injúria racial consuma os objetivos concretos da circulação de
estereótipos e estigmas raciais. Nesse sentido, é insubsistente a alegação de que há
distinção ontológica entre as condutas previstas na Lei 7.716/1989 e aquela constante do
art. 140, § 3º, do CP. Em ambos os casos, há o emprego de elementos discriminatórios
baseados naquilo que sociopoliticamente constitui raça, para a violação, o ataque, a
supressão de direitos fundamentais do ofendido. Sendo assim, excluir o crime de injúria
racial do âmbito do mandado constitucional de criminalização por meras considerações
formalistas desprovidas de substância, por uma leitura geográfica apartada da busca da
compreensão do sentido e do alcance do mandado constitucional de criminalização, é
restringir-lhe indevidamente a aplicabilidade, negando-lhe vigência.
* Assim, antes mesmo da Lei 14.532/23, STF e STJ já reconheciam que o crime de
injúria racial, mesmo quando ainda inserido no art. 140, § 3º, do CP, deveria ser
considerado como um dos tipos penais de racismo. Assim, a Lei 14.532/23 REFORÇOU
o entendimento de que o art. 5º, XLII, da CF, se aplica a todos os crimes de racismo,
inclusive o de injúria racial (que hoje está previsto no art. 2º-A da Lei 7.716/89): “a
prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei”. Portanto, não houve, no ponto, novatio legis in pejus, mas
72
consagração legislativa de entendimento jurisprudencial firmado antes mesmo da Lei
14.532/23.
Prazo de direito material: o dia do começo (dies a quo) inclui-se no cômputo do
prazo prescricional (art. 10 do CP). Assim, o prazo prescricional termina à meia-noite do
dia anterior correspondente ao dies a quo, ocorrendo a prescrição no dia correspondente à
data de início. Ex.: prazo prescricional de 3 anos, com termo inicial em 25/04/2018 - a
prescrição ocorre no dia 25/04/2021.
Matéria de ordem pública: pode ser decretada ex officio pelo juiz, a qualquer tempo
e em qualquer grau de jurisdição.
Concurso de crimes: a extinção da punibilidade, inclusive a prescrição, incidirá
sobre a pena de cada um, isoladamente (art. 119 do CP).
Assim, no concurso material e no concurso formal impróprio, a análise da
prescrição levará em consideração a pena cominada (prescrição da pretensão punitiva em
abstrato) ou aplicada (prescrição da pretensão punitiva concreta e prescrição da pretensão
executória) em relação a cada um dos delitos integrantes do concurso de crimes.
No concurso formal próprio e no crime continuado, em que se emprega o método
da exasperação, a prescrição também considerará, isoladamente, a pena de cada um dos
delitos, desprezando-se a fração de aumento de pena decorrente do concurso de crimes para
fins de cálculo do prazo prescricional. Súmula 497 do STF: “quando se tratar de crime
continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o
acréscimo decorrente da continuação”.

2) Espécies de prescrição

1) PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA:


➢ ABSTRATA
➢ EM CONCRETO: RETROATIVA
➢ EM CONCRETO: INTERCORRENTE / SUPERVENIENTE
* PRESCRIÇÃO PELA PENA IDEAL
2) PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

73
3) PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
➢ Refere-se à perda do jus puniendi pelo seu não exercício ao longo do tempo,
verificando-se antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
➢ Afasta todos os efeitos da condenação, principais e secundários, penais e
extrapenais. Assim, tem o condão de rescindir até mesmo eventual sentença condenatória
transitada em julgado. * Inf. 533/14, 5ª Turma do STJ: Ocorrida a prescrição da pretensão
punitiva de crime de responsabilidade de prefeito municipal, não podem ser aplicadas as
penas de perda de cargo e de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública
previstas no § 2º do art. 1º do Decreto-lei 201/1967.
➢ Termo inicial: art. 111 do CP.
➢ Causas modificativas do prazo prescricional: art. 115 do CP.
➢ Causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva: art. 117, incisos I a
IV, do CP.
➢ Causas suspensivas da prescrição da pretensão punitiva: art. 116, incisos I a
IV, do CP.

3.1 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ABSTRATA


➢ O prazo prescricional é obtido a partir do LIMITE MÁXIMO da pena
privativa de liberdade cominada pelo legislador a cada delito. Para se alcançar a pena
máxima cominada ao delito, é necessário considerar a incidência das qualificadoras e das
causas de aumento e diminuição de pena. Se as causas de aumento e de diminuição
possuírem frações variadas, deve ser considerado o fator que mais aumente ou menos
diminua a pena (ex.: na tentativa, a pena deve ser reduzida de 1/3), respectivamente, a fim
de se obter o limite máximo de pena cominada pelo legislador. Lembrar, ainda, de
desprezar a exasperação decorrente do concurso formal próprio e do crime continuado (art.
119 do CP).

74
* Atenção: as agravantes e atenuantes não são consideradas para alcançar o limite
máximo de pena privativa de liberdade cominada porque não têm o condão de fazer a pena
ultrapassar o máximo ou o mínimo legal.
➢ Obtido o limite máximo de pena, extrai-se o prazo prescricional do art. 109
do CP.
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença
final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se
pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao
crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234/10).
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos
e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e
não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e
não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou,
sendo superior, não excede a dois;
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
(Redação dada pela Lei 12.234/10)

* Atenção: por força do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, o


prazo prescricional de 3 anos só se aplica aos fatos com pena máxima inferior a um ano
praticados após a entrada em vigor da Lei 12.234/10, em 06/05/2010. Já para os fatos
praticados anteriormente, aplica-se o prazo prescricional anterior de 2 anos.
➢ Uma vez obtido o prazo prescricional, atentar para as causas modificativas
do art. 115 do CP: “são reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso
era, ao tempo do crime, menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos”.
* Atenção: Súmula 74 do STJ: “para efeitos penais, o reconhecimento da
menoridade do réu requer prova por documento hábil”.
* STF (Inf. 822/16 e 626/11) e STJ (3ª Seção do STJ, AgRg no AREsp 332.735, j.
16/02/2016; 6ª Turma do STJ, Inf. 652/19): a regra do art. 115 do CP somente é aplicada
ao agente com 70 anos de idade na data em que foi proferida a sentença condenatória. Ou
seja, o termo "sentença" se refere à primeira decisão condenatória, seja a do juiz singular
ou a proferida pelo Tribunal, não se operando a redução do prazo prescricional quando o

75
édito repressivo é confirmado em sede de apelação ou de recurso de natureza
extraordinária, mesmo que tenha havido modificação substancial da condenação.
* ATENÇÃO: 6ª Turma do STJ, Inf. 773/23: É cabível a redução do prazo
prescricional pela metade (art. 115 do CP) se, entre a sentença condenatória e o
julgamento dos embargos de declaração, o réu atinge a idade superior a 70 anos,
tendo em vista que a decisão que julga os embargos integra a própria sentença
condenatória.
➢ Termo inicial: art. 111 do CP.
Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença
final, começa a correr:
I - do dia em que o crime se consumou;
II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade
criminosa;
III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;
IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de
assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou
conhecido.
V - nos crimes contra a dignidade sexual ou que envolvam
violência contra a criança e o adolescente, previstos neste Código
ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18
(dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação
penal. (Inciso inserido pela Lei 12.650/12, com redação dada pela
Lei nº 14.344/22)

* Atenção: o inciso V foi inserido no art. 111 pela Lei 12.650/12, para prever que,
nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou
em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a
esse tempo já houver sido proposta a ação penal. Trata-se de novatio legis in pejus, razão
pela qual irretroativa.
O dispositivo foi alterado recentemente pela Lei nº 14.344/22, conhecida como Lei
Henry Borel, para incluir na previsão específica sobre o termo inicial da prescrição punitiva
também os crimes que envolvam violência contra a criança e o adolescente. Trata-se
de novatio legis in pejus, e, portanto, irretroativa também no ponto.
A parte final do inciso V do art. 111 é objeto de divergência, concernente ao termo
inicial do prazo prescricional, quando proposta a ação penal antes da vítima completar 18
anos: 1) o termo inicial será a data da propositura da ação penal; 2) o termo inicial será a

76
data do recebimento da denúncia, com base em uma interpretação conjugada com o art.
117, I, do CP (Rogério Sanches); 3) o termo inicial será a data da consumação do delito,
aplicando-se a regra do art. 111, I (Guilherme de Souza Nucci).
Além disso, discute-se se o termo “crimes contra a dignidade sexual” de crianças e
adolescentes abrangeria: 1) apenas os crimes inseridos no CP, sob esta rubrica (Título VI
do CP); ou 2) todos os delitos de natureza sexual existentes no ordenamento, inclusive na
legislação especial (ex.: crimes do ECA).
Atualmente, a previsão legislativa foi alargada para estabelecer termo inicial
específico não apenas para os crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes,
mas também para os crimes que envolvam violência contra a criança ou adolescente. Vale
indagar se a alteração legislativa: 1) abrange apenas os crimes que envolvam violência
doméstica e familiar contra a criança ou adolescente, por força de uma interpretação
teleológica, já que este é o objeto central da Lei 14.344/22; 2) ou abrange todos os crimes
que envolvam violência contra a criança ou adolescente, independentemente de terem sido
praticados ou não em contexto de violência doméstica e familiar.

➢ Causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva, recomeçando do


início a contagem do prazo prescricional (§ 2º): art. 117, incisos I a IV, do CP.
Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se:
I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa;
II - pela pronúncia;
III - pela decisão confirmatória da pronúncia;
IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios
recorríveis;
§ 1º - Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a
interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os
autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo
processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer
deles.
§ 2º - Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste
artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da
interrupção.

* Inciso I: pelo recebimento da denúncia ou da queixa.

77
Considera-se como marco interruptivo a data indicada pelo magistrado em sua
decisão de recebimento da denúncia, independentemente do dia em que recebidos os autos
na secretaria, ao contrário da sentença condenatória, que efetivamente depende de sua
publicação em cartório.
Súmula 709 do STF: “Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que
provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela”.
Assim, o prazo prescricional é interrompido pelo acórdão que dá provimento ao recurso
em sentido estrito contra a rejeição da denúncia, porquanto equivale ao seu recebimento.
STJ e STF: o recebimento da denúncia por juiz absolutamente incompetente não
interrompe o curso do prazo prescricional. Por sua vez, há precedente do STJ em que se
ressalva que, pelo princípio da convalidação, o recebimento da denúncia por juiz
territorialmente incompetente interrompe sim o prazo prescricional.
O aditamento da denúncia que não relata fatos novos, mas apenas dá definição
jurídica diversa da que foi apontada na acusação primitiva, não tem o condão de
interromper o prazo prescricional (ex.: aditamento apenas para corrigir definição jurídica).
Assim, o recebimento do aditamento só é apto a interromper o prazo da prescrição quando,
por esse meio, são apresentados argumentos que denotam significativa modificação fática
(ex.: aditamento próprio real, que inclui novos fatos que se traduzam em nova infração
penal; inclusão de qualificadora - 6ª Turma do STJ, AgRg no AREsp 1350483 / RS, DJe
12/11/2020). Caso o aditamento importe em inclusão de novo acusado (aditamento próprio
pessoal), discute-se se o seu recebimento interrompe (Rogério Greco) ou não (André Luiz
Nicolitt e Paulo Rangel) o prazo prescricional.
* Inciso IV: pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.
A sentença ou acórdão absolutórios NÃO interrompem a prescrição.
De acordo com a 6ª Turma do STJ, EDcl no AgRg no AREsp 243817 / SC, DJe
03/02/2014, a alteração do art. 117, IV, pela Lei 11.596/2007, não modificou o marco
interruptivo da prescrição, mas apenas explicitou que o momento a ser considerado, para
reinício da contagem do lapso prescricional, é o da publicação da sentença, que, segundo
entendimento pacificado nesta Corte, mesmo antes da reforma do texto normativo, é o da
publicação da sentença em cartório, ou seja, de sua entrega ao escrivão (art. 389 do CPP),
independentemente da data de intimação das partes ou da publicação no DO.
78
6ª Turma do STJ, Inf. 619/18; 6ª Turma do STJ, Inf. 481/11: na hipótese de não ter
sido lavrado o termo de recebimento da sentença, é desconhecida a data em que houve a
sua entrega em mãos do escrivão, devendo se considerar interrompida a prescrição na data
do primeiro ato que demonstrou, de maneira inconteste, a ciência da sentença pelas partes,
como no caso da aposição de ciência pelo MP.
Considera-se como publicado o “acórdão condenatório recorrível” na data da
sessão pública de julgamento, e não na data de sua veiculação no Diário Oficial.
Plenário do STF, HC 176.473/RO, j. 27/4/2020: "Nos termos do inciso IV do artigo
117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive
quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a
pena anteriormente imposta". No mesmo sentido, 3ª Seção do STJ, recurso repetitivo,
Tema 1100, Inf. 744/22: “O acórdão condenatório de que trata o inciso IV do art. 117 do
Código Penal interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório de sentença
condenatória, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta”.
Considerando que o acórdão condenatório recorrível foi inserido como marco
interruptivo da prescrição pela Lei 11.596/07, aplica-se o princípio da irretroatividade da
lei penal mais gravosa para não alcançar os fatos praticados antes da sua vigência (6ª Turma
do STJ, AgRg no REsp 1193594 / ES, DJe 26/03/2021; 5ª Turma do STJ, EDcl no AgRg
no AREsp 1375327 / RS, DJe 05/03/2021).
Se a decisão condenatória for anulada, deixará de interromper a prescrição.
* Incisos II e III: pela pronúncia e pela decisão confirmatória da pronúncia.
São marcos interruptivos aplicáveis ao procedimento do tribunal do júri. Prevalece
que ocorrem com a publicação da pronúncia em cartório e na data da sessão de julgamento
da decisão confirmatória da pronúncia.
As decisões de impronúncia, absolvição sumária e desclassificação (arts. 414, 415
e 419 do CPP) NÃO interrompem a prescrição.
Súmula 191 do STJ: a pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o
Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime para outro que não seja doloso contra a
vida. Por sua vez, se a desclassificação para crime que não seja doloso contra a vida for
realizada pelo tribunal ad quem, em sede de recurso em sentido estrito interposto em face
da decisão de pronúncia, há divergência: 1) a decisão de pronúncia, objeto de reforma,
79
perde a força interruptiva da prescrição; 2) “a desclassificação da conduta no julgamento
do recurso em sentido estrito para crime de competência do Juízo singular, constitui
reforma da pronúncia por error in judicando. Nesse caso, é mantida a validade do ato
jurisdicional e, por consequência, seu efeito como marco interruptivo da prescrição.
Diferente seria se tivesse havido a anulação da pronúncia, por error in procedendo, quando
a própria validade do ato jurisdicional teria sido atingida” (6ª Turma do STJ, AgRg nos
EDcl nos EDcl no REsp 1816442 / RS, DJe 06/10/2020).
* § 1º: a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores
do crime.
STF: O fato de o corréu haver sido condenado pelo Juízo implica a interrupção da
prescrição quanto ao absolvido caso condenado em segunda instância. Por sua vez, Pacelli
e Domingos Barroso3 criticam a extensão do efeito interruptivo da condenação ao corréu
absolvido porque a condenação possui efeito personalíssimo, a sanção é aplicada de forma
individualizada e a responsabilidade penal é pessoal e intransferível, razão pela qual
deveria ser conferida interpretação conforme à CF ao art. 117, § 1º, do CP.
STJ: Cuidando-se de aditamento para incluir novos crimes aos corréus, tem-se que
o recebimento da referida peça é marco interruptivo para todos os denunciados (5ª Turma
do STJ, HC 414685 / SC, DJe 27/02/2018).
STJ: no caso de desmembramento do processo, a interrupção da prescrição não se
comunica aos réus do feito desmembrado (6ª Turma do STJ, AgRg no AREsp 506599 / RJ,
DJe 11/03/2019)
* § 1º: nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos
demais a interrupção relativa a qualquer deles.
Apesar da prescrição incidir sobre a pena de cada crime, isoladamente (art. 119 do
CP), os marcos prescricionais interruptivos se comunicam aos crimes conexos objeto do
mesmo processo.
Ex.: Os marcos prescricionais interruptivos que se verificaram tanto na sentença
penal condenatória, que condenou o Agravante tão-somente pelo primeiro delito conexo,

3
DE OLIVEIRA, Eugênio Pacelli; DA COSTA, Domingos Barroso. O art. 117, § 1º, do Código Penal e
sua interpretação conforme a Constituição: a absolvição, a pronúncia, a condenação e a interrupção da
prescrição. Boletim IBCCRIM. Ano 20, nº 241, Dez/2012, p. 9-10.

80
quanto no acórdão proferido pela Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que também
condenou o Agravante pelo segundo crime conexo, servem para afastar a prescrição da
pretensão punitiva (2ª Turma do STF, HC 130227 AgR, DJ 16/06/2016)
Com relação aos crimes conexos, sustenta Zaffaroni que apenas a conexão real
produz o efeito da interrupção, e não a conexão meramente formal ou circunstancial, ditada
pela facilidade na colheita da prova.
➢ Causas suspensivas/ impeditivas da prescrição da pretensão punitiva, de modo
que o lapso temporal anterior à ocorrência do evento é computado quando da continuação
da contagem: art. 116, incisos I a IV, do CP.
Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição
não corre:
I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que
dependa o reconhecimento da existência do crime;
II - enquanto o agente cumpre pena no exterior; (Redação dada pela
Lei nº 13.964, de 2019)
III - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos
Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)
IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não
persecução penal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

* Inciso I: se refere à questão prejudicial, obrigatória ou facultativa (arts. 92 a 94


do CPP), a exemplo dos casos de bigamia.
* Inciso II: não houve alteração substancial pela Lei Anticrime. A razão da causa
suspensiva é a vedação da extradição do agente enquanto cumpre pena no estrangeiro.
* Inciso III: a Lei Anticrime inseriu como causa suspensiva da prescrição da
pretensão punitiva a pendência de embargos de declaração ou de recursos aos
Tribunais Superiores, quando inadmissíveis.

* Inciso IV: a Lei Anticrime inseriu como causa suspensiva da prescrição da


pretensão punitiva que o prazo não corre enquanto não cumprido ou não rescindido
o acordo de não persecução penal.
Novatio legis in pejus.

81
Alexandre Paranhos sustenta que a nova causa impeditiva somente incidirá sobre
os acordos firmados após vigência e eficácia da Lei 13.964/19. Por sua vez, em relação aos
acordos de não persecução penal lastreados na Resolução nº 181 do CNMP, houve novatio
legis in pejus, não podendo a causa impeditiva se aplicar retroativamente.
Uma vez celebrado o ANPP e devidamente homologado pelo juiz, o prazo da
prescrição da pretensão punitiva em abstrato fica suspenso. Isso porque o ANPP tem
cabimento antes mesmo do oferecimento da denúncia, ao passo que a Lei 12.234/10 aboliu
a possibilidade de prescrição da pretensão punitiva retroativa entre a data do fato e o
recebimento da denúncia. Ademais, considerando que o ANPP não equivale a uma
condenação, não há que se falar em prescrição da pretensão executória; até porque os
incisos do art. 116 se referem à PPP.
O termo inicial da suspensão do prazo prescricional, a princípio, corresponde à data
da decisão judicial de homologação do ANPP. Ocorre que determinadas condições, antes
de serem exigíveis, podem estar sujeitas à concretização quanto ao seu modo de
cumprimento, como no caso da prestação de serviços à comunidade, cujo local de
cumprimento deve ser estabelecido pelo juízo da execução. Nesses casos, é possível
sustentar que a suspensão do prazo prescricional só se dá quando exigíveis as condições,
por ser este o momento em que surge o dever de cumprir o acordo.
Uma vez cumprido o ANPP, opera-se a extinção da punibilidade do agente, que
deverá ser decretada pelo juízo da execução (art. 28-A, § 13, do CPP).
Em caso de descumprimento das condições do ANPP, dispõe o art. 28-A, § 10, do
CPP, que o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e
posterior oferecimento de denúncia. Nesse caso, é possível visualizar duas correntes quanto
ao termo final da suspensão do prazo prescricional. Para uma primeira corrente, o prazo
prescricional ficará suspenso até a data da decisão judicial de rescisão do acordo, quando
voltará a correr de onde parou até o implemento de causa interruptiva da prescrição (no
caso, recebimento da denúncia). Aqui, é possível discutir se devemos considerar a data da
prolação da decisão judicial ou a data da publicação da decisão em cartório. Já para uma
segunda corrente, o prazo prescricional ficará suspenso até a data do efetivo
descumprimento de alguma condição do acordo pelo investigado, o que dá causa à sua
rescisão. Isso porque é ônus do MP comunicar o fato ao juízo para fins de rescisão do
82
acordo, não podendo a inércia estatal ser imputada ao investigado. Ademais, a rescisão do
acordo ocorre desde o descumprimento injustificado de alguma condição, sendo a decisão
judicial meramente declaratória. Então, o prazo prescricional voltaria a correr desde o
momento em que descumprida alguma condição do acordo, independentemente da data da
decisão judicial que declara a rescisão. Enunciado interpretativo nº 19 da DP/MG: Ante a
notícia de descumprimento de condição estipulada no acordo de não persecução penal, em
homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa constitucionalmente
determinados, a análise da rescisão pressupõe a oitiva do investigado e da defesa técnica.
Isso porque é possível a apresentação de justificativa idônea para o descumprimento da
condição, apta a impedir a rescisão do ANPP. A exigência da oitiva da defesa e do
investigado antes da decisão judicial de rescisão, como corolário dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa, é plenamente compatível com a corrente
que sustenta que o termo final da suspensão do prazo prescricional corresponde à data do
efetivo descumprimento das condições pactuados. Isso porque apenas o descumprimento
injustificado de condição estipulada dá causa à rescisão do ANPP.
Essa causa suspensiva do prazo prescricional não pode ser aplicada analogicamente
ao instituto da transação penal ante a ausência de previsão legal. Assim, o princípio da
legalidade penal (art. 5º, XXXIX, da CF), no particular aspecto da exigência de lex stricta,
veda o emprego de analogia in malam partem. Em relação à suspensão condicional do
processo, há previsão de causa suspensiva semelhante no art. 89, § 6º, da Lei 9.099/95, que
prevê que “não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo”.
Na ADI 6345, a ANADEP sustenta que o art. 116, IV, do CP, viola os princípios
do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF)
e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF). Isso porque, caso o indiciado
venha a descumprir alguma medida imposta no acordo, o Ministério Público poderá
oferecer denúncia tendo como fundamento a confissão já proferida pelo
investigado/acusado. Além disso, a nova causa suspensiva da prescrição cria a
possibilidade de punição ad aeternum, na medida em que, a qualquer momento, até o
cumprimento completo do acordo ou sua rescisão, o Ministério Público poderá oferecer
denúncia.

83
➢ Outras causas suspensivas/ impeditivas do prazo prescricional na
legislação esparsa:
i. Art. 89, § 6º, da Lei 9099: Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão
condicional do processo.
ii. Art. 366 CPP: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir
advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz
determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso,
decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”. Súmula 415 do STJ: ''O
período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada''.
Assim, após o decurso desse lapso temporal, o processo continua suspenso, mas a
prescrição voltará a correr, porque os casos de imprescritibilidade encontram-se
delimitados no art. 5º, XLII e XLIV, da CF. Tese de RG do STF no RE 600851/DF (Inf.
1001/20): “em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados
os crimes previstos na CF como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de
suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato
cominada ao crime, a despeito de o processo permanecer suspenso”. Assim, o STJ se
alinhou à jurisprudência do STF e, no Inf. 693/21, estabeleceu que: “citado o réu por edital,
nos termos do art. 366 do CPP, o processo deve permanecer suspenso enquanto perdurar a
não localização do réu ou até que sobrevenha o transcurso do prazo prescricional”.
iii. art. 368 do CPP: “Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado
mediante carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu
cumprimento”. 5ª Turma do STJ, Inf. 691/21: o termo final da suspensão do prazo
prescricional pela expedição de carta rogatória para citação do acusado no exterior é a data
da efetivação da comunicação processual no estrangeiro, ainda que haja demora para a
juntada da carta rogatória cumprida aos autos.
iv. art. 53, § 5º, da CF: “A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto
durar o mandato”.
v. art. 15 da Lei 9.964/00
vi. Art. 83, § 2º, Lei 9430/96
vii. Art. 87 da Lei 12.529/11

84
* Inf. 509/12, 5ª turma do STJ: Não é possível que o magistrado, ao receber a
denúncia, altere a capitulação jurídica dos fatos a fim de justificar a inocorrência de
prescrição da pretensão punitiva e, consequentemente, viabilizar o prosseguimento da ação
penal. A verificação da existência de justa causa para a ação penal, vale dizer, da
possibilidade jurídica do pedido, do interesse de agir e da legitimidade para agir, é feita a
partir do que contido na peça inaugural, que não pode ser corrigida ou modificada pelo
magistrado quando do seu recebimento. Com efeito, ainda que se trate de mera retificação
da capitulação jurídica dos fatos descritos na vestibular, tal procedimento apenas é cabível
quando da prolação da sentença, nos termos do art. 383 do CPP (emendatio libelli). Quanto
ao ponto, é imperioso destacar que, ainda que o acusado se defenda dos fatos narrados na
denúncia, e não da definição jurídica a eles dada pelo MP, não se pode admitir que, no ato
em que é analisada a própria viabilidade da persecução criminal, o magistrado se manifeste
sobre a adequação típica da conduta imputada ao réu, o que, evidentemente, configura
indevida antecipação de juízo de valor acerca do mérito da ação penal. Dessa forma,
havendo erro na correta tipificação dos fatos descritos pelo órgão ministerial, ou dúvida
quanto ao exato enquadramento jurídico a eles dado, cumpre ao magistrado receber a
denúncia tal como proposta, para que, no momento em que for prolatar a sentença, proceda
às correções necessárias. Ressalte-se que a doutrina e a jurisprudência têm admitido em
determinados casos a correção do enquadramento típico logo no ato de recebimento da
exordial acusatória, mas somente para beneficiar o réu ou para permitir a correta fixação
da competência ou do procedimento a ser adotado. Por outro lado, não se pode admitir que
o magistrado, em prejuízo ao réu e sem que exista erro grosseiro por parte do membro do
Parquet, atue de modo a alterar os parâmetros da denúncia formulada, o que configura
violação ao princípio dispositivo, desrespeito à titularidade da ação penal e antecipação do
julgamento do mérito do processo. Portanto, já transcorrido o lapso prescricional previsto
para o crime imputado na denúncia quando do juízo de admissibilidade da acusação, é
imperiosa a extinção da punibilidade do agente pela prescrição da pretensão punitiva
estatal. Precedentes citados do STF: HC 89.686-SP, DJ 17/8/2007; do STJ: HC 103.763-
MG, DJe 16/3/2009. RHC 27.628-GO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/11/2012.

85
3.2 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM CONCRETO
➢ A prescrição da pretensão punitiva em concreto, nas modalidades retroativa
e superveniente, é corolário dos princípios da personalidade e da individualização da pena,
compatibilizando a extinção da punibilidade com o grau de culpabilidade do autor e de
reprovabilidade do comportamento, além de encontrar fundamento no princípio da pena
justa.
➢ Súmula nº 146 do STF: A prescrição da ação penal regula-se pela pena
concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.
➢ A prescrição da pretensão punitiva em concreto possui previsão normativa
no art. 110, § 1º, do Código Penal, podendo ser retroativa ou intercorrente: “a
prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação
ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em
nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa” (Redação
dada pela Lei 12.234/10).
* Atenção: o recurso da acusação apenas impede a prescrição em concreto se
objetivar o aumento da pena privativa de liberdade, haja vista os reflexos que pode acarretar
no prazo prescricional em caso de provimento.
Proferida sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, e anulado
o processo ou a sentença em virtude de exclusivo recurso da defesa, pena maior não poderá
ser imposta, sendo admissível a prescrição pela pena em concreto.
➢ Assim, o prazo prescricional é obtido a partir da PENA
CONCRETAMENTE APLICADA pelo julgador na sentença/ acórdão condenatório com
trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, desprezada
apenas a exasperação decorrente do concurso formal próprio e do crime continuado (art.
119).
➢ Então, verifica-se o prazo prescricional correspondente no art. 109 do CP.
➢ Uma vez obtido o prazo prescricional, atentar para as causas modificativas
do art. 115 do CP: “são reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso
era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de
70 anos”.

86
➢ Causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva, recomeçando do
início a contagem do prazo prescricional: art. 117, incisos I a IV, do CP.
➢ Causas suspensivas da prescrição da pretensão punitiva, de modo que o
lapso temporal anterior à ocorrência do evento é computado quando da continuação da
contagem: art. 116, incisos I a IV, do CP.

3.2.1 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA


➢ Pressuposto: sentença condenatória com trânsito em julgado para a
acusação ou depois de improvido seu recurso.
➢ Contudo, a prescrição da pretensão punitiva retroativa é uma modalidade de
prescrição em concreto que se opera ANTES da publicação da decisão condenatória.
➢ Lei 12.234/10: NÃO pode ter por termo inicial data anterior à denúncia ou
queixa. Assim, foi abolida a prescrição da pretensão punitiva retroativa entre a data
do fato e o recebimento da denúncia, só podendo ocorrer, nesse interregno, a prescrição
da pretensão punitiva em abstrato. Novatio legis in pejus.
➢ Assim, a prescrição retroativa pode ocorrer:
a) Entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da publicação da
sentença ou acórdão condenatórios recorríveis (decisão absolutória NÃO é marco
interruptivo);
No procedimento do tribunal do júri:
a) Entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da publicação da
decisão de pronúncia;
b) Entre a data da publicação da decisão de pronúncia e a data da publicação da
decisão confirmatória da pronúncia;
c) Entre a data da publicação da decisão de pronúncia ou da decisão confirmatória
da pronúncia e a data da publicação da sentença condenatória recorrível.
➢ 3ª Seção do STJ, Inf. 470/11: a prescrição é matéria prejudicial ao exame
do mérito por constituir fato impeditivo do direito estatal de punir e extintivo da
punibilidade do réu, podendo, inclusive, ser analisada de ofício em qualquer fase do
processo. Portanto, pode ser reconhecida pelo tribunal de origem, ainda que ele não esteja

87
revestido de jurisdição, ao analisar os pressupostos gerais do recurso, sem que isso importe
em incursão em seu conteúdo.

3.2.2 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA INTERCORRENTE OU


SUPERVENIENTE
➢ Pressuposto: sentença condenatória com trânsito em julgado para a
acusação ou depois de improvido seu recurso.
➢ A prescrição da pretensão punitiva intercorrente é uma modalidade de
prescrição em concreto que se opera DEPOIS da publicação da decisão condenatória.
➢ Assim, a prescrição intercorrente pode ocorrer:
a) Entre a data da publicação da sentença condenatória recorrível, com trânsito
em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, e a data da publicação do
acórdão confirmatório (decisão absolutória NÃO é marco interruptivo);
b) Entre a data da publicação da sentença ou acórdão condenatório recorrível,
com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, e a data do
trânsito em julgado.
c) Nos casos em que o recurso do MP é provido, mas, ainda assim, se verifica
a prescrição entre a publicação da sentença condenatória e publicação do acórdão
reformador, por interpretação sistemática, considera-se que houve prescrição da pretensão
punitiva intercorrente por ter se operado após a sentença condenatória.

➢ Art. 116, III, do CP: a Lei Anticrime inseriu como causa suspensiva/
impeditiva da prescrição da pretensão punitiva a pendência de embargos de
declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis.
Novatio legis in pejus.
Não confundir com a causa interruptiva do art. 117, IV, que se refere à publicação
da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.
Enunciado interpretativo nº 2 da DP/MG: a suspensão da prescrição prevista no
artigo 116, III, ocorre apenas quando os recursos não forem conhecidos, por não

88
preencherem os requisitos de admissibilidade, não se aplicando aos casos em que houver
apreciação do mérito recursal e quando se tratar de recurso interposto pela acusação.
Primeira controvérsia: quando o preceito fala em embargos de declaração ou
recursos inadmissíveis, o legislador está se referindo àqueles que não foram conhecidos
por não preencherem os requisitos de admissibilidade, o que não se confunde com aqueles
tiveram seu mérito apreciado, mas foram desprovidos (Renato Brasileiro) X há
interpretação da regra de forma a abranger não apenas os recursos não conhecidos, mas
também aqueles que foram desprovidos, o que, contudo, não encontra respaldo na
terminologia empregada pelo legislador. Nucci parece considerar o provimento ou não do
mérito do recurso.
Segunda controvérsia: considerando que a ratio do dispositivo é impedir o curso da
prescrição nos casos de recursos meramente protelatórios, interpostos de má-fé pela defesa
com o principal propósito de se alcançar a extinção da punibilidade do agente, uma
primeira corrente sustenta que a pendência de embargos de declaração ou de recursos ao
tribunais superiores, quando interpostos pela acusação (MP, querelante e assistente de
acusação), não consubstanciam causa suspensiva da prescrição. Saliente-se que esse
entendimento não viola o princípio da legalidade penal, já que não consiste em analogia in
malam partem. X para uma segunda corrente, se a lei não fez qualquer ressalva quanto à
parte que interpôs o recurso, não cabe ao intérprete fazê-lo.
Interessante notar que o STF não é tribunal superior, conforme se depreende, por
exemplo, do disposto no art. 92, §§ 1º e 2º, da CF. Assim, invocando o princípio da
legalidade penal, é possível invocar que não incide a causa suspensiva quando os embargos
de declaração ou o recurso forem interpostos perante o STF. X A doutrina não tem
abordado essa questão, pressupondo que o termo tribunais superiores abrange o STF e o
STJ.
Para Rogério Sanches, Renato Brasileiro e Nucci, os embargos de declaração,
opostos em face de sentença de 1º grau (embarguinhos – art. 382 CPP) ou de acórdão de
tribunal de 2º grau (art. 619 CPP), quando inadmissíveis, têm o condão de suspender o
prazo prescricional X para uma segunda corrente, o dispositivo se refere tanto aos
embargos de declaração, quanto aos recursos, apenas quando ofertados perante os tribunais
superiores e inadmissíveis.
89
É possível questionar, ainda, a constitucionalidade do dispositivo diante do
princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF), não
cabendo ao acusado suportar os ônus da mora estatal em apreciar os recursos interpostos,
e do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF). Além disso, é lição basilar no Direito que a
má-fé não se presume, existindo o direito de recorrer. Subverte-se a ratio recursal,
agregando ônus processuais ao mero exercício de direitos pelo acusado. Em sentido
contrário, é possível sustentar a constitucionalidade da inovação legislativa por se tratar de
legítima opção do legislador acerca de um instituto penal, não cabendo ao Judiciário se
imiscuir no mérito da atividade legislativa, notadamente quando não sacrificado qualquer
direito ou princípio constitucional.
Veja que a suspensão do prazo prescricional se inicia (dies a quo) a partir da data
da interposição do recurso, e perdura até a data da decisão judicial de inadmissibilidade
(dies ad quem). Questiona-se se essa inadmissibilidade deva ser aferida recurso a recurso
(gera suspensões intercaladas da prescrição) ou se o dies ad quem se refere à última decisão
de confirmação da inadmissibilidade da cadeia de recursos possíveis (Renato Brasileiro,
ex.: RE inadmitido na origem, com interposição de agravo, ficando o prazo prescricional
suspenso até a decisão que confirmou a inadmissão).

➢ STF e STJ (3ª Seção do STJ, AgRg na PET nos EAREsp 705011 / SC, DJe
20/04/2021): recursos especial e extraordinário indeferidos na origem porque
inadmissíveis, em decisões mantidas pelo STF e pelo STJ, não têm o condão de
impedir a formação da coisa julgada, que deverá retroagir à data do término daquele
prazo recursal. Ou seja, a decisão que nega seguimento ao recurso possui natureza
declaratória, com efeito ex tunc, de forma que o trânsito em julgado se opera quando do
término do prazo para a interposição do recurso cabível que não fora admitido (RE ou
REsp).

3.2.3 PRESCRIÇÃO RETROATIVA ANTECIPADA, PRESCRIÇÃO PELA


PENA IDEAL, PRESCRIÇÃO PELA PENA VIRTUAL OU PRESCRIÇÃO EM
PERSPECTIVA

90
➢ Baseia-se na pena que provavelmente será imposta ao réu em caso de
condenação (pena virtual, pena em perspectiva, pena projetada), de modo a reconhecer
antecipadamente a prescrição da pretensão punitiva retroativa.
➢ Pleno do STF (RE 602527 QO-RG / RS, regime de repercussão geral, j.
19/11/2009) e Súmula do 438 do STJ: NÃO admitem a prescrição da pretensão punitiva
pela pena hipotética.
➢ É possível, contudo, sustentar a falta de interesse de agir e requerer a
extinção da ação penal por ausência de condição da ação, nos termos do art. 395, II, CPP.

4) PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA


➢ Refere-se à perda do jus punitionis pelo seu não exercício ao longo do tempo.
Seu pressuposto é a sentença penal condenatória transitada em julgado para ambas as partes
porque o título executivo surge a partir desta. Contudo, nos termos do art. 112, I, do CP, o
termo inicial do prazo prescricional da pretensão executória é a data do trânsito em julgado
para a acusação, e não para ambas as partes. Assim, para uma primeira corrente, deveria
prevalecer a interpretação literal mais benéfica ao condenado, haja vista a vedação da
analogia in malam partem, de forma a poder correr simultaneamente os prazos da
prescrição intercorrente e executória. DIVERSAMENTE, a 3ª Seção do STJ, no Inf.
755/22, decidiu que o Termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão
executória é o trânsito em julgado para ambas as partes. Assim, alinhou-se às recentes
decisões do STF, em especial do Tribunal Pleno, que fixou a orientação de que "[a]
prescrição da pretensão executória, no que pressupõe quadro a revelar a possibilidade de
execução da pena, tem como marco inicial o trânsito em julgado, para ambas as partes, da
condenação". Logo, "enquanto não proclamada a inadmissão de recurso de natureza
excepcional, tem-se o curso da prescrição da pretensão punitiva, e não a da pretensão
executória" (AI 794.971/RJ-AgR, rel. do ac. Min. Marco Aurélio, DJe de 28/06/21) (ARE
1.301.223 AgR-ED, Relato Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 29/04/2022).
Conforme orientação da Sexta Turma do STJ, não há que se falar em prescrição da
pretensão executória, porque, ainda que haja, no STF, reconhecimento de repercussão geral
- ARE 848.107/DF (Tema n. 788) -, pendente de julgamento, "[o] Plenário do Supremo

91
Tribunal Federal, no julgamento do AI 794.971-AgR/RJ (Rel. para acórdão Ministro
Marco Aurélio, DJe 25/06/2021), definiu que o dies a quo para a contagem da prescrição
da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes. Assim, por já ter
havido manifestação do Plenário da Suprema Corte sobre a controvérsia e em razão desse
entendimento estar sendo adotado pelos Ministros de ambas as Turmas do STF, entendeu-
se que essa orientação deve passar a ser aplicada nos julgamentos do Superior Tribunal de
Justiça, uma vez que não há mais divergência interna naquela Corte sobre o assunto.
➢ Afasta apenas o efeito principal da condenação, que consiste na aplicação da
sanção penal. Por sua vez, persistem todos os efeitos secundários da condenação, penais e
extrapenais (ex.: reincidência, maus antecedentes, obrigação de indenizar, perda de cargo,
etc). Assim, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva é mais benéfico do que
a prescrição executória.
Inf. 532/13, 5ª Turma do STJ:
Deve ser reconhecida a extinção da punibilidade com
fundamento na prescrição da pretensão punitiva, e não com
base na prescrição da pretensão executória, na hipótese em que
os prazos correspondentes a ambas as espécies de prescrição
tiverem decorrido quando ainda pendente de julgamento agravo
interposto tempestivamente em face de decisão que tenha negado,
na origem, seguimento a recurso especial ou extraordinário. De
início, cumpre esclarecer que se mostra mais interessante para o
réu obter o reconhecimento da extinção da punibilidade com
fundamento na prescrição da pretensão punitiva, pois, ainda
que ambas possam ter se implementado, tem-se que os efeitos
da primeira são mais abrangentes, elidindo a reincidência e
impedindo o reconhecimento de maus antecedentes. A
prescrição da pretensão executória só pode ser reconhecida após o
trânsito em julgado para ambas as partes, ainda que o seu lapso
tenha início com o trânsito em julgado para a acusação, nos termos
do que dispõe o art. 112, I, do CP.

➢ Art. 112 do CP: estabelece os demais termos iniciais da prescrição da


pretensão executória, nos casos de revogação da suspensão condicional da pena ou do
livramento condicional, bem como nos casos de interrupção da execução (evasão). Obs.: a
parte final do inciso II do art. 112 se refere à internação por superveniência de doença (art.
41 do CP).

92
Art. 112 - No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a
correr:
I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória,
para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da
pena ou o livramento condicional;
II - do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o
tempo da interrupção deva computar-se na pena.

➢ O prazo prescricional é considerado a partir da PENA IMPOSTA na


sentença penal condenatória em relação a cada infração penal, desprezando-se a majoração
proveniente do concurso formal próprio e do crime continuado (art. 119).
➢ Art. 113 do CP: No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o
livramento condicional, a prescrição é regulada pelo TEMPO QUE RESTA DA PENA.
* STJ e STF: o art. 113 do CP tem incidência específica aos casos de revogação do
livramento condicional ou de evasão do condenado, não admitindo interpretação extensiva
ou analógica, de modo que o tempo de prisão provisória serve apenas para desconto da
reprimenda a ser cumprida, e não para fins de contagem do prazo da prescrição da pretensão
executória. Assim, com o trânsito em julgado para a acusação, o prazo da prescrição
executória regula-se pela pena aplicada na condenação, não sendo cabível a detração para
fins prescricionais.
➢ Extrai-se o prazo prescricional do art. 109 do CP.
➢ Art. 110, caput, do CP: a prescrição depois de transitar em julgado a
sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no
artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
*Atenção: Súmula 220 do STJ: a reincidência não influi no prazo da prescrição da
pretensão punitiva.
➢ Causas modificativas do prazo prescricional: art. 115 do CP: “são
reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime,
menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos”.
➢ Causas interruptivas da prescrição da pretensão executória: art. 117,
incisos V e VI, do CP.
Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se:
V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;

93
VI - pela reincidência.
§ 1º - Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a
interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os
autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo
processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer
deles.
§ 2º - Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste
artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da
interrupção.

* Inciso V: início ou continuação do cumprimento da pena.


§ 2º: o prazo da prescrição executória não corre enquanto o condenado estiver
cumprindo pena, havendo o reinício do transcurso do prazo prescricional no caso de evadir-
se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional (art. 113 do CP).
* Inciso VI: reincidência.
STJ: a reincidência, como causa interruptiva da prescrição, configura-se na data
da prática de novo delito, não se exigindo o trânsito em julgado da condenação,
que somente constituiria condição de validade da referida baliza prescricional, a ser
avaliada em momento posterior.
2ª corrente: a reincidência, como causa interruptiva da prescrição, ocorre com o
trânsito em julgado da sentença que condenou o agente pela prática de novo crime.
Importante: não confundir a reincidência como causa de majoração do prazo da
prescrição executória (art. 110, caput) com a reincidência como causa interruptiva da
prescrição executória (art. 117, VI)! A reincidência que implica no aumento do prazo
da prescrição executória (e não punitiva) em ⅓ é aquela que se verifica no momento
da condenação. Por sua vez, a reincidência como marco interruptivo é aquela que
ocorre posteriormente à condenação, durante o curso do prazo da prescrição
executória (e não punitiva).
* § 1º: diferentemente da prescrição da pretensão punitiva, os marcos interruptivos
da prescrição executória não se comunicam a coautores e partícipes, nem tampouco aos
crimes conexos.
➢ Causa suspensiva/ impeditiva da prescrição da pretensão executória: art.
116, p. único, do CP: “depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição
não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo”.

94
* STJ, Inf. 670/20: o cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que
em regime aberto ou em prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória, não
estando condicionado à unificação das penas. Decisões do STJ: a causa suspensiva do art.
116, p. único, do CP abrange aqueles que se encontram cumprindo pena imposta em outro
processo, ainda que em regime aberto, prisão domiciliar ou em livramento condicional.
Em síntese:

4.1 Condenação com trânsito em julgado para a acusação


A partir da data do trânsito em julgado para a acusação (art. 112, I), inicia-se o
prazo da prescrição da pretensão executória, regulado pelo total da pena imposta na
condenação (art. 110, caput), e interrompendo-se com o efetivo início do cumprimento da
pena (art. 117, V).

4.2 Evasão do condenado


No caso de evasão do condenado durante o cumprimento da pena, o prazo
prescricional recomeça a correr a partir da data da fuga (art. 112, II) e será regulado pelo
tempo que resta de pena (art. 113), interrompendo-se com a continuação do cumprimento
da pena (art. 117, V). Atentar que o prazo da prescrição executória permanece suspenso
durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo, apenas correndo,
portanto, em caso de evasão (art. 116, p. u.).

4.2 Revogação do livramento condicional


No caso de revogação do livramento condicional, o prazo prescricional recomeça a
correr a partir da data da revogação (art. 112, I) e será regulado pelo tempo que resta de
pena (art. 113 e 112, I), interrompendo-se com a continuação do cumprimento da pena (art.
117, V).
* IMPORTANTE: para se obter o tempo que resta de pena na hipótese de
revogação do livramento condicional, é necessário identificar a causa da revogação e os
seus respectivos efeitos!
Os efeitos da revogação do livramento condicional estão previstos no art. 88 do CP
e nos arts. 141 e 142 da LEP. Assim, o tempo em que esteve solto o condenado, sujeito
95
às condições do período de prova, apenas será computado como tempo de pena
efetivamente cumprida se a revogação do livramento condicional resultar de fato
praticado anteriormente à concessão do livramento.

Trânsito em julgado de Trânsito em julgado de Descumprimento das


infração penal anterior ao infração penal durante o condições impostas
período de prova período de prova
1) Crime com imposição 1) Crime com imposição Revogação facultativa
de PPL: revogação de PPL: suspensão
obrigatória dependendo da cautelar / revogação Não aproveita período de
soma das penas / aproveita obrigatória com o trânsito prova e não admite novo
período de prova e admite em julgado / não aproveita LC
novo LC período de prova e não
admite novo LC
2) Contravenção e crime 2) Contravenção e crime
com imposição de PRD ou com imposição de PRD ou
multa: revogação multa: suspensão? /
facultativa / aproveita revogação facultativa com
período de prova e admite o trânsito em julgado / não
novo LC aproveita período de prova
e não admite novo LC

4.3 Revogação da suspensão condicional da pena


No caso de revogação da suspensão condicional da pena (art. 77 do CP), o prazo
prescricional recomeça a correr a partir da data da revogação (art. 112, I) e será regulado
pela pena imposta na condenação, interrompendo-se com o início do cumprimento da pena
(art. 117, V).
* Atenção: no caso de revogação da suspensão condicional da pena, o tempo do
período de prova NÃO é computado como tempo de pena cumprida. Por isso, o prazo
prescricional é obtido a partir da pena imposta na condenação.

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* Atenção: não há que se falar em prescrição da pretensão executória no caso de
suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95), vez que não há condenação.

5) PRESCRIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS


De acordo com o art. 109, parágrafo único, do CP, aplicam-se às penas restritivas
de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.
Inf. 500/12, 6ª turma do STJ: no caso de abandono pelo sentenciado do
cumprimento da pena restritiva de direitos – prestação de serviços à comunidade –, a
prescrição da pretensão executória será regulada pelo tempo restante do cumprimento da
medida substitutiva imposta. Com efeito, ao conferir interpretação extensiva ao art. 113 do
CP, decidiu-se que o abandono no cumprimento da pena restritiva de direitos pode se
equiparado às hipóteses de “evasão” e da “revogação do livramento condicional” previstas
no referido artigo, uma vez que as situações se assemelham na medida em que há, em todos
os casos, sentença condenatória e o cumprimento de parte da pena pelo sentenciado.
* Importante: no caso do delito de posse de droga para consumo pessoal, o prazo
de prescrição é de 2 anos, conforme art. 30 da Lei 11.343/06.

6) PRESCRIÇÃO DA PENA DE MULTA


Art. 114 - A prescrição da pena de multa ocorrerá:
I - em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou
aplicada;
II - no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa
de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente
cominada ou cumulativamente aplicada.

7) PRESCRIÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA


A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso, às
regras de prescrição.
A prescrição, no caso de sentença absolutória imprópria (inimputável), é regulada
pela pena máxima abstratamente prevista para o delito. Por sua vez, a prescrição, no caso
de semi-imputável que necessita de especial tratamento curativo (art. 26, p. único, do CP),
é regulada pela pena concretamente aplicada na sentença.

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8) PRESCRIÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
Súmula 338 do STJ: a prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas.
STJ: uma vez aplicada medida socioeducativa sem termo final, deve ser
considerado o período máximo de 3 anos de duração da medida de internação, para o
cálculo do prazo prescricional da pretensão socioeducativa, considerada ainda a causa
modificativa do art. 115 do CP. Assim, o prazo prescricional é de 4 anos. Por sua vez, no
caso de medida socioeducativa com prazo certo, aplica-se a regra geral do art. 109 do CP.
Obs.: somente na hipótese em que for reconhecida a prática de ato infracional
análogo a crime que possua pena máxima em abstrato inferior a 3 anos, o julgador, para
evitar a criação de situação mais gravosa ao adolescente, deve adotar o prazo prescricional
aplicável ao imputável em idêntica situação.

9) PRESCRIÇÃO DA FALTA GRAVE


A jurisprudência entende que a prescrição das faltas disciplinares, diante
da lacuna legislativa, deve observar, por analogia, o menor dos prazos previstos no Código
Penal, que é de 3 anos para as infrações praticadas a partir da entrada em vigor da Lei
12.234/10, que alterou a redação do art. 109, VI, do CP. Isso porque normas penitenciárias
não teriam o condão de regular a perda do direito disciplinar, pois compete privativamente
à União legislar sobre o assunto.
O termo inicial do prazo prescricional é a data da prática da infração disciplinar,
sendo certo que, no caso de fuga, é a data da recaptura do foragido, uma vez que se trata
de infração permanente. Assim, durante o período de evasão, corre apenas o prazo de
prescrição da pretensão executória. Por sua vez, o termo final do prazo prescricional da
infração corresponde à data da homologação da falta grave pelo juízo da execução penal.
* IMPORTANTE: com a alteração do art. 83, III, do CP, e art. 112, § 7º, da LEP,
promovida pela Lei 13.964/19, surge uma corrente (Rodrigo Roig, Marcos Paulo) que
passa a defender a adoção do prazo prescricional de 12 meses para a apuração da falta
grave. Assim, sustenta-se que, transcorrido esse lapso temporal, a infração está prescrita,
não cabendo a imposição de sanção disciplinar, o rebaixamento do nível de classificação
do comportamento carcerário, nem tampouco acarretando qualquer reflexo negativo no

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processo de execução penal (ex.: não ocasionará perda de dias remidos, interrupção do
prazo para progressão de regime, regressão de regime, dentre outros).

10) PRESCRIÇÃO X DECADÊNCIA X PEREMPÇÃO


Prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo seu não exercício em razão
do decurso do tempo. Aplica-se aos crimes de ação penal pública ou privada, ressalvadas
as exceções contempladas no art. 5º, XLII e XLIV, da CRFB/88. Acarreta a extinção da
punibilidade do agente (art. 107, IV, do CP).
Decadência é a perda do direito de queixa ou de representação pelo ofendido em
razão do decurso do tempo (art. 103 do CP e art. 38 do CPP). Assim, só é possível a
decadência nos crimes de ação penal exclusivamente privada, de ação penal privada
subsidiária da pública e de ação penal pública condicionada à representação. Acarreta a
extinção da punibilidade do agente (art. 107, IV, do CP).
A perempção resulta da inércia do querelante no curso da ação penal privada, nas
hipóteses do art. 60 do CPP. Atinge o direito de prosseguir na ação penal privada. Acarreta
a extinção da punibilidade do agente (art. 107, IV, do CP).

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