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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA

CRIMINAL DA COMARCA ______ – SP

Autos n. _______

_________, adolescente devidamente qualificado nos autos,


representado judicialmente por sua defensora nomeada, _______, vem,
respeitosamente, perante vossa Excelência apresentar

DEFESA PRELIMINAR

na apuração de ato infracional, com fulcro nos procedimentos do artigo 186, §


3º da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o
que preconiza o artigo 5º, LV, LIV da cf/88, e demais normas pertinentes ao
caso, pelos motivos de fato e direito que aduz a seguir.

1. DOS FATOS

Segundo consta da denúncia, no ano de 20__, em diversas ocasiões


distintas, o adolescente, com 14 anos na época praticou atos libidinosos,
diversos da conjunção carnal, com a vítima, à época com 11 anos de idade.

De acordo com a vítima, apenas após ouvir palestras de


conscientização na escola, conversou com sua professora a respeito da sua
relação com o adolescente, tomando ciência de que teria sido abusada
sexualmente dois anos antes, quando tinha 11 anos de idade.

Indagado sobre os fatos, em delegacia e, posteriormente, em oitiva


informal, o adolescente declarou que houve troca de carícias recíprocas,
consentidos e sobre as vestes e que, agora, compreendendo a reprovabilidade
de seus atos, está muito arrependido do ocorrido.

2. DO DIREITO

o ERRO DE TIPO

Art. 20, CP - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de


crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se
previsto em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Descriminantes putativas (Incluído pela Lei nº 7.209, de


11.7.1984)

§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado


pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse,
tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro
deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

O adolescente em momento algum tentou invalidar o depoimento da


vítima, confirmando seu relato, ainda que sob uma perspectiva distinta.

A compreensão de eventos, ainda que compartilhados, é particular e


inerente a cada ser humano, não sendo em nada surpreendente que na visão
do adolescente, à época com apenas 14 anos, havia reciprocidade, interesse e
consentimento.

O adolescente não teve a vontade livre e deliberada de cometer um


delito. Não tinha intenção de perpetrar qualquer agressão contra a vítima, ou
consciência de que poderia estar cometendo o ato infracional análogo ao crime
de estupro de vulnerável.

O adolescente não agiu com dolo. Pelo contrário, a seu ver, tratou-se
de uma verdadeira troca de afeto.

Desejar que os acontecidos permanecessem em segredo não denota


a compreensão da sua gravidade e reprovabilidade dos seus atos, podendo ser
associada à vergonha por se tratar de toques e carícias íntimos.

Ademais, conforme se depreende dos depoimentos da vítima, ela não


tinha compreensão de que os atos e carícias trocadas entre ela e o adolescente
se tratavam de uma relação abusiva. Relata que, mesmo quando se sentia
incomodada não verbalizava tal fato ao adolescente. Apenas após as palestras
frequentadas na escola, revisitando sua relação com o adolescente,
compreendeu como de fato se sentia.

Assim, é certo afirmar que durante o período em que os atos


libidinosos ocorreram, sob a perspectiva do adolescente, e até mesmo da
vítima, se tratava de uma troca de afeto consensual.

É preciso considerar que o adolescente e a vítima têm pouca diferença


de idade e que este, ao cometer o ato infracional, estava no início da fase de
puberdade e de descobrimento de seu corpo, sexualidade e desejos. No mais, a
pouca diferença de idade entre adolescente e vítima (aproximadamente três
anos) os coloca em situação de proximidade em relação ao desenvolvimento
físico e psicológico.

Atualmente, como se depreende dos depoimentos do


adolescente, este compreendeu a gravidade de a inadequação de seus atos,
se mostrando arrependido.

Seus sentimentos de forma alguma apagam suas escolhas e


consequências experimentadas pela vítima, para a qual já foi solicitado
acompanhamento psicológico.

Nos termos do ECA, ao interpretar e aplicar a Lei, ainda que no seu


aspecto infracional, deve ser levado em conta o objetivo socioeducativo da norma
e a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento do adolescente infrator
(art. 6º).
O ECA segue a lógica da “doutrina da proteção integral”, em que se
objetiva dar pleno acesso às crianças e adolescentes a todas as oportunidades
que lhes assegurem o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.

Ainda, o ECA, visando o superior interesse da criança e adolescente,


permite, ainda que, ainda que haja o arquivamento do procedimento, verificada
a necessidade, é possível a aplicação de medidas de proteção.

De acordo com informações contidas no processo, após a escuta


especializada, foi solicitado o encaminhamento da vítima para atendimento
psicossocial, como medida protetiva.

Importante ressaltar que, mesmo quando o Ministério Público requer


o arquivamento do processo, poderá requerer seja aplicada medida protetiva ao
adolescente. Dessa forma, assim como a atuação interdisciplinar se mostra
relevante para a vítima, não se pode afastar a importância de se estender
também ao adolescente infrator. Importante que o adolescente seja atendido por
serviços e programas de conscientização e prevenção e atendimento psicossocial
de escuta familiar (art. 86 e 87 do ECA).

Levando em conta o rompimento do vínculo familiar, não apenas das


partes diretamente envolvidas, mas de todos os seus parentes próximos, o
adolescente e genitor (avô da vítima) relatam interesse no encaminhamento para
a equipe multidisciplinar visando a reconciliação familiar, sem prejuízo da
segurança e saúde mental da vítima.

Por todo exposto e contexto dos fatos, o adolescente deve ser


absolvido, dada a falsa percepção da realidade, não se verificando no caso
em análise o dolo, elemento essencial ao ato infracional análogo ao crime
de estupro, o qual não tem previsão de punição na sua modalidade culposa,
aplicando-se, contudo, medida protetiva para o restabelecimento dos
vínculos familiares.

o DA ADEQUAÇÃO DA MEDIDA, EM CASO DA NÃO


ABSOLVIÇÃO

Em se tratando de menor inimputável, não existe pretensão punitiva


estatal propriamente dita, mas apenas pretensão educativa, conforme disposto
expressamente na legislação de regência (Lei 8.069/90, art. 4º). Assim sendo,
não se deve afastar da finalidade fundadora da Lei 8.069/90, que é conferir
proteção integral à criança e ao adolescente, buscando reeducar e corrigir.

Não se pode aplicar ao adolescente infrator a mesma lógica punitiva


que se aplica à pessoa adulta. Em respeito ao princípio da especialidade tem-se
a prevalência das normas trazidas pelo ECA e, apenas na falta dela, a aplicação
de outras legislações pertinentes e, de toda forma, respeitando as
singularidades da pessoa em condição peculiar de desenvolvimento e atendendo
aos objetivos socioeducativos do ECA.

No caso em análise não há reais benefícios socioeducativos na


aplicação da medida de internação a este adolescente. Nos termos do ECA,
deve-se primar pela intervenção mínima e pela proporcionalidade na aplicação
de medidas socioeducativas. Assim, a intervenção deve ser adequada e
necessária frente à situação de risco apresentada.

Nesse ponto, no que tange ao risco de reincidência e proteção da


vítima, importa ressaltar que já houve o afastamento entre a vítima e o
adolescente, uma vez que a primeira e a sua família mudaram de endereço,
e cortaram relações com familiares.

Em segundo, por se tratar de medida excepcional, que em


determinados casos, a internação pode vir a acarretar maiores prejuízos do
que benefícios socioeducativo ao expor o adolescente a um contexto e
novas amizades, apresentando a um universo ao qual não está inserido.

No caso em análise, trata-se de adolescente que possui família


estruturada, que está ciente dos fatos e tomaram atitudes para cessar qualquer
risco de novas agressões. Um grupo familiar que responsabilizou e ao mesmo
tempo acolheu o adolescente, o qual já vem experimentando consequências por
suas atitudes.

O adolescente não faz uso de drogas, não bebe, não fuma.

O adolescente, atualmente com 17 anos, encontra-se matriculado e


frequentando a escola. Está inserido, inclusive, em curso técnico de
administração, oferecido na escola. Já concluiu curso de administração inglês e
informática na “MK”.
O adolescente trabalha no supermercado há cerca de 10 meses e, nas
horas vagas, como forma de complemento de renda, faz corte de cabelo de seus
colegas, tendo aprendido através de vídeos on-line.

Trata-se de um jovem responsável, que estuda, trabalha, faz cursos


técnicos, tendo uma rotina regrada, em meio social saudável, sem qualquer
vínculo ou aproximação com o universo delitivo.

Quando se fala em medida socioeducativa adequada ao caso em


análise, significa que o objetivo da Lei e daqueles que a aplicam não é a punição,
mas sim a responsabilização, conscientização e afastamento do meio
infracional.

Ainda que se reconheça a prevenção geral, a incidência da prevenção


especial, visando a recuperação do agente, se sobressai, sendo certo que a
medida de internação em nada contribui para sua formação e recuperação.
Ficar em liberdade, frequentando à escola, cercado do ambiente familiar e caso
vossa Excelência entenda por alguma medida do art. 112 do ECA divergentes
da internação mostram-se medidas mais condizentes com o caso em tela.

Levando em conta a individualização da medida socioeducativa, que


deve respeitar aos princípios da adequação, brevidade e capacidades pessoais
do adolescente, nos termos do art. 101, II, do ECA c/c art. 112, VII, do ECA, a
medida que se mostra mais adequada ao adolescente é a medida de orientação,
apoio e acompanhamento temporário:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente


poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.


Art. 101. II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

Não entendendo a medida de orientação, apoio e acompanhamento


suficiente, seja a ele aplicada a medida socioeducativa de liberdade assistida
e encaminhamento para atendimento com psicólogo da rede, visando o
restabelecimento dos vínculos familiares.

No mais, levando em conta as circunstâncias do caso em análise, em


que houve um rompimento das relações familiares em decorrência dos
acontecimentos, deve ser dado prioridade a medidas restaurativas, respeitando
a vontade e necessidades da vítima.

Por todo exposto, uma vez reconhecida a prática do ato infracional,


conforme se depreende do depoimento do adolescente e declarações da vítima,
prima-se pela aplicação da medida socioeducativa adequada ao caso,
respeitando as circunstâncias do fato, mas em especial as condições pessoais
do adolescente.

3. DOS PEDIDOS

a) Seja recebida a presente e deferida para o processamento regular, em


consonância às normas legais;

b) Seja o adolescente absolvido, uma vez reconhecido não ter este agido com
o dolo de cometer o delito de estupro, tendo uma percepção falsa da
realidade (erro de tipo), aplicando-se medida protetiva em programas de
conscientização e prevenção e atendimento psicossocial (art. 86 e 87 do
ECA), visando também o restabelecimento dos vínculos familiares;

c) Não sendo este absolvido, seja aplicada medida socioeducativa de, nos
termos do art. 101, II, do ECA c/c art. 112, VII, do ECA, medida de
orientação, apoio e acompanhamento temporário e, subsidiariamente,
seja a ele aplicada, nos termos do art. 112, IV, do ECA, medida
socioeducativa de liberdade assistida, pelo período de seis meses, além
de encaminhamento para atendimento com psicólogo da rede, levando
em conta as circunstâncias pessoais do adolescente, o qual admitiu a
prática de atos libidinosos com a vítima, acreditando, na época, se tratar
de troca de afeto recíproco e consentido.

Termos em que

Pede deferimento

______, 01 de março de 2023.

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