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Dos Crimes Contra a Fé Pública

Recorrência: Moeda Falsa, Petrechos Para Falsificação, Falsificação de Documento Público,


Falsificação de Documento Particular, Falsidade Ideológica, Adulteração de Sinal de Veículo
Automotor (Seis Crimes).

Considerações Gerais

O que significa “fé pública”?


Fé, de modo geral, é uma crença ou confiança em algo ou alguém.
Essa sensação é essencial para a manutenção da segurança e da ordem das coisas. Uma
ponderação simples: Os atos públicos possuem certo grau de presunção conforme determina a
legislação civil. Caso não possuíssem, qual a segurança que teríamos para a convivência em
sociedade? Se todo reconhecimento de firma realizado por um cartório fosse prontamente
impugnável, como poderíamos dar agilidade e presteza nas negociações? Seria difícil.
Por isso, torna-se um bem jurídico relevante e que merece a proteção dada pelo ordenamento
jurídico inclusive pela esfera Penal.
Segundo Carrara “a fé pública é a crença na autoridade, nas coisas que trazem o cunho de
fidedignidade impresso pelo Estado” (Nucci, 2018, Vol. IV, p. 560).
Ainda fazendo citações, o Prof. Guilherme Nucci leciona que o bem jurídico tutelado pelos
crimes inseridos no título em questão é a fé sancionada pelo Estado, transmitindo a confiança
geral a certos atos, símbolos ou formar a que a lei atribui valor jurídico.
No mesmo sentido ensinava o saudoso Professor Damásio:
O homem, por exigência prática e jurídica, diante da multiplicidade das relações sociais, elevou à
categoria de imperativo de convivência a necessidade da crença na legitimidade e autenticidade
dos documentos. Haveria obstáculo ao progresso se, a todo momento, em face de uma transação
ou demonstração de um fato, surgisse a obrigação de provar a veracidade de um documento. Daí a
aceitação geral de que os documentos, até prova em contrário, são autênticos. A isso, sob o aspecto
objetivo e o subjetivo, dá-se o nome de fé pública. Objetivamente, indica a autenticidade
documental; subjetivamente, aponta a confiança a priori que os cidadãos depositam na
legitimidade dos sinais, documentos, objetos etc., aos quais o Estado, por intermédio da legislação
pública ou privada, atribui valor probatório.

O Estado tem relevante interesse em preservar o objeto jurídico fé pública. Por isso, elevou à
categoria de crimes de ação penal pública os fatos atentatórios dessa objetividade jurídica. (2020,
Vol. IV, p. 44).

Diferenciam-se os crimes contra a fé-pública, nominados aqui de “crimes de falso”, dos crimes
de fraude já estudados, apesar de se reconhecer, obviamente, a possibilidade da existência de
ambos dentro da mesa esfera jurídica.
A fraude atinge bens jurídicos distintos da fé pública quando tratada em sentido estrito, pois
calcada em coisas que valem por si mesmas, por força de leite.
Não é a fraude que altera uma moeda, por exemplo, mas o falso (apesar de também atingir o
patrimônio de um sujeito específico no mais das vezes).
Exemplificando:

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O falsário atua para reconstituir moedas, papéis, documentos etc., com o fim de gerar uma
coisa com aparência de valor, quando, em verdade, não mais o possui. O fraudador atua
para ferir bens jurídicos diversos, em particular, o patrimônio, mas também extensivo
aos interesses da administração pública [...]

Sobre a possibilidade de persistirem ambos dentro de um mesmo cenário criminoso (o falso e a


fraude) é preciso consignar que tal conclusão é válida. Em regra, o falso convola-se em meio
para o cometimento da fraude, gerando situações onde o segundo prevalece sobre o primeiro.
O meio mais comum é o estelionato praticado mediante a falsificação de algum documento,
como se vê da assertiva jurisprudência da Corte Superior de Justiça:
Súmula 17 - STJ: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é
por este absorvido.”
A observação deve ocorrer por sobre a potencialidade lesiva, ou seja, a aptidão do crime de
falso para continuar violando o bem jurídico.
Exemplificando:
1. Aplica-se o princípio da consunção quando o delito meio é instrumento ou etapa
necessária à execução do delito fim, devendo, por isso, ser pelo último absorvido. 2.
Seguindo tal entendimento, o enunciado n. 17 da Súmula desta Corte, estabelece que,
quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este
absorvido. 3. No caso, o disposto no referido enunciado já foi devidamente observado
pelas instâncias de origem, tanto que a agravante foi apenada apenas pela prática dos
seis estelionatos, sem que, em relação àqueles fatos, tenha havido a punição cumulada
pelos delitos de falsificação de documento e uso de documento falso, ante a aplicação
do princípio da consunção. 4. Entretanto, em relação aos demais fatos criminosos nos
quais não houve a prática de estelionato, mas apenas dos crimes autônomos previstos
no artigo 304, c/c artigo 297, ambos do Código Penal, não há que se falar em
consunção ou absorção, porquanto derivam de fatos diversos e não representaram
meio necessário para a prática de qualquer delito. [...] (AgRg no HC n. 756.132/DF,
relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de
1/9/2023.)

I - A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o falso é absorvido


pelo crime de estelionato, quando se nele exaure sua potencialidade lesiva, conforme dispõe
o enunciado n.º 17 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. II - Na espécie, o Tribunal
local, mediante valoração do acervo fático-probatório, concluiu que a potencialidade
lesiva da Carteira de Identidade falsificada não se esgotou tão somente em uma única
prática delitiva. [...] (AgRg no REsp n. 2.010.513/RN, relator Ministro Messod Azulay
Neto, Quinta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 18/9/2023.)

Outros exemplos de crimes de “falso” são os crimes de falso testemunho, fraude processual,
falsidade de pesos e medidas, falsa indicação em invólucro ou recipiente etc. Contudo,
entendeu o legislador que esses possuíam outros bem jurídicos tutelador de maneira principal,
inserindo-os em outros capítulos do CP.
Dito isso, nota-se que o “falso” não é algo tolerado pelo ordenamento jurídico, em especial
quando possui a potencialidade para gerar efeitos para além de eventual fraude, persistindo
como bem jurídico único e dissociado de demais situações.
Damásio ensina que são três características gerais dos crimes de falso:
1. Imitação ou alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante.
2. Potencialidade de dano e;
3. Dolo

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Logo, percebemos de início que a modalidade culposa foi extirpada, existindo somente a
conduta dolosa.
Alguns dos delitos exige um dolo qualificado/específico para que se reconheça a existência do
crime, como é o caso da falsidade ideológica. Nesses termos:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS
CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE VERIFICADA. 2.
FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOLO ESPECÍFICO NÃO DESCRITO NA DENÚNCIA. 3.
ATIPICIDADE RECONHECIDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 4. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O trancamento da ação penal somente é
possível, na via estreita do habeas corpus, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano,
a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade
ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 2. Sobre o crime de
falsidade ideológica, destaco que a falsa declaração prestada pelo agente, por si só, não é
suficiente para configurar o tipo penal incriminador previsto no art. 299 do Código Penal,
uma vez que a norma exige que a ação perpetrada tenha um fim especial, consistente em
prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
3. Constando da denúncia apenas a narrativa de que foi encontrada em sua residência uma carteira
estudantil com seu nome e de instituição na qual não estudou, a conduta não se reveste da
relevância jurídica necessária para desencadear a persecução penal. Deve ser levado em
consideração, igualmente, o fato de que nem sequer se apontou qualquer elemento que
demonstrasse o interesse do denunciado em prejudicar direito ou criar obrigações, como
exige a norma incriminadora. Dessarte, a conduta imputada na denúncia não se adequa ao
crime de falsidade ideológica, configurando constrangimento ilegal a continuidade da ação
penal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RHC n. 97.300/GO, relator
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe de 10/12/2018.)

No mais, a alteração ou imitação da verdade é um elemento típico comum nos crimes de falso,
seja fabricando ou adulterando o elemento para que tenha a aptidão para enganar. Se não possuir
aptidão, estamos diante da atipicidade material da conduta.
Ademais, basta a potencialidade do dano para que os crimes estejam caracterizados, sendo
dispensável a efetiva lesão.

Moeda Falsa
Estrutura do Tipo Penal:
Moeda Falsa

Art. 289 - Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda


de curso legal no país ou no estrangeiro:

Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou
exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação
moeda falsa.

§ 2º - Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada,


a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis
meses a dois anos, e multa.

§ 3º - É punido com reclusão, de três a quinze anos, e multa, o funcionário público


ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a
fabricação ou emissão:

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I - de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei;

II - de papel-moeda em quantidade superior à autorizada.

§ 4º - Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação
não estava ainda autorizada.

O verbo nuclear do tipo penal descrito no caput é o de falsificar que condiz com a produção de
algo que imite o verdadeiro/original.
Esse verbo é associado com a fabricação (manufaturar ou cunhar) e alteração (modificação ou
adulteração).
Bittencourt assinala
O objeto do crime em questão é a moeda em curso no país ou no estrangeiro.
A moeda nada mais é do que a própria concepção daquilo a que atribuímos valor e poder de
compra, estabelecendo uma valoração dos bens sujeitos à aquisição.
Por consequência, exige-se que a reprodução imitadora seja convincente pois, se incapaz ser
percebida como falsa, não haverá lesão ao bem jurídico. Acerca disso, nota-se que se trata de
crime impossível pela absoluta impropriedade do meio.
Tal circunstância é bem resolvida pela Súm. 73/STJ: "A utilização de papel moeda
grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da justiça
estadual."
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, enquanto o sujeito passivo é o Estado.
Poder-se-ia dizer que as pessoas eventualmente lesadas pela inserção da moeda falsa dentro da
economia seriam vítimas, o que deve ser rechaçado pois o bem jurídico tutelado em nada diz
respeito a eles.
Por outro lado, a “sociedade” como um todo seria um sujeito passivo coeso dentro do crime em
questão, pois interessada em não haver o caos em razão do rompimento da fé pública no tocante
à moeda nacional em circulação.
O elemento subjetivo é o dolo genérico, dispensando qualquer intenção específica para o
cometimento do crime:
4. O crime de circulação de moeda falsa exige, para sua caracterização, o dolo
genérico - vontade livre e consciente de, entre outros verbos descritos no tipo, guardar ou
introduzir em circulação moeda que se sabe ser falsa. As instâncias ordinárias
reconheceram o elemento subjetivo do tipo pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório, e, para afastar tal conclusão, seria necessário o reexame do conjunto
probatório, providência inviável no habeas corpus. [...] (HC n. 208.122/SP, relator Ministro
Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 7/6/2016, DJe de 21/6/2016.)

Aliás, dispensa-se, inclusive, a intenção de obter lucro através da falsificação.


Como exemplo traz a doutrina:
Um determinado sujeito de posses, pensando em possível assalto à sua residência,
conseguiu várias notas falsas de R$ 100,00, formando elevada quantia e inserindo em cofre
visível. Acreditava que, havendo um roubo, poderia abrir aquele cofre e entregar o
montante todo (falso) aos agentes do assalto. Assim, não teria prejuízo algum. Tal situação,
de fato, ocorreu e quando os roubadores foram presos, ainda com o produto subtraído, o
delegado percebeu a falsidade das notas. Foram todos processados: por roubo os agentes

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da subtração, que o fizeram com invasão ao domicílio e emprego de arma para
exercer a grave ameaça; a vítima do roubo pelo crime de moeda falsa, com base no §
1.º do art. 289, pois adquiriu e guardou a moeda falsa.

Se ocorreu ou não, não sei. Mas que soa estranho que a vítima foi denunciada, soa. (Debate).
Em contraposição o Prof. Bittencourt (assim como Hungria) assinala que a figura típica traz em
seu bojo uma exigência implícita de um elemento subjetivo especial do injusto, sob pena de não
se adequar a figura típica. Exemplificando:
Com efeito, se o sujeito ativo age com a finalidade exclusiva de demonstrar sua habilidade
técnica ou artística, ou, em outros termos, sem a intenção de colocar a moeda falsificada no
meio circulante, não se pode falar em crime de falsificação de moeda. Essa exigência, na
nossa concepção, quer dizer que o tipo penal traz consigo a necessidade de um elemento
subjetivo especial, qual seja o fim específico de colocar o produto de sua ação (a moeda
falsificada) em circulação. Assim, o animus jocandi, por exemplo, afasta do dolo de
infringir a ordem jurídica. Aliás, é o que se pode depreender da seguinte afirmação de M
uñoz Conde212: “Para que haja delito de falsificação de moeda por esse procedimento é
necessário que a moeda fabricada ou alterada esteja destinada a circular no ‘tráfico’
monetário em geral” (grifo do original). O que será isso senão o elemento subjetivo
especial do tipo? Pois a ausência dessa finalidade circulante afasta a adequação típica do
art. 289, podendo, dependendo das circunstâncias, constituir estelionato, como exemplifica,
na sequência, Muñoz Conde, ao referir que “se o faz somente para conseguir, em um fato
concreto, a defraudação de alguém haverá, em todo caso, estelionato. Se a fabricação for
realizada com fins numários, colecionistas ou propagandísticas etc., não há crime de
falsificação de moeda”.

Sublinha-se que a jurisprudência prevalece com o primeiro entendimento.


O objeto material é a moeda metálica ou o papel-moeda, conforme discrimina o caput em
curso legal.
Algumas ponderações interessantes: existe crime ainda que o valor seja diminuído?
Supondo que a falsificação não seja grosseira (apesar de ser difícil imaginar), uma pessoa
“retirou” um zero da nota de R$ 100 (cem reais) passando a constar R$ 10 reais.
Entende o insigne Prof. Nelson Hungria que, nesse caso, não haveria crime eis que uma pessoa
que assim age deveria, no mínimo, ser interditada. (apud Grecco, Curso de Direito Penal, 2018,
Vol 3, p. 549).
Outro exemplo é a modificação das características do dinheiro recebido, inserindo numeração
em sua estampa (ex. acrescentar um “0” na nota de R$ 10). Apesar dessa inserção, a moeda
manteria o seu valor, logo, seria inviável a ocorrência do delito.
As duas posições são afastadas pelo Prof. Nucci, considerando que o crime é cometido contra a
fé pública, pouco importando se será prejudicado com isso. A falsificação, ainda que
diminuindo o valor, permitirá a circulação da moeda e prejudicará outros.
A moeda sem curso legal não poderá ser objeto material do crime em questão (cruzeiro,
cruzado etc.).
O vale refeição ainda que possa gerar um reflexo financeiro, também não gera o delito em
questão:
Igualmente, estão excluídas da tipificação legal as denominadas “moedas de curso
convencional”, cuja circulação é puramente circunstancial ou consuetudinária (mas de
curso legal obrigatório), como, por exemplo, vale-refeição, cheque de viagem, ou

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determinados “bônus”, que governos estaduais, departamentais ou similares acabam
criando, excepcionalmente, para substituir temporariamente a moeda oficial e de curso
legal. A contrafação dessa espécie de “moeda”, destaca Regis Prado209, acertadamente,
“não pode ser tida como configuradora do delito em estudo, porque tais papéis não
constituem moeda, não têm valor autônomo, mas meramente representativo, e não ostentam
o status de dinheiro oficial”.

Classificações:
Trata-se de crime comum (aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa); formal (crime
que não exige, para sua consumação, resultado naturalístico, consistente em efetivo prejuízo
para alguém); de forma vinculada (pode ser cometido somente pelo meio eleito em lei, uma
vez que a fabricação e a emissão de moeda verdadeira têm processo específico); comissivo (os
verbos implicam ações); instantâneo (cuja consumação não se prolonga no tempo, dando-se em
momento determinado); unissubjetivo (aquele que pode ser cometido por um único sujeito);
plurissubsistente (delito cuja ação é composta por vários atos, permitindo-se o seu
fracionamento); admite tentativa. Não se deve olvidar que a fase de preparação para a
falsificação de moeda pode ser considerada típica, diante da existência do crime previsto no art.
291 do Código Penal. (Nucci)
Especificamente sobre a consumação e tentativa:
Consuma-se o crime de moeda falsa no lugar e no momento em que se conclui a falsificação,
em qualquer de suas modalidades, independentemente de ser colocada de modo efetivo em
circulação; isso, se ocorrer, representará somente o exaurimento do crime. A colocação da
moeda falsificada em circulação constitui post factum impunível. No entanto, a falsificação
grosseira , sem suficiente idoneidade para enganar, como já afirmamos, não tipifica o delito, o
que demonstra tratar-se de crime material. A tentativa é perfeitamente possível, pois se trata de
crime cuja execução admite fracionamento; ocorre, por exemplo, quando o sujeito ativo é
surpreendido durante a realização da conduta de falsificar a referida moeda, sendo impedido de
prosseguir em sua tarefa. Lembra, contudo, Costa Jr.213, acertadamente, que, se
voluntariamente o agente desistir da falsificação, responde pelo crime do art. 291, qual seja
“petrechos para falsificação de moeda”, que é subsidiário deste. Entende-se que ocorre crime
único na falsificação de várias moedas, na mesma ocasião. No entanto, se a falsificação ocorrer
em épocas diferentes, admite-se a continuidade delitiva. Se o falsificador põe em circulação
moeda fabricada a partir de fragmentos de moeda verdadeira, configura-se o delito em exame e
não o do art. 290 do CP214. (Bittencourt)
Competência: A competência para processamento do crime de moeda falsa é da Justiça
Federal: “Devido ao fato de conceder-se exclusivamente à União a emissão de moeda, o crime
é de competência da Justiça Federal, investigado pela Polícia Federal, com denúncia proposta
pelo Ministério Público Federal” (CNJ).

Demais formas
O §1º reveste-se de autonomia diante do caput, relacionando-se com a circulação da moeda
falsa e não somente com a sua cunhagem.
Aliás, aquele que fabrica e também coloca em circulação poderia, em tese, cometer dois crimes
em concurso material (Nucci).
Em outra linha, afirma Bittencourt que tal situação não seria viável:

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No entanto, na hipótese de o próprio falsificador colocar a moeda em circulação, não será
sujeito ativo de qualquer das condutas descritas no § 1º, mas incorrerá na proibição contida
no caput do art. 289, como já referimos.

Logo, importar (trazer do exterior para dentro das fronteiras do País); exportar (remeter para
fora do País); adquirir (obter ou comprar); vender (alienar por certo preço); trocar (permutar ou
substituir uma coisa por outra); ceder (transferir a posse ou a propriedade a terceiro); emprestar
(confiar algo a alguém, por determinado período, para ser devolvido); guardar (tomar conta ou
vigiar); introduzir em circulação (fazer entrar) são os verbos do crime em questão.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
Quanto ao sujeito passivo entende-se que além do estado, figura aquele que recebeu a moeda
falsa (diferente do que ocorre com a cunhagem).
Em virtude da diversidade de meios com que a introdução da moeda falsa em circulação
pode ser perpetrada, não há como negar que vítima pode ser, além do Estado, uma
pessoa física, ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo
experimentado por esses últimos. Não há como negar que a pessoa a quem,
eventualmente, são passadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e
definidor do grau de facilidade com que o crime será praticado, e a fé pública,
portanto, atingida. No tocante ao agravamento da reprimenda quando o ofendido é
ascendente, descendente irmão ou cônjuge, a preocupação do legislador foi a de punir com
mais rigor aquele que quebra, ou ofende, o natural vínculo de afeto e de cumplicidade
mútuo que deve existir nas relações familiares. No caso de se praticar um crime contra
criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida, a norma, claramente, visou a
proteger aquele que é naturalmente mais vulnerável, punindo, com maior rigor, o agente do
delito. Apesar de já destacada a essência motivadora dessa agravante, cumpre lembrar que
o critério de aplicação, em caso de pessoa idosa, é objetivo, e nesta hipótese, cronológico.
In casu, a vítima direta é a avó do paciente, que contava 68 anos à época do crime. Habeas
Corpus não conhecido. (HC n. 211.052/RO, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator
para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/6/2014, DJe de
15/9/2014.)

É o chamado “prejudicado”.
O dolo é genérico, com as mesmas considerações anteriores.
O objeto material é o mesmo do anterior, independentemente da quantidade.
A classificação permanece idêntica à anterior.

O §2º é nominado como “forma privilegiada”.


Trata-se de situação em que a pena se torna inferior às demais.
Diz-se que, quando o agente recebe de boa-fé, ou seja, sem conhecimento do ilícito pretérito, a
moeda acreditando tratar-se de autêntica, mas ainda assim a insere em circulação novamente, a
reprovação da sua conduta é menor.
Inicialmente, o agente é a vítima do ilícito prévio e, entre ficar no prejuízo e repassar a moeda,
prefere a segunda opção agindo intencionalmente, ou seja, sabendo da falsificação.
Supondo e exemplificando: você tenta depositar o dinheiro no caixa eletrônico do banco e a
nota retorna por não ser reconhecida como autêntica pelo sistema e, após isso, decide pagar algo
com valor em espécie.

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Leciona Nucci:
Na realidade, tomando conhecimento de se tratar de moeda falsa, deveria repassar à autoridade
para destruição. Espera-se do recebedor da moeda uma atitude altiva e ética, ou seja, ficar com
o prejuízo, porém não colocar o dinheiro de volta a circular.
Sinceramente, a condição é um tanto quanto doída, mas, é a exigência legal.
O recebimento com o conhecimento da falsidade não conduz à figura privilegiada.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, enquanto o passivo é o Estado.
O elemento subjetivo é o dolo de forma direta, ou seja, “depois de conhecer a falsidade”.
Discute-se a ocorrência de dolo subsequente o que é plausivelmente afastado pelo Prof. Nucci.
Pontuando de forma brilhante:
Observe-se o engano dessa argumentação nos seguintes pontos: a) em primeiro lugar,
apesar de existirem dois verbos principais (receber a moeda; restituir a moeda), o único que
efetivamente configura o delito é o segundo (restituir a moeda); b) em segundo lugar, como
já afirmado, o dolo do agente se dá no exato momento em que ele, sabendo da falsidade,
restitui a moeda à circulação. Antes não havia conduta delituosa, portanto também não
havia dolo.

Os objetos são os mesmos dos anteriores. Igualmente é a classificação.

Por fim, a figura qualificada condiz com o §3º.


Se trata de situação específica destinada à sujeitos ativos próprios que podem cometer esse
delito. É o funcionário público ou diretor, gerente ou fiscal de banco de emissão.
Em síntese, somente alguns responsáveis pela emissão e que trabalham na Casa da Moeda,
Banco Central podem realizar esse crime.
Pode ser cometido a partir da fabricação, emissão ou autorização para fabricação da moeda.
Existem condições específicas que tornam o tipo lei penal em branco, pois é preciso saber qual é
o peso determinado em lei ou mesmo a quantidade autorizada de emissão da moeda.
Sobre as distinções pontua o Prof. Nucci:
Segundo nos parece, a razão está com HUNGRIA, pois o tipo, lacunoso ou não, é bem
claro. Moedas não podem ter título ou peso inferior ao determinado em lei. Papel-moeda
não pode ser emitido em quantidade superior ao determinado em lei. Inexiste,
propriamente, uma lacuna a ser preenchida por analogia ou mediante um processo de
interpretação mais aberto. O legislador considerou crime as condutas supramencionadas,
provavelmente, como mencionou HUNGRIA, porque emitir mais moedas do que o
permitido constitua uma medida menos nociva do que ocorre com o papel-moeda. Não
vislumbrando lacuna, cremos ser atípica a emissão de moedas em quantidades superiores ao
determinado ou autorizado. Nada impede a punição na órbita administrativa. O elemento
subjetivo é o dolo na sua forma direta, não admitindo o dolo eventual.

A classificação corresponde com a seguinte:


Trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo especial ou qualificado); formal
(crime que não exige, para sua consumação, resultado naturalístico, consistente em causar
efetivo prejuízo a alguém);23 de forma vinculada (pode ser cometido somente pelo meio eleito

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em lei, uma vez que a fabricação e a emissão de moeda verdadeira têm processo específico);
comissivo (os verbos implicam ações); instantâneo (cuja consumação não se prolonga no tempo,
dando-se em momento determinado); unissubjetivo (aquele que pode ser cometido por um único
sujeito); unissubsistente (praticado num único ato) ou plurissubsistente (delito cuja ação é
composta por vários atos, permitindo-se o seu fracionamento), conforme o caso concreto;
admite tentativa na forma plurissubsistente.

Petrechos para Falsificação

Petrechos para falsificação de moeda

Art. 291 - Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar
maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à
falsificação de moeda:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

Estrutura
São os verbos nucleares, fabricar (construir ou cunhar), adquirir (obter ou comprar), fornecer
(guarnecer ou prover), de forma onerosa ou gratuita, possuir (ter a posse ou retar) ou guardar
(vigiar ou tomar conta).
O objeto precisa ser um maquinismo apto a falsificar uma moeda.
Trata de incriminação autônoma da própria fase anterior à fabricação da moeda falsa.
Diga-se, então, que são duas condutas distintas, uma é a fabricação da própria moeda, outra é a
mera retenção desses instrumentos para a fabricação.
A necessidade de proteção ao bem jurídico tutelado é tamanha que foi essencial punir, inclusive,
as condutas que podem dar ensejo a fabricação.
Segundo a melhor doutrina, trata-se de crime subsidiário ao descrito no art. 289. (Nucci e
Bittencourt).
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é o Estado representando a
coletividade.
O elemento subjetivo é o dolo.
O objeto material é o instrumento utilizado para a falsificação, o aparelho, ou outro objeto
destinado a esse fim. O objeto jurídico é a fé pública.
Com relação a adequação típica sobre o tipo objetivo, tem-se crítica não muito abarcada pela
jurisprudência e que é encampada pelo Prof. Bittencourt.
Pontua-se o elevado exagero da abstração do dispositivo legal que transformaria em crime
simples atos preparatórios remontando a uma política criminal prevencionista.
Apesar da firme crítica, o autor considera o dispositivo parcialmente coerente com o
ordenamento.

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Inicialmente, destaca que as condutas de fabricar, adquirir e fornecer a título oneroso ou gratuito
o objeto material do crime em questão não geraria qualquer problema.
Contudo, tem-se que o prosseguimento da tipificação das condutas de guardar ou possuir
instrumento ou qualquer objeto é demasiadamente exagerada para aquilo que prevê a lei.
A abertura dada pelo tipo penal, em especial pela colocação do termo “qualquer objeto
especialmente destinado à falsificação de moeda” causa insegurança jurídica.
Por certo, petrechos para a construção de qualquer máquina muitas vezes podem se
confundir com os utilizados para a fabricação do maquinário ilícito.
A solução deve se valer da interpretação acurada do caso concreto para essa constatação, o que
torna a discricionariedade judicial a responsável pela definição.
No que se refere ao tipo subjetivo, compreende-se que é o dolo específico, ou seja, a vontade
consciente de possuir os petrechos ou fabricá-los para aquela finalidade específica.
Diante disso, resta indubitavelmente afastada a possibilidade de dolo eventual.
Em reiteração, não há como ser deliberadamente cego sobre a possibilidade de o petrecho ser
utilizado para a finalidade espúria. O tipo penal é claro “especialmente destinado à falsificação
da moeda”.
Diante disso, não basta portar o objeto, deve existir a especial intenção/consciência de que
será utilizado para falsificar a moeda.
Se não existe essa consciência, estamos diante de um clássico erro de tipo.
Por fim, a depender do verbo empregado, é admissível a tentativa.
Sua classificação é:
Trata-se de crime comum (que não exige determinada qualidade ou alguma condição especial do
sujeito ativo); formal (crime que, para sua consumação, não exige nenhum resultado consistente
na efetiva falsificação de moeda ou a produção de prejuízo material a alguém); comissivo (a
ação representada pelo verbo nuclear implica uma ação positiva do agente); de forma livre
(pode ser praticado utilizando qualquer meio ou forma que o agente eleger); unissubjetivo (que
pode ser praticado por uma única pessoa, não impedindo a possibilidade de concurso eventual
de pessoas); plurissubsistente (a conduta, em regra, pode ser composta por atos distintos,
admitindo seu fracionamento), com exceção das condutas “possuir” e “guardar”; instantâneo (o
resultado se produz de imediato, numa relação de proximidade entre ação e consequência, nas
modalidades de fabricar, adquirir ou fornecer) e permanente, nas modalidades de possuir e
guardar (sua fase consumatória alongasse no tempo, enquanto o agente desejar, pois se encontra
em sua esfera de disponibilidade fazer cessar ou interromper a execução da conduta proibida).

(Sobrando tempo vou falar de adulteração de sinal de veículo automotor)

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