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Direito probatório: Teoria da perda de uma chance no processo penal/ Testemunho

indireto/ Injustiça epistêmica


Direito probatório: Provas ilícitas e análise jurisprudencial

1) Direito probatório

1.1 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE PROBATÓRIA

A aplicabilidade da teoria da perda de uma chance probatória no processo penal


é um tema que vem sendo tratado pela doutrina, notadamente por Alexandre Moraes da
Rosa e Fernanda Mambrini Rudolfo, há bastante tempo, contudo, recentemente, tem
ganhado maior notoriedade em razão da sua acolhida pela jurisprudência do STJ.
5ª Turma do STJ, AREsp 1.940.381-AL, DJe 16/12/2021, Edição Especial de
Informativo do STJ 2022. Quando a acusação não produzir TODAS AS PROVAS
POSSÍVEIS E ESSENCIAIS para a elucidação dos fatos, capazes de, em tese, levar
à absolvição do réu OU confirmar a narrativa acusatória caso produzidas, a
condenação será inviável, não podendo o magistrado condenar com fundamento
nas provas remanescentes. INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR Originária do
direito francês, a teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) foi concebida no
âmbito da responsabilidade civil para considerar indenizável a perda da oportunidade de
se alcançar um resultado favorável, de ocorrência futura, incerta e dependente de fatores
não submetidos ao controle total das partes envolvidas. Segundo a teoria, a vítima de
um ilícito civil tem direito à reparação quando esse ato lhe subtrair a chance de,
exercendo suas competências, chegar a determinada situação que lhe seria vantajosa,
mesmo na impossibilidade de garantir que tal situação se implementaria no futuro não
fosse a prática do ato ilícito. A transposição da perte d'une chance do direito civil para o
processo penal é uma ideia original de ALEXANDRE MORAIS DA ROSA e
FERNANDA MAMBRINI RUDOLFO. Inconformados com a baixa qualidade de
investigações policiais, os juristas argumentam que quando o Ministério Público se

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satisfaz em produzir o mínimo de prova possível - por exemplo, arrolando como
testemunhas somente os policiais que prenderam o réu em flagrante -, é na prática
tirada da defesa a possibilidade de questionar a denúncia. Por isso, a acusação não
pode deixar de realmente investigar o caso, transferindo à defesa o ônus de fazê-lo. Ao
contrário, a polícia e o Ministério Público devem buscar o que os autores chamam
de comprovação externa do delito: a prova que, sem guardar relação de
dependência com a narrativa montada pela instituição estatal, seja capaz de
corroborá-la. Nessa perspectiva, quando há outras provas em tese possíveis para
auxiliar o esclarecimento dos fatos, é ônus do Parquet produzi-las, ou então
justificar a inviabilidade de sua produção. Diversos exemplos práticos ilustram a
aplicabilidade da teoria. Para mencionar alguns: (I) se há testemunhas oculares do
delito, a condenação não pode prescindir de sua prévia ouvida em juízo e fundamentarse
em testemunhos indiretos; (II) existindo câmeras de vigilância no local de um crime
violento, a juntada da filmagem aos autos é necessária para aferir as reais condições em
que ocorreu o delito e avaliar sua autoria ou excludentes de ilicitude; (III) sendo
possível a consulta aos dados de geolocalização de aparelho celular do réu, a fim de
verificar se estava na cena do crime, a produção da prova é necessária; e (IV) havendo
coleta de sêmen do agressor em um caso de estupro, deve ser realizado exame de DNA
para confirmar sua identidade. Às ponderações dos autores, acrescento que a prova
imprescindível é aquela que, se fosse produzida, poderia em tese levar a um de dois
resultados: (I) demonstrar a inocência do acusado OU (II) confirmar a
procedência da acusação. Faço essa diferenciação porque, se a prova diz respeito
apenas à inocência do réu, mas sem guardar pertinência direta com a narrativa da
denúncia (porquanto incapaz de confirmar seus fatos caso produzida), é ônus exclusivo
da defesa apresentá-la. O melhor exemplo dessa hipótese é a prova relativa ao álibi do
réu. Imagine-se que, acusado de um crime violento, o demandado pretenda comprovar
com documento (registro de frequência em seu ambiente de trabalho,
exemplificativamente) que se encontrava em outro local no momento do crime. Nesse
caso, a eventual produção da prova até poderá demonstrar sua inocência, mas como não

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guarda nenhuma relação com os fatos da denúncia em si, é ônus exclusivo da defesa
produzi-la. É certo que, não logrando o acusado êxito na comprovação do álibi, ainda
assim poderá ser absolvido, porque permanece incólume o ônus probatório do
Ministério Público quanto aos fatos da imputação por ele formulada. Diferentemente, se
a prova se refere a um fato exposto na denúncia e, a depender do resultado de sua
produção, pode em tese gerar a absolvição ou condenação do réu, o Parquet não
pode dispensá-la, sob pena de incorrer na PERDA DA CHANCE PROBATÓRIA.
Aqui se inserem, dentre muitas outras, as quatro situações que exemplifiquei acima: a
ouvida de testemunhas oculares, a juntada do registro do crime em vídeo, os dados de
geolocalização, o exame de DNA... Essa distinção que proponho respeita a tradicional
compreensão jurisprudencial de que, nos termos do art. 156 do CPP, a prova que
interessa exclusivamente à defesa (como o álibi) deve ser por ela produzida, ao mesmo
tempo em que impede a acusação de agir como fez o MP/AL nestes autos, apresentando
somente um mínimo de provas e ignorando diversas outras linhas de extrema
relevância. Ficam excluídas dessa determinação, certamente, as provas irrelevantes e
protelatórias, nos termos do art. 400, § 1º, do CPP, que nada acresceriam à apuração dos
fatos. O conceito de irrelevância, aqui, se atrela à formulação de ROSA e RUDOLFO:
irrelevante é a prova incapaz de, mesmo em tese, conduzir à absolvição do réu (ou,
acrescento eu, confirmar a acusação) caso produzida, como a ouvida testemunhas de
caráter, apenas para trazer um exemplo. INFORMAÇÕES ADICIONAIS DOUTRINA
"O prejuízo causado pelo fato gerador [o ato ilícito] é gravado por um risco irredutível,
porque não é possível testar retroativa e concretamente a questão da ausência do fato
gerador. Não se pode, nem no melhor dos casos, apreciar a contribuição do fato gerador
ao resultado desfavorável por um raciocínio probabilístico fundado em dados empíricos
suscetíveis de uma análise estatística. É possível substituir a prova estatística de uma
relação causal pela sua prova concreta? E qual deve ser, então, o impacto na
mensuração do dano ou da indenização? É o que está em jogo na doutrina da perda de
uma chance, que repousa em uma observação essencial: uma resposta negativa faz,
injustamente, com que a vítima suporte todos os danos, porque isenta o autor de

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qualquer indenização, independentemente de sua contribuição efetiva para a ocorrência
aleatória do dano" (La perte d'une chance et sa réparation. In: WERRO, Franz.
Quelques questions fondamentales du droit de la responsabilité civile: actualités et
perspectives. Berna: Stämpfli, 2002, p. 240; grifei). "Nas hipóteses em que o Estado se
omite e deixa de produzir provas que estavam ao seu alcance, julgando suficientes
aqueles elementos que já estão à sua disposição, o acusado perde a chance - com a
não produção (desistência, não requerimento, inviabilidade, ausência de produção
no momento do fato etc.) -, de que a sua inocência seja afastada (ou não) de boa-fé.
Ou seja, sua expectativa foi destruída" (ROSA, Alexandre Morais da; RUDOLFO,
Fernanda Mambrini. A teoria da perda de uma chance probatória aplicada ao processo
penal. Revista Brasileira de Direito, v. 13, n. 3, 2017, p. 462; grifei). "A perda da chance
de que todas as provas contra si sejam produzidas implica uma perda, sem possibilidade
de produção pela parte contrária, lembrando-se, ainda, que o acusado nada deve provar
(e, mesmo quando solicita tais provas, isso só é oportunizado em momento que já não
permite a obtenção de êxito - as imagens já foram deletadas, as impressões digitais já
desapareceram etc.). Dito de outra forma: o Estado não pode perder a oportunidade
de produzir provas contra o acusado, tirando-lhe a chance de um resultado
pautado na (in)certeza. Todas as provas possíveis se constituem como preceitos do
devido processo substancial, já que a vida e a liberdade do sujeito estão em jogo.
Enquanto na seara civil se fala em probabilidade de ocorrência do evento desejado
(obtenção da vantagem ou não ocorrência do prejuízo, obstada pelo fato antijurídico),
no processo penal não se pode falar em probabilidade. Para a condenação, exige-se a
certeza, e não deve haver elemento algum que faça presumir a culpa de alguém. A culpa
deve ser devidamente comprovada. Nos casos em que a prova estava ao alcance do
Estado e não foi produzida, não se pode substituí-la por outros elementos, sob
alegação da ausência de probabilidade de que aquela prova faltante fosse absolver
o acusado. O Estado é garante dos direitos fundamentais e deve assegurar que os
preceitos legais, constitucionais e convencionais sejam devidamente respeitados. Não

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pode, pois, eximir-se de sua responsabilidade, quando o ônus de afastar a inocência
presumida lhe incumbe integralmente" (op. cit., p. 464; grifei)

Notícia STJ, em 01/02/2022,


https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/01022022-Quinta-Tu
rma-aplica-teoria-da-perda-da-chance-e-absolve-menor-acusado-com-base-em-testemun
hos-indiretos.aspx , Quinta Turma aplica teoria da perda da chance e absolve
menor acusado com base em testemunhos indiretos:
​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a teoria da perda
de uma chance para absolver um adolescente acusado de ato infracional análogo ao
crime de homicídio tentado. As instâncias ordinárias haviam imposto ao menor a
medida socioeducativa mais grave prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), com base apenas em depoimentos indiretos, pois, além do próprio acusado, não
foram ouvidas as testemunhas oculares nem as pessoas diretamente envolvidas no fato,
e não foi realizado o exame de corpo de delito na vítima.
De acordo com o processo, o menor, morador de rua, golpeou a vítima com um
paralelepípedo porque ela teria agredido sua namorada, grávida, e um amigo, mas a tese
de legítima defesa não foi aceita. As instâncias ordinárias entenderam que houve
excesso na legítima defesa, tendo em vista depoimentos do bombeiro e da policial
militar que atenderam a ocorrência quando a briga já havia terminado. Os depoentes,
por sua vez, basearam seus relatos em informações de pessoas que estavam no local –
testemunhas oculares –, mas que, por não terem sido identificadas, não foram
formalmente ouvidas pela polícia, nem em juízo.
Seguindo o voto do relator, a Quinta Turma fixou o entendimento de que o
testemunho indireto (também conhecido como testemunho por "ouvir dizer" ou
hearsay testimony) "não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento
do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu". A
utilidade desse tipo de depoimento – acrescentou o ministro – é apenas indicar ao

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juízo testemunhas efetivas que possam vir a ser ouvidas na instrução criminal, na
forma do artigo 209, parágrafo 1º, do CPP.
Ao apresentar diversos entendimentos sobre o hearsay testimony no direito
comparado, Ribeiro Dantas ressaltou que o fato efetivamente ocorrido não corresponde,
necessariamente, à percepção da testemunha – percepção esta que ainda pode se alterar
com o passar do tempo. Esses limites da prova testemunhal, segundo o relator, crescem
exponencialmente quando se adiciona um intermediário, no caso do depoimento por
"ouvir dizer".
Para o magistrado, procedimentos comuns que podem ser realizados pelo juízo
para verificar a credibilidade e a solidez da narrativa do depoente ficam inviabilizados
quando se trata de testemunho indireto, o qual subtrai das partes a prerrogativa –
garantida pelo artigo 212 do CPP – de inquirir a testemunha e apontar eventuais
inconsistências de seu relato.
Provar a dinâmica dos fatos é ônus da acusação
De acordo com o ministro, não há explicação no processo para o fato de as
várias pessoas que presenciaram a briga não terem sido identificadas pela polícia
para posterior depoimento – segundo ele, uma "gravíssima omissão". Quanto à
namorada, ao amigo e à vítima, Ribeiro Dantas observou que o Ministério Público
desistiu de ouvi-los por serem pessoas em situação de rua, sem endereço para
intimação, "mas não demonstrou ter envidado nenhum esforço para localizá-los".
Mesmo assim, "a única pessoa ouvida em juízo e que realmente presenciou os fatos – o
representado – teve sua justificativa completamente descartada pelo Estado, sem a
apresentação de motivação válida para tanto, até porque não se produziu prova direta a
esse respeito".
Para o relator, o ônus de produzir as provas que expliquem a dinâmica dos fatos
narrados na denúncia é da acusação, e não do réu. "Quando a acusação não produzir
todas as provas possíveis e essenciais para a elucidação dos fatos – capazes de, em
tese, levar à absolvição do réu ou confirmar a narrativa acusatória caso

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produzidas –, a condenação será inviável, não podendo o magistrado condenar
com fundamento nas provas remanescentes", concluiu Ribeiro Dantas.

ROSA, ALEXANDRE MORAIS DA ; RUDOLFO, FERNANDA MAMBRINI


. A teoria da perda de uma chance probatória aplicada ao processo penal / The
theory of loss of chance probative applied to criminal proceedings. REVISTA
BRASILEIRA DE DIREITO IMED, v. 13, p. 455-471, 2017. RESUMO:
* A aplicação da teoria da perda de uma chance probatória no processo penal
tem em vista as hipóteses em que o Estado deixa de produzir provas que estavam ao
seu alcance, julgando suficientes aqueles elementos que já estão à sua disposição, de
modo que o réu perde a chance de que a sua inocência seja ou não afastada. Ou seja,
quando o Estado perde a oportunidade de produzir provas contra o acusado, é suprimida
a chance de um resultado do julgamento pautado na (in)certeza. Assim, considerando
que o ônus da prova compete exclusivamente à acusação (princípio constitucional da
presunção de inocência) e que a produção de todas as provas possíveis pela acusação é
corolário do devido processo substancial (porque a vida e a liberdade do indivíduo
estão em jogo), deve ser reconhecido o CERCEAMENTO DE DEFESA pela
aplicação da teoria da perda de uma chance probatória, com a consequente
ABSOLVIÇÃO pela falta de provas possíveis, não apuradas, não produzidas, mas
factíveis. A condenação exige superação da dúvida razoável, por padrão de standard
probatório democrático, e no caso de ausência de todas as provas (possíveis) acerca da
autoria e materialidade do delito, dada a perda da chance de produção da prova por parte
do Estado, prevalece a presunção de inocência.

Exemplo 1 – crimes de tráfico – palavra dos policiais militares –


possibilidade de produção de outras provas, como a filmagem de toda a ação,
investigações anteriores, condução dos usuários por porte, GPS da viatura, ... -
aplicação da teoria da perda de uma chance no processo penal – fundamentos:
princípios constitucionais da presunção de inocência (ônus da prova que compete

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exclusivamente à acusação) e devido processo substancial – pedidos: nulidade pelo
cerceamento de defesa e absolvição pela falta de provas possíveis
Nos casos de tráfico, de regra, as provas da condenação advêm somente dos
depoimentos dos policiais e não encontram guarida no restante do acervo probatório,
deixando de identificar e possibilitar a colheita de declarações de possível usuário,
deixando de anotar as placas dos veículos dos supostos compradores, deixando de
gravar o alegado consentimento livre e voluntário para ingresso no domicílio e
realização de buscas, deixando de arrolar testemunhas do ingresso livre e voluntário do
ingresso no domicílio.

Exemplo 2 – crimes de homicídio – palavra da vítima – possibilidade de


produção de outras provas, como câmeras de segurança, preservação dos
instrumentos do crime, ... - aplicação da teoria da perda de uma chance no
processo penal – fundamentos: princípios constitucionais da presunção de
inocência (ônus da prova que compete exclusivamente à acusação) e devido
processo substancial – pedidos: nulidade pelo cerceamento de defesa e absolvição
pela falta de provas possíveis

No casos de homicídio, muitas vezes, as provas da condenação advêm somente


do depoimento da vítima, deixando de apreender e periciar câmeras de segurança,
deixando de identificar e arrolar testemunhas que se encontravam no local dos fatos,
deixando de preservar os instrumentos apreendidos na cena do crime para uma possível
perícia papiloscópica (destaque, no ponto, também para a atual questão da cadeia de
custódia da prova!), desistindo o MP de testemunhas visuais do crime, deixando de
requerer um prova pericial possível.

Exemplo 3 – crimes de roubo – nulidade do reconhecimento por violação às


garantias mínimas do art. 226 do CPP – decisões paradigmáticas do STJ e do STF
– ato irrepetível – induzimento a falsas memórias – aplicação da teoria da perda de

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uma chance no processo penal – fundamentos: princípios constitucionais da
presunção de inocência (ônus da prova que compete exclusivamente à acusação) e
devido processo substancial - pedidos: nulidade pelo cerceamento de defesa e
absolvição pela falta de provas possíveis

Exemplo 4 – prisão em flagrante com alegação de tortura – ausência de


realização do exame de corpo de delito nos moldes do Protocolo de Istambul
imediatamente após a prisão (Resolução CNJ 414 /2021) – aplicação da teoria da
perda de uma chance no processo penal – ilegalidade da prisão - fundamentos:
presunção de inocência (ônus da prova, inclusive no que tange ao afastamento da
alegação de tortura - que compete exclusivamente à acusação) e proibição da
tortura (art. 5º, incisos III e XLVII, alínea e, e LXIII, da CF. Convenção da ONU
contra a tortura e protocolo facultativo. Convenção Interamericana para prevenir
e punir a tortura. Art. 5º, item 2, da CADH, art. 7º do PIDCP. Art. 5º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. C/c art. 5º, § 2º, da CF. Lei 9.455/199
e Lei 9.455/1997) – diante da ilegalidade da prisão, pedido de relaxamento

1.2) TESTEMUNHO INDIRETO/ TESTEMUNHO “DE OUVIR DIZER”/


HEARSAY TESTIMONY

No mesmo julgado, AREsp 1940381 / AL, a 5ª Turma do STJ adotou a seguinte


tese: o testemunho indireto (também conhecido como testemunho de "ouvir dizer"
ou hearsay testimony) não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum
elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação
do réu. Sua utilidade deve se restringir a apenas indicar ao juízo testemunhas referidas
para posterior ouvida na instrução processual, na forma do art. 209, § 1º, do CPP. Isso
porque o testemunho indireto não se reveste da segurança necessária para demonstrar a
ocorrência de nenhum elemento do crime, mormente porque retira das partes a
prerrogativa legal de inquirir a testemunha ocular dos fatos (art. 212 do CPP).

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Conforme se verifica, o testemunho indireto não consubstancia prova ilícita,
contudo a jurisprudência é pacífica no sentido de ser o mesmo insuficiente para
fundamentar, de per si, uma condenação, ou mesmo uma decisão de pronúncia no
procedimento do tribunal do júri.

INJUSTIÇA EPISTÊMICA

Por fim, no mesmo julgado em que invocada a teoria da perda de uma chance
probatória e assentada a impossibilidade de condenação com base em testemunho de
ouvir dizer, a 5ª Turma do STJ acrescentou que, “mesmo sem a produção de nenhuma
prova direta sobre os fatos por parte da acusação, a tese de legítima defesa apresentada
pelo réu foi ignorada. Evidente injustiça epistêmica - cometida contra um jovem pobre,
em situação de rua, sem educação formal e que se tornou pai na adolescência -, pela
simples desconsideração da narrativa do representado.”

2) Direito probatório: prova ilegítima X prova ilícita


O tema da ilicitude das provas é extremamente relevante para as provas,
notadamente discursivas, sendo imprescindível o conhecimento do estado da arte na
jurisprudência dos tribunais superiores, o que será analisado a seguir.
Primeiramente, é importante destacar que as provas ilegais abrangem as
seguintes espécies: ilegítimas e ilícitas.
Provas ilegítimas são obtidas com violação de normas processuais (ex.: art.
207 do CP; art. 243, § 2º, do CPP). Consequência: nulidade. Atenção: princípio da
causalidade (art. 573, § 1º, CPP: a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos
atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência).
Provas ilícitas são obtidas com violação de normas materiais, afrontando
direitos fundamentais, materiais ou protetivos de liberdades públicas (ex.: prova obtida
por tortura, com violação de domicílio, à intimidade, ao sigilo das telecomunicações e
dados, ao direito ao silêncio, à garantia da não auto-incriminação). Consequência:

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inadmissibilidade, a impedir o seu ingresso, ou a acarretar a sua exclusão
(desentranhamento) do processo.
Badaró: além das garantias constitucionais que asseguram liberdades públicas,
também deve ser considerada prova ilícita aquela obtida em violação a direitos
processuais que integram o devido processo legal: juiz natural, contraditório, ampla
defesa, presunção de inocência, motivação, publicidade, ...
O direito à prova se dá em cinco momentos: investigação, propositura, admissão,
produção e valoração. O vício da prova ilícita normalmente ocorre quando da sua
obtenção, e o vício da prova ilegítima normalmente ocorre na sua produção. A
consequência da prova ilícita é a sua inadmissão (impedir o ingresso) ou exclusão
(desentranhamento). Por sua vez, a consequência da prova ilegítima é a nulidade. De
todo modo, tanto as provas ilícitas quanto as provas ilegítimas não podem ser
valoradas pelo juiz.

3) Inadmissibilidade das provas ilícitas e ilicitude por derivação


De acordo com o art. 5º, LVI, da CF, “são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos”. Nesse sentido, o art. 157 do CPP prevê que “são
inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
Por sua vez, pela doutrina da ilicitude por derivação/ teoria do fruto da
árvore envenenada/ fruit of the poisonous tree, o vício da ilicitude originária
contamina as provas derivadas, que são aquelas que possuem nexo de causalidade com
a prova ilícita. Assim, o art. 157, § 1º, primeira parte, dispõe que “são também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras”. Aplicam-se, portanto, as regras de exclusão das
provas derivadas das ilícitas/ exclusionary rules.
Cabe pontuar que a doutrina norte-americana criou regras para atenuar a
contaminação das provas derivadas da ilícita, tais como a da conexão tênue, a da

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descoberta inevitável, a da boa-fé policial e a da fonte independente, que foram em parte
consagradas nos §§ 1º e 2º do art. 157 do CPP.
Assim, o art. 157, § 1º, segunda parte, ressalva a admissibilidade das provas
derivadas quando puderem ser obtidas por uma fonte independente (teoria da fonte
independente). Considera-se admissível, portanto, a prova que, embora guarde alguma
conexão com a original ilícita, não possui relação de total causalidade em relação
àquela, pois outra fonte lícita a sustenta (independent source). A fonte autônoma de
prova não guarda relação de dependência nem decorre da prova originariamente ilícita,
com esta não mantendo vinculação causal.
Ademais, o § 2º prevê que se considera fonte independente aquela que por si só,
seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal,
seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova (teoria da descoberta inevitável).
Assim, considera-se admissível se a prova ilicitamente obtida seria inevitavelmente
descoberta de outro modo (inevitable discovery), a partir de outra linha legítima de
investigação.
* STJ: a ilicitude da prova, por reverberação, alcança necessariamente aquelas
dela derivadas (Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada), salvo se não houver qualquer
vínculo causal com a prova ilícita (Teoria da Fonte Independente) ou, mesmo que haja,
seria produzida de qualquer modo, como resultado inevitável das atividades
investigativas ordinárias e lícitas (Teoria da Descoberta Inevitável).
Como ressalva, a doutrina predominante, invocando o princípio da
proporcionalidade, admite a prova ilícita apenas pro reo, haja vista os valores da
liberdade e da dignidade da pessoa humana.
* Atenção: o § 5º, inserido no art. 157 do CPP pela Lei 13.964/19, prevê que o
juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a
sentença ou acórdão. Contudo, antes mesmo da entrada em vigor da Lei Anticrime, o
ministro relator Luiz Fux concedeu medida cautelar no bojo das ADIs 6298, 6299, 6300
e 6305, suspendendo por tempo indeterminado a eficácia da referida regra, invocando o
princípio do juiz natural.

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4) Análise jurisprudencial

4.1 Prova ilícita: violação de domicílio


Art. 5º, XI, da CF: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,
ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
REGRA: inviolabilidade do domicílio.

EXCEÇÃO 1: fundadas razões de flagrante delito no interior do domicílio


(justa causa)
- O STF definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: “a entrada
forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno,
quando amparada em FUNDADAS RAZÕES, devidamente justificadas a
posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob
pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de
nulidade dos atos praticados” (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJ
10/05/2016). Saliente-se que, nesse julgamento, o STF mencionou que a entrada forçada
em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Assim, não
será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a
medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a
caracterizar fundadas razões (JUSTA CAUSA) para a medida.
- As circunstâncias que ANTECEDEREM a violação do domicílio devem
evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões (justa causa) que
justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais,
portanto, NÃO podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera
atitude “suspeita”, ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda
ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não,

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necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância
entorpecente.
5ª Turma do STJ, Inf. 666/20, e 6ª Turma do STJ, Inf.
623/18: a existência de denúncias anônimas somada à fuga
do acusado, por si sós, não configuram fundadas razões a
autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o
seu consentimento ou determinação judicial. Verifica-se
ofensa ao direito fundamental da inviolabilidade do domicílio,
determinado no art. 5°, inc. XI, da Constituição da República,
pois, não há referência à prévia investigação policial para
verificar a possível veracidade das informações recebidas, não
se tratando de averiguação de informações concretas e robustas
acerca da traficância naquele local. Ainda que o tráfico ilícito de
drogas seja um tipo penal com vários verbos nucleares, e de
caráter permanente em alguns destes verbos, como por exemplo
"ter em depósito", não se pode ignorar o inciso XI do artigo 5º
da Constituição Federal e esta garantia constitucional não pode
ser banalizada, em face de tentativas policiais aleatórias de
encontrar algum ilícito em residências. Conforme entendimento
da Suprema Corte e da Sexta Turma deste STJ, a entrada forçada
em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é
arbitrária, e não será a constatação de situação de flagrância,
posterior ao ingresso, que justificará a medida, pois os
agentes estatais devem demonstrar que havia elemento
mínimo a caracterizar fundadas razões (justa causa). A 5ª
Turma do STJ se filiou ao referido entendimento recentemente,
assentando ser IMPRESCINDÍVEL PRÉVIA
INVESTIGAÇÃO POLICIAL DA VERACIDADE DAS
INFORMAÇÕES RECEBIDAS, como "campana" próxima
à residência para verificar a movimentação na casa e outros
elementos de informação que possam ratificar a notícia
anônima.

6ª Turma do STJ, Inf. 606/17: Não configura justa causa


apta a autorizar invasão domiciliar a mera intuição da
autoridade policial de eventual traficância praticada por
indivíduo, fundada unicamente em sua fuga de local
supostamente conhecido como ponto de venda de drogas
ante iminente abordagem policial. INFORMAÇÕES DO
INTEIRO TEOR Cinge-se a discussão sobre a legitimidade do
procedimento policial que, após o ingresso no interior da
residência de determinado indivíduo, sem o seu consentimento

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válido e sem autorização judicial, logra encontrar e apreender
drogas, de sorte a configurar a prática do crime de tráfico de
entorpecente, cujo caráter permanente autorizaria o ingresso
domiciliar. Inicialmente, cumpre pontuar que o texto
constitucional estabeleceu no art. 5º, XI, a máxima de que a
residência é asilo inviolável, atribuindo-lhe contorno de direito
fundamental vinculado à proteção da vida privada e ao direito à
intimidade. Ao mesmo tempo, previu, em numerus clausus, as
respectivas exceções, quais sejam: a) se o morador consentir; b)
em flagrante delito; c) em caso de desastre; d) para prestar
socorro; e) durante o dia, por determinação judicial. Aliás, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do
julgamento do RE n. 603.616/RO, com repercussão geral
previamente reconhecida, assentou que "a entrada forçada em
domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período
noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente
justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre
situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de
nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro Gilmar Mendes,
DJe 8/10/2010). No entanto, embora a jurisprudência tenha
caminhado no sentido de que as autoridades podem ingressar em
domicílio, sem o consentimento do morador, em hipóteses de
flagrante-delito de crime permanente – de que é exemplo o
tráfico de drogas –, o entendimento merece ser aperfeiçoado,
dentro, obviamente, dos limites definidos pela Carta Magna e
pelo Supremo Tribunal Federal, para que se possa perquirir em
qual medida a entrada forçada em domicílio é tolerável. O crime
de tráfico de drogas, por seu tipo plurinuclear, enseja diversas
situações de flagrante que não devem ser confundidas. Nem
sempre o agente traz consigo drogas ou age ostensivamente de
modo a ser possível antever que sua conduta se insere em
alguma das dezoito alternativas típicas que justificam o
flagrante, com a mitigação de um direito fundamental. Nesses
325 casos, espera-se que a autoridade policial proceda a
investigações preliminares que a levem a descobrir, v. g., que a
residência de determinado indivíduo serve de depósito ou de
comercialização de substâncias entorpecentes, de modo a
autorizar o ingresso na casa, a qualquer hora do dia ou da noite,
dada a natureza permanente do tráfico de drogas. Na hipótese
em que o acusado encontra-se em local supostamente conhecido
como ponto de venda de drogas, e, ao avistar o patrulhamento
policial, empreende fuga até sua residência (por motivos
desconhecidos) e, em razão disso, é perseguido por policiais,

15
sem, contudo, haver um contexto fático do qual se possa
concluir (ou, ao menos, ter-se fundada suspeita), que no interior
da residência também ocorre uma conduta criminosa, a questão
da legitimidade da atuação policial, ao invadir o domicílio,
torna-se extremamente controversa. Assim, ao menos que se
possa inferir, de fatores outros que não a mera fuga ante a
iminente abordagem policial, que o evasor esteja praticando
crime de tráfico de drogas, ou outro de caráter permanente, no
interior da residência onde se homiziou, não haverá razão séria
para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que haja
posterior descoberta e apreensão de drogas no interior da
residência – circunstância que se mostrará meramente acidental
–, sob pena de esvaziar-se essa franquia constitucional da mais
alta importância. O que se tem, portanto, é apenas a intuição
acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido, o que,
embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública,
para averiguação, não configurou, por si só, "fundadas razões" a
autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento
e sem determinação judicial.

6ª Turma do STJ, REsp 1.886.985 e HC 611.918, j. 07/12/2020:


Mera denúncia anônima, aliada à venda de drogas na porta
da residência, não autorizam presumir armazenamento de
substância ilícita no domicílio e assim legitimar o ingresso de
policiais, inexistindo justa causa para a medida.

- Só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de


um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento
adequado para, mediante mandado judicial – meio ordinário e seguro para o
afastamento do direito à inviolabilidade da morada – legitimar a entrada em
residência ou local de abrigo. O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser
classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem
mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o
ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da
obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a
prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada. Tal ideia foi
veiculada em decisão da 6ª Turma do STJ, no Inf. 687/21.

16
EXCEÇÃO 2: consentimento livre e voluntário
- Hipótese versada no Inf. 687/21, 6ª Turma do STJ, HC 598.051 – SP, j.
02/03/2021.
- Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio
alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita
reserva a usual afirmação – como ocorreu no caso em julgamento – de que o morador
anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a
diligência não é acompanhada de documentação que a imunize contra suspeitas e
dúvidas sobre sua legalidade.
- O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em
sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser
VOLUNTÁRIO E LIVRE de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
- A PROVA da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o
ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao ESTADO, e
deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso
domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a
operação deve ser REGISTRADA EM ÁUDIO-VÍDEO e preservada tal prova
enquanto durar o processo. Assim, além da documentação escrita da diligência policial
(relatório circunstanciado), seja ela totalmente registrada em vídeo e áudio, de maneira a
não deixar dúvidas quanto à legalidade da ação estatal como um todo e, particularmente,
quanto ao livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar.
- As regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso
concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes castrenses de que
o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio
domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a
formação de prova incriminatória em seu desfavor.
Inf. 687/21, 6ª Turma do STJ
A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento
para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso
de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração
assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar,

17
indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em
todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e
preservada a prova enquanto durar o processo.
Informações do Inteiro Teor
O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito
fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a
casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante
o dia, por determinação judicial".
A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito
à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de
seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado
contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os
cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal
franquia constitucional exige.
Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em
termos de standard probatório para ingresso no domicílio do
suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões
(justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente
justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre
situação de flagrante delito.
O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado
como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a
entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se
encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações
de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da
obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente
inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída
ou ocultada.
O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes
estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos
relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer
tipo de constrangimento ou coação.
A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento
para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de
dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela
pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se,
sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a
operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal
prova enquanto durar o processo.
A violação a essas regras e condições legais e constitucionais
para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das
provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais

18
provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem
prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s)
público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
Fixa-se o prazo de 1 (um) ano para permitir o aparelhamento das
polícias, treinamento e demais providências necessárias para a
adaptação às diretrizes da presente decisão, de modo a evitar
situações de ilicitude, que, entre outros efeitos, poderá implicar
responsabilidade administrativa, civil e/ou penal do agente
estatal, à luz da legislação vigente (art. 22 da Lei 13.869/2019),
sem prejuízo do eventual reconhecimento, no exame de casos a
serem julgados, da ilegalidade de diligências pretéritas.

CONSEQUÊNCIA DA OBTENÇÃO DE PROVA DERIVADA DA


VIOLAÇÃO AO DOMICÍLIO, sem que presente qualquer das exceções
constitucionais:
- A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso
no domicílio alheio resulta na ILICITUDE das provas obtidas em decorrência da
medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de
causalidade (PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO), sem prejuízo de eventual
responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
- Inadmissibilidade das provas ilícitas, devendo ser desentranhadas do processo.
Assim, diante da ausência/ insuficiência de provas lícitas de materialidade e autoria
delitivas, imperiosa a absolvição do acusado.

Obs.: No Inf. 687/21, a 6ª Turma do STJ estabeleceu o prazo de um ano para


permitir o aparelhamento das polícias, treinamento e demais providências necessárias
para a adaptação às diretrizes da decisão, de modo evitar situações de ilicitude que
possam, entre outros efeitos, implicar responsabilidade administrativa, civil e/ou penal
do agente estatal (art. 22 da Lei 13.869/2019), sem prejuízo do eventual
reconhecimento, no exame de casos a serem julgados, da ilegalidade de diligências
pretéritas. Esse trecho do acórdão, contudo, foi anulado pelo STF, em decisão
monocrática do Min. Alexandre de Moraes, no RE 1342077, j. 02.12.2021,
mantendo, contudo, a absolvição do paciente em virtude da anulação das provas

19
decorrentes do ingresso desautorizado em seu domicílio. Assim, o ponto de
divergência se cingiu unicamente à determinação em abstrato e com efeitos vinculantes
e erga omnes a todos os órgão da administração de segurança do país, no bojo de um
habeas corpus individual.
Nesse sentido, 6ª Turma do STJ, Inf. 730/22: A violação de domicílio com
base no comportamento suspeito do acusado, que empreendeu fuga ao ver a
viatura policial, não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado
judicial para a entrada dos agentes públicos na residência. Tendo como referência o
recente entendimento firmado por esta Corte, nos autos do HC 598.051/SP, o ingresso
policial forçado em domicílio, resultando na apreensão de material apto a configurar o
crime de tráfico de drogas, deve apresentar justificativa circunstanciada em elementos
prévios que indiquem efetivo estado de flagrância de delitos graves, além de estar
configurada situação que demonstre não ser possível mitigação da atuação policial por
tempo suficiente para se realizar o trâmite de expedição de mandado judicial idôneo ou
a prática de outras diligências. No caso em tela, a violação de domicílio teve como
justificativa o comportamento suspeito do acusado - que empreendeu fuga ao ver a
viatura policial -, circunstância fática que não autoriza a dispensa de investigações
prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência,
acarretando a nulidade da diligência policial. Ademais, a alegação de que a entrada
dos policiais teria sido autorizada pelo agente não merece acolhimento. Isso,
porque não há outro elemento probatório no mesmo sentido, salvo o depoimento
dos policiais que realizaram o flagrante, tendo tal autorização sido negada em
juízo pelo réu. Por fim, "Segundo a nova orientação jurisprudencial, o ônus de
comprovar a higidez dessa autorização, com prova da voluntariedade do
consentimento, recai sobre o estado acusador" (HC 685.593/SP, relator Ministro
Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, DJe 19/10/2021).
No mesmo sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA.
NULIDADE. INGRESSO DE POLICIAIS NO DOMICÍLIO
DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA OU DE

20
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. COMPROMETIMENTO DA
MATERIALIDADE DELITIVA. APREENSÃO DE GRANDE
QUANTIDADE DE DROGA (37,717 KG DE MACONHA,
2,268 KG DE COCAÍNA E 10,532 KG DE CRACK). ÔNUS
DA PROVA. ESTADO ACUSADOR. PROVAS OBTIDAS
EIVADAS DE VÍCIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
MANIFESTO. 1. Esta Corte Superior tem entendido, quanto ao
ingresso forçado em domicílio, que não é suficiente apenas a
ocorrência de crime permanente, sendo necessárias fundadas
razões de que um delito está sendo cometido, para assim
justificar a entrada na residência do agente, ou, ainda,
autorização para que os policiais entrem no domicílio. 2.
Segundo a nova orientação jurisprudencial, o ônus de
comprovar a higidez dessa autorização, com prova da
voluntariedade do consentimento, recai sobre o estado
acusador. 3. Ao que se observa, o fato de o indivíduo correr
com uma mochila nas costas, mesmo após evadir-se da
presença policial, não configura a fundada razão da
ocorrência de crime (estado de flagrância) que justifique
afastar a garantia da inviolabilidade do domicílio,
estabelecida no art. 5º, XI, da Constituição Federal. 4. Ordem
concedida para reconhecer a nulidade do flagrante em razão da
invasão de domicílio e, por conseguinte, das provas obtidas em
decorrência do ato.
(6ª Turma do STJ, HC nº 668.062/RS, DJe 27/09/2021)

6ª Turma do STJ, Inf. 725/22: A indução do morador a erro na autorização


do ingresso em domicílio macula a validade da manifestação de vontade e, por
consequência, contamina toda a busca e apreensão.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito
fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa
é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante
delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial.
O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral
(Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado
judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia,
inclusive durante o período noturno - quando amparado em
fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias
do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da

21
casa, situação de flagrante delito (RE 603.616/RO, Rel. Ministro
Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ:
REsp 1.574.681/RS.
No caso, apesar da menção a informação anônima
repassada pela Central de Operações da Polícia Militar - Copom,
não há nenhum registro concreto de prévia investigação para
apurar a conformidade da notícia, ou seja, a ocorrência do
comércio espúrio na localidade, tampouco a realização de
diligências prévias, monitoramento ou campanas no local para
averiguar a veracidade e a plausibilidade das informações
recebidas anonimamente e constatar o aventado comércio ilícito
de entorpecentes. Não houve, da mesma forma, menção a
qualquer atitude suspeita, exteriorizada em atos concretos, nem
movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas.
Por ocasião do julgamento do HC 598.051/SP (Rel.
Ministro Rogerio Schietti, DJe 15/3/2021), a Sexta Turma desta
Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e
criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento
do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes
estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes
conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante,
exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no
domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de
fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e
devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da
casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de
entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de
natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem
mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga.
Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência,
quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de
mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a
prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada;
c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de
agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos
relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer
tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e
da voluntariedade do consentimento para o ingresso na
residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e
deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que
autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que
possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser
registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar
o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e

22
constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na
ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem
como das demais provas que dela decorrerem em relação de
causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal
do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
As regras de experiência e o senso comum, somadas às
peculiaridades do caso concreto, não conferem
verossimilhança à afirmação dos agentes policiais de que o
paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso
em seu próprio domicílio, de sorte a franquear àqueles a
apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de
prova incriminatória em seu desfavor.
Na hipótese em análise, ainda que o acusado haja
admitido a abertura do portão do imóvel para os agentes da
lei, ressalvou que o fez apenas porque informado sobre a
necessidade de perseguirem um suposto criminoso em fuga,
e não para que fossem procuradas e apreendidas drogas.
Ademais, se, de um lado, deve-se, como regra, presumir a
veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se
há de ignorar, por outro lado, que a notoriedade de frequentes
eventos de abusos e desvios na condução de diligências policiais
permite inferir como pouco crível a versão oficial apresentada
no inquérito policial, máxime quando interfere em direitos
fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo
de se criar narrativa que confira plena legalidade à ação estatal.
Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias
concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base
na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos
- ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do
direito atingido (in dubio pro libertas).
Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do
Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o
consentimento do morador foi livremente prestado, ou que,
na espécie, havia em curso na residência uma clara situação
de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso
domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador.
Entretanto, não se demonstrou preocupação em documentar
esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas,
quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.
Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o
recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos
Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF 635
("ADPF das Favelas", finalizado em 3/2/2022), oportunidade
na qual o Pretório Excelso - em sua composição plena e em

23
consonância com o decidido por este Superior Tribunal no já
citado HC 598.051/SP - reconheceu a imprescindibilidade de tal
forma de monitoração da atividade policial e determinou, entre
outros, que "o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de
180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e
sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e
nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior
armazenamento digital dos respectivos arquivos". Dessa forma,
em atenção à basilar lição de hermenêutica constitucional
segundo a qual exceções a direitos fundamentais devem ser
interpretadas restritivamente, prevalece, quanto ao
consentimento, na ausência de prova adequada em sentido
diverso, a versão apresentada pelo morador de que apenas abriu
o portão para os policiais perseguirem um suposto autor de
crime de roubo.
Partindo dessa premissa, isto é, de que a autorização foi
obtida mediante indução do acusado a erro pelos policiais
militares, não pode ser considerada válida a apreensão das
drogas, porquanto viciada a manifestação volitiva do
paciente. Se, no Direito Civil, que envolve direitos patrimoniais
disponíveis, em uma relação equilibrada entre particulares, a
indução da parte adversa a erro acarreta a invalidade da sua
manifestação por vício de vontade (art. 145, CC), com muito
mais razão deve fazê-lo no Direito Penal (lato sensu), que trata
de direitos indisponíveis do indivíduo diante do poderio do
Estado, em relação manifestamente desigual.
A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante
decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação
a norma constitucional que consagra direito fundamental à
inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso
concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os
atos dela decorrentes - relativa ao delito descrito no art. 33 da
Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa
diligência policial.
Ressalta-se que, conquanto seja legítimo que os órgãos de
persecução penal se empenhem em investigar, apurar e punir
autores de crimes mais graves, os meios empregados devem,
inevitavelmente, vincular-se aos limites e ao regramento das leis
e da Constituição Federal. Afinal, é a licitude dos meios
empregados pelo Estado que justificam o alcance dos fins
perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre bases
republicanas e democráticas.

24
No HC 616.584/RS, j. 30/03/2021, a 5ª Turma do STJ alinhou-se à Sexta
Turma, afirmando que, “na falta de comprovação de que o consentimento do
morador foi voluntário e livre de qualquer coação e intimidação, impõe-se o
reconhecimento da ilegalidade na busca domiciliar e consequentemente de toda a
prova dela decorrente”, consignando, ainda, que a “validade da autorização do
morador depende de prova escrita e gravação ambiental”.
Inclusive, sobre a gravação audiovisual, o Plenário do STF, em recente
julgamento dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635 ("ADPF
das Favelas"), Inf. 1042/22, reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de
monitoração da atividade policial e determinou, entre outros, que "o Estado do Rio de
Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de
GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos
agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos
arquivos".
O Estado do Rio de Janeiro deve elaborar, no prazo máximo
de 90 dias, um plano para redução da letalidade policial e
controle das violações aos direitos humanos pelas forças de
segurança, que apresente medidas objetivas, cronogramas
específicos e previsão dos recursos necessários para a sua
implementação. Nesse mesmo sentido, até que plano mais
abrangente seja formulado, o emprego e a fiscalização da
legalidade do uso da força devem ser feitos à luz dos “Princípios
Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei”, com todos
os desdobramentos daí derivados. Desse modo, cabe às forças de
segurança a análise, diante das situações concretas, da
proporcionalidade e da excepcionalidade do uso da força,
servindo os princípios como guias para o exame das
justificativas apresentadas a fortiori. Portanto, o uso da força
letal por agentes de Estado só se justifica quando, ressalvada a
ineficácia da elevação gradativa do nível da força empregada
para neutralizar a situação de risco ou de violência, exauridos os
demais meios, inclusive os de armas não-letais, e necessário
para proteger a vida ou prevenir um dano sério, decorrente de
uma ameaça concreta e iminente. Ademais, nos termos do art.
227 da Constituição Federal, é imperiosa a necessidade de dar
prioridade absoluta às investigações de incidentes que tenham

25
como vítimas crianças ou adolescentes. Além disso, a fim de
resguardar o direito à vida, deve-se reconhecer a obrigatoriedade
de disponibilização de ambulâncias em operações policiais
previamente planejadas em que haja a possibilidade de
confrontos armados. De igual modo, no caso de buscas
domiciliares por parte das forças de segurança do Estado do Rio
de Janeiro, devem ser observadas as seguintes diretrizes
constitucionais, sob pena de responsabilidade: (i) a diligência,
no caso específico de cumprimento de mandado judicial, deve
ser realizada somente durante o dia, vedando-se, assim, o
ingresso forçado a domicílios à noite; (ii) a diligência, quando
feita sem mandado judicial, pode ter por base denúncia anônima;
(iii) a diligência deve ser justificada e detalhada por meio da
elaboração de auto circunstanciado, que deverá instruir eventual
auto de prisão em flagrante ou de apreensão de adolescente por
ato infracional e ser remetido ao juízo da audiência de custódia
para viabilizar o controle judicial posterior; e (iv) a diligência
deve ser realizada nos estritos limites dos fins excepcionais a
que se destina. Por fim, o Estado do Rio de Janeiro deve, no
prazo máximo de 180 dias, instalar equipamentos de GPS e
sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e
nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior
armazenamento digital dos respectivos arquivos. Com base
nesses e em outros fundamentos, o Plenário acolheu
parcialmente embargos de declaração em medida cautelar em
arguição de descumprimento de preceito fundamental.

* Violação de domínio, fishing expedition e desvio de finalidade:


STJ, 6ª Turma, HC 663055, j. 22.03.22, Inf. 731/22:
“[...]
5. Por se tratar de medida invasiva e que restringe sobremaneira o direito
fundamental à intimidade, o ingresso em morada alheia deve se circunscrever apenas ao
estritamente necessário para cumprir a finalidade da diligência, conforme se extrai da
exegese do art. 248 do CPP, segundo o qual, “Em casa habitada, a busca será feita
de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da
diligência”.
6. É ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso
em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão

26
expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia
autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito. O agente
responsável pela diligência deve sempre se ater aos limites do escopo – vinculado à
justa causa – para o qual excepcionalmente se restringiu o direito fundamental à
intimidade, ressalvada a possibilidade de encontro fortuito de provas.
7. Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão
não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja
vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing
expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.
8. Segundo Alexandre Morais da Rosa, "Fishing Expedition ou Pescaria
Probatória é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem 'causa provável',
alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de
finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém. [É] a
prática relativamente comum de se aproveitar dos espaços de exercício de poder para
subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade, a vida
privada, enfim, violando-se direitos fundamentais, para além dos limites legais. O termo
se refere à incerteza própria das expedições de pesca, em que não se sabe,
antecipadamente, se haverá peixe, nem os espécimes que podem ser fisgados, muito
menos a quantidade" (ROSA, Alexandre Morais da, Guia do Processo Penal
Estratégico: de acordo com a Teoria dos Jogos, 1ª ed., Santa Catarina: Emais, 2021, p.
389-390).
9. Sobre o desvio de finalidade no Direito Administrativo, Celso Antonio
Bandeira de Mello ensina: "Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência
do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois
corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser,
do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como
suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é
desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste
vício — denominado 'desvio de poder' ou 'desvio de finalidade' — são nulos. Quem

27
desatende ao fim legal desatende à própria lei" (BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antonio, Curso de Direito Administrativo, 27 ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 106).
[...]
10.3 Mesmo se admitida a possibilidade de ingresso no domicílio para captura
do acusado – em cumprimento ao mandado de prisão ou até por eventual flagrante do
crime de falsa identidade –, a partir das premissas teóricas acima fundadas, nota-se, com
clareza, a ocorrência de desvirtuamento da finalidade no cumprimento do ato. Isso
porque os objetos ilícitos (drogas e uma munição calibre .32) foram apreendidos no
chão de um dos quartos, dentro de uma caixa de papelão, a evidenciar que não
houve mero encontro fortuito enquanto se procurava pelo réu – certamente
portador de dimensões físicas muito superiores às do referido recipiente –, mas sim
verdadeira pescaria probatória dentro do lar, totalmente desvinculada da
finalidade de apenas capturar o paciente.
10.4 Por fim, quanto ao último fundamento, as regras de experiência e o senso
comum, somados às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à
afirmação dos agentes policiais de que a esposa do paciente – adolescente de apenas 16
anos de idade – teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso no domicílio do
casal, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de
prova incriminatória em desfavor de seu cônjuge. Ademais, não se demonstrou
preocupação em documentar esse suposto consentimento, quer por escrito, quer
por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.”

No mesmo sentido, decisão monocrática do Min. Reynaldo Soares da Fonseca


no HC 703.754/RJ, j. 30/11/2021, em que declarou a ilicitude das provas obtidas em
busca domiciliar realizada por ocasião de cumprimento de mandado de prisão
preventiva, sem flagrante delito ou fundada suspeita, sem mandado judicial e sem
autorização do morador. Na oportunidade, decidiu que, “em situação em tudo
semelhante à posta nos autos, a Quinta Turma desta Corte já teve a oportunidade de
assentar que o cumprimento da ordem de prisão, quando ocorrer no domicílio do

28
acusado, permite apenas o seu recolhimento e dos bens que estejam na sua posse direta,
como resultado de uma busca pessoal, nos termos do art. 240 do CPP, mas não de todos
os objetos guarnecidos no imóvel que possam, aparentemente, ter ligação com a prática
criminosa, pois a busca por tais objetos existentes no imóvel demanda prévia
autorização judicial”.

* Validade ordem judicial de busca e apreensão:


STF: mera denúncia anônima, quando desacompanhada de diligências
investigativas posteriores, não pode embasar sequer mandado judicial de busca e
apreensão no domicílio, ou medidas invasivas como interceptação telefônica.
2ª Turma do STF, no Inf. 976/20: concedeu a ordem em habeas
corpus para trancar a ação penal movida contra a paciente,
denunciada pela suposta prática do delito de tráfico de
entorpecentes, por produzir e comercializar bolos contendo
maconha. No caso, a investigação foi deflagrada por denúncia
anônima, que narrou a venda dos produtos em uma universidade
estadual. Meses depois, foi determinada medida de busca e
apreensão na residência da investigada e, em seguida, sua prisão.
A Turma registrou que inexistiram investigações
complementares depois da denúncia anônima, e que as medidas
subsequentes se lastrearam unicamente em seu conteúdo, mesmo
que decorridos sete meses entre o boletim de ocorrência e o
pedido de busca e apreensão. A jurisprudência do STF é firme
no sentido de que denúncias anônimas não podem embasar,
por si sós, medidas invasivas como interceptações
telefônicas, buscas e apreensões, e devem ser
complementadas por diligências investigativas posteriores.
Se há notícia anônima de comércio de drogas ilícitas numa
determinada casa, a polícia deve, antes de representar pela
expedição de mandado de busca e apreensão, proceder a
diligências veladas no intuito de reunir e documentar outras
evidências que confirmem, indiciariamente, a notícia. Se
confirmadas, com base nesses novos elementos de informação o
juiz deferirá o pedido; se não confirmadas, não será possível
violar o domicílio, sendo a expedição do mandado desautorizada
pela ausência de justa causa. O mandado expedido
exclusivamente com apoio em denúncia anônima será
abusivo. Além disso, a decisão judicial que autorizou a busca
e apreensão carece de fundamentação. Não houve qualquer

29
análise efetiva sobre a real necessidade da medida ou a
consistência das informações contidas na denúncia anônima. Há,
apenas, remissão a esses elementos e enquadramento genérico
na norma processual. É imperiosa para o juiz a demonstração, na
motivação, de que a lei foi validamente aplicada no caso
submetido à sua apreciação. A legalidade de uma decisão não
resulta da simples referência ao texto legal, mas deve ser
verificada concretamente pelo exame das razões pelas quais o
juiz afirma ter aplicado a lei, pois somente tal exame pode
propiciar o efetivo controle daquela demonstração.

* STJ: anulou decisão de busca e apreensão coletiva, genérica e


indeterminada em casas na favela do Jacarezinho e no Conjunto Habitacional Morar
Carioca, no Rio de Janeiro, em HC coletivo impetrado pela DPRJ, por consubstanciar
afronta à inviolabilidade do domicílio, ao direito à privacidade, propriedade, liberdade e
segurança individual.
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS.
APURAÇÃO DE CRIMES PRATICADOS EM
COMUNIDADES DE FAVELAS. BUSCA E APREENSÃO
EM RESIDÊNCIAS. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA
DECISÃO QUE DECRETOU A MEDIDA DE BUSCA E
APREENSÃO COLETIVA, GENÉRICA E
INDISCRIMINADA CONTRA OS CIDADÃOS E
CIDADÃS DOMICILIADOS NAS COMUNIDADES
ATINGIDAS PELO
ATO COATOR.
1. Configurada a ausência de individualização das medidas de
apreensão a serem cumpridas, o que contraria diversos
dispositivos legais, dentre eles os arts. 240, 242, 244, 245, 248 e
249 do Código de Processo Penal, além do art. 5º, XI, da
Constituição Federal: a casa é asilo inviolável do indivíduo,
ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador,
salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
Caracterizada a possibilidade concreta e iminente de ofensa ao
direito fundamental à inviolabilidade do domicílio.
2. Indispensável que o mandado de busca e apreensão tenha
objetivo certo e pessoa determinada, não se admitindo
ordem judicial genérica e indiscriminada de busca e
apreensão para a entrada da polícia em qualquer residência.
Constrangimento ilegal evidenciado.

30
3. Agravo regimental provido. Ordem concedida para reformar o
acórdão impugnado e declarar nula a decisão que decretou a
medida de busca e apreensão coletiva, genérica e indiscriminada
contra os cidadãos e cidadãs domiciliados nas comunidades
atingidas pelo ato coator (Processo n.
0208558-76.2017.8.19.0001)
(6ª Turma do STJ, , j. 05/11/2019)

* Quarto de hotel
No Inf. 715/21, a 6ª Turma do STJ decidiu que é lícita a entrada de policiais,
sem autorização judicial e sem o consentimento do hóspede, em quarto de hotel
não utilizado como morada permanente, DESDE QUE presentes as fundadas
razões que sinalizem a ocorrência de crime e hipótese de flagrante delito.
O quarto de hotel constitui espaço privado que, segundo
entendimento do Supremo Tribunal Federal, é qualificado
juridicamente como "casa" (desde que ocupado) para fins
de tutela constitucional da inviolabilidade domiciliar.
Embora a jurisprudência tenha caminhado no sentido de que as
autoridades podem ingressar em domicílio, sem o consentimento
do morador, em hipóteses de flagrante delito de crime
permanente - de que é exemplo o tráfico de drogas -, ao julgar o
REsp 1.574.681/RS (DJe 30/5/2017), a Sexta Turma do STJ
decidiu, à unanimidade, que não se há de admitir que a mera
constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso,
justifique a medida.
No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para
legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário tenha a
autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro
em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente
cometimento de crime no local onde a diligência vai ser
cumprida.
No caso, verifica-se que, previamente à prisão em flagrante,
foram realizadas diligências investigativas para apurar a
veracidade da informação recebida no sentido de que havia
entorpecentes no quarto de hotel em que estava hospedado o réu.
Vale dizer, a atuação policial foi precedida de mínima
investigação acerca de tal informação de que, naquele quarto,
realmente acontecia a traficância de drogas, tudo a demonstrar
que estava presente o elemento "fundadas razões", a autorizar o
ingresso no referido local.

31
Esclarece-se que, embora o quarto de hotel regularmente
ocupado seja, juridicamente, qualificado como "casa" para fins
de tutela constitucional da inviolabilidade domiciliar (art. 5º,
XI), a exigência, em termos de standard probatório, para que
policiais ingressem em um quarto de hotel sem mandado
judicial não pode ser igual às fundadas razões exigidas para
o ingresso em uma residência propriamente dita, a não ser
que se trate (o quarto de hotel) de um local de moradia
permanente do suspeito.
Isso porque é diferente invadir uma casa habitada
permanentemente pelo suspeito e até por várias pessoas
(crianças e idosos, inclusive) e um quarto de hotel que, como no
caso, é aparentemente utilizado não como uma morada
permanente, mas para outros fins, inclusive, ao que tudo indica,
o comércio de drogas.
Com efeito, presentes as fundadas razões que sinalizem a
ocorrência de crime e evidenciem hipótese de flagrante delito, é
regular o ingresso da polícia no quarto de hotel ocupado pelo
acusado, sem autorização judicial e sem o consentimento do
hóspede.

* Casa desabitada:
No Inf. 678/20, a 5ª Turma do STJ decidiu que não há nulidade na busca e
apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento
que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual,
se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que o
imóvel é utilizado para a prática de crime permanente.
Informações do Inteiro Teor do Inf. 678/20: O Supremo Tribunal
Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado
em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a
qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno -
quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas
pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar
ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE
603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes DJe 8/10/2010).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia
depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de
fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade
de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer,
somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a
conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da

32
residência é que se mostra possível sacrificar o direito à
inviolabilidade do domicílio. Ademais, a proteção
constitucional, no tocante à casa, independentemente de seu
formato e localização, de se tratar de bem móvel ou imóvel,
pressupõe que o indivíduo a utilize para fins de habitação,
moradia, ainda que de forma transitória, pois tutela-se o bem
jurídico da intimidade da vida privada. O crime de tráfico de
drogas, na modalidade guardar ou ter em depósito possui
natureza permanente. Tal fato torna legítima a entrada de
policiais em domicílio para fazer cessar a prática do delito,
independentemente de mandado judicial, desde que existam
elementos suficientes de probabilidade delitiva capazes de
demonstrar a ocorrência de situação flagrancial. No caso, após
denúncia anônima detalhada de armazenamento de drogas e
de armas, seguida de informações dos vizinhos de que não
haveria residente no imóvel, de vistoria externa na qual não
foram identificados indícios de ocupação, mas foi visualizada
parte do material ilícito, policiais adentraram o local e
encontraram grande quantidade de drogas. Assim, sem
desconsiderar a proteção constitucional de que goza a
propriedade privada, ainda que desabitada, não se verifica
nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem
prévio mandado judicial, em apartamento que não revela
sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou
eventual.

4.2 Prova ilícita: fishing expedition (pescaria probatória)


Fishing expedition, ou pescaria probatória, é a procura especulativa, no ambiente
físico ou digital, sem "causa provável", alvo definido, finalidade tangível ou para além
dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir
responsabilidade penal a alguém.
Trata-se de investigação especulativa indiscriminada, sem objetivo delimitado ou
declarado, na expectativa de 'pescar' qualquer prova para subsidiar uma futura acusação,
frequentemente através da violação a direitos fundamentais sujeitos à cláusula de
reserva de jurisdição (ex.: violações a domicílio fora das hipóteses constitucionais,
devassas ao sigilo telefônico, buscas pessoais não amparadas em elementos objetivos
que indiquem uma fundada suspeita, mandados de busca e apreensão coletivos,
amparados em mera denúncia anônima, mandados de busca e apreensão ou sem indícios

33
concretos de crime; vasculhamento de residência em desvio de finalidade ao
cumprimento de mandado de prisão).
Fishing expedition em medidas de busca e apreensão após o oferecimento de
denúncia: 2ª Turma do STF, Inf. 1025/21: Além de violar prerrogativas da advocacia,
a deflagração de amplas, inespecíficas e desarrazoadas medidas de busca e
apreensão em desfavor de advogados pode evidenciar a prática de “fishing
expedition”. A jurisprudência do STF confere interpretação estrita e rígida às normas
que possibilitam a realização de busca e apreensão, em especial quando direcionadas a
advogados no exercício de sua profissão. Na situação em apreço, não foram observados
os requisitos legais nem as prerrogativas da advocacia, com ampla deflagração de
medidas que objetivaram “pescar” provas contra os advogados denunciados e possíveis
novos investigados. Ressalta-se que, ao deferir a busca e apreensão, a autoridade
reclamada não demonstrou a imprescindibilidade em concreto da medida para o
processamento dos fatos. Extrai-se do art. 394 e seguintes do CPP que a produção
probatória após o oferecimento da denúncia deve ocorrer em juízo, com as garantias do
contraditório e da ampla defesa. Na espécie, a medida de investigação prévia foi
executada depois de ser formalizada a denúncia contra os advogados, em evidente
inversão processual. Com efeito, a ampla realização de medidas de busca e
apreensão depois da formalização da denúncia, que pressupõe a colheita de um
lastro probatório mínimo e o encerramento da fase investigatória, indica o objetivo
de expandir a acusação, em indevida prática de fishing probatório. Com base nesses
e em outros entendimentos, a Segunda Turma, por maioria, conheceu da reclamação e,
no mérito, por unanimidade, julgou-a improcedente.
Fishing expedition em medidas de busca e apreensão sem indícios de autoria
delitiva: 5ª Turma do STJ, AgRg no RMS 62.562-MT, DJe 13/12/2021, Edição Especial
do Informativo do STJ: Os indícios de autoria antecedem as medidas invasivas, não
se admitindo em um Estado Democrático de Direito que primeiro sejam violadas
as garantias constitucionais para só então, em um segundo momento, e

34
eventualmente, se justificar a medida anterior, sob pena de se legitimar verdadeira
fishing expedition.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR Inicialmente,
constata-se que a investigação que ensejou a busca e apreensão
na pessoa jurídica não lhe dizia respeito, referindo-se apenas à
investigação de crimes de organização criminosa, com
participação de funcionário público, e de peculato contra a
Prefeitura Municipal de Poconé/MT. De uma leitura atenta do
pedido e da decisão que deferiu a medida de busca e apreensão
na sede da agravante, constata-se, sem grande esforço, que não
foi indicado sobre a pessoa jurídica nenhum indício de
participação nos delitos narrados. A própria autoridade policial
afirmou que "somente após a análise dos e-mails poderá se
verificar se houve conluio fraudulento e prévio entre a
Recorrente e os servidores público da Prefeitura de Poconé, a
fim de fraudar a apropriar de dinheiro público". Os indícios de
autoria antecedem as medidas invasivas, não se admitindo
em um Estado Democrático de Direito que primeiro sejam
violadas as garantias constitucionais para só então, em um
segundo momento, e eventualmente, se justificar a medida
anterior, sob pena de se legitimar verdadeira fishing
expedition. Como é de conhecimento, "Fishing expedition, ou
pescaria probatória, é a procura especulativa, no ambiente físico
ou digital, sem 'causa provável', alvo definido, finalidade
tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de
finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade
penal a alguém". Ademais, chama a atenção também a
informação constante da decisão que deferiu a busca e
apreensão, no sentido de que "as investigações concluíram que
os documentos podem ser encontrados em dois locais diferentes,
razão pela qual se faz necessária a medida de busca e apreensão
em todos os endereços indicados e de forma simultânea". Ora, se
os documentos podem ser encontrados no Poder Executivo
Municipal de Poconé, vítima do peculato sob investigação, não
há porque se violar direito constitucional da agravante, que não
figura nem como vítima nem como autora dos delitos sob
investigação, sem que se tenham declinados quaisquer
elementos que autorizem a violação de seus direitos
constitucionais.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS DOUTRINA Denomina-se
pescaria (ou expedição) probatória a prática relativamente
comum de se aproveitar dos espaços de exercício de poder para
subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se

35
a intimidade, a vida privada, enfim, violando-se direitos
fundamentais, para além dos limites legais. O termo se refere à
incerteza própria das expedições de pesca, em que não se sabe,
antecipadamente, se haverá peixe, nem os espécimes que podem
ser fisgados, muito menos a quantidade, mas se tem "convicção"
(o agente não tem provas, mas tem convicção). Com o uso de
tecnologia (Processo Penal 4.0), cada vez mais se obtém a prova
por meios escusos (especialmente em unidades de inteligência
e/ou investigações paralelas, todas fora do controle e das regras
democráticas), requentando-se os "elementos obtidos às escuras"
por meio de investigações de origem duvidosa, "encontro
fortuito" dissimulado ou, ainda, por "denúncias anônimas
fakes".

Fishing expedition no cumprimento de mandado de prisão com desvio de


finalidade: STJ, 6ª Turma, HC 663055, j. 22.03.22, Inf. 731/22: “[...] Admitir a
entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa
conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado
indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena
de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade. [...] Mesmo se admitida a
possibilidade de ingresso no domicílio para captura do acusado – em cumprimento ao
mandado de prisão ou até por eventual flagrante do crime de falsa identidade –, a partir
das premissas teóricas acima fundadas, nota-se, com clareza, a ocorrência de
desvirtuamento da finalidade no cumprimento do ato. Isso porque os objetos ilícitos
(drogas e uma munição calibre .32) foram apreendidos no chão de um dos quartos,
dentro de uma caixa de papelão, a evidenciar que não houve mero encontro
fortuito enquanto se procurava pelo réu – certamente portador de dimensões
físicas muito superiores às do referido recipiente –, mas sim verdadeira pescaria
probatória dentro do lar, totalmente desvinculada da finalidade de apenas
capturar o paciente”.

* NÃO CONFUNDIR: fishing expedition e nulidade das provas obtidas com


desvio de finalidade X encontro fortuito ou acidental de provas/ desvio causal da prova/
princípio da serendipidade

36
Serendipidade subjetiva: descoberta fortuita do envolvimento de outros agentes
no delito apurado.
Serendipidade objetiva de primeiro grau: descoberta fortuita de outros crimes
que guardem conexão ou continência com o delito apurado.
Serendipidade objetiva de segundo grau: descoberta fortuita de outros crimes
que não guardem conexão ou continência com o delito apurado.
Prevalece na doutrina a admissibilidade da prova obtida a partir do
encontro fortuito, com exceção dos fatos que não guardem relação de conexão ou
continência com o delito em apuração. Assim, na serendipidade de segundo grau, os
elementos obtidos não são considerados como prova, mas sim como notitia criminis
apta a deflagrar nova investigação.
Por sua vez, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido pela
admissibilidade da prova obtida através do encontro fortuito, ainda que não haja
conexão ou continência entre o crime apurado e aquele casualmente descoberto.
* STF: descoberta fortuita ou acidental de elementos de informação obtidos,
casualmente, contra alguém até então desconhecido, por meio de interceptações
telefônicas de terceiras pessoas, em procedimento probatório validamente autorizado,
quanto a tais terceiras pessoas, por magistrado competente – plena eficácia jurídica da
prova daí resultante – doutrina – precedentes (2ª Turma do STF, HC 160341 AgR,
Publicação: 15/05/2020).
* STJ: tem adotado a teoria do encontro fortuito ou casual de provas (princípio
da serendipidade), segundo a qual, independentemente da ocorrência da identidade de
investigados ou réus, consideram-se válidas as provas encontradas casualmente
pelos agentes da persecução penal, relativas a infração penal até então
desconhecida, por ocasião do cumprimento de medidas de obtenção de prova de
outro delito regularmente autorizadas, ainda que inexista conexão ou continência
com o crime supervenientemente encontrado e este não cumpra os requisitos
autorizadores da medida probatória, desde que não haja desvio de finalidade na

37
execução do meio de obtenção de prova. (5ª Turma do STJ, AgRg no REsp 1752564 /
SP, DJe 23/11/2020).
Conforme se verifica, O STJ TEM RECONHECIDO A ILICITUDE DA
PROVA OBTIDA NÃO A PARTIR DO SIMPLES ENCONTRO FORTUITO
(princípio da serendipidade), MAS QUANDO EVIDENCIADO O DESVIO DE
FINALIDADE (fishing expedition).

4.3 Prova ilícita: violação ao sigilo telefônico e à intimidade


É ilícita a prova obtida mediante:
- colheita coercitiva pela autoridade policial de conversa travada pelo
investigado com terceira pessoa em telefone celular, por meio do recurso
"viva-voz": violação aos direitos fundamentais à intimidade (art. 5º, X, da CF) e ao
sigilo telefônico (art. 5º, XII, da CF), bem como à garantia à não autoincriminação (art.
8º, 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica, e art. 14, 3, g, do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos) e ao direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, da CF);
5ª Turma do STJ, Inf. 603/17:
Sem consentimento do réu ou prévia autorização judicial, é
ilícita a prova, colhida de forma coercitiva pela polícia, de
CONVERSA TRAVADA PELO INVESTIGADO COM
TERCEIRA PESSOA EM TELEFONE CELULAR, POR
MEIO DO RECURSO "VIVA-VOZ", que conduziu ao
flagrante do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
INTEIRO TEOR A questão tratada está em saber se é lícita a
prova obtida por autoridade policial decorrente da reprodução de
conversa travada entre o suspeito e sua mãe por meio do recurso
"viva-voz" do celular, que possibilitou o flagrante do crime de
tráfico de drogas em sua residência. No julgamento do RHC
51.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de
5/9/2016, esta Corte teve a oportunidade de apreciar matéria
semelhante ao caso aqui tratado, considerando ilícito o acesso
aos DADOS DO CELULAR e das CONVERSAS DE
WHATSAPP extraídas do aparelho celular da acusada, dada
a ausência de ordem judicial para tanto, ao entendimento de que,
no acesso aos dados do aparelho, se tem a devassa de dados
particulares, com VIOLAÇÃO À INTIMIDADE DO
AGENTE. No caso presente, embora nada de ilícito houvesse

38
sido encontrado em poder do acusado, a prova da traficância foi
obtida em flagrante violação ao DIREITO
CONSTITUCIONAL À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO, uma
vez que aquele foi compelido a reproduzir, contra si, conversa
travada com terceira pessoa pelo sistema viva-voz do celular,
que conduziu os policiais à sua residência e culminou com a
arrecadação de todo material estupefaciente em questão. Desse
modo, está-se diante de situação onde a prova está contaminada,
diante do disposto na essência da teoria dos frutos da árvore
envenenada (fruits of the poisonous tree), consagrada no art.
5º, inciso LVI, da Constituição Federal, que proclama a nódoa
de provas, supostamente consideradas lícitas e admissíveis, mas
obtidas a partir de outras declaradas nulas pela forma ilícita de
sua colheita.

- conduta da autoridade policial que atende, sem autorização, o celular e se faz


passar pela pessoa sob investigação: violação aos direitos fundamentais à intimidade e
ao sigilo telefônico.
6ª Turma do STJ, Inf. 655/19:
É ilícita a prova obtida mediante conduta da autoridade
policial que ATENDE, SEM AUTORIZAÇÃO, O
TELEFONE MÓVEL DO ACUSADO E SE PASSA PELA
PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO.
INTEIRO TEOR No caso, no momento da abordagem ao
veículo em que estava o acusado, o policial atendeu ao telefone
do condutor, sem autorização para tanto, e passou-se por ele
para fazer a negociação de drogas e provocar o flagrante. Esse
policial também obteve acesso, sem autorização pessoal nem
judicial, aos dados do aparelho de telefonia móvel em questão,
lendo mensagem que não lhe era dirigida. Tal conduta, embora
não se encaixe perfeitamente no conceito de interceptação
telefônica, revela verdadeira INVASÃO DE PRIVACIDADE E
INDICA A QUEBRA DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES
TELEFÔNICAS, em afronta a princípios muito caros do nosso
ordenamento jurídico. Não merece, portanto, o endosso do
Superior Tribunal de Justiça, mesmo que se tenha em mira a
persecução penal de pessoa supostamente envolvida com tráfico
de drogas. Nesse contexto, não tendo a autoridade policial
permissão, do titular da linha telefônica ou mesmo da Justiça,
para ler mensagens nem para atender ao telefone móvel da
pessoa sob investigação e travar conversa por meio do aparelho
com qualquer interlocutor que seja se passando por seu dono, a
prova obtida dessa maneira arbitrária é ilícita.

39
- acesso pela autoridade policial de dados, mensagens e das conversas de
whatsapp do aparelho celular, sem autorização judicial: violação aos direitos
fundamentais à intimidade e ao sigilo telefônico;
5ª Turma do STJ, Inf. 593/17:
Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que
seja dispensável ordem judicial para a apreensão de telefone
celular, AS MENSAGENS ARMAZENADAS NO
APARELHO ESTÃO PROTEGIDAS PELO SIGILO
TELEFÔNICO, que compreende igualmente a transmissão,
recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos,
imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por
meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de
sistemas de informática e telemática.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR A temática do especial,
entre outras questões, cuidou de avaliar a licitude do acesso pela
autoridade policial, por ocasião da prisão em flagrante, dos
dados armazenados no aparelho celular da pessoa detida, sem a
obtenção de autorização judicial prévia. O art. 6º do CPP
estabelece que a autoridade policial, logo que tiver
conhecimento da prática da infração penal, deve apreender os
objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos
peritos criminais e colher todas as provas que servirem para o
esclarecimento do fato e suas circunstâncias. Por outro lado, a
Lei n. 9.294/1996 preleciona: "Art. 1º A interceptação de
comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em
investigação criminal e em instrução processual penal, observará
o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da
ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. O
disposto 321 nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de
comunicações em sistemas de informática e telemática”. Por seu
turno, a Lei n. 9.472/1997, que versa sobre a organização dos
serviços de telecomunicações, dispõe: "Art. 3º O usuário de
serviços de telecomunicações tem direito: [...] V - à
inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas
hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas". A
Lei n. 12.965/2014, ao estabelecer os princípios, garantias e
deveres para o uso da internet no Brasil, prevê: "Art. 7º O acesso
à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são
assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da
intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação; II -

40
inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela
internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III -
inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas
armazenadas, salvo por ordem judicial.” Ademais, o art. 5º da
Constituição Federal garante a INVIOLABILIDADE DO
SIGILO TELEFÔNICO, DA CORRESPONDÊNCIA, DAS
COMUNICAÇÕES TELEGRÁFICAS E TELEMÁTICAS
E DE DADOS BANCÁRIOS E FISCAIS, devendo a
mitigação de tal preceito, para fins de investigação ou instrução
criminal, ser precedida de autorização judicial, em decisão
motivada e emanada por juízo competente (Teoria do Juízo
Aparente), sob pena de nulidade. Nesse contexto, embora seja
despicienda ordem judicial para a apreensão dos celulares, ainda
que verificada a situação de flagrância, as mensagens
armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico,
que deve abranger igualmente a transmissão, recepção ou
emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons
ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa
ou móvel ou, ainda, através de sistemas de informática e
telemática. Logo, a fim de proteger tanto o DIREITO
INDIVIDUAL À INTIMIDADE quanto o direito difuso à
segurança pública, deve a autoridade policial, após a apreensão
do telefone, requerer judicialmente a quebra do sigilo dos dados
nele armazenados. Além disso, somente é admitida a quebra
do sigilo quando houve indício razoável da autoria ou
participação em infração penal; se a prova não puder ser
obtida por outro meio disponível, em atendimento ao
princípio da proibição de excesso; e se o fato investigado
constituir infração penal punido com pena de reclusão.

2ª Turma do STF, RCL 33711, DJ 23/08/2019: reconheceu a


inconstitucionalidade e a ilegalidade da apreensão e do
ACESSO AOS DADOS, MENSAGENS E INFORMAÇÕES
CONTIDAS NO APARELHO CELULAR do reclamante,
tendo em vista a ausência de prévia e fundamentada decisão
judicial que justificasse a necessidade, a adequação e a
proporcionalidade da medida.

O Pleno do STF reconheceu a existência de repercussão geral no ARE


1042075, ainda pendente de julgamento, a respeito da controvérsia sobre a licitude ou
não de prova decorrente de “perícia” realizada pela autoridade policial em aparelho

41
celular encontrado fortuitamente no local do crime, e a ocorrência ou não de violação do
sigilo das comunicações no acesso à agenda telefônica e ao registro de chamadas sem
autorização.
Voto do Ministro Dias Toffoli (Relator): "É lícita a prova obtida
pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante
acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular
apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado,
não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das
comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo (CF,
art. 5º, incisos X e XII)".
Votos dos Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin: “O acesso
a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados
contidos em aparelhos celulares apreendidos no local do crime
atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que
justifique, com base em elementos concretos, a necessidade e a
adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos
direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo das
comunicações e dados dos indivíduos (CF, art. 5º, X e XX)”.
Pedido de vista.

* Atenção: 3ª Seção do STJ - ilicitude do acesso de dados e das conversas de


whatsapp do aparelho celular X licitude da apreensão do aparelho de telefone
celular em situação de flagrante delito
A 3ª Seção do STJ, na Rcl 36.734 - SP, j. 10/02/2021, decidiu que o acesso a
mensagens do WhatsApp decorrente de busca pessoal e sem autorização judicial
constitui violação de uma garantia fundamental e, portanto, sua utilização possui a
natureza de prova ilícita, e não de prova meramente ilegítima. No caso, a prisão do
acusado se deu porque haveria sido flagrado, em uma blitz, com a posse de drogas para
consumo próprio. Somente com o acesso ao conteúdo das conversas no WhatsApp é
que foi descoberto o crime de tráfico de drogas. Vale dizer, não havia absolutamente
nenhum indicativo, até o acesso às mensagens, do cometimento do delito de tráfico.
Logo, a descoberta desse crime se deu exclusivamente com base em prova considerada
ilícita, porquanto não havia autorização judicial para acesso às conversas de WhatsApp.
A partir daí, por derivação, todas as provas produzidas devem ser consideradas
imprestáveis. Todavia, o STJ ressalvou que a apreensão do celular foi legal por haver

42
sido ele abordado em flagrante delito pela posse de droga (art. 28 da Lei 11.343/06
c/c art. 6º, II, do CPP), razão pela qual, caso determinada a realização da perícia por
decisão judicial motivada, seria eventualmente possível a apresentação de nova
denúncia e deflagrada outra ação penal.
3ª Seção do STJ, Rcl 36.734 - SP, j. 10/02/2021:
A Constituição Federal considera inadmissível a prova obtida
por meio ilícito e a consequência dessa inadmissão é aquela
prevista no art. 157 do CPP. Embora a redação desse dispositivo,
operada pela reforma de 2008, não haja distinguido a natureza
da norma violada, tal não significou a superação da separação
feita pela doutrina (amplamente aceita pela jurisprudência) de
que provas contrárias à lei material ou a direitos do investigado
ou réu, derivados da Constituição da República, pertencem ao
gênero das provas ilegais. A prova ilícita, em sentido estrito,
deve, então, ser associada, exclusivamente, às obtidas com
violação de direitos fundamentais, materiais ou protetivos de
liberdades públicas, e não àquelas obtidas com a vulneração
de normas puramente processuais, ainda que estas possam
ter algum subsídio constitucional. Assim, as provas ilegais são
ilegítimas quando infringirem normas de caráter procedimental
ou de direito processual; e ilícitas quando violarem os princípios
ou garantias constitucionais fundamentais ou as normas que
versam sobre o direito material. E a consequência processual
para a prova ilícita é a sua inadmissibilidade, a impedir o
seu ingresso (ou exclusão) no processo, enquanto a prova
ilegítima gera sua nulidade. O acesso a mensagens do
WhatsApp decorrente de busca pessoal e sem autorização
judicial constitui violação de uma garantia fundamental e,
portanto, sua utilização possui a natureza de prova ilícita, e
não de prova meramente ilegítima. Sem embargo, ainda que
excluída a prova ilícita, enquanto tal, é possível sua renovação,
se, ainda existente e disponível no mundo real, puder ser trazida
ao processo pelos meios legítimos e legais. Assim, muito
embora a ilicitude imponha o desentranhamento das provas
obtidas ilegalmente, nada impede seja renovada a coleta de
dados (bancários, documentais, fotográficos etc), com a devida
autorização judicial. Precedentes. Mostra-se positivo o
reconhecimento, no direito pátrio, da doutrina norte-americana
das exclusionary rules, inclusive quanto à invalidação das
provas ilícitas por derivação (ali consagrada pela fruits of the
poisonous tree doctrine), mas igualmente se há de ponderar que,
na linha também do que desenvolveu a jurisprudência da

43
Suprema Corte dos EUA, há temperamentos a serem feitos ao
rigor excessivo dessa doutrina. Não, evidentemente, para acolher
a concepção, presente em outros povos, de que as provas ilícitas
devem ser aproveitadas, punidos aqueles que causaram a
violação do direito (male captum bene retentum). Mas, sim, para
averiguar (a) se a prova licitamente obtida seria inevitavelmente
descoberta de outro modo (inevitable discovery), a partir de
outra linha legítima de investigação, ou (b) se tal prova, embora
guarde alguma conexão com a original, ilícita, não possui
relação de total causalidade em relação àquela, pois outra fonte a
sustenta (independent source). Na espécie, conquanto o acesso
às conversas armazenadas no aplicativo WhatsApp do
reclamante tenha ocorrido sem a devida autorização judicial, de
tal sorte que foram reconhecidas ilícitas as provas produzidas a
partir dessas conversas, a fonte manteve-se íntegra, tal qual era a
época do delito, de tal modo que não há empecilho a que o
magistrado, instado pelo Ministério Público, decida de modo
fundamentado acerca da possibilidade de realização de perícia,
com acesso às conversas armazenadas no WhatsApp, sem que
isso represente afronta à autoridade da decisão desta Corte. 10. É
possível inferir, do conteúdo do acórdão proferido no RHC n.
89.385/SP, que a prisão do acusado se deu porque haveria sido
flagrado, em uma blitz, com a posse de drogas para consumo
próprio. Somente com o acesso ao conteúdo das conversas no
WhatsApp é que foi descoberto o crime de tráfico de drogas.
Vale dizer, não havia absolutamente nenhum indicativo, até o
acesso às mensagens, do cometimento do delito de tráfico. Logo,
a descoberta desse crime se deu exclusivamente com base em
prova considerada ilícita, porquanto não havia autorização
judicial para acesso às conversas de WhatsApp. A partir daí, por
derivação, todas as provas produzidas devem ser consideradas
imprestáveis. Observa-se, então, que todo o processo deflagrado
contra o réu, pela prática do crime de tráfico de drogas, teve seu
nascedouro a partir do acesso às conversas de WhatsApp, sem a
existência de nenhuma fonte independente e, tampouco, sem que
se pudesse afirmar que sua descoberta seria inevitável, visto que
o acesso ao conteúdo do dispositivo dependeria de autorização
judicial (que poderia ser negada), motivo pelo qual deve ser
anulada não só a sentença, como constou do dispositivo
proferido no RHC n. 89.385/SP, mas todo o processo ab initio.
Sendo certo, porém, que a apreensão do celular do reclamante
foi legal, por haver sido ele flagrado na posse de droga, não há
prejuízo a que, realizada perícia sobre o aparelho,
eventualmente se reinicie a ação penal. 13. Reclamação

44
improcedente. Ordem concedida de ofício para reconhecer a
nulidade do processo ab initio, sem prejuízo de que, realizada a
perícia, desta feita por decisão judicial motivada, seja
eventualmente apresentada nova denúncia e deflagrada outra
ação penal.

4.4 Prova ilícita: violação ao direito ao silêncio e à garantia à não


autoincriminação
É ilícita a prova obtida mediante violação ao direito ao silêncio e à garantia à
não autoincriminação, mediante a realização de “entrevista” da autoridade policial
por ocasião da prisão em flagrante ou mesmo do cumprimento de mandado de busca e
apreensão. O investigado possui direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal,
mas também no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial em
situação de flagrante delito (Aviso de Miranda).
2ª Turma do STF, RCL 33711, DJ 23/08/2019: julgou
procedente a reclamação para declarar a nulidade da
“entrevista” realizada e das provas derivadas, nos termos do art.
5º, LVI, da CF/88 e do art. 157, §1º, do CPP, determinando ao
juízo de origem que proceda ao desentranhamento das peças. No
caso, o Reclamante foi submetido a “entrevista” durante o
cumprimento de mandado de busca e apreensão. DIREITO
AO SILÊNCIO E À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. Há a
violação do direito ao silêncio e à não autoincriminação,
estabelecidos nas decisões proferidas nas ADPFs 395 e 444,
com a realização de interrogatório forçado, travestido de
“entrevista”, formalmente documentado durante o cumprimento
de mandado de busca e apreensão, no qual não se oportunizou
ao sujeito da diligência o direito à prévia consulta a seu
advogado e nem se certificou, no referido auto, o direito ao
silêncio e a não produzir provas contra si mesmo, nos termos da
legislação e dos precedentes transcritos A realização de
interrogatório em ambiente intimidatório representa uma
diminuição da garantia contra a autoincriminação. O fato de
o interrogado responder a determinadas perguntas não
significa que ele abriu mão do seu direito.

2ª Turma do STF, RHC 192798, DJ 02/03/2021: “3. Aviso de


Miranda. Direitos e garantias fundamentais. A Constituição
Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso

45
seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal,
mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de
prisão por policial, em situação de flagrante delito. 4.
Inexistência de provas independentes no caso concreto.
Nulidade da condenação. 5. Condenação por tráfico de drogas
mantida. Absolvição do crime de associação para o tráfico. 6.
Agravo improvido.”.

Nesse sentido, recente decisão da 2ª Turma do STF publicada no Inf. 1016/21:


Não se admite condenação baseada exclusivamente em declarações informais
prestadas a policiais no momento da prisão em flagrante. A Constituição Federal
impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas
no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz
de prisão por policial, em situação de flagrante delito. Ademais, na linha de precedentes
da Corte, a falta da advertência ao direito ao silêncio, no momento em que o dever
de informação se impõe, torna ilícita a prova. Isso porque o privilégio contra a
auto-incriminação (nemo tenetur se detegere), erigido em garantia fundamental pela
Constituição, importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de
advertir o interrogado acerca da possibilidade de permanecer calado. Dessa forma,
qualquer suposta confissão firmada, no momento da abordagem, sem observação ao
direito ao silêncio, é inteiramente imprestável para fins de condenação e, ainda, invalida
demais provas obtidas através de tal interrogatório. No caso, a leitura dos depoimentos
dos policiais responsáveis pela prisão da paciente demonstra que não foi observado o
citado comando constitucional. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por
maioria, negou provimento ao agravo regimental para restabelecer a sentença de
primeiro grau (RHC 170843 AgR/SP, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento em
4.5.2021).

4.5 Prova ilícita: revista íntima fundada em denúncia anônima ou mediante


procedimento invasivo
STJ: “caso haja fundadas suspeitas de o visitante do presídio estar portando
material ilícito, é possível a realização de revista íntima, com fins de segurança, o

46
que, por si só, não ofende a dignidade da pessoa humana. Contudo, não há como
olvidar que tal procedimento deve ser realizado dentro dos parâmetros legais e
constitucionais, sem nenhum procedimento invasivo” (6ª Turma do STJ, REsp
1789330 / RS, DJe 12/02/2020; 5ª Turma do STJ, AgRg no HC 609567 / SP, DJe
07/12/2020; 6ª Turma do STJ, REsp 1523735/RS, DJe de 26/2/2018).
Assim, no REsp 1789330, a 6ª Turma do STJ decidiu pela absolvição de acusada
submetida a formas de revista vexatória, desumana ou degradante - agachamento,
desnudamento e abertura do canal vaginal -, sendo ilícitas as provas produzidas em
seu desfavor por meio da revista íntima, bem como todas as que delas decorreram (por
força da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada).
Ademais, no Inf. 659/19, a 6ª Turma do STJ decidiu que “é ilícita a prova
obtida por meio de revista íntima realizada com base unicamente em denúncia
anônima”. No caso, a acusada foi submetida à realização de revista íntima com base,
tão somente, em uma denúncia anônima feita ao presídio no dia dos fatos, informando
que ela tentaria entrar no presídio com drogas, sem a realização de outras diligências
prévias para apurar a veracidade e a plausibilidade dessa informação. Portanto, se não
havia fundadas suspeitas para a realização de revista na acusada, o STJ decidiu que não
há como se admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior à revista,
justifique a medida, sob pena de esvaziar-se o direito constitucional à intimidade, à
honra e à imagem do indivíduo.
O Pleno do STF, no ARE 959620, ainda pendente de julgamento,
reconheceu a existência de repercussão geral na controvérsia relativa à ilicitude da
prova obtida a partir de revista íntima de visitante em estabelecimento prisional,
por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção ao direito à
intimidade, à honra e à imagem.

4.6 Prova ilícita: busca pessoal sem justa causa


Art. 244 do CPP: a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou
quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de

47
objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada
no curso de busca domiciliar.
O STJ tem reconhecido a ILICITUDE das provas obtidas a partir de BUSCA
PESSOAL realizada sem a existência de JUSTA CAUSA, ou seja, sem que houvesse
fundada suspeita da posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam
corpo de delito (art. 244 do CPP) a autorizar a medida invasiva, diante da violação aos
direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e à liberdade (art. 5º, caput, e X, da
Constituição Federal).
* mera DENÚNCIA ANÔNIMA, ainda que somada à FUGA ante a tentativa de
abordagem, não configura fundada suspeita que autorize a busca domiciliar ou mesmo a
busca pessoal! É necessário que a suspeita esteja fundada em elementos concretos que
indiquem, objetivamente, a ocorrência de crime no momento da abordagem,
enquadrando-se, assim, na excepcionalidade da revista pessoal.
Atenção: a mera constatação de situação de flagrância, posterior à revista do
indivíduo, não convalida a ilicitude da medida.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PROVA
ILÍCITA. REVISTA PESSOAL. AUSÊNCIA DE
FUNDADAS SUSPEITAS. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA.
ABSOLVIÇÃO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1.
Considera-se ilícita a revista pessoal realizada sem a
existência da necessária justa causa para a efetivação da
medida invasiva, nos termos do art. § 2º do art. 240 do CPP,
bem como a prova derivada da busca pessoal. 2. Se não
havia fundadas suspeitas para a realização de busca pessoal
no acusado, não há como se admitir que a mera constatação
de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo,
justifique a medida. Assim, o fato de o acusado se amoldar ao
perfil descrito em denúncia anônima e ter empreendido fuga
ante a tentativa de abordagem dos policiais militares, não
justifica, por si só, a invasão da sua privacidade, haja vista a
necessidade de que a suspeita esteja fundada em elementos
concretos que indiquem, objetivamente, a ocorrência de
crime no momento da abordagem, enquadrando-se, assim,
na excepcionalidade da revista pessoal. 3. Habeas corpus
concedido para reconhecer a nulidade das provas obtidas a partir
da busca pessoal realizada, bem como as delas derivadas,

48
anulando-se a sentença para que outra seja prolatada, com base
nos elementos probatórios remanescentes
(6ª Turma do STJ, HC 625.819 - SC, j. 23.01.21)

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. WRIT


SUBSITITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO
CONHECIMENTO. ILEGALIDADE FLAGRANTE
AFERÍVEL DE OFÍCIO. PROVAS ILÍCITAS. BUSCA
PESSOAL. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE
ELEMENTOS CONCRETOS. FUNDADA SUSPEITA
INEXISTENTE. NULIDADE. ABSOLVIÇÃO. 1. Segundo a
pacífica orientação desta Corte, a denúncia anônima,
desacompanhada de outros elementos indicativos da ocorrência
de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio
indicado, inexistindo, nessas situações, justa causa para a
medida (REsp n. 1.871.856/SE, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta
Turma, DJe de 30/6/2020). O mesmo entendimento aplica-se às
hipótese de busca pessoal, uma vez que o art. 240, § 2º,
também exige a ocorrência de fundada suspeita para que o
procedimento persecutório seja autorizado e, portanto,
válido. 2. Na hipótese, não há qualquer referência a
investigação preliminar, ou menção a situações outras que
poderiam caracterizar a justa causa para a revista pessoal,
como campanas no local, monitoramento do suspeito, ou, ao
menos, movimentação de pessoas a indicar a traficância. Há
apenas menção à delação anônima como suporte para a
violação ao direito do réu à preservação de sua intimidade
(art. 5º, X, da CF). 3. Não se pode admitir que a posterior
situação de flagrância, por se tratar o tráfico de delito que se
protrai no tempo, justifique a revista pessoal realizada
ilegalmente, pois amparada em mera suspeita, conjectura. 4.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para,
reconhecendo a nulidade das provas obtidas por meio da revista
pessoal do réu, bem como as dela derivadas, absolver o paciente
com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal.
(6ª Turma do STJ, HC 638591 - SP, j. 04.05.21)

Nos termos do art. 240, § 2º, do CPP, para a realização de


busca pessoal pela autoridade policial, é necessária a
presença de fundada suspeita no sentido de que a pessoa
abordada esteja na posse de arma proibida, objetos ou
papéis que constituam corpo de delito. A mera indicação de
que o acusado, primário e sem antecedentes, era conhecido da
guarnição pela prática do crime de tráfico de drogas, tendo em

49
vista que diversos usuários já assumiram ter comprado drogas de
Lucas, fatos estes que nunca foram oficializados porque
referidas pessoas têm muito medo, já que se trata de traficante
supostamente faccionado, bem como de haver notícias de que
referido automóvel seria utilizado para a prática do crime de
tráfico de drogas, não se revela suficiente para justificar a busca
pessoal. Não tendo havido a indicação sobre a instauração de
procedimento investigatório prévio ou de que, no momento
da abordagem, havia dado concreto sobre a existência de
fundada suspeita a autorizar a busca veicular, verifica-se a
ocorrência de ilegalidade, estando ausente de razoabilidade
considerar que, por si só, meros parâmetros subjetivos,
embasados em presunções ou suposições, advindas de
denúncias de usuários não oficializadas, enquadrem-se na
excepcionalidade da revista pessoal. Se não amparada pela
legislação a revista pessoal realizada pelos agentes de
segurança, vislumbra-se a ilicitude da prova, e, nos termos do
art. 157 do CPP, deve ser desentranhado dos autos o termo de
busca e apreensão das drogas, além dos laudos preliminares e de
constatação da droga referentes à busca pessoal realizada no
veículo do acusado. Consequentemente, afasta-se a prova de
existência do fato, nos termos do art. 386, II, do CPP.
(6ª Turma do STJ, AgRg no AREsp 1689512/SC, j.
18/08/2020)

6ª Turma do STJ, Inf. 732/22: A percepção de NERVOSISMO do averiguado


por parte de agentes públicos é dotada de excesso de subjetivismo e, por isso, não é
suficiente para caracterizar a fundada suspeita para fins de busca pessoal. a execução da
busca pessoal sem mandado, como medida autônoma, depende da presença de fundada
suspeita da posse de objetos que constituam corpo de delito. Para tanto, ressalto que,
conforme a doutrina, "não é suficiente, está claro, a mera conjectura ou desconfiança
sobre tal posse, mas a suspeita amparada por circunstâncias objetivas que permitam uma
grave probabilidade de que sejam encontradas as coisas mencionadas pela lei".
Recentemente, a 6ª Turma do STJ proferiu julgado IMPORTANTÍSSIMO
sobre o standard probatório para as buscas pessoais e veiculares sem mandado
judicial. Em apertada síntese, na esteira de como já vinha se posicionando a
jurisprudência do STJ, reconheceu-se a ilicitude da prova obtida através de busca

50
pessoal sem fundada suspeita (justa causa) da posse de arma proibida ou de objetos
ou papéis que constituam corpo de delito (art. 244 do CPP). A rigor, a justa causa
deve estar baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão
possível, aferida de modo objeto e devidamente justificada no caso concreto. Assim,
não caracterizam a justa causa, não autorizando as guascas pessoais e veiculares sem
mandado judicial:
- meras denúncias anônimas;
- impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis (em grande medidas
orientadas por um perfilhamento racial);
- buscas de rotina fundadas em suspeições genéricas (fishing expedition);
dentre outras.
E a efetiva apreensão de material ilícito com a busca pessoal não convalida a
ilicitude prévia das provas obtidas mediante violação aos direitos fundamentais à
intimidade, à privacidade e à liberdade, bem como daquelas derivadas das ilícitas,
devendo ser inadmitidas.
Confira-se:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.
BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA.
ALEGAÇÃO VAGA DE “ATITUDE SUSPEITA”.
INSUFICIÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA.
TRANCAMENTO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. 1.
Exige-se, em termos de standard probatório para busca
pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de
fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de
probabilidade, descrita com a maior precisão possível,
aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos
indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o
indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros
objetos ou papéis que constituam corpo de delito,
evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. 2.
Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se
limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também,
que esteja relacionada à “posse de arma proibida ou de
objetos ou papéis que constituam corpo de delito”. Vale dizer,
há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua
finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em

51
salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias
(fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica
existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação
específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga,
por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração
penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais
praticadas como “rotina” ou “praxe” do policiamento ostensivo,
com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas
buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata.
3. Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras
informações de fonte não identificada (e.g. denúncias
anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e
não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas,
por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a
ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos
objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou
aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão
corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de
“fundada suspeita” exigido pelo art. 244 do CPP. 4. O fato de
haverem sido encontrados objetos ilícitos –
independentemente da quantidade – após a revista não
convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o
elemento “fundada suspeita de posse de corpo de delito” seja
aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não
havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma
proibida, droga ou de objetos ou papéis que constituam corpo de
delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de
situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique
a medida. 5. A violação dessas regras e condições legais para
busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em
decorrência da medida, bem como das demais provas que
dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de
eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s)
que tenha(m) realizado a diligência. 6. Há três razões
principais para que se exijam elementos sólidos, objetivos e
concretos para a realização de busca pessoal – vulgarmente
conhecida como “dura”, “geral”, “revista”, “enquadro” ou
“baculejo” –, além da intuição baseada no tirocínio policial: a)
evitar o uso excessivo desse expediente e, por consequência, a
restrição desnecessária e abusiva dos direitos fundamentais à
intimidade, à privacidade e à liberdade (art. 5º, caput, e X,
da Constituição Federal), porquanto, além de se tratar de
conduta invasiva e constrangedora – mesmo se realizada com
urbanidade, o que infelizmente nem sempre ocorre –, também

52
implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves instantes;
b) garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir
que tanto possa ser contrastada e questionada pelas partes,
quanto ter sua validade controlada a posteriori por um terceiro
imparcial (Poder Judiciário), o que se inviabiliza quando a
medida tem por base apenas aspectos subjetivos, intangíveis e
não demonstráveis; c) evitar a repetição – ainda que nem sempre
consciente – de práticas que reproduzem preconceitos
estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do
perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural. 7.
Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o
policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos
marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais
suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade,
cor da pele, gênero, classe social, local da residência,
vestimentas etc. Sob essa perspectiva, a ausência de
justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos
agentes públicos –– diante da discricionariedade policial na
identificação de suspeitos de práticas criminosas – pode
fragilizar e tornar írritos os direitos à intimidade, à privacidade e
à liberdade. 8. “Os enquadros se dirigem desproporcionalmente
aos rapazes negros moradores de favelas dos bairros pobres das
periferias. Dados similares quanto à sobrerrepresentação desse
perfil entre os suspeitos da polícia são apontados por diversas
pesquisas desde os anos 1960 até hoje e em diferentes países do
mundo. Trata-se de um padrão consideravelmente antigo e que
ainda hoje se mantém, de modo que, ao menos entre os
estudiosos da polícia, não existe mais dúvida de que o racismo é
reproduzido e reforçado através da maior vigilância policial a
que é submetida a população negra”. Mais do que isso, “os
policiais tendem a enquadrar mais pessoas jovens, do sexo
masculino e de cor negra não apenas como um fruto da dinâmica
da criminalidade, como resposta a ações criminosas, mas como
um enviesamento no exercício do seu poder contra esse grupo
social, independentemente do seu efetivo engajamento com
condutas ilegais, por um direcionamento prévio do controle
social na sua direção” (DA MATA, Jéssica, A Política do
Enquadro, São Paulo: RT, 2021, p. 150 e 156). 9. A pretexto de
transmitir uma sensação de segurança à população, as agências
policiais – em verdadeiros "tribunais de rua" – cotidianamente
constrangem os famigerados “elementos suspeitos” com base
em preconceitos estruturais, restringem indevidamente seus
direitos fundamentais, deixam-lhes graves traumas e, com isso,
ainda prejudicam a imagem da própria instituição e aumentam a

53
desconfiança da coletividade sobre ela. 10. Daí a importância,
como se tem insistido desde o julgamento do HC n. 598.051/SP
(Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 15/3/2021), do uso de
câmeras pelos agentes de segurança, a fim de que se possa
aprimorar o controle sobre a atividade policial, tanto para coibir
práticas ilegais, quanto para preservar os bons policiais de
injustas e levianas acusações de abuso. Sobre a gravação
audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente julgamento
pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na
Medida Cautelar da ADPF n. 635 ("ADPF das Favelas",
finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório
Excelso – em sua composição plena e em consonância com o
decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP –
reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração
da atividade policial e determinou, entre outros pontos, que "o
Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e
oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de
gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos
agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital
dos respectivos arquivos". 11. Mesmo que se considere que
todos os flagrantes decorrem de busca pessoal – o que por certo
não é verdade –, as estatísticas oficiais das Secretarias de
Segurança Pública apontam que o índice de eficiência no
encontro de objetos ilícitos em abordagens policiais é de apenas
1%; isto é, de cada 100 pessoas revistadas pelas polícias
brasileiras, apenas uma é autuada por alguma ilegalidade. É
oportuno lembrar, nesse sentido, que, em Nova Iorque, o
percentual de “eficiência” das stop and frisks era de 12%, isto é,
12 vezes a porcentagem de acerto da polícia brasileira, e, mesmo
assim, foi considerado baixo e inconstitucional em 2013, no
julgamento da class action Floyd, et al. v. City of New York, et
al. pela juíza federal Shira Scheindlin. 12. Conquanto as
instituições policiais hajam figurado no centro das críticas, não
são as únicas a merecê-las. É preciso que todos os integrantes do
sistema de justiça criminal façam uma reflexão conjunta sobre o
papel que ocupam na manutenção da seletividade racial. Por se
tratar da “porta de entrada” no sistema, o padrão discriminatório
salta aos olhos, à primeira vista, nas abordagens policiais,
efetuadas principalmente pela Polícia Militar. No entanto,
práticas como a evidenciada no processo objeto deste recurso só
se perpetuam porque, a pretexto de combater a criminalidade,
encontram respaldo e chancela, tanto de delegados de polícia,
quanto de representantes do Ministério Público – a quem
compete, por excelência, o controle externo da atividade policial

54
(art. 129, VII, da Constituição Federal) e o papel de custos iuris
–, como também, em especial, de segmentos do Poder
Judiciário, ao validarem medidas ilegais e abusivas perpetradas
pelas agências de segurança. 13. Nessa direção, o Manual do
Conselho Nacional de Justiça para Tomada de Decisão na
Audiência de Custódia orienta a que: "Reconhecendo o
perfilamento racial nas abordagens policiais e,
consequentemente, nos flagrantes lavrados pela polícia, cabe
então ao PoderJudiciário assumir um papel ativo para
interromper e reverter esse quadro, diferenciando-se dos atores
que o antecedem no fluxo do sistema de justiça criminal". 14.
Em paráfrase ao mote dos movimentos antirracistas, é preciso
que sejamos mais efetivos ante as práticas autoritárias e
violentas do Estado brasileiro, pois enquanto não houver um
alinhamento pleno, por parte de todos nós, entre o discurso
humanizante e ações verdadeiramente transformadoras de certas
práticas institucionais e individuais, continuaremos a assistir,
apenas com lamentos, a morte do presente e do futuro, de nosso
país e de sua população mais invisível e vulnerável. E não
realizaremos o programa anunciado logo no preâmbulo de nossa
Constituição, de construção de um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. 15. Na
espécie, a guarnição policial "deparou com um indivíduo
desconhecido em atitude suspeita" e, ao abordá-lo e revistar sua
mochila, encontrou porções de maconha e cocaína em seu
interior, do que resultou a prisão em flagrante do recorrente. Não
foi apresentada nenhuma justificativa concreta para a revista no
recorrente além da vaga menção a uma suposta “atitude
suspeita”, algo insuficiente para tal medida invasiva, conforme a
jurisprudência deste Superior Tribunal, do Supremo Tribunal
Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 16.
Recurso provido para determinar o trancamento do processo.
(6ª Turma do STJ, RHC 158580/BA, j. 19/04/2022)

4.7 Prova ilícita: abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo


O Pleno do STF, no RE 1116949, DJE 02/10/2020, fixou a seguinte tese de
repercussão geral: "Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a

55
prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo".
Conforme decidido, a abertura da correspondência não observou as cautelas legais nem
foi precedida de autorização judicial, a indicar que a prova que fundamentou a
condenação foi incompatível com a garantia do sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas (artigo 5º, inciso XII, da CF). O atual regulamento dos
Correios (Lei 6.538/1978) prevê que não constitui violação de sigilo da correspondência
postal a abertura de carta, entre outras hipóteses, que apresente indícios de conter
substância proibida, mas prevê que a abertura será feita obrigatoriamente na presença do
remetente ou do destinatário, o que não ocorreu no caso. Além da Constituição Federal
de 1988, o sigilo de correspondência deve também ser lido à luz dos direitos previstos
nos tratados de direitos humanos e, consequentemente, na interpretação dada a eles
pelos órgãos internacionais de aplicação. Assim, o Pacto de São José da Costa Rica
prevê que “ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida
privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de
ofensas ilegais à sua honra ou reputação” e o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos estabelece garantia idêntica.

4.8 Prova ilícita: tortura


O art. 5º, III, da CF, prevê que ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante.
A proibição da tortura é também decorrência da cláusula de dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CF), bem como de tratados de direitos humanos de que o Brasil
faz parte.
CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA E OUTROS
TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU
DEGRADANTES (1984)
Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura"
designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos,
físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa
a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou
confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha
cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou

56
coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo
baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais
dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público
ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua
instigação,
Artigo 15 - Cada Estado-parte assegurará que nenhuma
declaração que se demonstre ter sido prestada como resultado de
tortura possa ser invocada como prova em qualquer processo,
salvo contra uma pessoa acusada de tortura como prova de que a
declaração foi prestada.

CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR E


PUNIR A TORTURA (1985)
Artigo 2
Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo
ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa
penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de
investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo
pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro
fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma
pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima,
ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não
causem dor física ou angústia psíquica.
Artigo 10
Nenhuma declaração que se comprove haver sido obtida
mediante tortura poderá ser admitida como prova em um
processo, salvo em processo instaurado contra a pessoa ou
pessoas acusadas de havê-la obtido mediante atos de tortura e
unicamente como prova de que, o acusado obteve tal declaração.

Na mesma esteira, art. 5º, item 2, da CADH, art. 7º do PIDCP, e art. 5º da


Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Assim, todo elemento de prova que advier da tortura está contaminado pela
ilicitude, sendo inadmissível.
A Defensoria Pública sustenta que se, em um juízo de cognição sumária,
realizado p. ex. em audiência de custódia, houver fundadas suspeitas sobre a legalidade
da prisão e a mera plausibilidade de que o preso foi agredido, deve-se afastar a
homologação da prisão em flagrante, exsurgindo o ônus da prova ao órgão acusador de
que não houve ilicitude. Nesse sentido, no caso P.E v. França, o Comitê Contra Tortura

57
da ONU decidiu que cabe às autoridades estatais o ônus da prova como uma
consequência implícita da proibição absoluta da tortura1.
Esclareça-se que a tortura não necessariamente envolve agressões físicas,
podendo se tratar de violência psicológica, e, ainda que envolva, não necessariamente
deixa vestígios físicos. O AECD do réu, quando não foi elaborado de acordo com o
Protocolo de Istambul e demais standards internacionais para prevenção e combate à
tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, não serve para afastar a
alegação de tortura. Indispensabilidade da avaliação e do exame psicológico da vítima.
Consequência da não realização do AECD nesses moldes: presunção de veracidade da
alegação de tortura – ônus da prova do Estado-acusador, que possui melhores condições
de produzir a prova (Comitê de Direitos Humanos da ONU). Inclusive, recentemente, o
CNJ expediu a Recomendação nº 4913, a qual dispõe sobre a necessidade de
observância, pelos magistrados brasileiros, do Protocolo de Istambul, bem como do
Protocolo Brasileiro de Perícia Forense, em casos de crime de tortura.
O ônus da prova, portanto – como ocorre inclusive no processo civil –, há de
recair sobre a parte que possui melhores condições de produzir a prova. O acusado,
encarcerado e sob o poder estatal no momento em que sofreu a tortura e logo após, não
tem condições de produzir a aludida prova, senão da forma como é feito na presente
petição, isto é, demandando que o juízo ordene sua produção. O Estado-acusador, por
outro lado, tendo à sua disposição todo um corpo de peritos médico-legais, tem
condições de fazê-lo, e tem o dever de que seus peritos tenham a expertise necessária a
tanto, nos moldes apontados no item anterior. Caso o Estado-acusador não atenda à
determinação judicial, por não terem seus peritos os conhecimentos necessários, ou por
qualquer outro motivo, presumir-se-á, então, a veracidade das alegações do acusado, por
não ter o Estado se desincumbido de seu ônus de provar a inexistência de tortura, nem
de seu dever de investigar qualquer denúncia de violação de direitos humanos

1
Comitê contra a Tortura, P.E. v. França, (19 de dezembro de 2002), UN Doc. CAT/C/29/D/193/2001, §
6.3; CAT, G.K. v. Suiça (15 de maio de 2003), UN Doc. CAT/C/30/D/219/2002, 89, § 6.3 .

58
4.9 Prova ilícita: exercício da atividade de investigação criminal pela
guarda municipal

O art. 144, § 8º, da CF, prevê que os Municípios poderão constituir guardas
municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme
dispuser a lei, o que não inclui, portanto, atribuição para desempenhar atividade de
investigação criminal. Portanto, a prova obtida através de atividade de investigação
criminal pela guarda municipal, quando falece a competência constitucional, é ilícita,
contaminando ainda toda a prova ilícita por derivação.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO
PREVENTIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA.
QUANTIDADE DE DROGAS E GERENCIAMENTO DO
TRÁFICO NA LOCALIDADE. PRISÃO EM FLAGRANTE.
GUARDA MUNICIPAL. DENÚNCIA ANÔNIMA.
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. ILEGALIDADE.
INEFICÁCIA DA PROVA. ORDEM CONCEDIDA. EFEITO
EXTENSIVO.
1. Consta do decreto prisional fundamentação que em princípio
deve ser considerada idônea, com esteio na quantidade de droga
apreendida com a paciente – 104,60g de maconha e 112,24g de
cocaína – e no fato de (supostamente) gerenciar o tráfico de
drogas na localidade. Precedentes.
2. Na hipótese, entretanto, os guardas municipais "receberam
denúncia anônima no sentido de que no endereço [...] estaria
ocorrendo uma reunião de dirigentes do tráfico de drogas de
Sertãozinho e que lá estaria guardada grande quantidade de
drogas, razão pela qual se dirigiram ao local".
3. Desempenhada atividade de investigação criminal pela
guarda municipal, deflagrada mediante denúncia anônima,
desbordante da situação de flagrância (art. 302 - CPP), o que
não lhe compete (art. 144, § 8º - CF), deve ser reconhecida a
ilegalidade por ilicitude da prova, mormente pelo ingresso
no domicilio sem ordem judicial.
4. Habeas corpus concedido para declarar ilegal a apreensão das
drogas e, consequentemente, trancar a ação penal ajuizada
contra a paciente KATIANE LOURDES DE OLIVEIRA, com
extensão do resultado aos demais corréus (art. 580 - CPP).
(6ª Turma do STJ, HC 667.461, DJe 17/09/2021)

59
4.10 Prova ilícita: quebra da cadeia de custódia da prova
Art. 158-A do CPP, inserido pela Lei 13.964/19: considera-se cadeia de custódia
o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história
cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua
posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
Cadeia de custódia da prova é um procedimento contínuo e documentado
para demonstrar a AUTENTICIDADE/ CONFIABILIDADE da prova,
preservando-a de interferências que possam falsear seu resultado. * Princípio da
mesmidade.
Apesar da positivação referente a provas periciais que deixam vestígios, é certo
que a necessidade de preservação da cadeia de custódia se aplica a todo e qualquer meio
de prova, inclusive provas digitais.
Princípio da presunção de inocência: cabe à acusação o ônus da prova do
regular procedimento da cadeia de custódia.
QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA: a consequência é a
inadmissibilidade da prova ILÍCITA e das ilícitas por derivação, por violação dos
princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa, contraditório (art. 5º,
LIV e LV, CF), e do direito fundamental à prova lícita (art. 5º, LVI, CF).
5ª Turma do STJ, AgRg no HC 615.321, j. 03.11.2020: O
instituto da quebra de cadeia de custódia diz respeito à
idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova
até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer
interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua
imprestabilidade. Tem como objetivo garantir a todos os
acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes,
como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o
direito à prova lícita.

Antes mesmo da consagração da cadeia de custódia da prova no CPP, a


jurisprudência pátria já reconhecia a inadmissibilidade da prova obtida mediante a sua
violação. Nesse sentido, colaciona-se paradigmático julgado em que o STJ reconheceu a

60
quebra da cadeia de custódia devido à não disponibilização da íntegra das conversas
obtidas a partir de ordem judicial de interceptação telefônica:
X. Apesar de ter sido franqueado o acesso aos autos, parte das
provas obtidas a partir da interceptação telemática foi
extraviada, ainda na Polícia, e o conteúdo dos áudios
telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado,
havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem, com
omissão de alguns áudios.
XI. A prova produzida durante a interceptação não pode servir
apenas aos interesses do órgão acusador, sendo imprescindível
a preservação da sua integralidade, sem a qual se mostra
inviabilizado o exercício da ampla defesa, tendo em vista a
impossibilidade da efetiva refutação da tese acusatória, dada a
perda da unidade da prova.
XII. Mostra-se lesiva ao direito à prova, corolário da ampla
defesa e do contraditório – constitucionalmente garantidos –, a
ausência da salvaguarda da integralidade do material colhido na
investigação, repercutindo no próprio dever de garantia da
paridade de armas das partes adversas.
Ordem concedida, de ofício, para anular as provas produzidas
nas interceptações telefônica e telemática, determinando, ao
Juízo de 1º Grau, o desentranhamento integral do material
colhido, bem como o exame da existência de prova ilícita por
derivação, nos termos do art. 157, §§ 1º e 2º, do CPP,
procedendo-se ao seu desentranhamento.
(6ª Turma do STJ, HC 160.662 – RJ, j. 18.02.2014)

Com efeito, de acordo com a Súmula Vinculante 14 do STF, é direito do


defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que,
já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência
de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Assim, a
jurisprudência dos tribunais superiores tem reconhecido a necessidade de preservação
da cadeia de custódia da prova, assegurando à defesa o acesso à
INTEGRALIDADE de conversas alvo de interceptação:
2ª Turma STF, Rcl 32722, DJ 29/11/2019: Reclamação. Penal e
Processual Penal. 2. Interceptação telefônica e telemática. 3.
Súmula Vinculante 14 do STF. Direito de defesa e
contraditório. 4. Situação de dúvida sobre a confiabilidade dos
dados interceptados juntados aos autos, embasada em elementos

61
concretos. 5. Necessidade de preservação da cadeia de
custódia. 6. Possibilidade de obtenção dos arquivos originais,
enviados pela empresa Blackberry, sem prejuízo à persecução
penal. 7. Procedência para assegurar à defesa o acesso aos
arquivos originais das interceptações, nos termos do acórdão.

1ª Turma STF, HC 173478 AgR, DJ 13/09/2019: Tendo a


defesa acesso à totalidade das gravações, é dispensável a
transcrição integral dos diálogos captados por interceptação
telefônica quando não indicada a relevância para o
esclarecimento dos fatos. Não demonstrados, concretamente, os
reflexos negativos do ato coator para a ampla defesa e o
contraditório, incide o princípio pas de nullité sans grief.
Precedentes

6ª Turma do STJ, REsp 1800516 / SP, DJe 25/06/2021: Embora


não seja necessária a transcrição integral dos diálogos, é
necessário, também sob pena de afronta aos princípios da
ampla defesa e do contraditório, que seja possibilitado ao
Réu acesso aos meios digitais em que se encontra registrada
a integralidade das conversas interceptadas.

6ª Turma do STJ, REsp 1795341 / RS, DJe 14/05/2019: A


quebra da cadeia de custódia tem como objetivo garantir a
todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele
inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e
principalmente o direito à prova lícita. O instituto abrange
todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua
análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer
interferência durante o trâmite processual pode resultar
na sua imprestabilidade (RHC 77.836/PA, Rel. Ministro
RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
05/02/2019, Dje 12/02/2019). É dever o Estado a
disponibilização da integralidade das conversas advindas
nos autos de forma emprestada, sendo inadmissível a
seleção pelas autoridades de persecução de partes dos
áudios interceptados. A apresentação de parcela do produto
extraído dos áudios, cuja filtragem foi estabelecida sem a
presença do defensor, acarreta ofensa ao princípio da paridade
de armas e ao direito à prova, porquanto a pertinência do
acervo probatório não pode ser realizado apenas pela acusação,
na medida em que gera vantagem desarrazoada em detrimento
da defesa.

62
Outrossim, a preservação da cadeia de custódia da prova também está
umbilicalmente ligada com a CONFIABILIDADE da prova, preservando-a de
interferências que possam falsear seu conteúdo. Apesar de não ter havido menção ao
termo “cadeia de custódia”, essa ideia permeou as seguintes decisões do STJ, em que se
reconheceu a imprestabilidade das provas obtidas a partir de espelhamento do
whatsapp web ou da quebra de sigilo telefônico mediante habilitação de chip,
notadamente porque possível o envio e exclusão de mensagens sem deixar vestígios.
Assim, verifica-se que não se exige a comprovação da efetiva adulteração da prova,
bastando que seja possível a interferência sem deixar vestígio para se reconhecer a sua
imprestabilidade, uma vez que constitui ônus da acusação comprovar a preservar da
cadeia de custódia da prova. Confira-se:
Inf. 696/21, 6ª Turma do STJ: “É ilegal a quebra do sigilo
telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade
policial em substituição ao do investigado titular da linha. A
controvérsia refere-se à validade do pedido de quebra de sigilo
telefônico e telemático em que se determinou a interceptação de
determinados terminais telefônicos mediante a habilitação
temporária de SIMCARDS indicados pela autoridade policial
em substituição às linhas do investigado. A Lei n. 9.296/1996 -
que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da CF - trata
da interceptação de comunicações telefônicas de qualquer
natureza para prova em investigação criminal e em instrução
processual penal, inclusive do fluxo de comunicações em
sistemas de informática e telemática, disciplinando os limites
dessa ingerência estatal na esfera de direitos fundamentais dos
indivíduos. Na situação em análise, o acórdão recorrido foi
preciso ao concluir que "não se trata do procedimento previsto
na Lei 9.296/96, que não autoriza a suspensão do serviço
telefônico ou do fluxo da comunicação telemática mantida pelo
usuário, tampouco a substituição do alvo da investigação e
titular da linha por agente indicado pela autoridade policial". De
fato, a ordem judicial, endereçada à concessionária de
telefonia, consistiu na determinação de viabilizar à autoridade
policial a utilização de "SIMCARD" ("chip") em substituição ao
do aparelho celular do usuário investigado, "pelo prazo de 15
(quinze) dias e a critério da autoridade policial, em horários
previamente indicados, inclusive de madrugada." Pretendeu-se
que a operadora de telefonia, quando acionada, habilitasse o
63
chip do agente investigador, em substituição ao do usuário, a
critério da autoridade policial, que teria pleno acesso, em tempo
real, às chamadas e mensagens transmitidas para a linha
originária, inclusive via WhatsApp. Ora, esse procedimento,
claramente, não encontra respaldo nos artigos da lei que
disciplina a interceptação telefônica, além de gerar
insuperáveis inconvenientes, para dizer o mínimo. Isso
porque, a ação, se implementada, permitiria aos
investigadores acesso irrestrito a todas as conversas por
meio do WhatsApp, INCLUSIVE COM A
POSSIBILIDADE DE ENVIO DE NOVAS MENSAGENS E
A EXCLUSÃO DE OUTRAS. Se não bastasse, eventual
exclusão de mensagem enviada ou de mensagem recebida
NÃO DEIXARIA ABSOLUTAMENTE NENHUM
VESTÍGIO e, por conseguinte, não poderia jamais ser
recuperada para servir de prova em processo penal, tendo
em vista que, em razão da própria característica do serviço,
feito por meio de encriptação ponta-a-ponta, a operadora
não armazena em nenhum servidor o conteúdo das
conversas dos usuários. Há relevantes diferenças entre como se
daria a quebra do sigilo telefônico e telemático, em
conformidade com a lei de regência, e a forma de acesso e
intervenção na linha telefônica e nos dados do investigado da
forma como determinada no caso em exame. Com efeito, ao
contrário da interceptação telefônica, no âmbito da qual o
investigador de polícia atua como mero observador de conversas
travadas entre o alvo interceptado e terceiros, na troca do chip
habilitado, o agente do estado tem a possibilidade de atuar como
participante das conversas, podendo interagir diretamente com
seus interlocutores, enviando novas mensagens a qualquer
contato inserido no celular, além de poder também excluir, com
total liberdade, e sem deixar vestígios, as mensagens no
WhatsApp. E, nesse interregno, o usuário ficaria com todos seus
serviços de telefonia suspensos. Dessa forma, mostra-se
irretocável a conclusão do Tribunal de origem, no sentido de
que, "[t]ratando-se de providência que excepciona a garantia à
inviolabilidade das comunicações, a interceptação telefônica e
telemática deve se dar nos estritos limites da lei, não sendo
possível o alargamento das hipóteses previstas ou a criação de
procedimento diverso.”

- Inf. 640/19, 6ª Turma do STJ: ao contrário da interceptação


telefônica, no âmbito da qual o investigador de polícia atua

64
como mero observador de conversas empreendidas por terceiros,
no espelhamento via WhatsApp Web o investigador de
polícia tem a concreta possibilidade de atuar como
participante tanto das conversas que vêm a ser realizadas
quanto das conversas que já estão registradas no aparelho
celular, haja vista ter o poder, conferido pela própria plataforma
online, de interagir diretamente com conversas que estão sendo
travadas, de enviar novas mensagens a qualquer contato presente
no celular, e de excluir, com total liberdade, e sem deixar
vestígios, qualquer mensagem passada, presente ou futura. A
admissão de tal meio de obtenção de prova implicaria indevida
presunção absoluta da legitimidade dos atos dos investigadores,
dado que exigir contraposição idônea por parte do
investigado seria equivalente a demandar-lhe produção de
prova diabólica (o que não ocorre em caso de interceptação
telefônica, na qual se oportuniza a realização de perícia).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS


CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. NOTÍCIA
ANÔNIMA DO CRIME APRESENTADA JUNTO COM A
CAPTURA DA TELA DAS CONVERSAS DO WHATSAPP.
INTERLOCUTOR INTEGRANTE DO GRUPO DE
CONVERSAS DO APLICATIVO. POSSIBILIDADE DE
PROMOÇÃO DE DILIGÊNCIAS PELO PODER PÚBLICO.
ESPELHAMENTO, VIA WHATSAPP WEB, DAS
CONVERSAS REALIZADAS PELO INVESTIGADO COM
TERCEIROS. NULIDADE VERIFICADA. DEMAIS PROVAS
VÁLIDAS. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE
PROVIDO.
3. Esta Sexta Turma entende que é invalida a prova obtida
pelo WhatsApp Web, pois "é possível, com total liberdade, o
envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas
(registradas antes do emparelhamento) ou recentes
(registradas após), tenham elas sido enviadas pelo usuário,
tenham elas sido recebidas de algum contato. Eventual
exclusão de mensagem enviada (na opção "Apagar somente
para Mim") ou de mensagem recebida (em qualquer caso)
NÃO DEIXA ABSOLUTAMENTE NENHUM VESTÍGIO,
seja no aplicativo, seja no computador emparelhado, e, por
conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de
prova em processo penal, tendo em vista que a própria
empresa disponibilizadora do serviço, em razão da
tecnologia de encriptação ponta-a-ponta, não armazena em

65
nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários"
(RHC 99.735/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA
TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 12/12/2018).
4. Agravo regimental parcialmente provido, para declarar nulas
as mensagens obtidas por meio do print screen da tela da
ferramenta WhatsApp Web, determinando-se o
desentranhamento delas dos autos, mantendo-se as demais
provas produzidas após as diligências prévias da polícia
realizadas em razão da notícia anônima dos crimes.”
(6ª Turma do STJ, AgRg no RHC 133430 / PE, DJe 26/02/2021)

* ATENÇÃO: divergência quanto às consequências da quebra de cadeia de


custódia da prova: exclusão da prova ilícita X irregularidade
6ª Turma do STJ, HC 653.515-RJ, j. em 23/11/2021, Edição Especial do
Informativo do STJ: As irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser
sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim
de aferir se a prova é confiável. INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR A
controvérsia que se estabelece diz respeito às consequências para o processo penal da
quebra da cadeia de custódia da prova. Segundo o disposto no art. 158-A do CPP,
"Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para
manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em
vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até
o descarte". É imperioso salientar que a autenticação de uma prova é um dos métodos
que assegura ser o item apresentado aquilo que se afirma ele ser, denominado pela
doutrina de princípio da mesmidade. Com vistas a salvaguardar o potencial epistêmico
do processo penal, a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) disciplinou - de maneira,
aliás, extremamente minuciosa - uma série de providências que concretizam o
desenvolvimento técnico-jurídico da cadeia de custódia. De forma bastante sintética,
pode-se afirmar que o art. 158-B do CPP detalha as diversas etapas de rastreamento do
vestígio: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte,
recebimento, processamento, armazenamento e descarte. O art. 158-C, por sua vez,
estabelece o perito oficial como sujeito preferencial a realizar a coleta dos vestígios,
bem como o lugar para onde devem ser encaminhados (central de custódia). Já o art.

66
158-D disciplina como os vestígios devem ser acondicionados, com a previsão de que
todos os recipientes devem ser selados com lacres, com numeração individualizada, "de
forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio". Uma das mais
relevantes controvérsias que essa alteração legislativa suscita diz respeito às
consequências jurídicas, para o processo penal, da quebra da cadeia de custódia da
prova (break on the chain of custody) ou do descumprimento formal de uma das
exigências feitas pelo legislador no capítulo intitulado "Do exame de corpo de delito, da
cadeia de custódia e das perícias em geral": essa quebra acarreta a inadmissibilidade da
prova e deve ela (e as dela decorrentes) ser excluída do processo? Seria caso de
nulidade da prova? Em caso afirmativo, deve a defesa comprovar efetivo prejuízo, para
que a nulidade seja reconhecida (à luz da máxima pas de nulitté sans grief)? Ou deve o
juiz aferir se a prova é confiável de acordo com todos os elementos existentes nos autos,
a fim de identificar se eles são capazes de demonstrar a sua autenticidade e a sua
integridade? Se é certo que, por um lado, o legislador trouxe, nos arts. 158-A a 158-F do
CPP, determinações extremamente detalhadas de como se deve preservar a cadeia de
custódia da prova, também é certo que, por outro, quedou-se silente em relação aos
critérios objetivos para definir quando ocorre a quebra da cadeia de custódia e quais as
consequências jurídicas, para o processo penal, dessa quebra ou do descumprimento de
um desses dispositivos legais. Respeitando aqueles que defendem a tese de que a
violação da cadeia de custódia implica, de plano e por si só, a inadmissibilidade ou
a nulidade da prova, de modo a atrair as regras de exclusão da prova ilícita, parece
ser mais adequada aquela posição que sustenta que as irregularidades constantes
da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos
produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. Assim, à míngua de
outras provas capazes de dar sustentação à acusação, deve a pretensão ser julgada
improcedente, por insuficiência probatória, e o réu ser absolvido.

4.11 Sucessivas prorrogações da interceptação telefônica

67
STF, Inf. 1047/22: São lícitas as sucessivas renovações de interceptação
telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei 9.296/1996 e
demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a
complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam
devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a
continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou
reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto.
A interceptação telefônica pode ser renovada sucessivamente se
a decisão judicial inicial e as prorrogações forem
fundamentadas, com justificativa legítima, mesmo que sucinta, a
embasar a continuidade das investigações. Para tanto, devem
estar presentes os requisitos do art. 2º da Lei 9.296/1996 e ser
demonstrada a necessidade concreta da interceptação, bem assim
a complexidade da investigação. Em qualquer hipótese —
decisão inicial ou de prorrogação —, a motivação deve ter
relação com o caso concreto. No tocante às prorrogações, não
precisa ser, necessariamente, exauriente e trazer aspectos novos.
Cumpre observar que a ausência de resultado incriminatório
obtido com eventual interceptação de comunicações telefônicas
não impede a continuidade da diligência. Quanto à duração total
de medida de interceptação telefônica, atualmente não se
reconhece a existência de um limite máximo de prazo global a
ser abstratamente imposto. Por oportuno, o prazo máximo de
duração do estado defesa (CF, art. 136, § 2º) não é fundamento
para limitar a viabilidade de renovações sucessivas. Com esses
entendimentos, ao apreciar o Tema 661 da repercussão geral, o
Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário,
para declarar a validade, no caso concreto, das interceptações
telefônicas realizadas e de todas as provas delas decorrentes.
Vencidos os ministros Gilmar Mendes (relator), Dias Toffoli,
Nunes Marques e Ricardo Lewandowski.

6ª Turma do STJ, Inf. 723/22: As decisões que deferem a interceptação


telefônica e respectiva prorrogação devem prever, expressamente, os fundamentos
da representação que deram suporte à decisão - o que constituiria meio apto a
promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação reportada como

68
razão de decidir - sob pena de ausência de fundamento idôneo para deferir a
medida cautelar.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A interceptação de comunicações telefônicas depende de
decisão judicial fundamentada, a qual não excederá quinze dias,
renovável por igual período, apontando a indispensabilidade do
meio de prova, indícios razoáveis de autoria e fato investigado
constituir infração penal punida com pena de reclusão, que
poderá ser determinada de ofício ou por representação da
autoridade policial ou do Parquet, devendo, nestes casos, o
pedido demonstrar a necessidade da medida, com indicação dos
meios a serem empregados (arts. 1º a 5º da Lei n. 9.296/1996).
Sobre o tema, o entendimento jurisprudencial pacificado é no
sentido de que a utilização da fundamentação per relationem,
seja para fim de reafirmar a fundamentação de decisões
anteriores, seja para incorporar à nova decisão os termos de
manifestação ministerial anterior, não implica vício de
fundamentação (AgRg no AREsp n. 1.7906.66/SP, Ministro
Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 06/05/2021). E mais,
admite-se o uso da motivação per relationem para justificar a
quebra do sigilo das comunicações telefônicas (AgRg no RHC
n. 136.245/MG, Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma,
DJe 20/9/2021).
Entretanto, faz-se necessário que a decisão que defere a
interceptação telefônica e respectiva prorrogação traga,
expressamente, os fundamentos da representação que deram
suporte à decisão - o que constituiria meio apto a promover a
formal incorporação, ao ato decisório, da motivação reportada
como razão de decidir - sob pena de ausência de fundamento
idôneo para deferir a medida cautelar.
Com efeito, caberá ao Desembargador relator na origem
verificar e invalidar as provas decorrentes das interceptações
telefônicas anuladas, considerando a teoria do fruto da árvore
envenenada.

4.12 Limites da quebra de sigilo de dados pessoais em relação a


pessoas indeterminadas X proteção constitucional da intimidade e da vida privada
O STF reconheceu a repercussão geral do tema, relativo aos limites e ao alcance
de decisões judiciais de quebra de sigilo de dados pessoais, nas quais determinado o
fornecimento de registros de acesso à internet e de IPs (internet protocol address),

69
circunscritos a um lapso temporal demarcado, sem, contudo, a indicação de qualquer
elemento concreto apto a identificar os usuários (Tema 1148), estando pendente de
julgamento. No RE 1.301.250, se discute, à luz da Constituição Federal, artigos 5º, X e
XII, e 93, IX, a constitucionalidade de decreto judicial genérico de quebra de sigilo de
dados telemáticos, para efeito de divulgação de informações pessoais de usuários
indeterminados, sem a respectiva identificação, considerada a proteção constitucional da
intimidade e da vida privada.
A respeito do tema, a 5ª Turma do STJ, no Inf. 730/22, decidiu que não é
possível a quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros de
geolocalização) nos casos em que haja a possibilidade de violação da intimidade e
vida privada de pessoas não diretamente relacionadas à investigação criminal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR


Na hipótese vertente, discute-se a possibilidade de decretação de
determinação judicial de quebra de sigilo de dados estáticos
antes coletados (registros de geolocalização), relacionados à
identificação de usuários que operaram em área delimitada e por
intervalo de tempo indicado, estando devidamente
fundamentada, após pedido expresso da autoridade competente,
no seio de investigação formal, tendo, como referência, fatos
concretos relacionados ao suposto cometimento de crime grave.
Vale destacar que tal situação configura apenas quebra de sigilo
de dados informáticos estáticos e se distingue das interceptações
das comunicações dinâmicas em si, as quais dariam acesso ao
fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do
conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário.
O tema já foi enfrentado por esta Corte Superior, vejamos: "Na
espécie, a ordem judicial direcionou-se a dados estáticos
(registros), relacionados à identificação de usuários em
determinada localização geográfica que, de alguma forma,
possam ter algum ponto em comum com os fatos objeto de
investigação por crimes de homicídio.(...) A determinação do
Magistrado de primeiro grau, de quebra de dados informáticos
estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou
acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles
vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as
interceptações das comunicações, (...) A quebra do sigilo de
dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros

70
informáticos existentes ou dados já coletados (...) Assim, para
que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados
por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a
indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da
ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e
c) período ao qual se referem os registros (...) Logo, a quebra do
sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a
outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade
judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo
investigadas (...)" (RMS 62.143/RJ, Sexta Turma, Rel. Min.
Rogério Schietti Cruz, DJe de 8/9/2020).
Contudo, extrapolam os limites do entendimento firmado
por esta Corte Superior, se a decisão judicial determinar o
acesso amplo e irrestrito aos seguintes dados, verbis: 1) que
seja dado acesso amplo e irrestrito dos e-mails vinculados
aos aparelhos identificados. 2) Que seja fornecido o conteúdo
do G. 3) Que seja fornecido o conteúdo do G fotos (incluindo
os respectivos metadados - geomarcação). 4) Que seja
fornecido o conteúdo do G D. 5) Que seja fornecida a lista de
contatos. 6) Que seja fornecido o histórico de localização,
incluindo os trajetos pesquisados no g m, w ou outros que
importem a função GPS. 7) Que sejam fornecidas as
consultas (pesquisas) realizados pelo usuário (s) do
dispositivo. 8) Por fim, que sejam relacionadas as contas do
G P, incluindo APPs baixados (downloads) ou comprados,
lista de desejos, pessoas e informações das eventuais contas,
como ocorreu no caso analisado.
Cumpre lembrar que essa matéria recentemente foi enfrentada
pela Sexta Turma desta Corte Superior, em julgado no qual foi
assentada a tese de que dados que refletem informações
íntimas (como o acesso irrestrito a fotos e conteúdo de
conversas), quando a ordem de quebra de sigilo se voltar a
universo indeterminado de pessoas, devem ser afastados desta
possibilidade (AgRg no RMS 59.716/RS, Sexta Turma, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/8/2021).
Importante, contudo, sedimentar que a ordem dirigida a
provedor cuja relação é regida pelo Marco Civil da Internet
não prevê, dentre os requisitos que estabelece para a quebra
de sigilo, que a decisão judicial especifique previamente as
pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração
(ou da autoria) possa ser realizada facilmente por outros
meios (arts. 22 e 23 da Lei n. 12.965/2014).
Entretanto, o referido fundamento não subsiste nos casos em
que haja a possibilidade de violação da intimidade e vida

71
privada de pessoas não comprovadamente relacionadas à
investigação criminal.

Por sua vez, no Inf. 681/20 (RMS 61.302-RJ), a 3ª Seção do STJ havia decidido,
naquele caso concreto, que a determinação judicial de quebra de sigilo de dados
informáticos estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários que operaram
em determinada área geográfica, suficientemente fundamentada, não ofenderia a
proteção constitucional à privacidade e à intimidade. Conforme assentado, a quebra do
sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e
informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que
estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida, na expressiva
maioria dos casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço
ou do terminal utilizado. De se observar, quanto à proporcionalidade da quebra de dados
informáticos, se a determinação judicial atende aos seguintes critérios: a) adequação ou
idoneidade (dos meios empregados para se atingir o resultado); b) necessidade ou
proibição de excesso (para avaliar a existência ou não de outra solução menos gravosa
ao direito fundamental em foco); c) proporcionalidade em sentido estrito (para aferir a
proporcionalidade dos meios empregados para o atingimento dos fins almejados). Logo,
naquele caso concreto julgado pelo STJ, se entendeu que a ordem judicial para quebra
do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e
por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como
norte a apuração de gravíssimos crimes, não impõe risco desmedido à privacidade e à
intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência.

Obs.: 6ª Turma do STJ, Inf. 724/22 : O requerimento de simples guarda dos


registros de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão por prazo superior
ao legal, feito por autoridade policial, administrativa ou Ministério Público, prescinde
de prévia autorização judicial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

72
Controverte-se sobre a possibilidade de preservação do conteúdo
telemático junto aos provedores de internet, a pedido do
Ministério Público, sem autorização judicial.
A Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) dispõe que "a
guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso
a aplicações de internet", nela tratados, "bem como de dados
pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem
atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e
da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas" (art.
10).
Mas ressalva que o provedor responsável pela guarda está
obrigado a disponibilizar os registros (de conexão e de acesso a
aplicações da internet), mediante ordem judicial (art. 10, §§ 1º e
2º), com a finalidade de "formar conjunto probatório em
processo judicial cível ou criminal, em caráter incidental ou
autônomo" (art.22), a pedido da parte interessada, desde que
haja "indícios fundados da ocorrência do ilícito", "justificativa
motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de
investigação ou instrução probatória" e "período ao qual se
referem os registros" (art. 22, incisos I, II e III).
Trata-se de matéria que recebe tratamento específico da Lei n.
12.965/2014, ao dispor que constitui dever jurídico do
administrador do respectivo sistema autônomo manter os
registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de
segurança, pelo prazo de 1 (um) ano (art. 13); e, do provedor de
aplicações de internet, por sua vez, manter os registros de
acesso, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo
prazo de 6 (seis) meses (art. 15).
Dispõe, ainda, que a autoridade policial, administrativa ou o
Ministério Público poderão requerer cautelarmente que os
registros de conexão sejam guardados por prazo superior a 1
(um) ano (art. 13, § 2º), e os registros de acesso a aplicações de
internet por prazo superior a 6 (seis) meses (art. 15, § 2º),
devendo, nas duas situações, e no prazo de 60 (sessenta) dias,
contados do requerimento administrativo, ingressar com o
pedido de autorização judicial de acesso aos (dois) registros
(arts. 13, § 3º, e 15, § 2º):
Nesse ponto, ao dispor que a autoridade policial, administrativa
ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente - que os
registros de conexão sejam guardados por prazo superior a 1
(um) ano (art. 13, § 2º), e os registros de acesso a aplicações de
internet por prazo superior a 6 (seis) meses (art. 15, § 2º) -, a Lei
disse menos do que pretendia.

73
É que, quem requer alguma coisa, pura e simplesmente pode
tê-la deferida ou não, e, no caso, até mesmo pelo uso do termo
"cautelarmente", seguido da previsão de pedido judicial de
acesso no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do requerimento
administrativo, sob pena de caducidade, tem-se que o
administrador de sistema autônomo e o provedor de aplicações
de internet estariam obrigados a atender às solicitações da
autoridade policial, administrativa ou do Ministério Público,
para que os registros sejam guardados por prazo superior.
Disso se infere que, no caso, o pedido de "congelamento" de
dados pelo Ministério Público não precisa necessariamente de
prévia decisão judicial para ser atendido pelo provedor, mesmo
porque - e esse é o ponto nodal da discussão, visto em face do
direito à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e
da imagem das partes (CF, art. 5º, X, e Lei n. 12.965/2014, art.
10) - não equivale a que o requerente tenha acesso aos dados
"congelados" sem ordem judicial.
A jurisprudência do STF tem afirmado que o inciso XII do art.
5º da Constituição protege somente o sigilo das comunicações
em fluxo (troca de dados e mensagens em tempo real), e que o
sigilo das comunicações armazenadas, como depósito registral, é
tutelado pela previsão constitucional do direito à privacidade do
inciso X do art. 5º (HC 91.867, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª
Turma, julgado em 24/04/2012).
Mas, em verdade, a disponibilização ao requerente dos registros
de que trata a Lei n. 12.965/2014 (dados intercambiados), em
atenção à referida cláusula constitucional, deverá ser precedida
de autorização judicial, sendo estabelecido, inclusive, um prazo
de 60 dias, contados a partir do requerimento de preservação dos
dados, para que o Ministério Público ingresse com esse pedido
de autorização judicial de acesso aos registros, sob pena de
caducidade (art.13, § 4º).
Por fim, frisa-se que o normativo em questão, a fim de viabilizar
investigações criminais, que, normalmente, são de difícil
realização em ambientes eletrônicos, tornou mais eficiente o
acesso a dados e informações relevantes ao possibilitar que o
Ministério Público, diretamente, requeira ao provedor apenas a
guarda, em ambiente seguro e sigiloso, dos registros de acesso a
aplicações de internet, mas a disponibilização ao requerente dos
conteúdos dos registros - dados cadastrais, histórico de pesquisa,
todo conteúdo de e-mail e iMessages, fotos, contatos e históricos
de localização etc. - deve sempre ser precedida de autorização
judicial devidamente fundamentada.

74
4.13 Sigilo de dados fiscais: compartilhamento X requisição

STF, RE 1.055.941/SP, em sede de repercussão geral, Tema 990: é constitucional o


compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do
procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento
do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização
judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente
instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional.
6ª Turma do STJ, Inf. 731/22: Não há ilicitude das provas por violação ao sigilo de
dados bancários, em razão do compartilhamento de dados de movimentações financeiras da
própria instituição bancária ao Ministério Público.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR


Não há falar-se em ilicitude das provas por violação ao sigilo de dados
bancários, em razão do compartilhamento de dados pela instituição
bancária ao Ministério Público, por não se tratar de informações
bancárias sigilosas relativas à pessoa do investigado, senão de
movimentações financeiras da própria instituição, sem falar que, após
o recebimento da notícia-crime, o Ministério Público requereu ao
juízo de primeiro grau a quebra do sigilo bancário e o
compartilhamento pelo Banco de todos os documentos relativos à
apuração relacionada aos autos do ora recorrente, o que foi deferido,
havendo, portanto, autorização judicial.
Conforme destacou o Ministério Público Federal em seu parecer, "as
alegadas informações sigilosas não são os dados bancários do
investigado, e sim, conforme destacou o magistrado de origem em sua
decisão e nas informações prestadas, as informações e registros
relacionados à sua atividade laboral como funcionário do Banco",
"verificou, outrossim, que os recursos liberados terminaram tendo
destinação estranha à sua finalidade. E tudo isso mediante análise de
rotinas próprias da instituição financeira, com mecanismos de controle
como a verificação das operações realizadas pelo servidor com sua
senha, e dos e-mails institucionais, os quais não estão resguardados
pela proteção da intimidade, pois o e-mail funcional é fornecido como
ferramenta de trabalho e serve ao empregador para acompanhar
índices importantes do funcionário, como metas de produtividade,
tempo de trabalho e conteúdo acessado".

3ª Seção do STJ, Inf. 724/22: É ilegal a requisição, sem autorização judicial, de


dados fiscais pelo Ministério Público.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

75
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário
1.055.941/SP, em sede de repercussão geral, firmou a orientação de
que é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência
financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da
Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo -
com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia
autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações
em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior
controle jurisdicional (Tema 990).
Da leitura desatenta da ementa do julgado, poder-se-ia chegar à
conclusão de que o entendimento consolidado autorizaria a requisição
direta de dados pelo Ministério Público à Receita Federal, para fins
criminais. No entanto, a análise acurada do acórdão demonstra que tal
conclusão não foi compreendida no julgado, que trata da
Representação Fiscal para fins penais, instituto legal que autoriza o
compartilhamento, de ofício, pela Receita Federal, de dados
relacionados a supostos ilícitos tributários ou previdenciários após
devido procedimento administrativo fiscal.
Assim, a requisição ou o requerimento, de forma direta, pelo órgão da
acusação à Receita Federal, com o fim de coletar indícios para
subsidiar investigação ou instrução criminal, além de não ter sido
satisfatoriamente enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário
n. 1.055.941/SP, não se encontra abarcada pela tese firmada no âmbito
da repercussão geral em questão. Ainda, as poucas referências que o
acórdão faz ao acesso direto pelo Ministério Público aos dados, sem
intervenção judicial, é no sentido de sua ilegalidade.
Em um estado de direito não é possível se admitir que órgãos de
investigação, em procedimentos informais e não urgentes, solicitem
informações detalhadas sobre indivíduos ou empresas, informações
essas constitucionalmente protegidas, salvo autorização judicial.
Uma coisa é órgão de fiscalização financeira, dentro de suas
atribuições, identificar indícios de crime e comunicar suas
suspeitas aos órgãos de investigação para que, dentro da
legalidade e de suas atribuições, investiguem a procedência de tais
suspeitas. Outra, é o órgão de investigação, a polícia ou o
Ministério Público, sem qualquer tipo de controle, alegando a
possibilidade de ocorrência de algum crime, solicitar ao COAF ou
à Receita Federal informações financeiras sigilosas detalhadas
sobre determinada pessoa, física ou jurídica, sem a prévia
autorização judicial.
Assim, é ilegal a requisição, sem autorização judicial, de dados fiscais
pelo Ministério Público.

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