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Língua

Portuguesa
Organização do Texto

Organizadores
Maria Lúcia V. de Oliveira Andrade
Neide L. Rezende
Valdir Heitor Barzotto

Elaboradora
Maria Lúcia V. de Oliveira Andrade
1
módulo

Nome do Aluno
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Governador: Geraldo Alckmin
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
Secretário: Gabriel Benedito Issac Chalita
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP
Coordenadora: Sonia Maria Silva

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


Reitor: Adolpho José Melfi
Pró-Reitora de Graduação
Sonia Teresinha de Sousa Penin
Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária
Adilson Avansi Abreu

FUNDAÇÃO DE APOIO À FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FAFE


Presidente do Conselho Curador: Selma Garrido Pimenta
Diretoria Administrativa: Anna Maria Pessoa de Carvalho
Diretoria Financeira: Sílvia Luzia Frateschi Trivelato

PROGRAMA PRÓ-UNIVERSITÁRIO
Coordenadora Geral: Eleny Mitrulis
Vice-coordenadora Geral: Sonia Maria Vanzella Castellar
Coordenadora Pedagógica: Helena Coharik Chamlian

Coordenadores de Área
Biologia:
Paulo Takeo Sano – Lyria Mori
Física:
Maurício Pietrocola – Nobuko Ueta
Geografia:
Sonia Maria Vanzella Castellar – Elvio Rodrigues Martins
História:
Kátia Maria Abud – Raquel Glezer
Língua Inglesa:
Anna Maria Carmagnani – Walkyria Monte Mór
Língua Portuguesa:
Maria Lúcia Victório de Oliveira Andrade – Neide Luzia de Rezende – Valdir Heitor Barzotto
Matemática:
Antônio Carlos Brolezzi – Elvia Mureb Sallum – Martha S. Monteiro
Química:
Maria Eunice Ribeiro Marcondes – Marcelo Giordan
Produção Editorial
Dreampix Comunicação
Revisão, diagramação, capa e projeto gráfico: André Jun Nishizawa, Eduardo Higa Sokei,
Mariana Pimenta Coan, Mario Guimarães Mucida e Wagner Shimabukuro
Cartas ao
Aluno
Carta da
Pró-Reitoria de Graduação

Caro aluno,
Com muita alegria, a Universidade de São Paulo, por meio de seus estudantes
e de seus professores, participa dessa parceria com a Secretaria de Estado da
Educação, oferecendo a você o que temos de melhor: conhecimento.
Conhecimento é a chave para o desenvolvimento das pessoas e das nações
e freqüentar o ensino superior é a maneira mais efetiva de ampliar conhecimentos
de forma sistemática e de se preparar para uma profissão.
Ingressar numa universidade de reconhecida qualidade e gratuita é o desejo
de tantos jovens como você. Por isso, a USP, assim como outras universidades
públicas, possui um vestibular tão concorrido. Para enfrentar tal concorrência,
muitos alunos do ensino médio, inclusive os que estudam em escolas particulares
de reconhecida qualidade, fazem cursinhos preparatórios, em geral de alto
custo e inacessíveis à maioria dos alunos da escola pública.
O presente programa oferece a você a possibilidade de se preparar para enfrentar
com melhores condições um vestibular, retomando aspectos fundamentais da
programação do ensino médio. Espera-se, também, que essa revisão, orientada
por objetivos educacionais, o auxilie a perceber com clareza o desenvolvimento
pessoal que adquiriu ao longo da educação básica. Tomar posse da própria
formação certamente lhe dará a segurança necessária para enfrentar qualquer
situação de vida e de trabalho.
Enfrente com garra esse programa. Os próximos meses, até os exames em
novembro, exigirão de sua parte muita disciplina e estudo diário. Os monitores
e os professores da USP, em parceria com os professores de sua escola, estão
se dedicando muito para ajudá-lo nessa travessia.
Em nome da comunidade USP, desejo-lhe, meu caro aluno, disposição e vigor
para o presente desafio.

Sonia Teresinha de Sousa Penin.


Pró-Reitora de Graduação.
Carta da
Secretaria de Estado da Educação

Caro aluno,
Com a efetiva expansão e a crescente melhoria do ensino médio estadual,
os desafios vivenciados por todos os jovens matriculados nas escolas da rede
estadual de ensino, no momento de ingressar nas universidades públicas, vêm se
inserindo, ao longo dos anos, num contexto aparentemente contraditório.
Se de um lado nota-se um gradual aumento no percentual dos jovens aprovados
nos exames vestibulares da Fuvest — o que, indubitavelmente, comprova a
qualidade dos estudos públicos oferecidos —, de outro mostra quão desiguais
têm sido as condições apresentadas pelos alunos ao concluírem a última etapa
da educação básica.
Diante dessa realidade, e com o objetivo de assegurar a esses alunos o patamar
de formação básica necessário ao restabelecimento da igualdade de direitos
demandados pela continuidade de estudos em nível superior, a Secretaria de
Estado da Educação assumiu, em 2004, o compromisso de abrir, no programa
denominado Pró-Universitário, 5.000 vagas para alunos matriculados na terceira
série do curso regular do ensino médio. É uma proposta de trabalho que busca
ampliar e diversificar as oportunidades de aprendizagem de novos conhecimentos
e conteúdos de modo a instrumentalizar o aluno para uma efetiva inserção no
mundo acadêmico. Tal proposta pedagógica buscará contemplar as diferentes
disciplinas do currículo do ensino médio mediante material didático especialmente
construído para esse fim.
O Programa não só quer encorajar você, aluno da escola pública, a participar
do exame seletivo de ingresso no ensino público superior, como espera se
constituir em um efetivo canal interativo entre a escola de ensino médio e
a universidade. Num processo de contribuições mútuas, rico e diversificado
em subsídios, essa parceria poderá, no caso da estadual paulista, contribuir
para o aperfeiçoamento de seu currículo, organização e formação de docentes.

Prof. Sonia Maria Silva


Coordenadora da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
Apresentação
da área
Os módulos de Língua Portuguesa deste curso constituem uma forma de
levar você, aluno de ensino médio, a refletir sobre a sua língua materna, ofe-
recendo subsídios para melhoria e aprimoramento de seus conhecimentos
lingüísticos.
Compusemos o material numa progressão que leva em conta, em primeiro
lugar, o seu processo de amadurecimento. Assim, partindo de realidades
vivencialmente próximas, o grau de abstração se intensifica dentro de cada
unidade e de um módulo para outro.
Estruturamos os módulos em torno de uma posição fundamental: os tópi-
cos gramaticais e textuais constantes do currículo do ensino médio só assu-
mem seu significado pleno quando focalizados a partir da linguagem, enten-
dida como faculdade inerente ao ser humano, pela qual ele interage com seus
semelhantes. Por essa razão não fizemos uma separação rígida de assuntos, o
que deturparia o caráter essencialmente flexível dos problemas de linguagem.
Dentro desta perspectiva, foram organizados os quatro módulos de Lín-
gua Portuguesa e seus respectivos conteúdos: variabilidade da linguagem e
noção de norma, morfossintaxe das classes de palavras, processos de organi-
zação da frase, organização e articulação do texto, o problema da significa-
ção e os recursos de estilo.
Preocupamo-nos com que as aulas levem você a refletir criticamente so-
bre sua vivência lingüística e, em contato com as normas gramaticais vigen-
tes, habilitem-no a interpretar e a produzir textos representativos das mais
diversas situações interacionais.
Com o material que preparamos, você terá a oportunidade de rever os
pontos mais importantes sobre a Língua Portuguesa e fazer atividades para
avaliar seu progresso e possíveis dificuldades.
Procure ver essa fase de estudos como mais uma oportunidade de apren-
dizagem sobre o mundo, a sociedade em que vive e sobre você mesmo. Se
você entrar nela com esse espírito, seguramente sairá dela enriquecido – não
apenas de conhecimentos para ingressar na Universidade, mas também de
informações e pontos de vista novos que servirão em toda a sua vida. Daí,
sim, você poderá olhar o mundo com confiança. Você pode não se transfor-
mar em um cientista, mas será sem dúvida uma pessoa que tem conhecimen-
tos e informações e é capaz de usá-los da melhor maneira possível. Afinal,
vale a pena investir em você mesmo.

Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade


Coordenadora de Língua Portuguesa
Apresentação
do módulo

Neste módulo, serão abordadas questões relativas à organização textual.


Inicialmente trataremos da elaboração do parágrafo, suas qualidades, estrutu-
ras e tipos
Em cada unidade, após a explicação referente ao conteúdo da disciplina,
apresentamos atividades para que você possa praticar o que aprendeu e, em
seguida, indicamos sugestões de leitura e atividades complementares.

Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade


Coordenadora de Língua Portuguesa
Unidade 1

O que é texto?
Organizadores
Maria Lúcio V. de
Oliveira Andrade
Neide L. Rezende
Como podemos distinguir um texto bem elaborado de meros aglomerados Valdir Heitor
de palavras e frases? Qual a função de seus diversos elementos lingüísticos? Barzotto
Essa funcionalidade não pode ser explicada no âmbito da frase; já que o texto Elaboradora
contém mais do que o sentido das expressões que estão em sua superfície,
Maria Lúcio V. de
pois deve incorporar conhecimentos e experiências, atitudes e intenções.
Oliveira Andrade
Carlos Drummond de Andrade uma vez escreveu:

Lutar com palavras


É a luta mais vã
Entanto lutamos
Mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco
Algumas tão fortes
Como um javali (...).

Ao trabalhar com a língua, é preciso não fazer das palavras – matéria-


prima da construção textual – esse “javali” a que se refere o poeta. Prosse-
guindo a leitura de “O Lutador”, ficamos sabendo, pela voz do locutor, que a
chave da criação textual é a organização e articulação das palavras com luci-
dez. Como não temos o poder de “encantá-las”, temos necessidade de “en-
cantar” o nosso interlocutor através delas e, quem sabe, fazer dessas mesmas
palavras o nosso sustento de vida.
Ainda que a profissão de um indivíduo não seja a de escritor ou qualquer
outra que faça da palavra a sua labuta, ele deve manusear adequadamente a
língua.
O uso efetivo da língua se dá por meio de textos orais ou escritos. Em sua
atividade de construção o locutor (falante/escritor) defronta-se com a necessi-
dade de transmitir significações e criar um material coeso e coerente. Para
tanto, utiliza determinados elementos lingüísticos a f im de orientar seu
interlocutor (ouvinte/leitor) num determinado sentido.
A eficácia dessa atividade comunicativa depende da seleção e organiza-
ção dos conteúdos que se pretende transmitir. É imprescindível considerar
não só a quantidade e a qualidade da informação, como também o modo pelo
qual ela é veiculada.
 

É a partir da adequação de suas partes, bem como da não contradição, que


o conjunto de enunciados é tecido e entrelaçado por um fio inteligível, cons-
tituindo-se em um bloco organizado, ou seja, transformando-se em texto.
Neste momento, cabe uma breve pausa para refletirmos sobre o que é
texto. Um conceito apropriado é aquele que considera o aspecto lingüístico e
o social. Como bem lembra Enrique Bernárdez, um estudioso do assunto, em
sua obra Introdução à Lingüística do Texto, publicada em 1982.

Unidade lingüística comunicativa fundamental, produto da atividade humana,


que possui sempre caráter social, está caracterizado por seu aspecto semântico e
comunicativo, assim como por sua coerência profunda e superficial, devida à inten-
ção (comunicativa) do locutor de criar um texto íntegro e a sua estruturação mediante
os conjuntos de regras: as próprias do nível textual e as do sistema da língua. (p. 85).

Tendo em conta essa concepção, podemos apontar um conjunto de fato-


res para a existência de um texto; dentre tais fatores destacam-se:

a) caráter comunicativo: atividade;


b) caráter pragmático (referente ao uso): intenção do locutor, situação comu-
nicativa;
c) caráter estruturado: existência de regras próprias relativas ao nível textual
(de organização lingüística do texto).

A convergência desses fatores cria a textualidade, definida como trama


ou textura que faz uma construção lingüística ser um texto. Para melhor estu-
darmos os textos, devemos olhar para as partes que os alicerçam. A seguir,
discutiremos um pouco sobre cada uma dessas partes ou unidades constitutivas
dos textos.

O TEXTO ESCRITO E O PARÁGRAFO

A elaboração do texto escrito envolve um objetivo ou intenção do locutor.


Contudo o entendimento desse texto não diz respeito apenas ao conteúdo
semântico, mas à percepção das marcas de seu processo de produção. Essas
marcas orientam o interlocutor no momento da leitura, na medida em que são
pistas lingüísticas para a busca do efeito de sentido pretendido pelo locutor.
Um texto escrito tem no parágrafo a sua unidade de construção. Essa
unidade é composta de um ou mais períodos reunidos em torno de idéias
estritamente relacionadas. Em termos práticos, os parágrafos podem ser iden-
tificados por recursos visuais: espaço de entrada junto à margem esquerda ou
linha em branco na passagem de um parágrafo para outro.
Nos textos bem-formados, em geral, a cada parágrafo deve relacionar-se
uma idéia importante, não havendo normas rígidas para a paragrafação. De
fato, o locutor pode fazer uso da paragrafação para marcar a sua intencionalidade.
Embora a extensão do parágrafo seja variável, a observação mostra que a
tendência moderna é não usar parágrafos muito longos. Quanto à sua estrutu-
ra, o parágrafo padrão, aquele de estrutura mais comum e eficaz, organiza-se
como um pequeno texto (microtexto), apresentando introdução, desenvolvi-
mento e conclusão.


  -   

O parágrafo que se inicia por uma frase-núcleo (também designada idéia-


núcleo ou tópico-frasal) oferece maior legibilidade, visto que tal frase funcio-
na como elemento desencadeador das idéias subseqüentes.
Vejamos, como exemplo, o trecho a seguir:

(1) A sociedade industrial moderna destruiu a imagem de coerência estética


da cidade. A persistência do discurso cultural identificado com a qualidade do
entorno construído que permitia a progressiva articulação de diferentes manifesta-
ções artísticas – a praça da Annunziata no centro medieval de Florenza ou a coexis-
tência de estilos sucessivos na praça São Marcos de Veneza –, se desintegra ante a
extensão da agressiva volumetria das edificações e a nítida segregação territorial
dos grupos sociais que nela habitam. Ao tecido consolidado do “centro urbano”,
denso de símbolos e significados, contrapõe-se o anonimato individual de
“suburbia”, nos Estados Unidos atualmente a periferia é ocupada por 50 milhões de
habitações isoladas. Quem planeja e realiza a cidade atual? São os especuladores,
empresários, incorporadores, engenheiros, proprietários de terra – em Dallas ou
Atlanta são E. Rouse, G. Hines, J. Portman ou D. Trump – e os desamparados. Resta
pouco espaço para o Estado e para os urbanistas e projetistas que representam a
vanguarda do saber profissional. (Roberto SEGRE, “Havana: o resgate social da
memória”. In: O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania. São Paulo:
DPH- Secretaria. Municipal de Cultura, 1992, p. 102.).

O primeiro período (em negrito com o intuito de destacar a idéia central


do parágrafo) constitui a frase-núcleo que contém uma declaração inicial so-
bre a estética da cidade moderna. A partir do segundo período, o autor passa
a fazer considerações sobre o que ocorre, em termos de urbanização, em al-
gumas cidades do mundo e quais as causas dessa situação. Lança ainda uma
questão – “Quem planeja e realiza a cidade atual?” – para poder elencar quais
são os principais responsáveis e poder encaminhar o leitor para a conclusão.
Esta é feita de maneira direta, sem a ajuda de operadores discursivos, tais
como: deste modo, portanto etc. Revela, na verdade, a conseqüência do que
foi abordado em todo o trecho: “Resta pouco espaço para o Estado e para os
urbanistas e projetistas que representam a vanguarda do saber profissional”.

QUALIDADES DO PARÁGRAFO

A construção de um parágrafo bem estruturado exige que este apresente


unidade, coerência, concisão e clareza, visto tratar-se de uma interação à distân-
cia, em que não há possibilidade de participação direta e imediata do interlocutor,
como ocorre no texto oral (uma conversação entre amigos, por exemplo).
– Unidade: cada parágrafo pode conter somente uma idéia principal. As idéias
secundárias devem estar relacionadas à principal, sem acréscimos ou di-
gressões que possam quebrar a unidade pretendida.
– Coerência: a organização do parágrafo deve ser feita de tal forma que fique
evidente o que é principal. É indispensável que haja relacionamento de sen-
tido entre a idéia principal e as secundárias desenvolvidas no texto.
– Concisão: o parágrafo deve conter a quantidade de informação adequada
ao objetivo do texto. A concisão, porém, não deve ser alcançada em detri-
mento da clareza.


 

– Clareza: a escolha das palavras adequadas ao contexto concorre, em gran-


de parte, para que o parágrafo se torne claro e para que a sua leitura possa
ser feita de maneira eficiente, atingindo a compreensão.

A transição de um parágrafo para outro não deve ser brusca; impõe-se um


encadeamento lógico e natural entre os parágrafos. Em alguns casos, torna-se
indispensável acrescentar ao texto um parágrafo de transição para que o enca-
deamento das idéias se faça de maneira coesa e harmoniosa. Entretanto, é
aconselhável que o texto não apresente parágrafos repetitivos sem necessida-
de, pois a repetição pode interromper o fluxo informacional, tornando o mate-
rial redundante e cansativo.

ESTRUTURA DO PARÁGRAFO PADRÃO

Conforme já dissemos, o parágrafo padrão organiza-se de forma similar


ao texto propriamente dito (macrotexto).
O processo de estruturação de um texto envolve delimitação do assunto,
formulação do objetivo, introdução (em que se deve utilizar a frase-núcleo
por meio de: declaração inicial, alusão histórica, interrogação, definição etc.)
desenvolvimento da idéia principal (através de ordenação por tempo e espa-
ço, enumeração, contraste, causa e conseqüência, explicitação, entre outros).
Finalmente, é preciso concluir o assunto: pode-se fazer uma síntese dos as-
pectos abordados no desenvolvimento ou apresentar o resultado ou conse-
qüência das idéias expostas. Na verdade, a conclusão ratifica a frase-núcleo.
Voltemos ao exemplo (1). Após a leitura do parágrafo, podemos destacar:
– Assunto: arquitetura e urbanismo.
– Delimitação do assunto (tema): estética da cidade moderna.
– Objetivo: mostrar que, na sociedade industrial moderna, os profissionais da
área de urbanismo pouco podem fazer em relação ao planejamento das ci-
dades.
– Frase-núcleo: o primeiro período do parágrafo.
– Desenvolvimento: desde “A persistência do discurso cultural...” até “e os
desamparados”.
– Conclusão: último período do parágrafo.

PARÁGRAFO NARRATIVO E PARÁGRAFO DESCRITIVO

A diversidade de textos implica a diversidade de construção de parágra-


fos. Temos, então, a estrutura do parágrafo descritivo, a do narrativo e a do
dissertativo.
Enquanto o núcleo do parágrafo dissertativo é uma determinada idéia
(idéia-núcleo ou idéia principal, como já estudamos no exemplo 1), o do nar-
rativo é um incidente (episódio curto ou fragmento de episódio) e o do descri-
tivo é um quadro (fragmento de paisagem, ambiente ou ser num determinado
instante, observado a partir de determinada perspectiva).
Vejamos os exemplos a seguir:


  -   

(2) Foram só 73 segundos de vôo. O ônibus espacial Challenger havia arranca-


do, aparentemente com sucesso, da base do cabo Canaveral, na Flórida, e já estava
a 16 quilômetros de altitude, quando sobreveio uma tragédia: a nave transformou-se
abruptamente em uma bola de fogo. Hora exata: 11h39m de 28 de fevereiro. (Isto é,
dez. 1986. apud Carlos FARACO, Trabalhando com narrativa, 2.ed., São Paulo:
Ática, 1992, p. 7.)

(3) A Catedral de Brasília é um dos prédios que mais me agradam na arquitetura


da nova capital. É diferente de todas as catedrais já construídas. Com a galeria de
acesso em sombra e a nave colorida, ela estabelece um jogo, um contraste de luz que
a todos surpreende; cria com a nave transparente uma ligação visual inovadora
entre ela e os espaços infinitos; tem na sua concepção arquitetural um movimento
de ascensão que a caracteriza e não apresenta fachadas diferentes como as velhas
catedrais. É pura, como obra de arte. (Oscar NIEMEYER, A catedral e as cadeiras, in:
Folha de S. Paulo, 20 maio de 1992, Caderno 1, p. 3.).

No texto (2), o parágrafo é narrativo, já que se tem uma notícia sobre um


fato real; desenvolve-se sob a influência do tempo cronológico (nos contos e
romances narram-se acontecimentos que se desenvolvem a partir do tempo
cronológico ou do psicológico) e inclui um procedimento: seqüência de ações
que se encaminham para um desfecho ou epílogo. O núcleo do parágrafo
narrativo é, como já dissemos, um incidente. Nele não há frase núcleo explí-
cita, visto que o seu conteúdo é um instante no tempo e, portanto, teoricamen-
te imprevisível, tecnicamente impossível de antecipar. Lembra um quadro de
um filme, como se pudéssemos parar a máquina de projeção para analisar
todos os detalhes da ação:
No texto (3), tem-se um parágrafo descritivo, pois, nele, o locutor preten-
de apresentar características e qualificações de certa realidade. Nota-se que a
sua estrutura é espacial e atemporal: a intenção é fixar, “fotografar”, tornar
perceptível um determinado objeto: a catedral.
A idéia principal deste parágrafo é a diferença existente entre a catedral de
Brasília e as demais já construídas. A qualidade do texto repousa na percep-
ção do observador que busca apresentar o objeto através de seus traços
particularizantes.

PARÁGRAFO: OS LIMITES DO SENTIDO?

Etimologicamente, o termo parágrafo (do grego parágraphos, pelo latim


paragraphu) significa “pôr à parte, separar uma coisa de outra”. Marca, por-
tanto, uma seção textual que possui sentido completo. Mas como uma unida-
de de construção pode revelar o efeito de sentido pretendido por seu autor?
Que recursos possui para limitar ou equacionar a significação?
Para responder a essa pergunta é preciso olhar atentamente para a produ-
ção de alguns autores representativos de nossa literatura: Machado de Assis,
Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, dentre outros. Em
tais textos, encontramos uma variedade de estilos, mas a questão não se res-
tringe ao estilo. Ela é mais profunda e tem a ver com a dimensão representati-
va do conteúdo. Em outras palavras, enquanto os parágrafos curtos refletem
uma imediaticidade em relação à mensagem, os longos revelam uma ligação
imanente com a noção de temporalidade.


 

Embora tal noção seja bastante complexa e tenha recebido atenção espe-
cial não só da filosofia e da ciência, como também da literatura, é em Claude
Zilberberg, um estudioso francês das ciências da linguagem, que encontra-
mos uma definição precisa:

O tempo é a razão do espaço. O espaço é a imagem do tempo. (in: Razão e


poética do sentido. Paris: PUF, 1988).

A partir dessa afirmação, podemos refletir com mais profundidade a rela-


ção espaço-tempo. Na verdade, o que o autor propõe é que tal relação
dicotômica tende a se desfazer na medida em que o tempo passa a representar
a origem de tudo e somente através dele podemos olhar o espaço, encontrar a
imagem. Não temos uma qualidade, mas uma relação espectral, isto é, a ima-
gem (forma) reflete o sentido (razão). E assim como os físicos são convidados
a pensar um complexo espaço-tempo, o estudioso da linguagem parece inte-
ressado em perseguir o espaço das razões e o tempo das imagens.
Considerando que a paragrafação de um texto narrativo precisa obedecer,
por exemplo, à organização temporal (causal) dos dados, vejamos como Ma-
chado de Assis estruturou este trecho de Esaú e Jacó:

(4) O baile acabou. O capítulo é que não acaba sem que deixe um pouco de
espaço a quem quiser pensar naquela criatura. Pai nem mãe podem entendê-la, os
rapazes também não, e provavelmente Santos e Natividade menos que ninguém. Tu,
mestra de amores ou aluna deles, tu, que escutas a diversos, concluis que ela era...

Custa pôr o nome do ofício. Se não fosse a obrigação de contar a história com as
próprias palavras, preferia calá-lo, mas tu sabes qual é ele, e aqui fica. Concluis que
Flora era namoradeira, e concluis mal.

Leitora, é melhor negar isto que esperar pelo tempo. Flora não conhecia as
doçuras do namoro, e menos ainda se podia dizer namoradeira de ofício. A
namoradeira de ofício é a planta das esperanças, e alguma vez das realidades, se a
vocação o impõe e a ocasião o permite. Também é preciso ter em lembrança aquilo
de um publicista filho de Minas e do outro século, que acabou senador, e escrevia
contra os ministros adversários: ‘Pitangueira não dá manga’. Não, Flora não dava
para namorados.

Após a leitura do texto, constatamos que, com tal distribuição formal, o


escritor busca:
– manter uma relação com a narrativa anterior (1o parágrafo);
– fazer uma espécie de apreciação crítica através da voz do narrador (2o pará-
grafo);
– apontar uma interferência do narrador, estabelecendo um diálogo com o
leitor (3o parágrafo).

Já Guimarães Rosa, em seu romance Grande Sertão: Veredas, trabalha a


temporalidade, aqui relacionada à imagem (forma). Vejamos o trecho a seguir:

(5) Ela era. Tal que assim se desencantava, num encanto tão terrível; e levantei
a mão para me benzer – mas com ela tapei foi um soluçar, e enxuguei as lágrimas
maiores. Uivei. Diadorim! Diadorim era mulher. Diadorim era mulher como o sol
não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero.


  -   

O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.

Eu estendi a mão para tocar naquele corpo e, estremeci, retirando as mãos para
trás, incendiável; abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as
partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. Adivinhava os cabelos.
Cabelos que cortou com tesoura de prata... Cabelos que, no só ser, haviam de dar
para baixo da cintura... E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me
doendo:

— ‘Meu amor!...’

Para criar um cenário que busca recuperar todo o espaço cênico, o autor
vale-se da distribuição dos parágrafos como ponto de intensidade máxima do
texto. Tal paragrafação não só resolve o dilema das personagens como tam-
bém cria pistas para que o leitor possa compreender a tragicidade do texto.
Em síntese, temos:
– no suposto dialogismo entre o discurso (monológico) do narrador e o silêncio
do personagem-ouvinte (Doutor), para o qual é relatado o evento, encontra-
se o motivo nuclear da narrativa – Diadorim/Diadorina (1o parágrafo);
– a inferência do personagem-ouvinte transforma, através da voz do narrador-
personagem, o parágrafo em aforismo (núcleo da trama): a finitude da exis-
tência humana (2o parágrafo);
– a representação do gesto “adâmico” possibilita recuperar a transcendência
dos núcleos anteriores da narrativa: vida – morte; realidade – sonho, até
chegar ao clímax, que será estruturado no parágrafo seguinte, em que se
cria uma imagem dramática do desfecho (3o parágrafo);
– a fala do narrador-personagem “— Meu amor!...” revela a transcendência
apontada no parágrafo anterior (4o parágrafo).
Na linguagem jornalística, a paragrafação se estrutura com o auxílio de
recursos visuais, visto que não se dissocia mais o texto (conteúdo semântico)
de suas imagens. Modernamente, a palavra texto ganha outra configuração,
evidenciando a imediaticidade da comunicação, criando uma nova dimensão
para o termo, que se transforma em um ícone graças à diluição do textual no
visual e vice-versa.
Desse modo, aqueles parágrafos que se distanciam da unidade pretendida
e enfocam uma relevância tida ou sentida como digressiva (marginal) são
colocados à parte (observe o exemplo 6, que apresenta um quadro colocado
no final da reportagem), para não “quebrar” a organização do texto. Tais pa-
rágrafos são normalmente destacados sob a forma de quadros com comentá-
rios ou informações adicionais a que se remete no corpo do texto.
Vejamos a reportagem (6), retirada da seção Ciência apresentada na revis-
ta Veja (28 de abril, 2004, p. 106) e colocado a seguir:

(6)
Este rato não precisou de um pai para nascer
Cientistas japoneses criam o primeiro mamífero gerado por duas mães

Na semana passada, a ciência tratou de realimentar um sonho das feministas


mais radicais. Pesquisadores japoneses e coreanos apresentaram Kaguya, uma fê-
mea de camundongo, filha de duas mães e nenhum pai. A experiência, feita na


 

Universidade de Agricultura de Tóquio, está relatada na última edição da revista


científica Nature. Kaguya é o primeiro mamífero a ser gerado pelo processo de
partenogênese – por meio dele, é possível que um ser vivo nasça a partir de um
óvulo, sem que haja fecundação. O nome dado ao bichinho é uma referência a uma
personagem da lenda japonesa. A Kaguya da ficção é uma menina que, encontrada
num tronco de bambu, é considerada filha da Lua. A partenogênese existe na natu-
reza: abelhas e formigas, por exemplo, podem procriar por esse método solitário.
Acreditava-se, no entanto, que entre mamíferos isso fosse impossível de ocorrer.
Alguns cientistas já consideram que o nascimento de Kaguya é, depois da clonagem
da ovelha Dolly, o fato mais revolucionário da biologia reprodutiva.

A partenogênese é possível porque, originalmente, todos os óvulos, não impor-


ta a espécie animal, possuem dois conjuntos de cromossomos. Se o óvulo é devida-
mente estimulado, essas estruturas se fundem, simulando uma fecundação. Nos
mamíferos, porém, existem mecanismos que ativam apenas determinados genes nos
óvulos. Dessa forma, a fecundação só acontece na presença de material genético
masculino. Para burlar essas barreiras naturais, os cientistas japoneses e coreanos
selecionaram óvulos de fêmeas mutantes, que simulavam o perfil genético de um
espermatozóide. Neles, não existia o gene H19, associado ao desenvolvimento fetal
e caracteristicamente feminino. Ao mesmo tempo, possuíam um outro gene, o IGF-
2, ativo – o que normalmente só acontece nas células sexuais masculinas. Os cientis-
tas, então, fundiram os núcleos celulares dos óvulos mutantes e núcleos de óvulos
absolutamente normais. Dessa junção, foram criados novos óvulos. Após serem esti-
mulados quimicamente, os óvulos originaram centenas de embriões. Desses, 371
foram implantados em fêmeas. Duas gestações chegaram ao final, mas apenas Kaguya
atingiu a idade adulta, o que equivale a uma taxa de sucesso menor do que 1%.

O nascimento de Kaguya permite que se pense na possibilidade de que casais de


lésbicas venham a ter filhos sem pais e com características das duas mães. “Acredito
que esse dia ainda esteja muito longe”, diz a geneticista Mayana Zatz, professora da
Universidade de São Paulo. No curto prazo, a experiência de japoneses e coreanos
pode trazer benefícios ao campo da engenharia genética. “Esse estudo deve forne-
cer informações preciosas para a criação de exames e tratamentos de doenças causa-
das por falhas genéticas durante a concepção”, acrescenta Mayana.

Como Kaguya nasceu


– Num tubo de ensaio, os cientistas fundiram dois óvulos de fêmeas de camun-
dongo. Uma delas era geneticamente modificada;
– O óvulo mutante conseguiu imitar a ação de um espermatozóide, graças a um
artíficio de laboratório;
– Dos embriões originados no processo, 371 foram implantados em fêmeas nor-
mais. Apenas duas gestações chegaram até o fim. Das duas fêmeas nascidas, uma
sobreviveu e já deu à luz filhotes saudáveis.

Nesse texto, temos uma reportagem sobre uma descoberta científica feita
por pesquisadores japoneses e coreanos na Universidade de Tóquio. A expe-
riência foi divulgada em uma revista científica. Ao ler a reportagem, ficamos
sabendo qual foi o procedimento científico para conseguir gerar um camun-
dongo a partir do óvulo de duas fêmeas. O texto informa ainda que a origem
do nome dado ao filhote, Kaguya, é uma referência a uma narrativa ficcional,
cuja personagem é uma menina encontrada num tronco de bambu e que é
considerada filha da Lua.


  -   

O texto narra o método usado pelos cientistas para conseguir gerar o rati-
nho, explicando, descrevendo e exemplificando com outros casos científi-
cos. Entretanto, como a genética não é uma parte da biologia conhecida com
profundidade por todos os leitores, o locutor busca construir o texto numa
linguagem objetiva e clara, narrando as ações dos cientistas e descrevendo os
termos específicos da genética que são empregados. Além disso, o locutor faz
uso de um quadro para sintetizar as principais ações da experiência.
Nesta unidade, foram apresentadas algumas orientações para a estruturação
e elaboração adequada dos textos. O objetivo foi oferecer a você, caro estu-
dante, reflexões sobre o que é um texto, como o parágrafo se estrutura e sobre
como o conhecimento de sua construção pode melhorar a elaboração de nos-
sos textos.
Não se pretendeu que as colocações feitas se tornem receitas a serem segui-
das passo a passo. É preciso antes de tudo ter um pouco de sensibilidade e não
assumir uma postura rígida, pois todo usuário da língua é capaz de perceber o
momento em que deve encerrar um bloco textual ou fazer uma transição.
Talvez conhecendo um pouco mais como se processa a elaboração do
texto, você possa não só compreender melhor as produções escritas de modo
geral, como também aprimorar os seus próprios textos, sem que percam a sua
expressividade, fazendo do trabalho com textos uma atividade dinâmica e
produtiva.

Atividades
1- O trecho que segue foi extraído de uma crônica de Carlos Drummond de
Andrade. Transcrevemos apenas o início. A tarefa proposta a você é que indi-
que qual o tipo de parágrafo elaborado (descritivo, narrativo ou dissertativo),
justificando por meio dos elementos abordados no texto. A seguir, elabore um
pequeno texto narrativo coerente com os elementos contidos na introdução.

Aquele restaurante de bairro é do tipo simpatia/classe média. Fica em rua sosse-


gada, é pequeno, limpo, cores repousantes, comida razoável, preços idem, não tem
música de triturar os ouvidos. O dono senta-se à mesa da gente, para bater um papo
leve, sem intimidades. (in Para Gostar de Ler. São Paulo: Ática, 1981, vol. 3, p. 34).

2- Leia as frases elencadas, a seguir, e procure ordená-las em uma seqüência


adequada, de modo a formar um pequeno trecho narrativo. A seguir crie um
título para o texto e justifique, a partir dos elementos lingüísticos empregados,
porque se trata de uma narrativa.
( ) Verificamos que tinha uma das pernas quebrada, pois fora atropelado por
uma bicicleta.


 

( ) Um dia encontramos na rua um cachorro vira-lata.


( ) Mas se minha mãe acendesse a luz do quarto, no meio da noite, Bidu
imediatamente saltava para o soalho.
( ) Ficamos orgulhosos de nossa proeza ortopédica.
( ) Batizamos o cãozinho de Bidu.
( ) Arranjamos duas talas de madeira e com elas encanamos a perna de nosso
acidentado, amarrando-as com tiras de pano e barbante.
( ) Colocamos o vira-lata dentro de uma caixa de madeira forrada de palha e
dali por diante todos os dias levávamos-lhe comida e água.
( ) Quando terminavam as aulas lá estava Bidu à minha espera, como fiel
amigo.
( ) Instalou-se na nossa casa, dormiu uma noite na minha cama, na outra noite
foi para a cama de meu irmão.
( ) Semanas depois tiramos as talas e Bidu começou a caminhar sem mancar.
( ) Daí por diante passou a ser um membro da turma.
( ) Todas as manhãs acompanhava-me até a porta da escola.
( ) Parecia feliz por ter encontrado um lar, comida farta e amigos.

3- Relembrando o que foi abordado sobre o parágrafo dissertativo, estabeleça


um tema e redija um objetivo para os assuntos elencados a seguir. Para o
primeiro assunto, apresentamos uma sugestão. Faça o mesmo com os demais:
- Assunto: Leitura
- Delimitação do assunto (tema): A leitura entre os jovens
- Objetivo: Indicar as preferências de leitura entre os jovens

- Assunto: Greves
- Delimitação do assunto (tema):
- Objetivo:

- Assunto: Trabalho
- Delimitação do assunto (tema):
- Objetivo:

- Assunto: Os meios de comunicação


- Delimitação do assunto (tema):


  -   

- Objetivo:

SUGESTÕES DE LEITURA

- É importante que você leia, pelo menos uma vez por semana, jornais e/ou
revistas para estar atualizado sobre os acontecimentos nacionais e internacio-
nais e também para que você possa formar sua opinião sobre os fatos e a
sociedade de modo geral.
- Você pode ler jornais como: Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal
da Tarde, provavelmente na biblioteca de sua escola você encontrará um
deles. Se puder, leia também revistas como Veja ou Istoé, sua escola deve
receber uma delas.
- Um endereço que você pode consultar é o site www.releituras.com/. Nele
você encontrará textos de vários escritores importantes da literatura em lín-
gua portuguesa e do meio jornalístico. Há 1000 textos de 308 autores. Como
exemplo para sua busca, podemos citar Carlos Heitor Cony. Deste jornalista
você encontra a crônica “O suor e a lágrima”, podendo verificar como ele
organiza seu texto, observando a distribuição dos parágrafos. Outro escritor
interessante que vale a pena conferir é Affonso Romano de Sant’Anna, com
o texto “Antes que elas cresçam”, escrito por meio de parágrafos bastante
curtos, mas muito significativos.
- Você ainda pode navegar pelo site do Observatório da Imprensa, onde se
encontram interessantes textos jornalísticos e debates bem instigantes. Vale
a pena dar uma olhada. O endereço é: www.tvebrasil.com.br/observatorio/


Unidade 2

Descrição
Organizadores
Maria Lúcio V. de
Oliveira Andrade
Você que é uma pessoa habituada a ler, já viu textos dos mais variados Neide L. Rezende
gêneros e já percebeu que, devido às inúmeras diferenças que os distinguem,
é possível classificá-los de maneiras distintas: textos científicos, textos poéti- Valdir Heitor
cos, textos jornalísticos, textos jurídicos, textos religiosos, etc. Barzotto

Agora passaremos a tratar de uma divisão que é, de certa maneira, uma Elaboradora
tradição escolar e que se revela útil tanto para a leitura como para a produção Maria Lúcio V. de
de textos. Referimo-nos à classificação dos textos em: descritivos, narrativos Oliveira Andrade
e dissertativos. Já vimos um pouco dessa distinção quando estudamos o pará-
grafo e suas características.
Cabe lembrar que, na maior parte dos textos que encontramos, não obser-
vamos textos em estado puro, isto é, textos especificamente descritivos, nar-
rativos ou dissertativos, já que esses três tipos de construção podem ser obser-
vados em um único texto. Isso não impede que, por uma conveniência didáti-
ca, se estude cada um desses tipos separadamente.
Leia o texto (1) que segue:

A paisagem era mais ou menos desse jeito – a cidade de cá, o rio no meio e do
outro lado a encosta que parecia querer esbarrar no céu sem fundo.

Na beira do rio, tinha uma porção de árvores, sempre verdes, mas que se cobriam
de roxo, branco, amarelo, conforme a estação do ano. Elas floriam. No meio da
encosta crescia um capão, por onde passava uma estrada alva e torta que levava para
qualquer parte do mundo.

O campo era verde demais. Manhã tão clara que havia uma névoa azulada para
adoçar mornamente os contornos vertiginosos da paisagem branca.

Manhã de mel.

(in Seleta de Bernarndo Ellis. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976, p. 32).

Como você pode notar, esse texto revela certos aspectos de uma paisa-
gem. É um texto descritivo.
Note que:
a) todos os enunciados relatam ocorrências simultâneas;
b) não existe um enunciado que possa ser considerado cronologicamente an-
terior ao outro;
 

c) ainda que se observem ações (parecia querer esbarrar, cobriam, floriam,


crescia, passava, levava), todas elas servem para caracterizar a paisagem e
estão no pretérito imperfeito e não indicam, portanto, nenhuma transfor-
mação de estado;
d) se invertêssemos a seqüência dos enunciados, não alteraríamos nenhuma
relação cronológica. Inclusive, poderíamos colocar o último enunciado em
primeiro lugar e ler o texto em uma outra ordem.
Manhã de mel.
Manhã tão clara que havia uma névoa azulada para adoçar mornamente os
contornos vertiginosos da paisagem branca.
A paisagem era mais ou menos desse jeito – a cidade de cá, o rio no meio e do
outro lado a encosta que parecia querer esbarrar no céu sem fundo.
No meio da encosta crescia um capão, por onde passava uma estrada alva e torta
que levava para qualquer parte do mundo.
Na beira do rio, tinha uma porção de árvores, sempre verdes, mas que se cobriam
de roxo, branco, amarelo, conforme a estação do ano. Elas floriam. O campo era
verde demais.
Descrição é o tipo de texto em que se relatam as características de uma
paisagem, cenário, pessoa ou de um objeto, inscritos em um certo momento
no tempo.
O texto descritivo não apresenta, como o narrativo, as transformações de
estado que vão ocorrendo progressivamente com pessoas, lugares, objetos,
mas revela as propriedades e traços desses elementos num certo estado, con-
siderado como se estivesse parado no tempo. Trata-se, portanto, de carac-
terizar um instante de um ser, objeto ou cenário no tempo.
Na descrição não existe relação de anterioridade ou posterioridade entre
os enunciados, por isso no texto (1) pudemos apresentar uma outra possibili-
dade de construção da mesma paisagem, alterando a disposição dos enuncia-
dos descritivos. Isso revela que os fatos reproduzidos são simultâneos e não
apresentam progressão temporal.
Como vimos no texto (1), uma descrição pode apresentar verbos que ex-
primem ação, movimento, mas esses movimentos são sempre simultâneos,
não indicando progressão de um estado anterior para outro posterior.
Cabe lembrar que em um texto literário, como o que vimos anteriormente,
é importante considerar a ordem dada pelo autor para a compreensão mais
profunda de sua obra, do seu estilo, do efeito de sentido que quis produzir. No
entanto, de ponto de vista do entendimento, a ordem dos elementos que com-
põem uma realidade estática, como é o caso do texto em análise, não tem a
mesma importância que para a narração.
A partir dessas considerações, você já pode perceber que aquilo que se faz ao
descrever é construir, pelo discurso, uma realidade sem progressão interna, que,
portanto, dispensa o encadeamento de enunciados, tão necessário na narração.

TIPOS DE DESCRIÇÃO
Vimos que, pelo discurso, é possível criar uma realidade estática, onde
não há a necessidade de ordenação entre os enunciados uma vez que não


  -   

estamos preocupados com progressão temporal. E a esse tipo de construção,


dá-se o nome de descrição.
Vimos ainda que na descrição utiliza-se sobretudo um tipo especial de
verbo. Vamos encontrá-lo nos enunciados abaixo:
1) Tem uma fazenda, denegrida e abandonada.
2) ... uma cerca de pedra-seca, do tempo dos escravos.
3) ... um riacho parado.
4) ... um cedro alto.
No primeiro enunciado, está explicitado o verbo ter. Observe, entretanto,
que no início de cada um dos outros enunciados igualmente poderia ser colo-
cado o mesmo verbo. Além desse verbo, existem outros que poderiam ser
colocados na mesma posição mantendo o mesmo sentido. Assim, lendo o
texto atentamente, você vai verificar que ele se mantém sobre dois tipos de
verbos: um primeiro representado por ter, no sentido de existir, e um segundo
representado por estar, que permite indicar o estado em que se encontra a
fazenda naquele momento determinado. Em outras palavras, temos um tipo
de verbo indicador de existência e outro, atribuidor de estado.
1) Há na fazenda./Tem uma fazenda./Existe uma fazenda.
2) Na fazenda há uma cerca de pedra-seca./tem uma cerca./existe uma cerca.
3) A fazenda está denegrida e abandonada/acha-se denegrida e abandonada/
encontra-se denegrida e abandonada
Além desses dois verbos, respectivamente, atribuidores de existência e de
estado, há um outro, muito comum nas descrições. Seu uso pode ser constata-
do no seguinte texto:
O relógio era uma enorme cebola de ouro, suíço, pedras preciosas nos ponteiros,
o tampo em filigranas, uma jóia, uma antiguidade, uma relíquia, uma preciosidade.
(In: O mar tem várias cores de Ribeiro Fester. São Paulo: Duas Cidades, 1979, p. 41).

Nesse caso, o verbo utilizado é ser. Comparando-o com o verbo estar,


observamos que, no trecho dado, a realidade construída sobre ele não é con-
cebida dentro de um momento preciso, mas, simplesmente, como se fosse
para sempre, em definitivo. Para entender melhor essa diferença, reflita sobre
os dois enunciados:
1) O relógio era dourado.
2) O relógio estava dourado.
No primeiro caso, a cor dourada é uma qualidade definidora do relógio
descrito; no segundo, é uma qualidade transitória do relógio, porque ele pos-
sui essa qualidade naquele momento e poderá deixar de existir um tempo
depois. Quando, no primeiro caso, falamos de qualidades definidoras não
estamos querendo dizer eternas, mas sim, que este é seu estado mais constan-
te, mais representativo. A realidade assim construída situa-se num momento
muito menos preciso que aquela que se assenta sobre o verbo estar. Compare
as descrições colocadas abaixo:
1) A rua é suja. Esgotos à vista. As pedras são mal dispostas. As casas, imundas.


 

2) A rua está suja. Esgotos à vista. As pedras estão mal dispostas. As casas
estão imundas.
A realidade construída nas duas descrições é vista de forma diferente: na
primeira, desolação e sujeira parecem ser definidoras da própria rua, parece
que a rua sempre está dessa maneira. Na segunda, desolação e sujeira são esta-
dos temporários, acidentais. Podemos perceber, então, que tanto é possível des-
crever um momento determinado, preciso, quanto um momento amplo e inde-
finido. No entanto, note que a realidade fixada pela descrição é sempre particu-
lar, um estado entre outros possíveis: é a fixação de um momento, não de algo
essencial àquela realidade. Dizer que “a rua é imunda” é dizer de um estado em
que essa rua determinada, particular, encontra-se por um tempo qualquer.
Finalizando esta unidade, para que você compreenda bem, é bom lembrar
que a afirmação de que na descrição não há uma evolução interna que favore-
ça a transformação não significa, de maneira alguma, que não haja movimen-
to interior da realidade construída. A realidade como um todo é que é estática,
e o movimento que porventura haja nela é um movimento contínuo, que não
provoca evolução interna.
A cidade ficava entre o rio e o mar, praias belíssimas, os coqueiros nascendo ao
largo de todo o areal. Um poeta, que certa vez passara por Ilhéus e dera uma confe-
rência, a chamara de “cidade das palmeiras ao vento” numa imagem que os jornais
locais repetem de quando em vez.

A verdade, porém, é que as palmeiras apenas nasciam nas praias e se deixavam


balançar pelo vento. A árvore que influía em Ilhéus era a árvore do cacau, se bem
que não visse nenhuma em toda a cidade. Mas era ela que estava por detrás de toda
a vida de São Jorge de Ilhéus (...) E sobre a cidade pairava, vindo dos armazéns de
depósito, dos vagões da estrada de ferro, dos porões dos navios, das carroças e da
gente, um cheiro de chocolate que é cheiro de cacau seco.

(In: Terras do Sem-Fim de Jorge Amado. Rio de Janeiro: Record, s.d., p. 184).

Como se pode verificar pelo texto acima, um texto descritivo pode conter
movimentos (no caso há o movimento do vento que balança as folhas das
palmeiras e que também espalha o cheiro do cacau), assim como ser construído
a partir de outros verbos que não “ser” e “estar”. O que é realmente funda-
mental para a existência da descrição é o fato de que os verbos se encadeiam,
não progridem, não chegam a compor uma realidade que evolui.
Veja, a seguir, como uma empresa automobilística divulga um novo carro
em uma revista de circulação nacional, em uma seção específica de orienta-
ção para o consumidor. Por meio da descrição, o leitor fica sabendo como é a
nova perua da Toyota: possui uma linha esportiva, suspensão macia, bom es-
paço interior, os vários acessórios que tornam o carro especial, os opcionais,
todos elementos que podem fazer a diferença na hora da compra.
Outra perua na praça

Ao transformar o bem-sucedido Corolla em uma perua, batizada Fielder, a Toyota


procurou um visual levemente esportivo. Só o consumidor dirá se retoques como a
máscara que escurece os faróis ou a grade dianteira preta vão conferir à Fielder a
imagem jovem da concorrente Marea Weekend. As qualidades sensíveis do novo
carro são suspensão macia, bom espaço interior e ótima visibilidade. Muitos aces-
sórios importantes são de série, como airbag duplo, ar-condicionado, freios ABS e


  -   

travas e vidros elétricos, detalhes que levam o preço aos 56 000 reais (na versão com
câmbio manual), contra os 47 000 de uma Weekend básica. Por mais 4 000 reais,
leva-se o câmbio automático, que torna um tanto lenta a reação do motor 1.8 de 136
cavalos. Os opcionais são rack de teto, sensor de aproximação no pára-choque e
faróis de neblina. Uma curiosidade: a Toyota fez mágica contra famílias grandes
num veículo originalmente concebido para casais com filhos. O porta-malas de 411
litros é menor que o do Corolla sedã, que tem 26 a mais.
Editado por André Fontenelle. Colaboraram Helena Fruet e Tatiana Schibuola
(in Veja- 26 de maio de 2004, p. 111- Seção Guia – Carro Novo).

Atividades
1- Uma experiência bastante enriquecedora e interessante para aguçarmos
nossos sentidos, os canais que nos fazem perceber as características surpreen-
dentemente novas dos objetos que nos rodeiam, é o levantamento sensorial,
ou seja, o exercício das sensações. Vamos começar: nós propomos um objeto
e você procura percebê-lo da forma mais detalhada possível, levando em con-
sideração todos os sentidos, todas as maneiras possíveis de descrevê-lo – a
visão, o tato, a audição, o olfato, o gosto.
O objeto que propomos é: LÂMPADA.
Agora, escolha você mesmo um objeto e refaça a experiência.
2- Elabore uma pequena descrição do quarto de um adolescente fanático por
futebol.
3- Descreva, em apenas um parágrafo, um ambiente físico: a sala de aula
onde você estuda, ou a rua em que você vive.
4- Leia o texto a seguir:

Lua de São Jorge


lua de são Jorge lua de são Jorge
lua deslumbrante brilha sobre os mares
azul verdejante brilha sobre o meu amor
cauda de pavão
lua de são Jorge
lua de são Jorge lua soberana
cheia branca inteira nobre porcelana
oh minha bandeira sobre a seda azul
solta na amplidão
lua de são Jorge
lua de são Jorge lua da alegria
lua brasileira não se vê um dia
lua do meu coração claro como tu
lua de são Jorge lua de são Jorge
lua maravilha serás minha guia
mãe irmã e filha no brasil de norte a sul
de todo esplendor
lua de são Jorge
brilha no altares
brilha nos lugares
onde estou e vou

(Caetano Veloso in: Literatura Comentada. Abril Cultural, 1981, p. 84).


 

O texto que você acabou de ler descreve muitas facetas da lua de São
Jorge. Escolha uma das perspectivas apresentadas pelo locutor e crie um pará-
grafo descritivo.

SUGESTÕES DE LEITURA

- Observe o início do romance Ensaio sobre a cegueira de José Saramago.


São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Veja como o autor trabalha a des-
crição.

Um dia normal na cidade. Os carros parados numa esquina esperam o sinal


mudar. A luz verde acende-se, mas um dos carros não se move. Em meio às buzinas
enfurecidas e à gente que bate nos vidros, percebe-se o movimento da boca do
motorista, formando duas palavras: Estou cego.

Fica aqui essa breve introdução para que você se interesse pela obra e
procure ler. Vale a pena!
- Outra sugestão é pegar um filme em uma locadora ou ir ao cinema. Veja
como as cenas que focalizam paisagens, ambientes ou objetos revelam, na
linguagem cinematográfica, aquilo que você faria com as palavras para a
elaboração de um texto escrito. Uma dica é o filme Janela da alma – um
filme sobre o olhar. Trata-se de um documentário de João Jardim e Walter
Carvalho, 2001, Brasil.


Unidade 3

Narração
Organizadores
Maria Lúcio V. de
Oliveira Andrade
Leia o texto que segue Neide L. Rezende
Naquele dia de abril andava eu pelas ruas numa espécie de sonambulismo, com Valdir Heitor
a impressão de que o outono era uma opala dentro da qual estava embutida a minha Barzotto
cidade com as suas gentes, casas, ruas, parques e monumentos, bem como esses Elaboradora
navios de vidrilhos coloridos que os presidiários constroem pacientemente, peda-
Maria Lúcio V. de
cinho a pedacinho, dentro das garrafas. Veio me então o desejo de compor uma Oliveira Andrade
sonata para a tarde. Comecei com um andantino melancólico e brinquei com ele
durante duas quadras, com a atenção dividida entre a música e o mundo. De súbito
as mãos sardentas dum de meus alunos puseram-se a tocar escalas dentro de meu
crânio, com uma violência atroz, e lá se foi o andantino... Fiquei a pensar contrari-
ado nas lições que tinha de dar no dia seguinte. Ah! A monotonia dos exercícios, a
obtusidade da maioria dos discípulos, a incompreensão e a impertinência dos pais!
Devo confessar que não gostava da minha profissão e que, se não a abandonava, era
porque não saberia fazer outra coisa para ganhar a vida, pois repugnava-me a idéia
de tocar músicas vulgares nessas casas públicas onde se dança, come e bebe à noite.
(Érico Veríssimo. Sonata. Porto Alegre: Globo, 1978, p. 61).

Temos aí uma pequena narração. O que Érico Veríssimo fez para narrar?
Entre as várias respostas possíveis podemos citar:
- O autor relatou um fato.
- O autor contou uma história.
- O autor falou de um acontecimento.
Qualquer uma dessas respostas assinala o fato de que o autor se utilizou
da língua e construiu no discurso um fato, uma história ou um acontecimento.
O fato, a história, o acontecimento são por nós, leitores, conhecidos apenas
pelo discurso do autor. Você poderia discordar da idéia de que um discurso
cria um acontecimento, uma vez que este poderia ocorrer independentemente
do fato de ser narrado: um professor de música poderia desejar compor uma
sonata sem que isso tivesse sido narrado. No entanto, pense que uma vez
narrado, é através do discurso que você passa a conhecer o acontecimento e
que o acontecimento narrado não é mais o original, mas algo criado pelo
autor do discurso. Por essa razão é que podemos dizer que o autor construiu,
através da linguagem, um fato, uma história, um acontecimento.
Entretanto, o que significa fato, história, acontecimento? Examinemos no-
vamente o texto. Ele se inicia apresentando a época e o local onde o narrador-
 

personagem caminhava. Até aí, o autor não chegou a definir um fato, história
ou acontecimento. Na verdade, trata-se de elementos aos quais o autor atri-
buiu existência, sem que algo tenha ocorrido. Somente a partir do momento
em que diz; “Veio-me então o desejo de compor uma sonata” é que passa a
haver o fato, a história, o acontecimento. Em outras palavras, somente a partir
do instante em que começa “a se passar algo” com um dos elementos situados
anteriormente, no caso com o narrador-personagem, é que se pode dizer que
há o acontecimento.
Assim, relatar um fato, contar uma história, falar de um acontecimento,
significa construir uma realidade que se altera, se transforma e que, por isso
mesmo, é passageira. Essa realidade pode estar relacionada a alguma coisa
que se passa interna ou externamente com o autor, ou pode, perfeitamente, ser
inventada, sem nunca ter acontecido.
Retornemos, agora, ao texto que nos serviu de ponto de partida. O autor
revela o seu desejo de compor uma sonata, mas de repente é interrompido
pela lembrança das lições executadas por um de seus alunos. No final, revela
que não gostava de sua profissão, mas que não a abandonava por não saber
fazer outra coisa.
Você notou que esse texto relata as mudanças progressivas de estado que
vão ocorrendo com o narrador-personagem. Nesse tipo de texto, que é a nar-
ração, os episódios e os relatos estão organizados numa distribuição tal que
entre eles existe sempre uma relação de anterioridade e posterioridade, reve-
lando uma progressão no tempo. Essa relação é sempre fundamental em um
texto narrativo, mesmo que a narrativa seja psicologia (o texto começa pelo
clímax e há um retorno no tempo, provocado pelas memórias de um persona-
gem, para que o leitor saiba o que ocorreu desde o início da trama).
A título de ilustração, observe o texto a seguir:
Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no
campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra
no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele
provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como
foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela
chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao
sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após os exames, o Dr. Epaminondas
abanou a cabeça:
—Não há nada a fazer, Dona Colo. Este menino é mesmo um caso de poesia.
(in: Contos Plausíveis de Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1981, p. 24).

Como se pode verificar, o texto acima é uma narração, dado que relata
fatos ocorridos com a personagem Paulo, evidenciando relações de anteriori-
dade e posterioridade entre os episódios relatados.
Você nota que cada momento da narrativa está intimamente ligado com o
outro:
Ao contar que tinha visto dois dragões-da-independência cuspindo fogo,
Paulo recebeu um castigo de sua mãe; na semana seguinte contou que havia


  -   

caído um pedaço da lua no pátio da escola, então sua mãe deixou-o sem sobre-
mesa e ficou sem jogar futebol; quando disse que tinha visto todas as borboletas
da Terra passarem pela Terra, a mãe resolveu levar o garoto a um médico.
Há, portanto, entre os enunciados que representam momentos de evolu-
ção da narrativa, um encadeamento necessário: um enunciado está sempre
relacionado com os anteriores e os posteriores.
Note ainda que os enunciados que consideramos essenciais no desenvol-
vimento do texto podem ser ligados por partículas do tipo “então”, “daí”,
“depois”, etc.
- Um dia Paulo chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-
independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
- Então, a mãe botou-o de castigo (...).
- Na semana seguinte, ele veio contando que caíra no pátio da escola um
pedaço de lua (...).
A possibilidade de você colocar tais partículas entre os enunciados mostra
que existe uma dependência temporal entre eles: um enunciado é conse-
qüência do anterior no tempo. A progressão temporal que se estabelece entre
os enunciados constitui a maneira mais corrente pela qual uma língua possibi-
lita construir uma narração.
Passando a um novo ponto referente ao ato de narrar, retornemos aos enun-
ciados anteriores, tomando os dois elencados abaixo:
- Um dia Paulo chegou em casa dizendo (...).
- A mãe botou-o de castigo (...).
Ao lado da relação de tempo existente (segundo posterior ao primeiro), há
uma relação entre esses enunciados que se tornará mais clara se refletirmos
um pouco mais sobre eles: a ação de Paulo dizer algo provoca uma reação por
parte de sua mãe: colocá-lo de castigo.
“Dizer” provoca “botar”. Há, portanto, dois processos conseqüentes nes-
se pequeno trecho; se você atentar para o encadeamento desses enunciados,
você perceberá que há uma classe de palavras sobre as quais se assenta tanto
o encadeamento de ações quanto a relação de conseqüência e a dependência
temporal: é a classe dos verbos, observável em “dizer”, “botar”. Esta classe
constitui o suporte do texto narrativo.
Cabe ainda apontar que numa narrativa os acontecimentos de cada verbo
devem ser ligados a elementos a quem são atribuídos esses acontecimentos:
Em relação aos enunciados anteriormente analisados, temos:
- Paulo _________________ chegou em casa dizendo.
- A mãe _________________ botou-o de castigo.
Temos aí dois elementos distintos para os quais ocorrem os acontecimen-
tos expressos pelos verbos: “Paulo” e “a mãe”. A esses elementos, aos quais
são atribuídos os acontecimentos expressos pelo verbo, dá-se o nome de per-
sonagens, que podem ser ou não seres humanos: o importante é que a eles
sejam atribuídos os acontecimentos fundamentais para a narrativa.
Falta ainda identificarmos um elemento fundamental: a ordenação dos acon-
tecimentos, bem como a atribuição desses acontecimentos na composição de


 

uma narrativa, que é feita por alguém. Trata-se do sujeito do texto, que nesse
caso recebe o nome de narrador e que tem sempre um papel fundamental
dentro do texto, embora nem sempre seja possível percebê-lo diretamente.
As narrativas podem ser escritas em primeira pessoa (narrador-persona-
gem) ou em terceira pessoa (narrador-onisciente). Quando a narrativa é
construída em primeira pessoa, o narrador é uma pessoa que participa dos
acontecimentos ao mesmo tempo em que sente e pensa sobre eles (como vi-
mos no texto Sonata de Érico Veríssimo). Já um narrador em terceira pessoa
faz mais do que relatar acontecimentos: pode, por exemplo, adivinhar o que
se passa por detrás deles, pode saber o que as pessoas sentem e pensam...
Observe este texto narrado em terceira pessoa. A capacidade de adivinhar do
locutor dá ao texto sua dimensão mais extraordinária: desvendar-nos o que as
personagens sentem e pensam a cada instante:
Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando o seu comprimento.
Desprevenido, acostumado, cachorro.
A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado o cachorro estacou
diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá
estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemen-
te, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passa-
va? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela
passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
O pêlo de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapida-
mente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-
se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
(Tentação. In: A Legião Estrangeira de Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Ed. do
Autor, 1964, p. 68).

ATIVIDADES
1- Elabore um texto narrativo, dinamizando os fatos apresentados pelo poema
seguinte:
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro
da Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(Libertinagem de Manuel Bandeira)

2- Leia o texto a seguir:


Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer
a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não
foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano,
a imagem de relance no espelho.


  -   

Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio
aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada.
Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar parte
de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam e eu
ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia, como a última luz
na varanda.
E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero na salada – o
seu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? As suas violetas, na janela, não
lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa, calço a meia furada.
Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os
outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
(Os Mistérios de Curitiba de Dalton Trevisan).

Seguindo o mesmo estilo e estrutura do texto de Dalton Trevisan, elabore uma


redação cujo narrador seja:
a) A mulher que, sofrendo com a ausência do marido, escreve-lhe para voltar
para casa.
b) O filho, que sentindo a ausência do pai meses após o divórcio, suplica-lhe
para voltar.
c) O pai que, após desentendimentos com o filho, pede-lhe que volte para
casa.
3- Outra proposta de redação: tente elaborar uma narrativa que relate as se-
guintes transformações de estado:
a) um personagem é pobre;
b) ganha na loteria;
c) quando rico, é visitado por um amigo dos tempos em que era pobre.

4- Leia os textos a seguir:

Ninguém sobrevive a acidente no Canadá


Alessandro Blanco – de Nova York
Um avião da Swissair que levava 229 pessoas caiu na noite de anteontem próxi-
mo à costa de Nova Escócia, no Canadá, cerca de duas horas depois de ter decolado
do aeroporto internacional JFK, em Nova York, com destino a Genebra, Suíça. Não
há indícios de sobreviventes.
A aeronave, um MD-11, levava 215 passageiros – 136 americanos, 30 franceses,
28 suíços, seis ingleses, três alemães, três italianos, dois gregos e um de cada um dos
seguintes países: Arábia Saudita, Iugoslávia, Afeganistão, Irã, Espanha, Rússia e St.
Kitts e Nevis (ilha caribenha). Entre os 14 tripulantes, havia um americano. Os
demais eram suíços.
Ainda não se sabe a causa do acidente.Pouco antes de cair, o piloto do vôo 111
avisou pelo rádio que havia fumaça na cabine e vazamento de grande quantidade
de combustível e pediu aos controladores de vôo canadenses para fazer uma aterris-
sagem de emergência em Boston (EUA).
O piloto foi então informado de que estava a 190 milhas de Boston e a 40 milhas
de Halifax, Nova Escócia (Canadá), onde poderia aterrissar. Cerca de 30 minutos


 

depois de informar sobre a fumaça na cabine, a aeronave desapareceu do radar,


segundo as autoridades aéreas canadenses.
(Folha de S. Paulo, 04/09/1998)

O grande desastre aéreo de ontem


Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com
a hélice. E o violinista, em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua
cabeleira negra e seu estradivárius. Há mão e pernas de dançarinas arremessadas na
explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo
sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos
poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais
rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se
dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser
o pára-quedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu
como um cometa. E o sino, que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados
pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormin-
do, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem
como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as
nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.
( in: Poesia. De Jorge de Lima. 3.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1975, p. 64-5)

Observe que ambos os textos relatam acidentes aéreos. O primeiro, por


ser um texto jornalísticos, é objetivo e visa à informação. Por outro lado, o
texto de Jorge de Lima apresenta o ato de narrar de uma maneira poética,
sintetizando e cristalizando as emoções do narrador.
Como você faria se tivesse de narrar um acontecimento trágico? Escolha
uma das duas possibilidades apresentadas e redija o seu texto.

SUGESTÕES DE LEITURA
– O livro As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, Companhia das Letras, 1990.
É uma reunião de textos curtos. Nessa obra, o legendário viajante Marco
Pólo traz notícias a Kublai Khan, o famoso conquistador mongol, das inú-
meras cidades englobadas por seu imenso império. Transcrevemos para você
o trecho inicial dessa fascinante narrativa:
Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Pólo quando este
lhe descreve as cidades visitadas em suas missões diplomáticas, mas o imperador
dos tártaros certamente continua a ouvir com a maior curiosidade e atenção do que
a qualquer outro dos seus enviados ou exploradores...
– Consulte os sites www.candango.com e www.adorocinema.com em ambos
você vai encontrar comentários sobre os filmes que estão sendo exibidos
atualmente nas salas de cinema, bem como resenhas a respeito dos últimos
lançamentos da indústria cinematográfica nacional e internacional. No site
“adorocinema”, o jornalista Roberto Cunha fala sobre os mais recentes lan-
çamentos nos cinemas nacionais.
Ao assistir a filmes, você pode apreciar como a narrativa é contada, como
se desenvolve, a partir de que ponto de vista, que efeito de sentido seu autor
busca atingir.


Unidade 4

Dissertação
Organizadores
Maria Lúcio V. de
Oliveira Andrade
Leia o texto que segue: Neide L. Rezende
Valdir Heitor
A televisão transforma, desfaz e cria hábitos. Os arquitetos já precisam prever,
Barzotto
em seus projetos, um espaço especial para os receptores de TV. A classe média se
orgulha de exibir seus aparelhos, a alta burguesia e a possível aristocracia os escon- Elaboradora
dem: a escolaridade é inversamente proporcional à televisualidade... Os espetácu- Maria Lúcio V. de
los e os eventos são montados tendo em vista o olho grande da TV: este foi um dos Oliveira Andrade
ponderáveis motivos por que os imponentes espetáculos dos funerais dos papas
Paulo VI e João Paulo I e da consagração desse último foram montados na Praça de
São Pedro e não no interior da basílica... E seria um não mais acabar de exemplos e
considerações, sendo suficiente que se diga, enfim, que a própria noção de cultura
não pode hoje ser debatida sem levar-se em conta a presença dos mass media – a
televisão, em especial.

(Décio Pignatari. Signagem da televisão. São Paulo: Brasiliense, 1984)

Como se pode perceber, esse texto é uma dissertação, pois nele o locutor
pretende construir uma reflexão, buscando captar o que a televisão significa
na vida cotidiana e na cultura de um povo. Nota-se que o locutor teceu sobre
a televisão uma série de pensamentos generalizantes: pensou em como ela
está presente nas casas, como os espetáculos são montados visando a ser trans-
mitidos via TV, como ela altera a noção de cultura. A partir da reflexão, o
locutor busca sair dos limites específicos de uma realidade fixada no tempo
(como ocorre na descrição de um objeto particular, concreto) para especular
sobre seus aspectos mais gerais.
Desse modo, podemos dizer que o locutor interpreta e analisa, através de
conceitos abstratos, os dados concretos da realidade; esses dados funcionam
como recursos de confirmação ou exemplificação das idéias abstratas que
estão sendo discutidas. Ainda que na dissertação não exista, em princípio,
progressão temporal entre enunciados, eles mantêm relações lógicas entre si,
o que impede de se alterar sua seqüência.
Levando em conta o caráter generalizante e reflexivo da dissertação, pas-
semos ao estudo dos elementos lingüísticos que podem favorecer a criação
desse tipo de discurso. Vamos tomar como ponto de partida o texto a seguir:

Durante séculos não fizemos outra coisa que acumular conhecimentos. Da fissura
do átomo ao mecanismo da vida. Do entendimento da psicologia do homem ao
 

entendimento das leis que regem a sociedade. Os jornais, as revistas e as estações de


rádio e televisão, atualizando a escola e complementando o livro, mantêm-nos em
dia com tudo o que acontece e informam-nos do que pensam todos a respeito de
tudo. Teoricamente, o homem de hoje, criatura tomada isoladamente, é mais sábio
que o homem de ontem. Na prática, isso não é verdade. Enquanto cresce a sabedoria
da Humanidade no seu conjunto, decresce a sabedoria relativa do homem isolado.
Simplesmente, porque existem quantidades cada vez maiores de conhecimentos
que ficam fora do alcance de cada homem em particular, mesmo na faixa estreita do
conhecimento especializado.

(In: Aonde Vamos? De Hannes Alfvén, Prêmio Nobel de Física de 1970).

Nesse texto, você nota um ponto importante: alguns dos enunciados são
ditos na primeira pessoa do plural:
1- Durante séculos não fizemos outra coisa que acumular conhecimentos.
2- Os jornais, as revistas e a estações de radio e televisando (...) mantêm-nos
em dia com tudo o que acontece e informam-nos do que pensam todos a
respeito de tudo.

O uso da primeira pessoa do plural, nesses casos, tem uma função específi-
ca: a de incluir o locutor dentro de uma classe bem ampla de elementos. As-
sim, ao dizer “não fizemos outra coisa que acumular conhecimentos” ou “man-
têm-nos em dia com tudo o que acontece e informam-nos do que pensam
todos a respeito de tudo”, o locutor está se referindo à classe dos seres huma-
nos em geral.
A partir desses exemplos, podemos dizer que o objeto de reflexão é uma
classe em geral (os seres humanos) e que o locutor não fala em seu próprio
nome, mas em nome de toda uma classe, quer dizer, o sujeito da reflexão é
uma classe geral (no caso, os seres humanos).
Essas observações levam-nos a concluir que, em geral, na dissertação, o
locutor não responsabiliza apenas a si pelo que afirma ou, quando o faz, sali-
enta que se trata de uma opinião ou verdade.
O texto dissertativo de caráter científico deve ser elaborado de maneira a
criar um efeito de sentido de objetividade, pois pretende destacar as afirma-
ções feitas (ao enunciado) e não o aspecto subjetivo de quem as proferiu. É
claro que se trata de um recurso lingüístico, dado que sempre por trás de um
texto estará aquele que o produziu (o enunciador) e sua respectiva visão de
mundo.
Para neutralizar a presença do enunciador, usam-se certos procedimentos
lingüísticos que passaremos a destacar:
a) Evitam-se os verbos de dizer na 1a. pessoa (digo, penso, acho, creio, afir-
mo, etc.), procurando eliminar a idéia de que o conteúdo de verdade conti-
do no enunciado seja a simples opinião de quem o proferiu, e sugerir que o
fato se impõe por si mesmo.
Não se diz, portanto:

Eu penso que a exploração indiscriminada da floresta amazônica pode acarretar


ao país e ao planeta sérios inconvenientes.

Mas simplesmente:


  -   

A exploração indiscriminada da floresta amazônica pode acarretar ao país e ao


planeta sérios inconvenientes.
b) Se, eventualmente, são utilizados verbos de dizer, devem indicar certeza e,
nesse caso, o sujeito se dilui sob a forma de um elemento de significação
ampla e impessoal, indicando que o enunciado é fruto de um saber coleti-
vo. Desse modo, o enunciador vem generalizado por um nós, ou é indeter-
minado, como nos exemplos:

Temos bases para afirmar que a emancipação indígena significará a extinção


dessa cultura
Pode-se garantir que a emancipação indígena...
Constata-se que a emancipação indígena...

c) Nesse tipo de discurso, deve-se usar a língua padrão na sua expressão for-
mal, não se ajustando, portanto, o uso de gírias ou qualquer outro uso lin-
güístico distanciado da variante culta e formal da língua.
Além de procurar neutralizar o enunciador, o discurso dissertativo de ca-
ráter científico deve destacar o valor de verdade dos enunciados. Esse valor é
criado pela fundamentação das idéias e pela argumentação.
Vamos apresentar alguns recursos que servem para fundamentar o texto
dissertativo e aumentar seu poder de persuasão.

1- O argumento de autoridade
Apóia-se no saber notório de uma autoridade reconhecida em certa área
do conhecimento, trazendo credibilidade ao texto. Para isso, o enunciador faz
uso da citação. Observe o enunciado a seguir:
Conforme afirma Kabengele Munanga, o movimento da negritude foi criticado
por querer unir artificialmente povos geográfica, histórica e culturalmente diferen-
tes, que se inserem no contexto das civilizações com motivos e destinos econômi-
co-políticos diversos.

2- O apoio do consenso
Certos enunciados não exigem demonstração ou provas porque seu con-
teúdo é aceito como válido por consenso em um espaço sociocultural. Veja o
seguinte enunciado:

O investimento em Educação e Saúde é indispensável para o crescimento eco-


nômico de um país.

3- A comprovação por experiência ou observação


A verdade de um enunciado pode ser comprovada por documentação que
confirme sua validade.
Ver como foi concebida a literatura desde que o homem começou a registrar as
suas preocupações com ela, é de certa forma, ficar sabendo como os que tinham e
têm acesso a voz e voto a conceberam. Desde os gregos, criou-se uma linhagem de
definições que, embora muitas vezes conflitantes, têm em comum sua origem letrada.
(in: O que é literatura? de Marisa Lajolo. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 48).


 

4- A fundamentação lógica
A argumentação pode ser apresentada com base em operações de racio-
cínio lógico, tais como: implicações de causa e efeito, conseqüência e causa,
condição e ocorrência, entre outras.

Por trabalhar com fenômenos apresentados de maneira aparentemente objetiva,


como se fosse a mera e simples apresentação de fatos puros, tais como realmente
ocorreram, a imprensa adquire uma aparência de neutralidade que assegura a confi-
ança da maioria dos leitores. Mas essa neutralidade não é real. As notícias interna-
cionais são distribuídas por agências especializadas, principalmente as americanas
Associated Press e United Press International, onde se selecionam as informações
segundo os interesses econômicos e políticos dos grupos que as controlam. Essas
informações são enviadas às redações, onde, juntamente com as notícias locais, são
novamente selecionadas, agora com observância de outros critérios, determinados
pelo interesse dos proprietários dos jornais ou dos que neles anunciam. Dessa for-
ma, a imprensa acaba por constituir um elemento de manipulação de grupos inter-
nacionais e nacionais que só permitem a transmissão daquelas mensagens que pos-
sam reforçar sua ideologia.

(In: O que é propaganda ideológica? de Nelson Jahr Garcia, São Paulo: Brasiliense,
1985).

Note que o objetivo do texto, provar que não existe neutralidade na im-
prensa, é obtido por meio da exposição de causas e conseqüências. Conside-
rando-se a dualidade apontada pelo enunciador: aparência e realidade, é pos-
sível dividir o texto em duas partes:
– aparência: compreende o primeiro período
Causa: a imprensa trabalha com fatos apresentados de maneira objetiva.
Conseqüência: aparência de neutralidade e confiança da maioria dos leitores.

– realidade: desde “Mas essa neutralidade” em diante.


Causa: informações internacionais ou locais são selecionadas segundo critéri-
os econômicos e políticos.
Conseqüência: a imprensa acaba por constituir elemento de manipulação da
ideologia de grupos internacionais e nacionais.

ATIVIDADES
1- Quais os elementos lingüísticos presentes no texto de Manuel Bandeira,
colocado a seguir, que contribuem para que ele seja considerado uma dis-
sertação:

O rio
Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,


  -   

Refleti-las também sem mágoa


Nas profundidades tranqüilas.

2- Redija um texto em três parágrafos, com a seguinte estrutura:


a) mostrar as vantagens da especialização;
b) mostrar as desvantagens da especialização;
c) propor uma solução para o impasse.

3- Procure rever as características do texto dissertativos e exponha seus argu-


mentos relacionando os seguintes enunciados:

Esperar é reconhecer-se incompleto.


(Guimarães Rosa).

Quem espera sempre alcança.


Três vezes salve a esperança
Louvo quem espera sabendo
Que pra esperar
Procede bem quem não pára
De sempre mais trabalhar
Que só espera sentado
Quem se acha conformado
(Gilberto Gil e Torquato Neto).

Como você viu até aqui, a dissertação exige que seu produtor defenda
uma opinião, um ponto de vista. Para tanto, é preciso expor, analisar e/ou
discutir um problema. Agora, vamos trabalhar com alguns possíveis procedi-
mentos para se expor um problema.

Como expor um problema


Para sustentar uma afirmação, desenvolver um ponto de vista, participar
uma opinião, é preciso, inicialmente, que você informe o leitor dessa discus-
são. É necessário também justificar a razão que o leva a abordar o problema


 

Você pode abordar um problema baseado em um acontecimento ou em


declarações lidas ou ouvidas.
1a. etapa – abordar um problema baseado em um acontecimento.
Acontecimento: A cada ano os acidentes de moto tornam-se mais numerosos.
Domingo passado, quatro jovens mataram-se por imprudência. As duas mo-
tos rodavam a mais de 150 km/h e derraparam na curva.
Para expor um problema baseando-se nesse acontecimento, você pode
utilizar várias estruturas da língua. Vejamos algumas:
a) Acontecimento x Problema:
Há alguns dias, mais quatro jovens mataram-se num acidente de moto.
Esse lamentável acontecimento apresenta mais uma vez o problema da im-
prudência dos jovens sobre “as duas rodas”.
b) Acontecimento x Problema:
A cada ano que passa o número de acidentes sofridos por jovens motoci-
clistas não cessa de crescer. Foi o que ocorreu domingo passado com quatro
jovens que encontraram a morte a mais de 150 km/h. Quando alguém se
decidirá, enfim, a tomar as medidas necessárias para a solução do problema?
c) Problema x Acontecimento:
É imprescindível, num futuro próximo, rever o problema da utilização
de motos por jovens. O acidente ocorrido domingo passado, no qual quatro
jovens morreram, mostra que é preciso tomar algumas providências.

4- Procure agora criar um parágrafo dissertativo. O tema é a violência no


futebol. Como você começaria o seu parágrafo, a partir de um acontecimento
relacionado a esse problema? Para desenvolver seu parágrafo, escolha uma
das possibilidades apontadas anteriormente.

2a. etapa – abordar um problema baseado em afirmações.


Afirmações:

– A televisão é prejudicial às crianças.


– Ela não desenvolve o raciocínio, nem desperta a criatividade.
– O telespectador assume, diante da TV, um comportamento passivo.

Veja algumas possibilidades:


a) Afirmação x Problema
A televisão é prejudicial às crianças. Ela não desenvolve o raciocínio, nem
desperta a criatividade. Essas são algumas das afirmações freqüentemente
ouvidas a respeito da influência da televisão. Serão exatas?


  -   

b) Afirmação x Problema
Fala-se muito, atualmente, que a televisão é prejudicial às crianças. Não
desenvolve o raciocínio, nem desperta a criatividade. A questão está coloca-
da: a influência que a televisão exerce no desenvolvimento cultural de uma
criança.
c) Problema x Afirmação
É verdade que a televisão é prejudicial às crianças por não desenvolver o
raciocínio, nem despertar a criatividade, como afirmam muitas pessoas?
5- Agora procure abordar o problema relacionado à destruição da natureza.
Para a desenvolvê-lo, formule inicialmente as afirmações:

6- Procure abordar o problema relacionado à massificação do homem. Para a


desenvolvê-lo, formule inicialmente as afirmações:

Para desenvolver o texto a partir do problema proposto, você precisa ana-


lisar esse problema. Para ajudar o leitor a acompanhar seu raciocínio, é neces-
sário, muitas vezes, indicar a maneira como você organiza as suas idéias. Para
isso, podem ser utilizadas palavras relacionais.

Para começar a análise


- Precisamos, inicialmente, observar...
- Deve-se analisar, primeiramente...
- A primeira observação será relativa a...
- Analisemos, em primeiro lugar...
...as horas diárias que uma criança dedica aos programas de televisão.


 

Para insistir no problema


- Não podemos esquecer que...
- É necessário frisar, por outro lado, que...
- É preciso insistir também no fato de que...
- Não se pode esquecer que...
...o telespectador assume diante da televisão uma atitude passiva.

Para concluir a análise


- Conseqüentemente...
- Por isso...
- Em suma...
- Definitivamente...
- Nesse sentido...
...parece que a opinião segundo a qual a televisão e prejudicial à criança
corresponde à realidade.

7- Desenvolva o seguinte tema: O desemprego.


Procedimentos:
a) apresente o problema, relacionando-o com acontecimentos ou afirmações
lidas ou ouvidas.
b) formule argumentos que demonstrem o tema proposto.
c) elabore o seu texto, utilizando os termos relacionais.
Para auxiliar você na elaboração de seu texto, leia o editorial da Folha de
S. Paulo, publicado em 27 de maio de 2004, p. 2.

Crescer e empregar

Os dados relativos ao emprego e à renda divulgados pelo IBGE vão na mesma


direção daqueles apurados pela Fundação Seade e pelo Dieese na região metropo-
litana de São Paulo: em abril houve aumento de vagas, mas a procura superou a
oferta. Com o isso, o levantamento do IBGE nas seis principais concentrações
urbanas do país apresentou uma taxa recorde de desemprego: 13,1%. Por mais que
o aumento de vagas seja um sinal positivo, o quadro continua desolador. Dos 460mil
novos postos de trabalho, 81,5% surgiram no mercado informal.

Para tornar o cenário ainda mais preocupante, a renda média dos trabalhadores,
que havia crescido por três meses consecutivos, voltou a cair. Uma explicação para
esse fenômeno é o aumento do trabalho informal, uma vez que a renda média de um
empregado sem carteira é de R$ 542, 30 e a do trabalhador formal é de R$ 906,70.
O acréscimo de pessoas em busca de emprego, segundo o IBGE, poderia ser expli-
cado pela necessidade de recompor a renda familiar.

O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoin, numa interpretação otimista da pes-


quisa, afirmou que o “resultado reflete o estágio da economia quando ela ganha
velocidade e se acelera. Isso aumenta a velocidade das pessoas que voltam ao
mercado de trabalho”. O ministro acredita que já no segundo semestre os índices de


  -   

desemprego começarão a cair. Mesmo que seja assim, a realidade deverá permanecer
muito aquém das expectativas criadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O quadro é complexo e exige medidas em várias frentes: da racionalização


tributária ao estímulo a setores com mais capacidade de contratar, passando pela
melhoria do nível educacional e da qualificação do trabalhador. Nada disso, porém,
será suficiente sem um processo vigoroso e contínuo de crescimento econômico. É
desanimador constatar que o governo, até aqui, tem enfrentado essas questões com
uma frenética rotina de anúncios e lançamentos de programas, mas sem os espera-
dos resultados.

SUGESTÕES DE LEITURA

– Para estar atualizado e formar uma opinião sobre os acontecimentos do


Brasil e do mundo convém que você leia, pelo menos uma vez por semana,
em sua casa ou na biblioteca de sua escola, jornais e revistas como Veja,
Época, Isto é, Carta Capital ou Caros Amigos.
Ainda em relação aos jornais, procure ler os editoriais porque eles são
textos argumentativos que buscam formar a opinião dos leitores.
– Você também pode ter acesso a jornais e revistas pela internet. Consulte os
sites www.veja.com.br, www.folhaonline.com.br, entre outros.

Sobre a autora
Profa. Dra. Maria Lúcia da Cunha Victório de
Oliveira Andrade
Doutora em Semiótica e Língüística Geral, é professora de Filologia e Lín-
gua Portuguesa da USP, autora de Relevância e contexto. São Paulo: Humanitas,
2001; e co-autora de Oralidade e Escrita: perspectivas para o ensino de lín-
gua materna. São Paulo, Cortez, 1999.


Anotações
Anotações
Anotações
Língua
Portuguesa

Organizadores
Maria Lúcia V. de Oliveira Andrade
Neide Luzia de Rezende
Valdir Heitor Barzotto

Elaborador
Waldemar Ferreira Netto
2
módulo

Nome do Aluno
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Governador: Geraldo Alckmin
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
Secretário: Gabriel Benedito Issac Chalita
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP
Coordenadora: Sonia Maria Silva

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


Reitor: Adolpho José Melfi
Pró-Reitora de Graduação
Sonia Teresinha de Sousa Penin
Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária
Adilson Avansi Abreu

FUNDAÇÃO DE APOIO À FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FAFE


Presidente do Conselho Curador: Selma Garrido Pimenta
Diretoria Administrativa: Anna Maria Pessoa de Carvalho
Diretoria Financeira: Sílvia Luzia Frateschi Trivelato

PROGRAMA PRÓ-UNIVERSITÁRIO
Coordenadora Geral: Eleny Mitrulis
Vice-coordenadora Geral: Sonia Maria Vanzella Castellar
Coordenadora Pedagógica: Helena Coharik Chamlian

Coordenadores de Área
Biologia:
Paulo Takeo Sano – Lyria Mori
Física:
Maurício Pietrocola – Nobuko Ueta
Geografia:
Sonia Maria Vanzella Castellar – Elvio Rodrigues Martins
História:
Kátia Maria Abud – Raquel Glezer
Língua Inglesa:
Anna Maria Carmagnani – Walkyria Monte Mór
Língua Portuguesa:
Maria Lúcia Victório de Oliveira Andrade – Neide Luzia de Rezende – Valdir Heitor Barzotto
Matemática:
Antônio Carlos Brolezzi – Elvia Mureb Sallum – Martha S. Monteiro
Química:
Maria Eunice Ribeiro Marcondes – Marcelo Giordan
Produção Editorial
Dreampix Comunicação
Revisão, diagramação, capa e projeto gráfico: André Jun Nishizawa, Eduardo Higa Sokei, José Muniz Jr.
Mariana Pimenta Coan, Mario Guimarães Mucida e Wagner Shimabukuro
Cartas ao
Aluno
Carta da
Pró-Reitoria de Graduação

Caro aluno,
Com muita alegria, a Universidade de São Paulo, por meio de seus estudantes
e de seus professores, participa dessa parceria com a Secretaria de Estado da
Educação, oferecendo a você o que temos de melhor: conhecimento.
Conhecimento é a chave para o desenvolvimento das pessoas e das nações
e freqüentar o ensino superior é a maneira mais efetiva de ampliar conhecimentos
de forma sistemática e de se preparar para uma profissão.
Ingressar numa universidade de reconhecida qualidade e gratuita é o desejo
de tantos jovens como você. Por isso, a USP, assim como outras universidades
públicas, possui um vestibular tão concorrido. Para enfrentar tal concorrência,
muitos alunos do ensino médio, inclusive os que estudam em escolas particulares
de reconhecida qualidade, fazem cursinhos preparatórios, em geral de alto
custo e inacessíveis à maioria dos alunos da escola pública.
O presente programa oferece a você a possibilidade de se preparar para enfrentar
com melhores condições um vestibular, retomando aspectos fundamentais da
programação do ensino médio. Espera-se, também, que essa revisão, orientada
por objetivos educacionais, o auxilie a perceber com clareza o desenvolvimento
pessoal que adquiriu ao longo da educação básica. Tomar posse da própria
formação certamente lhe dará a segurança necessária para enfrentar qualquer
situação de vida e de trabalho.
Enfrente com garra esse programa. Os próximos meses, até os exames em
novembro, exigirão de sua parte muita disciplina e estudo diário. Os monitores
e os professores da USP, em parceria com os professores de sua escola, estão
se dedicando muito para ajudá-lo nessa travessia.
Em nome da comunidade USP, desejo-lhe, meu caro aluno, disposição e vigor
para o presente desafio.

Sonia Teresinha de Sousa Penin.


Pró-Reitora de Graduação.
Carta da
Secretaria de Estado da Educação

Caro aluno,
Com a efetiva expansão e a crescente melhoria do ensino médio estadual,
os desafios vivenciados por todos os jovens matriculados nas escolas da rede
estadual de ensino, no momento de ingressar nas universidades públicas, vêm se
inserindo, ao longo dos anos, num contexto aparentemente contraditório.
Se de um lado nota-se um gradual aumento no percentual dos jovens aprovados
nos exames vestibulares da Fuvest — o que, indubitavelmente, comprova a
qualidade dos estudos públicos oferecidos —, de outro mostra quão desiguais
têm sido as condições apresentadas pelos alunos ao concluírem a última etapa
da educação básica.
Diante dessa realidade, e com o objetivo de assegurar a esses alunos o patamar
de formação básica necessário ao restabelecimento da igualdade de direitos
demandados pela continuidade de estudos em nível superior, a Secretaria de
Estado da Educação assumiu, em 2004, o compromisso de abrir, no programa
denominado Pró-Universitário, 5.000 vagas para alunos matriculados na terceira
série do curso regular do ensino médio. É uma proposta de trabalho que busca
ampliar e diversificar as oportunidades de aprendizagem de novos conhecimentos
e conteúdos de modo a instrumentalizar o aluno para uma efetiva inserção no
mundo acadêmico. Tal proposta pedagógica buscará contemplar as diferentes
disciplinas do currículo do ensino médio mediante material didático especialmente
construído para esse fim.
O Programa não só quer encorajar você, aluno da escola pública, a participar
do exame seletivo de ingresso no ensino público superior, como espera se
constituir em um efetivo canal interativo entre a escola de ensino médio e
a universidade. Num processo de contribuições mútuas, rico e diversificado
em subsídios, essa parceria poderá, no caso da estadual paulista, contribuir
para o aperfeiçoamento de seu currículo, organização e formação de docentes.

Prof. Sonia Maria Silva


Coordenadora da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
Apresentação
da área
Os módulos de Língua Portuguesa deste curso constituem uma forma de levar
você, aluno de ensino médio, a refletir sobre a sua língua materna, oferecendo sub-
sídios para melhoria e aprimoramento de seus conhecimentos lingüísticos.
Compusemos o material numa progressão que leva em conta, em primeiro lugar,
o seu processo de amadurecimento. Assim, partindo de realidades vivencialmente
próximas, o grau de abstração se intensifica dentro da cada unidade e de um módulo
para outro.
Estruturamos os módulos em torno de uma posição fundamental: os tópicos gra-
maticais e textuais constantes do currículo do ensino médio só assumem seu signifi-
cado pleno quando focalizados a partir da linguagem, entendida como faculdade
inerente ao ser humano, pela qual ele interage com seus semelhantes. Por essa razão
não fizemos uma separação rígida de assuntos, o que deturparia o caráter essencial-
mente flexível dos problemas de linguagem.
Dentro desta perspectiva, foram organizados os quatro módulos de Língua Por-
tuguesa e seus respectivos conteúdos: variabilidade da linguagem e noção de nor-
ma, morfossintaxe das classes de palavras, processos de organização da frase, orga-
nização e articulação do texto, o problema da significação e os recursos de estilo.
Preocupamo-nos com que as aulas levem você a refletir criticamente sobre sua
vivência lingüística e, em contato com as normas gramaticais vigentes, habilitem-no a
interpretar e a produzir textos representativos das mais diversas situações interacionais.
Com o material que preparamos, você terá a oportunidade de rever os pontos
mais importantes sobre a Língua Portuguesa e fazer atividades para avaliar seu pro-
gresso e possíveis dificuldades.
Procure ver essa fase de estudos como mais uma oportunidade de aprendizagem
sobre o mundo, a sociedade em que vive e sobre você mesmo. Se você entrar nela
com esse espírito, seguramente sairá dela enriquecido – não apenas de conhecimen-
tos para ingressar na Universidade, mas também de informações e pontos de vista
novos que servirão em toda a sua vida. Daí, sim, você poderá olhar o mundo com
confiança. Você pode não se transformar em um cientista, mas será sem dúvida uma
pessoa que tem conhecimentos e informações e é capaz de usá-los da melhor manei-
ra possível. Afinal, vale a pena investir em você mesmo.

Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade


Coordenadora de Língua Portuguesa
Apresentação
do módulo
Este módulo está dividido em três partes: a primeira delas aborda questões
a respeito das variantes do português, enfatizando a distribuição da língua
portuguesa entre os cinco continentes bem como a presença e a variação do
português no Brasil; a segunda aborda aspectos gráficos da língua portugue-
sa, tratando do uso das letras e da marcação do acento gráfico; e a terceira
aborda a formação das palavras e de suas classes. Esta última parte é a mais
complexa, pois trata tanto dos aspectos morfológicos das palavras, quanto da
relação que as classes de palavras estabelecem entre si, mostrando como se dá
a sua combinação em grupos de palavras e as características de coesão que
esses agrupamentos exigem. A concordância de gênero e número entre os
elementos formadores dos grupos nominais e a concordância de número e
pessoa entre esses grupos e os verbos são apresentados como os mecanismos
que estabelecem essa coesão sintagmática. O verbo também recebe uma aten-
ção particular no que tange a suas variações de modo e de aspecto, incluindo-
se aí as locuções verbais da língua portuguesa. Como neste módulo ainda não
tratamos de frases, são abordadas apenas as chamadas palavras variáveis que
compõem o sentido referencial das frases, que é o assunto de que trata cada
frase. A abordagem referente às palavras invariáveis será feita no próximo
módulo.

Waldemar Ferreira Netto*

* Waldemar Ferreira Netto é professor de Filologia e Língua Portuguesa da USP, autor de Introdução à
fonologia da língua portuguesa, São Paulo, Hedra.
Unidade 1

Distinção entre
variantes do português
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
O português no mundo Rezende
Valdir Heitor
A língua portuguesa é uma das línguas mais usadas em todo o mundo. Barzotto
Como língua materna é a sexta em número de falantes, depois do chinês Elaboradores
(mandarim), do espanhol, do inglês, do bengali e do hindi. Sua dispersão
Waldemar
ocorre principalmente na região atlântica, nos países Portugal, Brasil, Angola, Ferreira Netto
São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné-Bissau; e na costa leste da África,
em Moçambique. No extremo oriente, é falada no Timor Leste e na Região
Administrativa Especial de Macau no Território Chinês. Essa dispersão teve
início no século XVI com a expansão marítima portuguesa. Atualmente, é
falada por quase 200 milhões de pessoas em todo o mundo, como língua
oficial. Apesar dessa abrangência, a língua portuguesa mantém suas caracte-
rísticas básicas em todas as regiões.
Algumas poucas variações manifestam-se de uma forma mais evidente.
Podem ocorrer no léxico, por exemplo:

Angola Portugal Brasil


rebuçado rebuçado bala
maximbombo autocarro ônibus
chuinga pastilha elástica chiclete
muceque bairro de lata favela

É o léxico, normalmente, que é mais sujeito às diferenças perceptíveis


entre as variações das línguas. Suas origens denunciam as tendências de seus
falantes. Entre Brasil e Portugal, as diferenças lexicais são as que melhor ca-
racterizam essas tendências, por exemplo, no campo da informática. No Bra-
sil, usamos os termos ingleses mouse e site (leia-se “mause” e “saite”, respec-
tivamente) e em Portugal usam-se suas traduçãos literais rato e sítio;
aportuguesamos a grafia e a pronúncia inglesa em clique, em Portugal, optou-
se por uma palavra já existente no português: premir. Foram feitas opções
diferentes para o que era screen em inglês: em Portugal optou-se por ecrã, que
teve sua origem no francês écran, e no Brasil optamos por tela.
 

Mas não é somente no léxico que as variações mais salientes se manifes-


tam. Há também aquelas que dificultam a compreensão imediata do que ouvi-
mos: são as variações prosódicas, que ocorrem, por exemplo, na velocidade
ou no ritmo da fala, ou variações fonéticas, que ocorrem quando os sons que
ouvimos são diferentes daqueles que esperávamos ouvir em determinadas
palavras. Em Portugal, fala-se muito mais rapidamente do que no Brasil, ten-
do-se não raras vezes a nítida impressão de que as palavras não foram pro-
nunciadas inteiras: uma palavra como universidade, muito facilmente será
ouvida como “nibrisidad”. Também palavras como socorro, solução e tencio-
nar, ouviremos “sucorro”, “sulução” e “tenciunar”. Mais estranho para os
falantes brasileiros é entender que mãe e além, como na quadrinha abaixo,
podem fazer uma rima.
Minha terra não é aqui
Minha terra é mais além
Minha terra é Teixeira
Onde mora minha mãe1
Há variações menos perceptíveis que, nem sempre, dificultam a compre-
ensão entre os falantes. Por exemplo, no português falado no Brasil, usamos
com muita freqüência expressões como estou falando, estão ouvindo; em Por-
tugal, isso seria dito como estou a falar e estão a ouvir. No Brasil, diríamos
ninguém protestou contra a iniciativa; em Moçambique diriam ninguém pro-
testou a iniciativa. 1 São variações que envolvem aspectos lingüísticos que
não têm a mesma saliência do léxico e da fonética. No entanto atingem, na
maior parte das vezes, aspectos fundamentais da estrutura das línguas. Não há
como fazer prognósticos e definir que daqui a alguns séculos a língua portu-
guesa terá se dividido em outras tantas línguas. Podemos apenas afirmar que,
atualmente, há variação no uso da língua portuguesa nos diversos países em
que ela é falada, mas que ela é a mesma língua para todos.

O português no Brasil
No século XVI, quando chegaram ao Brasil, os portugueses encontraram
muitas comunidades indígenas falantes de línguas muito diferentes da língua
portuguesa. Na maior parte do litoral, essas comunidades falavam línguas que
pertenciam à família lingüística tupi-guarani. Principalmente eram faladas as
línguas tupinambá e carijó. Nos primeiros séculos da história do Brasil, o
número de falantes dessas línguas indígenas nas regiões ocupadas pelos por-
tugueses era muito maior do que o de falantes do português. Assim, a opção
dos portugueses fora a de usar as línguas majoritariamente faladas nessas re-
giões. Também os nascidos na colônia — mamelucos, filhos de portugueses
com índias — falavam a língua de suas mães.
Apesar dessa característica, no correr dos séculos, a influência portuguesa,
bem como a manutenção de portugueses em posições-chave da administração,
provocou a primazia do uso da língua portuguesa em praticamente todos os
centros administrativos da colônia. Isso não significa que a língua portuguesa

1
Disponível em: <http://teixeira.home.sapo.pt/Quadras_Populares.html>.


 

tenha ficado incólume desse período de bilingüismo, nem que a presença maci-
ça de negros-africanos com suas línguas particulares não tenha deixado marcas
freqüentes na língua portuguesa. Ao contrário, o português que hoje se fala no
Brasil é o resultado do português falado em Portugal, principalmente com as
contribuições indígenas e africanas do período colonial.
Novamente é no léxico que a contribuição das línguas indígenas e das
línguas africanas pode ser mais facilmente notada.

Palavras de origem indígena Palavras de origem africana


coroca cachimbo
cutucar candango
jururu moleque
peteca muxoxo
pipoca quiabo

Além da contribuição para o léxico da língua portuguesa atualmente fala-


da no Brasil, não estão muito claras quais foram as contribuições das línguas
indígenas, especialmente da família lingüística tupi-guarani, e das línguas afri-
canas, especialmente do grupo banto e do iorubá.
As vias de entrada e de domínio dos portugueses na colônia foram as
principais fontes da diversidade da língua. É de se salientar que durante todo
o período colonial havia pouca comunicação entre os centros administrativos.
Assim, nem sempre o que ocorria no norte, Macapá, Belém ou São Luís, era
conhecido no Recife, em Salvador e, menos ainda, no Rio de Janeiro, em São
Vicente ou em São Paulo. Via de regra, todas as rotas de viagem passavam por
Lisboa. Mesmo a partir do século XVIII, no período do ouro, a situação não é
muito diferente, quando ocorre a migração açoriana para a região sul. A di-
versidade regional do português no Brasil, dessa maneira, condiciona-se à
história demográfica da presença portuguesa no Brasil: as falas catarinense,
caipira, nordestina, gaúcha, nortista, todas elas são resultado da política da
metrópole que enfatizava uma ou outra região na colônia.

Atividades
1) Leia o texto abaixo e respondas às questões que vão a seguir.

O Padre e o menino esperto


Um padre viajava, certa vez, pelas aldeias, escarranchado numa velha besta
ruça. À margem de um rio largo, encontrou um moleque brincando.
— Menino! Perguntou ele, querendo passar para o outro lado. — Esse rio é
fundo?
— O gado do meu pai atravessa aí, com a água pelo peito. — respondeu o
menino com uma carinha de anjo.

1 Disponível em: <http://www.iltec.pt/pdf/wpapers/2002vari.pdf>.


 

O padre, em vista dessa informação, tocou a besta para a água, mas o rio era de
uma fundura sem fim, e a besta perdeu o pé. Ela e o padre desapareceram rio adentro,
rodaram arrastados pela correnteza e somente a muito custo conseguiram se salvar.
Quando o padre atingiu a margem onde estava o menino, perguntou:
— Onde você mora?
— Perto daqui.
— Quero ir lá.
Foram, mas não encontraram ninguém em casa.
— Onde está seu pai, menino?
— Papai foi plantar o que não nasce.
— E sua mãe?
— Foi trabalhar para comer ontem.
— Esperarei que eles cheguem – declarou o padre, fechando a carranca.
Os pais do menino se demoraram muito; porém, quando apareceram, lá estava o
padre sentado, esperando, e aí não mais de carranca fechada e sim todo sorridente.
— Que menino esperto esse seu filho! — disse ele ao casal. — É muito inteli-
gente. Quando eu vinha para cá, ele me disse que o gado do seu pai atravessava o rio
com água pelo peito.
— É verdade — falou o pai —, nós criamos patos.
O padre disfarçou uma careta.
— Pois é – disse ele, sorrindo amarelo. — Ele disse que a senhora tinha ido
trabalhar para a família comer ontem.
— Está certo — disse a mãe. — Fui fazer pães para pagar uns que tomei de
empréstimo.
— Ele disse também que o senhor foi plantar o que não nasce.
— É isso mesmo — disse o pai. — Fui ao enterro de um dos meus amigos. (...)
(GUIMARÃES, Ruth (org.). Lendas e fábulas do Brasil. São Paulo: Círculo do
Livro, s.d.)

Tendo em vista a diversidade no uso da língua portuguesa, identifique os


problemas de comunicação que ocorreram entre o menino e o padre.

Reescreva a expressão “escarranchado numa velha besta ruça”, usando


de termos próprios de sua região.


 

2) Leia o texto a seguir e responda a questão.

O Vestido
– Preste atenção um bocado!
Quar vistido hei de ponhá
Pra í na função que tem lá
Na praça, nhô Artú Virado?
Visto aquele verde-má
Ô este, de renda e babado?
Aquele eu já tenho usado
E este, inda tô pur usá

– Vista aquele véio, Crara


De noitem num se arrepara
Prúis, cumo diz o brocardo
Que o dianho do Zeca Açoite
Sempre arrepete – de noite
tudo os gato são leopardo
(COSTA, Fontoura. Matutices. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1931.)

O poema acima foi escrito em uma variedade do português que difere em


muitos pontos da que se preconiza na norma culta. Aponte algumas dessas
diferenças, caracterizando-as como variações fonéticas, morfológicas ou
lexicais.

Sugestões de leitura
Há vários sites na Internet que tratam desse assunto e que podem ser con-
sultados. Recomenda-se que se visite a página da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa, diponível em <www.cplp.org>; a página do Instituto
Camões, em <www.instituto-camoes.pt>; a página do Projeto Vercial, em
<www.ipn.pt/opsis/litera/>; a página da Biblioteca Nacional no Rio de Janei-
ro, em <www.bn.br>; a página da Biblioteca Nacional em Lisboa, em
<www.bn.pt>. Em todos eles há grande quantidade de textos disponíveis para
leitura que compreendem toda a história e toda a variação da língua portugue-
sa. Particularmente nos sites das bibliotecas Nacional e do Rio de Janeiro e de
Lisboa podem-se encontrar textos originais, digitalizados, até então raríssimos,
que tratam da ortografia da língua portuguesa, em todos os seus momentos.
Ainda pela Internet, o site Jangada Brasil, em <www.jangadabrasil.com.br>, é
provavelmente um dos melhores dos que tratam das variações populares da cultu-
ra nacional. Ali se encontram muitos textos sobre os mais diversos assuntos.
Sugere-se, ainda, a leitura dos livros descritos abaixo para um aprofundamento
maior do assunto que ora foi tratado.


 

COUTO, Jorge. Língua Portuguesa: perspectivas para o século XXI. Dis-


ponível no site do Instituto Camões, de Portugal: <www.instituto-camoes.pt/
bases/lingua/portugues.htm>.
BEARZOTI FILHO, Paulo. Formação lingüística do Brasil. São Paulo: Nova
Didática, 2002.
ELIA, Sílvio. A língua portuguesa no mundo. São Paulo: Ática, 1989.


Unidade 2

Norma ortográfica
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
O alfabeto Rezende
Valdir Heitor
O alfabeto usado na escrita da língua portuguesa é formado pelas seguin- Barzotto
tes letras: Elaboradores
Waldemar
Ferreira Netto
maiúsculas: A B C D E F G H I J L M N O P Q R S T U V X Z
minúsculas: a b c d e f g h i j l m n o p q r s t u v x z

A par dessas letras, ocorrem K, Y e W, que são usados apenas em nomes


estrangeiros, em siglas e abreviaturas, e em algumas seqüências em que a
ordem alfabética internacional é preconizada, como na placa dos automóveis.
Nesse caso, a letra K ocorre entre J e L, a letra W, entre V e X, e a letra Y, entre
X e Z.
Também são utilizadas algumas combinações entre letras, chamadas
dígrafos:

CH, LH, NH, SS, RR

Finalmente, ainda ocorre o chamado cê-cedilha, Ç ç, que se caracteriza


por ser a letra C com a sotoposição de outra, o z minúsculo.
As letras maiúsculas são usadas apenas em nomes próprios de pessoas, de
lugares, de obras ou de instituições, em algumas siglas e abreviaturas e em
início de frase. Em todos os demais casos usam-se as letras minúsculas. Quan-
do em uma mesma palavra houver duplicidade de sentido, sendo que em um
deles afigure-se o de um nome próprio, neste sentido a palavra será escrita
com maiúscula. É o caso de Igreja e igreja; esta reporta-se ao prédio, aquela
reporta-se à instituição como um todo. Da mesma maneira pode-se fazer uma
“reforma no senado” substituindo o forro das cadeiras e trocando os tapetes,
mas uma “reforma no Senado” é um trabalho de caráter político, por exem-
plo, alterando o número de representantes por estado.
 

Nomes próprios
Machado de Assis Brasil Guernica Igreja
Mário de Andrade Estados Unidos Mona Lisa República
Pelé Europa Dom Casmurro Chefe de Estado
Tonico e Tinoco São Paulo Os Lusíadas Prefeito
Rita Lee av. Paulista Macunaíma General
Raul Seixas rio Tietê A Escrava Isaura Bispo
Kurt Cobain Bexiga Garota de Ipanema Imprensa Nacional

No caso de siglas, com mais sílabas, que permitam um leitura fluente,


escreve-se apenas a primeira letra maiúscula, caso contrário, todas as letras
serão maiúsculas.

Siglas
ECT
ECT: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
ONU
ONU: Organização das Nações Unidas
STF
STF: Superior Tribunal Federal
USP
USP: Universidade de São Paulo
Bovespa
Bovespa: Bolsa de Valores de São Paulo
Fapesp
apesp
esp: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Funai
Funai: Fundação Nacional do Índio
Sebrae
Sebrae: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

As frases caracterizam-se pela letra maiúscula inicial e pelo ponto final.


Após ponto final, ponto de interrogação ou ponto de exclamação, inicia-se
uma nova frase que, obviamente, iniciará com letra maiúscula.

Frases
U ma pesquisadora, à porta de um sitiozinho perdido no interior...
— E ssa terra dá mandioca?
— Não, senhora — responde o morador.
— D á batata?
— T ambém não!
— D á feijão?
— N unca deu!
— A rroz?
— D e jeito nenhum!
— Milho?
— Nem brincando!
— Quer dizer que por aqui não adianta plantar nada?
— A h! S e plantar é diferente...


 

Apesar de a língua portuguesa ter passado por diversas reformas ortográ-


ficas, a grafia das palavras ainda reproduz algumas de suas características
históricas. Em muitos casos, não há uma correspondência perfeita entre as
letras e seus valores sonoros. Muitas letras podem ter valores múltiplos. As
letras c e g antes de e e de i, por exemplo, têm os valores sonoros de ss e j,
respectivamente, dessa maneira, soam semelhantemente ge, gi e je, ji — como
em gente, girafa e jerico e jirau —, por um lado, e, por outro, ce, ci e sse, ssi
— como em receber, macio e sossego e tossir.
Outras letras ou seqüências de letras do alfabeto podem assumir esse va-
lor: ç, ss, s, sc, xc, x e z.

c ç ss s
conceder caç ar ssar
amass cansar
caccique coççar pass
sseio
ss ansiosso
venccer ranççoso péss
ssimo
ss conssolo
accidente aççude ass
ssoalho
ss censsura
macciço aççúcar ssurro
suss
ss conssumo

sc xc x z
sciente
consc xcelente
exc máx ima paz
acrésc
scimo
sc exc
xceto
xc próxximo refezz
cresc
scer
sc exc
xcessivo
xc auxxílio arrozz
nasc
scer
sc exc
xcitar
xc sintaxxe velozz
scida
desc
sc xcessão
exc
xc texxto luzz

Como se verá, o uso das letras do alfabeto está condicionado à origem das
palavras, sendo portanto necessário conhecê-la. Entretanto, algumas regulari-
dades podem ser verificadas.
1) Nem ç, nem ss, nem rr ocorrem em começo de palavra.
2) A letra s em começo de palavra e depois de consoante tem o mesmo
valor sonoro do ss: soar, servir, sossegar, cansar, conversar, valsa, pulso,
curso, amassar, assinar, dissertar, emissora etc.
3) A letra r em começo de palavra e depois de consoante tem o mesmo
valor sonoro do rr: roer, rua, raiva, risada, honra, melro, corrida, errar,
horror, arrumar etc.
4) A letra s e a letra z só têm valores sonoros diferentes em começo de
palavra: atrás, faz, rapaz, apraz, inglês, vocês, barris, diretriz, aprendiz, fre-
guês, acidez, avidez, pauzinhos, papeizinhos, cacauzeiro, reizete, pausar,
paisana, causa, coisa, coisinha, zebra, sapo, azedo, mesa etc.; zabumba,
zebra, zinco, zôo, zurzir, sapo, sebe, silo, solo, suave etc.
5) Antes de e e de i, as letras c e g têm valores sonoros semelhantes aos do
ç e do j: jeito, jirau, nojento, gente, girafa, magenta, acerto, acinte, caçar,
açouque, açúcar etc.


 

6) A letra q sempre vem seguida da letra u: quiabo, quente, quase, quoci-


ente etc. Antes de a e de o, o u tem valor sonoro, mas não tem antes de e e de
i; para que a letra u tenha valor sonoro antes antes de e e de i, o trema é
necessário: freqüente, cinqüenta, tranqüilo etc.
7) A letra g quando precede ue ou ui tem o mesmo valor sonoro de quan-
do precede a, o e u: guerra, fogueira, águia, preguiça etc.; também nesse
caso, para que a letra u tenha valor sonoro antes de e e de i, o trema é neces-
sário: sangüíneo, lingüista, bilíngüe, enxágüe etc.
8) A letra x é a que possui maior diversidade de valores sonoros: exame,
máximo, peixe, táxi etc. Em final de palavra, sempre tem o valor de cs: tórax,
xérox etc.; após ditongos, tem sempre o valor de ch: caixa, feixe, trouxa,
baixo etc.
9) Os dígrafos ch, nh, lh, rr e ss não ocorrem depois de ditongos: mecha,
cartucho, bainha, sonho, calha, vermelho, morro, narração, massagem,
ressaca etc.
10) As letras b, d, f, j, p, t e v têm cada uma sempre o mesmo valor sonoro.
11) As letras vogais a, e, i, o e u, apresentam muita variação em seus
valores sonoros. Em posição inicial ou final de palavra, as letras e e i, fre-
qüentemente, têm o mesmo valor: simples, embora, espaço etc.
12) A letra i, em ditongos que precedem x ou nas seqüências -eiro ou -eira,
rarissimamente é pronunciada: caixa, peixe, jardineiro, maneiro, madeira etc.
13) A letra u, no ditongo ou, rarissimamente é pronunciada: roubo, coube,
acabou, açougue etc.
14) A nasalização das vogais é indicada pela superposição de um til sobre
as letras a e o — maçã, sabão, mãos, pães, sabões etc. — ou com as letras m
ou n seguindo-se-lhes: hífen, bomba, cem, ninguém, manta, junto etc.

Acentuação
A convenção para marcação gráfica do acento da língua portuguesa é
bem mais simples do que a que se fez para o uso do alfabeto. Tendo em vista
que as palavras da língua portuguesa na sua grande maioria são paroxítonas
ou oxítonas terminadas em consoante, ter-se-á que estabelecer convenções
apenas para um pequeno grupo de palavras. Vale lembrar que palavras
paroxítonas são as que tem o acento tônico na penúltima sílaba, palavras
proparoxítonas na antepenúltima e oxítonas, na última sílaba.
As convenções mais gerais para a acentuação gráfica são as seguintes.
1) Paroxítonos terminados em vogal a, e ou o, seguidos ou não de s, não
são acentuados: janela, pelote, recado, miragem, aguardam, casas, postos,
bailes.
2) Paroxítonos terminados em vogal a e e seguidos de m ou de ns, não
são acentuados: miragem, aguardam, item, hifens, bagagem, bagagens.
3) Oxítonos terminados em consoante diferente de s ou de m não são
acentuados: lugar, acender, coronel, papel, quiloton, panteon, telex, unissex.


 

4) Oxítonos terminados em vogais i e u, seguidos ou não de consoante


não são acentuados: aipim, alecrim, pingüim, jabuti, manati, bacuri, jaburu,
algum, belzebu, gabiru, comum, caqui, caju, nu, sagüis, obus etc.
5) Palavras terminadas em encontros vocálicos também não são acentua-
das se a vogal acentuada for a penúltima, quer esse encontro se constitua num
ditongo — parei, avisou — quer não — silencia, contrario (na 3ªp dos verbos
silenciar e contrariar) . Apenas deve ser considerado que, no caso de essa
vogal ser aberta ó ou é, ela será acentuada: rói, herói, bói, beleléu, chapéu,
céu, troféu, anéis etc.
6) Os ditongos abertos, éi, éu e ói são sempre acentuados: minóico,
corticóide, réus, povaréu, traquéia, diarréico, Coréia etc.
7) Palavras paroxítonas em que haja duplicação de vogais, a primeira será
acentuada: vôo, enjôo, lêem (v. ler), vêem (v. ver).
8) Os monossílabos seguem as mesmas regras com a exceção das tercei-
ras pessoas dos verbos em que singular e plural se confundiriam: ele tem x
eles têm (v. ter), ele vem x eles vêm (v. vir), em todos os demais casos, serão
tratados como palavras oxítonas.
9) Uns raros casos de acento diferencial permanecem na língua portugue-
sa. Não há regra para eles: pára (3ªp do v. parar), pólo (magnético, por exem-
plo), pôde (pass. do v. poder), pêlo (do corpo), côa (3ªp do v. coar), pêra (a
fruta) e, eventualmente, fôrma (de bolo, por exemplo).
10) Usa-se a crase, especialmente, no caso de contrações da preposição a
com o artigo a ou com os pronomes demonstrativos iniciados pela letra a: dei
rosas à Maria, vou àquela casa.
11) Os ditongos nasais ão, ãe, õe e a vogal nasal ã são sempre marcadas
com o til.
12) Acentuam-se, também, os hiatos em que a segunda vogal é a u ou i
tônica: saúde, caída, baú, caí.
Usa-se o circunflexo para marcar o acento das vogais fechadas e o agudo
para marcar as vogais abertas. Sugestões de lei-
tura

Atividades HOUAISS, Antônio. A nova


ortografia da língua portu-
1) Distribua as palavras seguintes quanto à acentuação: pé, cabeça, bêba- guesa. São Paulo: Ática,
1991.
do, cauim, atabaque, motor, próton, ônus, repolho, lânguido, escassez, nin-
guém, outrem, ônibus, nu, chabu. O Vocabulário Ortográfico
da Língua Portuguesa
(VOLP), publicado pela
Academia Brasileira de
Letras, não é exatamente
uma obra para leitura,
mas sim para consultas
diversas. Pode ser consul-
tado pela Internet no
endereço da própria Aca-
2) Justifique as crases nas seqüências abaixo: demia:

Vou à casa dele: <www.academia.org.br/


vocabulario.htm>.
Trabalharam às escondidas:


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Venda à vista:
Assistiram à peça:


Unidade 3

Morfossintaxe das
classes de palavras
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
Estrutura e formação de palavras Rezende
Valdir Heitor
As palavras da língua portuguesa formam-se a partir de junção de elemen-
Barzotto
tos menores a uma base historicamente determinada. Assim, podemos verifi-
car que palavras como jardineiro e jardinagem são formas derivadas de uma Elaboradores
mesma forma básica jardim; no primeiro caso acrescentou-se-lhe -eiro e no Waldemar
segundo -agem. Na maioria das vezes, alguns ajustes fonéticos são necessári- Ferreira Netto
os, como foi o caso da variação das letras m e n, bem como de seus valores
sonoros correspondentes. Algumas vezes o acréscimo ocorre antes da base
historicamente determinada: fazer e desfazer, por exemplo. Dessa maneira
podemos distinguir três elementos principais na formação das palavras: o ra-
dical — base a partir da qual se forma a palavra — o prefixo — elemento que
se acrescenta antes do radical — e o sufixo — elemento que se acrescenta
depois do radical. Alguns dos ajustes podem ser acréscimos de letras e valores
sonoros correspondentes, estabelecendo elementos de ligação. É o caso de
agressividade, que tem como forma básica a palavra agressivo. A essa forma
acrescentou-se -dade. Houve necessidade de ajustes, que nesse caso foi a
inserção de uma vogal de ligação -i. Compare-se, por exemplo, com igualda-
de, em que apenas se acrescentou -dade à base igual.

DERIVAÇÃO
Os prefixos disponíveis para os falantes da língua portuguesa formarem
novas palavras têm origem diversa. Abaixo segue uma lista com alguns desses
prefixos separados por sua origem grega ou latina:

LATINOS GREGOS
ante
ante- — antebraço, anteontem a -, an
an- — acéfalo, anônimo, atrofia
contra
contra- — contra-indicação, contraprova anfi
anfi- — anfiteatro,
circum
circum
cum- — circundar, circunavegar ana
ana- — anacrônico, anagrama
des
des- — desusar, desfazer, descaroçar anti
anti- — antialcoólico, antibiótico
de
de- — decompor, depenar arqui
arqui-, arce- — arquiinimigo, arcebispo
ex - — expatriar, expor dis
dis- — dislalia, disfunção
in
in-, i - — inútil, ilegal endo
endo- — endogenia, endovenoso
en
entrtr
tree -, in
intter
er- — entrever, interpor epi
epi- — epiderme, epicentro
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L ATINOS GREGOS
in tr
intr o - — intrometer, introspectivo
tro eu
eu- — eufonia, eulalia,
pr
pree - — predizer, predispor hemi
hemi- — hemiplégico, hemisférico
re - — reassumir, reviver hiper
hiper- — hipertensão, hipertrofia
ultr
ultraa - — ultrapassar, ultravioleta hipó
hipó- — hipoglicemia, hipotrofia
sub
sub- — subnutrido, subdelegado sin
sin- — sinônimo, sincrônico
sobre
sobre-, super
super-, supra
supra- — sobreposto,
supersônico, supranacional
retr
etro o- — retroagir, retrovisor

Os sufixos disponíveis da língua portuguesa apresentam-se em muito maior


número do que os prefixos. São responsáveis não só pela criação de novas
palavras, mas também pela possibilidade de variação de classe gramatical bem
como pela coesão sintática de conjuntos de palavras. Dessa maneira, a
sufixação atua também em processos gramaticais obrigatórios que diferem da
derivação ou formação de palavras; chamam-se flexões. Assim, temos de ca-
racterizar os sufixos como derivacionais ou flexionais.
Sufixos derivacionais podem alterar a classe gramatical das palavras, isto
é, a partir de uma base, por exemplo, substantiva, pode se formar um adjetivo.
É o caso de cabeludo, adjetivo formado a partir de cabelo, que é substantivo,
pelo acréscimo de -udo; carnavalesco, adjetivo formado a partir do substanti-
vo carnaval, pelo acréscimo de -esco.

SUBST.>SUBST. ADJ.>SUBST. VERBO>SUBST. SUBST.>ADJ. ADJ.>VERBO

-aria
aria -ia
ia -mento
mento -oso
oso osa
oso, -osa -ável ível
ável, -ível
ável
livro>livraria valente>valentia ornar>ornanento rigor>rigoroso desejar>desejável
pirata>pirataria alegre>alegria pensar>pensamento leite>leitosa remover>removível
io
-io ez
-ez eza
ez, -eza ção
-ção udo
-udo douro
-douro
mulher>mulherio surdo>surdez nomear>nomeação ponta>pontudo beber>bebedouro
poder>poderio puro>pureza coroar>coroação sorte>sortudo vir>vindouro
agem
-agem ice
-ice dor
-dor ano
-ano tório
-tório
folha>folhagem menino>meninice regar>regador Peru>peruano inibir>inibitório
língua>linguagem tolo>tolice roer>roedor Camões>camoniano derivar>derivatório
al
-al -dão tório
-tório ento
-ento iço
-iço
banana>bananal manso>mansidão purgar>purgatório sede>sedento meter>metediço
lama>lamaçal podre>podridão orar>oratório peçonha>peçonhento assustar>assustadiço
ada
-ada dade
-dade ante
ante, - ente
-ante inte
ente, -inte engo
-engo io
-io
bico>bicada mal>maldade pedir>pedinte mulher>mulherengo regar>regadio
papel>papelada legal>legalidade combater>combatente verde>verdolengo achar>achadio
ugem
-ugem ura
-ura ência
-ência aico
-aico ivo
-ivo
pena>penugem branco>brancura obedecer>obediência prosa>prosaico pensar>pensativo
lã>lanugem doce>doçura reger>regência judeu>judaico lucrar>lucrativo

Sufixos que se reportam à flexão das palavras envolvem especialmente as


noções de gênero e de número. A formação mais regular do gênero feminino
é a substituição da vogal átona final pelo sufixo -a às palavras, como em
menino/menina, gato/gata, mestre/mestra ou o acréscimo desse sufixo: pro-
fessor/professora, doutor/doutora etc.; e a formação mais regular do plural é
o acréscimo do sufixo -s às palavras terminadas em vogal e -es às palavras


 

terminadas em consoante, como em menino/meninos, gato/gatos, mestra/mes-


tras, lugar/lugares, mês/meses, dor/dores etc. No entanto, as exceções a esses
casos são muito numerosas, como se verá mais adiante.

A VARIAÇÃO DE GÊNERO

Há palavras que não comportam qualquer variação de gênero: amante,


seguinte, cliente, ouvinte, inocente etc., diz-se que são de dois gêneros:
MASCULINO FEMININO
o amante a amante
o cliente a cliente
o homem inocente a mulher inocente
o número seguinte a posição seguinte
o colega a colega
o motorista a motorista
o consorte a consorte

Há algumas poucas palavras em que essa variação pode ocorrer ou não:


MASCULINO FEMININO

o presidente a presidente
a presidenta
o parente a parente
a parente

Há diversas formas para se marcar o gênero:


MASCULINO FEMININO
ão
-ão
ão: mandão, babão, chorão ona
-ona
ona: mandona, babona, chorona
ão
-ão
ão: irmão, ancião, alemão ã: irmã, anciã, alemã

ão
-ão
ão: leão, leitão, pavão oa
-oa
oa: leoa, leitoa, pavoa
ladrão ladra
perdigão perdiz
-ttor dor
or, -dor
dor: ator, imperador triz
-triz
triz: atriz imperatriz
eu
-eu
eu: hebreu, pigmeu éia
-éia
éia: hebréia, pigméia
eu
-eu
eu: judeu, sandeu ia
-ia
ia: judia, sandia
pai mãe
compadre comadre
patriarca matriarca
príncipe princesa
barão baronesa
avô avó

Como se pode notar, apesar de algumas pretensas regularidades, não se


pode estabelecer uma regra geral para a marcação do gênero feminino; isto é,
da mesma maneira que o feminino das formas masculinas em -ão, pode ser -
ona, -ã e -oa, ocorre o feminino baronesa para o masculino barão, de forma
semelhante a princesa para príncipe. Também as formas pai e mãe parecem
ter alguma relação com compadre e comadre bem como com patriarca e
matriarca, mas essa relação é histórica e somente o estudo etimológico pode-


 

rá elucidá-la. Assim, preconiza-se que para conhecer as formas variantes do


masculino e do feminino consulte-se o dicionário, prática aliás bastante reco-
mendável.

A variação de número
As marcas suf ixais da variação de número também não podem ser
abarcadas por uma regra geral que dê conta de todas as possibilidades. Há
algumas tendências, no entanto:
SINGULAR PLURAL
-ão
ão: sabão, mamão, limão
ão -ões
ões: sabões, mamões, limões
ões
ão
-ão
ão: mão, órfão, irmão ãos
-ãos
ãos: mãos, órfãos, irmãos
ão
-ão
ão: alemão, pão, tabelião ães
-ães
ães: alemães, pães, tabeliães
ão
-ão
ão: aldeão, verão ões
-ões ãos
ões, -ãos
ãos: aldeões, aldeães; verões, verãos
ão
-ão
ão: ancião, ermitão, sultão ões
-ões ãos
ões, -ãos ões
ões: anciões
ãos, -ões anciões, anciãos, anciães;
ermitões, ermitãos, ermitães; sultões, sultãos, sultães
-al el
al, -el
al el (tôn.), -ol
el, -el ol ul
ul: pombal, túnel, papel,
ol, -ul ais
-ais eis
ais, -eis éis
eis, -éis óis
éis, -óis uis
óis, -uis
uis: pombais, túneis, papéis, anzóis,
anzol, azul azuis
il (tôn.), -il
-il il
il: funil, fóssil is
-is eis
is, -eis
eis: funis, fósseis
as
-as es
as, -es is us (átonos): atlas, pires, lápis, ônus,
is, -us
es, -is não mudam
mudam: os atlas, os pires, os lápis, os ônus, os
vírus vírus

Algumas palavras ocorrem apenas no plural, como afazeres, exéquias,


arredores, trevas, núpcias, anais, belas-letras, belas-artes, férias.
Algumas palavras mudam de classe gramatical quando são pluralizadas:
féria é o rendimento do dia, férias são o período de descanso anual dos traba-
lhadores e dos estudantes; bem é produto de uma boa-ação, bens são as pro-
priedades de uma pessoa.
Alguns plurais de nomes estrangeiros são realizados como na sua língua
de origem:
campus > campi do latim
corpus > corpora do latim
curriculum > curricula do latim
topos > topoi do grego
lady > ladies do inglês

Algumas formas derivadas com o sufixo diminutivo -zinho mantêm o plu-


ral de sua forma básica no radical:

pão, pães > pãezinhos


flor, flores > florezinhas
papel, papéis > papeizinhos
bar, bares > barezinhos

Formas usuais como barzinhos, colherzinhas, florzinhas e outras devem


ser evitadas em textos escritos.


 

Substantivo
Além de sua composição interna, as palavras podem ser compreendidas
por meio da relação que estabelecem umas com as outras no processo de
construção frasal. As palavras distribuem-se em classes gramaticais, variáveis
e invariáveis. Classes gramaticais variáveis são as que exigem que sua forma
básica seja flexionada em gênero e número, por exemplo; classes gramaticas
invariáveis não têm variação obrigatória. As classes gramaticais da língua
portuguesa são: substantivo, adjetivo, numeral, artigo, pronome, verbo, ad-
vérbio, conjunção e preposição.
As classes gramaticais de palavra que exigem flexão de gênero e número
são: o substantivo, o adjetivo, o numeral, o artigo e o pronome. A classe gra-
matical que exige flexão de pessoa, tempo, modo, aspecto e voz é o verbo.
Uma das características da construção frasal na língua portuguesa é um
fenômeno gramatical chamado concordância. A concordância estabelece que
certos grupos de palavras recebam a mesma marcação de gênero e número. A
partir do gênero intrínseco dos substantivos, definido tanto pela sua forma
básica quanto pelo resultado de diversas derivações, as palavras que, na frase,
relacionam-se a esse substantivo têm de receber o mesmo gênero, estabele-
cendo um grupo nominal coeso entre si.
Tomando-se uma palavra como Brasil, que é um substantivo que tem o
gênero masculino, pode-se derivar brasilidade, que tem o gênero feminino.
Trata-se, pois, de um substantivo feminino. Quaisquer palavras que se relaci-
onem com essas têm de receber o mesmo gênero, masculino se se relaciona-
rem com Brasil e feminino se se relacionarem com brasilidade.
O nosso Brasil fica na América Latina.
A nossa brasilidade é conhecida no exterior.

Pode-se verificar que as palavras o e nosso receberam o mesmo gênero da


palavra Brasil na primeira frase, assim como a e nossa receberam o gênero
feminino na segunda frase. Assim, há um grupo de palavras que mantém sua
coesão pela concordância de gênero e de número.
Substantivo é a classe de palavras que se caracteriza por manter intrínseca
a noção de gênero que desencadeia a concordância. Todos os substantivos
têm seu gênero: masculino ou feminino. A mudança de gênero de um subs-
tantivo acarreta necessariamente a mudança de seu significado. Assim, ca-
chorro, com gênero masculino, refere-se a um animal específico e cachorra,
com gênero feminino, refere-se a outro animal, de sexo feminino. Não se
confundam as noções de gênero e de sexo: variação de gênero não envolve
necessariamente a variação de sexo. Assim, a cabeça, com gênero feminino,
é uma parte do corpo, e o cabeça, é uma posição de liderança em um grupo
de pessoas qualquer; o rádio é o aparelho, a rádio é a estação que transmite as
notícias que se ouve pelo rádio.
A classe dos substantivos, ou nomes, é a que contém o maior número de
unidades e, junto da dos verbos, a que melhor aceita a inserção de novas
unidades. Dificilmente se poderá dizer quantos substantivos existem em uma
língua qualquer, pois a todo instante novas palavras são criadas. Chamam-se
neologismos. Alguns realmente se tornam palavras utilizadas pelos falantes da


 

língua, outros têm vida curta e logo são abandonados. Os neologismos po-
dem ser elaborados por mecanismos diversos: afixação, isto é, pelo acrésci-
mo de sufixos ou de prefixos a uma base pré-existente: imexível, automotivo,
grevismo, besteirol etc.; pela fixação de grupos de palavras quatro-dormitó-
rios, para um apartamento com quatro quartos, boca-de-urna, para os mili-
tantes que fazem propaganda de seus partidos junto dos locais de votação;
pelo empréstimo de palavras estrangeiras: pole-position, mouse, skinhead; pelo
estabelecimento de siglas: PT, CPMF, MEC, dentre outras cujo desdobramen-
to nem sempre tem relação com as letras que formam a sigla — MEC, por
exemplo, hoje é apenas Ministério da Educação, e não mais Ministério de
Educação e Cultura, como era antes.
Nem sempre é fácil decidir qual é o gênero dos neologismos: para skinhead,
por exemplo, que é uma expressão que significa, na sua língua original, cabe-
ça-pelada ou careca, optou-se por atribuir-lhe o gênero masculino.

“Minha Adorável Lavanderia”,história da relação homossexual entre um sk inhead


skinhead
arrependido e um filho de imigrantes paquistaneses, escrita pelo dramaturgo
Hanif Kureishi, pode ser considerada um clássico. (Folha de S. Paulo. 18 jan. 2002.
Caderno Ilustrada.)

Pode-se notar com facilidade que, no trecho acima, o substantivo skinhead


vem acompanhado das palavras um e arrependido, que estabelecem concor-
dância de gênero masculino com ele. Assim, o conjunto um ‘skinhead’ arre-
pendido forma um grupo de palavras coeso pelo gênero masculino; chama-se
esse grupo de grupo nominal ou sintagma nominal. Como a palavra skinhead
é um termo estrangeiro, ainda não aportuguesado, não há marca morfológica
de gênero que se pode acrescentar a ele. Nesse caso, só se consegue conhecer
o gênero de skinhead ou procurando no dicionário — o Houaiss e o Michaelis
atribuem-lhe dois gêneros, isto é, o ‘skinhead’ ou a ‘skinhead’, em se tratando
de um homem ou uma mulher, respectivamente — ou verificando o gênero
aplicado às palavras que fazem concordância com ele, que, no caso, são um e
arrependido, como já se viu.

Reeves é o tira que tenta desarmar a bomba. Bullock, a improvisada motorista


motorista.
Hopper, o vilão. (Folha de S. Paulo. 18 jan. 1999. Caderno Ilustrada.)

No trecho acima, o termo motorista não porta por si só o gênero gramati-


cal que se lhe atribuiu, por tratar-se de um substantivo de dois gêneros. Nesse
caso, assim como no anterior, é necessário verificar em que gênero estão as
palavras que concordam com ele formando um grupo nominal: a e improvisa-
da. Ambas as palavras receberam o gênero feminino, o que aponta para o fato
de que a palavra motorista recebeu o gênero feminino.
A concordância do grupo nominal também se dá pela variação de número
do substantivo. Se o substantivo está no plural, também têm de estar no plural
todas as palavras do grupo nominal.

[...] as cinc
cincoo últimas ccanções
anções eexxecutadas foram: “Sick of It”, Primitives; “Shrine”,
The Dambuilders; “Show Me”, Over the Rhine; “Should I Stay or Should I Go”, The
Clash; “Short Skirt, Long Jacket”, Cake. (Folha de S. Paulo. 17 mai. 2004. Caderno
Folhateen.)


 

O substantivo canções, que tem gênero feminino e que recebeu o número


plural, estabeleceu que as palavras relacionadas a ele — as, cinco, últimas e
executadas —concordassem com ele quanto ao gênero e quanto ao número.
O grupo nominal completo, as cinco últimas canções executadas, está no
gênero feminino e no número plural.
A concordância do grupo nominal se faz com um conjunto de palavras
que pertencem a classes nominais bem definidas: adjetivos, artigos, numerais
e pronomes. São palavras que podem flexionar-se em gênero e número, sem-
pre concordando com o substantivo. Chamam-se de palavras variáveis, pois
todas elas podem variar de gênero e de número; nenhuma delas é intrinseca-
mente masculina ou feminina, como os substantivos. Como alguns substanti-
vos parecem variar de gênero, — como no caso de menino e menina —, à
semelhança dessas outras classes gramaticais, também é comum chamar o
substantivo de palavra variável.
O número dos substantivos, apesar de variável, nem sempre pode oscilar,
e muitas vezes sua variação promove a mudança do significado da palavra: as
palavras pêsames, víveres e núpcias, por exemplo, são plurais e não compor-
tam qualquer variação para o singular; as palavras fé, norte e trabalheira, por
exemplo, também não comportam variação, mas para o plural. Os plurais
céus e honra, por exemplo, não se reportam ao mesmo significado dos singu-
lares céu e honra: céu reporta-se ao espaço aberto que está acima da terra,
céus reporta-se ao poder divino de alguma entidade que possa viver por ali;
honra, por exemplo, reporta-se a uma qualidade individual, honras reporta-se
às homenagens que se fazem a uma pessoa.
Como se verá mais adiante, uma das características da variação de núme-
ro dos substantivos é que ela tem um alcance maior do que o do seu grupo
nominal: ela atinge também o verbo.

Adjetivo
Os adjetivos formam uma classe de palavras variáveis, que concordam
sempre com os substantivos. De maneira geral, pode-se dizer que são pala-
vras que dependem de um substantivo pois que sempre o acompanham, po-
dendo vir antes ou depois dele. Seguem as mesmas regras derivacionais dos
substantivos.
Assim como os substantivos, os adjetivos também se reportam a fatos da
realidade, ou extralingüísticos.

Os técnicos vão aos domicílios e despejam no vaso sanitário um líquido com


corante amarelo. (Folha de S. Paulo. 28 mai. 2004. Caderno Cotidiano.)

Os termos sanitário e amarelo grifados acima são adjetivos. Nota-se que


concordam com os substantivos vaso e corante, respectivamente, que são do
gênero masculino e estão no singular; também os adjetivos estão no masculi-
no e no singular, formando grupos nominais — o vaso sanitário e corante
amarelo — cada qual com seu substantivo.

Com relação ao movimento skinhead, acredito que tenham ocorrido simplificações.


(Folha de S. Paulo. 5 jan 2004. Caderno Folhateen.)


 

Nesse caso, a mesma palavra skinhead, que vimos se tratar de um substan-


tivo de dois gêneros, foi usada como um adjetivo que se relaciona ao substan-
tivo movimento. Por se tratar de uma palavra que não recebe marcas de flexão
de gênero nem de número, sobretudo por ser de origem estrangeira, ela não
tem nenhuma variação.

[...] a embalagem skinhead não fazia sentido estético na época, a moda pedia
madeixas compridas. (Folha de S. Paulo. 17 mar. 1998. Caderno Esportes.)

A palavra skinhead, novamente usada como adjetivo, nesse caso recebeu


gênero feminino porque embalagem tem gênero feminino, formando o grupo
nominal a embalagem ‘skinhead’.

Os buracos negros são uma das previsões mais assustadoras e esquisitas da


teoria da relatividade. (Folha de S. Paulo. 26 jun. 2003. Caderno Ciência.)

Os adjetivos não precisam aparecer isolados, podendo ocorrer em conjun-


to, como é o caso do exemplo acima. As palavras enganadoras e esquisitas
são adjetivos que se relacionam com a palavra previsões, que é feminina e
está no plural. Todas as palavras desse grupo nominal também estão no femi-
nino e no plural — as, assustadoras e esquisitas —, com exceção de mais e de
e, que são, respectivamente, um advérbio que intensifica sentidos e uma con-
junção que agrega elementos lingüísticos. Advérbios e conjunções são invari-
áveis, não trataremos delas por ora. Seqüências de adjetivos ocorrem com
freqüência.

[...] as tensões políticas, sociais e o início da mediatização da Europa permitiram o


aparecimento de figuras dúbias enganadoras. (Folha de S. Paulo.
dúbias, meteóricas e enganadoras
30 ago. 1999. Caderno Ilustrada.)

A seqüência de três adjetivos — dúbias, meteóricas, enganadoras — que


se relacionam com o substantivo figuras ocorre novamente com a conjunção
que agrega os dois últimos. Deve-se notar que, nesse tipo de seqüência, uma
vírgula entremeia os termos arrolados e a conjunção aparece apenas entre os
dois últimos termos, não importando a quantidade em que eles ocorram; mas
dificilmente ocorrem em número maior do que três.
Algumas vezes, os adjetivos podem ocorrer substituindo formas perifrásti-
cas com sentido correpondente. Dessa maneira, pode-se dizer amor maternal,
no lugar de amor de mãe, ou situação caótica no lugar de situação de caos, ou
espetáculo circence no lugar de espetáculo de circo. Há que se fazer essas subs-
tituições com muito cuidado pois nem sempre a correspondência é exata.

Na tarde de ontem, cerca de 20 pessoas estavam espalhadas no lado de trás do


edifício, que parece ser uma das poucas partes cobertas. (Folha de S. Paulo. 24 mai.
2004. Caderno Cotidiano.)

A substituições da locução adjetiva de trás pelo adjetivo traseiro, nesse


caso, seria completamente inadequada. No entanto, pode-se entender que de
trás atua de forma semelhante à que seria a atuação de traseiro.


 

Um automóvel Citroën caiu no buraco e ficou só com a parte traseira para fora
d’água. (Folha de S. Paulo. 1 mai. 2004. Caderno Cotidiano.)

No exemplo acima, a substituição do adjetivo traseira pela locução de


trás não causaria nenhum estranhamento: ficou só com a parte de trás para
fora d’água.
Quando locuções adjetivas ocorrem no grupo ou sintagma nominal, não
há concordância delas com o substantivo.

Os painéis divisórios de vidro temperado têm estrutura de alumínio [...] (Folha de


S. Paulo. 6 abr. 2003. Caderno Construção.)

Nesse caso, a locução de vidro temperado faz parte do grupo nominal


definido pelo substantivo painéis; no entanto, apesar da concordância interna
obrigatória do grupo — como ocorre com os e divisórios —, a locução não
concorda com o substantivo. A preposição, invariável como as conjunções e
os advérbios, cria um novo grupo nominal, que no caso é vidro temperado,
com suas próprias regras de concordância: painéis é masculino e está no plu-
ral, vidro é masculino e está no singular.
Na língua portuguesa, os adjetivos ocorrem geralmente depois do
substativo, mas podem aparecer antes também.

Girotto deu uma boa notícia a seus colegas médicos e enfermeiros brasileiros.
(Folha de S. Paulo. 31 mai. 2004. Caderno Mundo.)
Para quem está pensando em financiar um imóvel, uma notícia boa e outra ruim.
(Folha de S. Paulo. 30 mai. 2004. Caderno Imóveis.)

No entanto, essa variação de posição, na maioria das vezes, causa varia-


ção de sentido ou de ênfase, como nos clássicos exemplos: pobre homem e
homem pobre, em que, no primeiro caso não se imagina que o termo pobre
refira-se a bens materiais e no segundo, sim.

Numeral
Numerais são palavras para reportar quantidades específicas das coisas
referidas pelos substantivos. Atuam de maneira semelhante aos adjetivos, fa-
zendo parte do mesmo grupo nominal. Os numerais podem ser classificados
como cardinais, ordinais, fracionários e multiplicativos.
Os numerais cardinais são os que tratam dos números propriamente ditos:
um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, e assim em diante. Via
de regra, são usados por extenso até o número cinco, às vezes até o nove, para
além disso usam-se os símbolos próprios para os números: 10, 11, 25, 147,
1.589 etc.

De acordo com as autoridades, a série de ataques terroristas, que teve início no


sábado, matou 22 civis (20
20 estrangeiros) e sete agentes de segurança, num saldo
de 29 mortos. (Folha de S. Paulo. 31 mai. 2004. Caderno Mundo.)


 

Com exceção dos numerais cardinais um e dois, não se faz nenhuma con-
cordância dele com o substantivo a que se referem.

Segurei a máquina com as duas mãos e pressionei para baixo. (Folha de S. Paulo. 23
mai. 2004. Ombudsman.)
Cinco testemunhas de acusação e cinco de defesa serão ouvidas. (Folha de S.
Paulo. 31 mai. 2004. Caderno Cotidiano.)

Os numerais ordinais, por sua vez, seguem exatamente as mesmas regras


dos adjetivos, estabelecendo concordância de gênero e número com o subs-
tantivo a que se referem.

As ter
ercceiras partidas da série acontecem na terça-feira. (Folha de S. Paulo. 27 fev.
eiras
1999. Caderno Esportes.)

Ao contrário dos adjetivos, entretanto, os numerais ordinais são, normal-


mente, colocados antes dos substantivos. A inversão dessa ordem provoca
mudança de sentido.

As duas primeiras questões que abriram teleconferência na última segunda-feira


[...] (Folha de S. Paulo. 5 dez. 2003. Caderno Esportes.)
Partimos de questões primeiras
primeiras, quando não podemos aceitar [...] que salário seja
considerado como renda (Disponível em: <www.rubensbueno.com.br>. Acesso
em: 5 mai. 2001.)

Nos exemplos acima, nota-se que primeiras, numeral ordinal, quando ocor-
re antes do adjetivo, tem o sentido próprio de estabelecimento de ordem; no
segundo caso — questões primeiras — o numeral adquiriu um valor que seria
muito mais apropriado para adjetivos do que para numerais ordinais, tem um
significado muito próximo de adjetivos como principais, básicas, importan-
tes ou outros semelhantes.
Os numerais fracionários e multiplicativos são usados à semelhança dos subs-
tantivos. Estabelecem a base a partir da qual se farão todas as concordâncias.

O governo dirá que os US$ 24 bilhões são praticamente o quádruplo de recursos


obtidos no FMI para fechar as contas externas de 2001. (Folha de S. Paulo. 15 ago.
2002. Caderno Brasil.)
Um sexto da população mundial não tem acesso à água. (Folha de S. Paulo. 1 mai.
2003. Caderno Ciência.)

Nos exemplos acima, temos quádruplo, multiplicativo, e sexto, distributivo,


que estabelecem o gênero masculino singular do grupo nominal.


 

Artigo
As palavras definidas como artigo são usadas de forma semelhante aos
adjetivos e aos pronomes demonstrativos, com o qual concorrem, como se
verá adiante. Formam uma classe muito fechada, contendo apenas oito ele-
mentos: o, os, a, as, um, uns, uma, umas. Como se vê, variam em gênero e em
número. Chamam-se definidos os artigos o, os, a, as e indefinidos os artigos
um, uns, uma e umas.
Os artigos ocorrem obrigatoriamente antes dos substantivos, com o qual
concordam em gênero e número, e sempre como as primeiras palavras de um
grupo nominal qualquer.

[...] logo em seguida os meus dois principais jogadores se machucaram e todo


o meu trabalho desmoronou. (Disponível em: <www2.uol.com.br/tododia/ano98/
agosto/dia23/>.)
Se quiser coloque uns três ou quatro pedaços de bacon na assadeira. (Disponível
em: <www1.uol.com.br/cybercook/receitas/>.)

Pronome
A classe gramatical dos pronomes pode ser subdividida em: pessoais, de-
monstrativos, possessivos, indefinidos, interrogativos e relativos.
Os pronomes pessoais têm uso semelhante aos substantivos. Referem-se
especialmente às chamadas pessoas do discurso: 1ª pessoa, 2ª pessoa e 3ª
pessoa. Trata-se de uma característica que os pronomes compartilham apenas
com os verbos e com alguns advérbios. Essas pessoas do discurso também
são flexões e, portanto, estabelecem concordâncias: pronomes de 1ª pessoa
desencadeiam o uso de formas verbais de 1ª pessoa nos verbos e, eventual-
mente, outros pronomes que estiverem relacionados a ele. Assim, aumentam-
se as flexões: gênero, número e pessoa.
Os pronomes pessoais de primeira pessoa indicam o próprio falante, autor
do discurso que se profere ou que se escreve. Sua forma mais óbvia é o pro-
nome eu, mas também ocorre como me ou mim, e na expressão comigo. O
pronome eu é usado exatamente como um substantivo, isto é, a partir dele
fazem-se as concordâncias das demais palavras do grupo nominal que ele
define. Dessa maneira, se o pronome eu reportar-se a um falante feminino,
todo o grupo nominal será feminino.

Se você não for lá, eu mesma vou. (SABINO, Fernando. No quarto de Valdirene.)

No exemplo, verifica-se que o pronome de 1ª pessoa eu é feminino, isto é,


reporta-se a um autor feminino do discurso. Assim, a concordância de mesma
com o gênero atribuído ao pronome é obrigatória. Na medida em que os pro-
nomes de primeira pessoa não recebem quaisquer marcas de variação de gê-
nero, este só pode ser apreendido a partir da análise da concordância das


 

palavras que se relacionam a ele. Os pronomes de primeira pessoa eu, me e


mim são exclusivamente singulares.
As formas me e mim, chamadas de oblíquas, são usadas apenas como
objeto de verbo e de preposição, respectivamente. Veremos seu uso mais de-
tidamente quando estivermos tratando da sintaxe.
Para o plural usam-se outras formas; as mais tradicionais são nós, nos e a
expressão conosco. Também se fazem as concordâncias a partir do pronome:
o gênero será o reportado pelo pronome, o número será sempre plural.

Isso é o que todas nós dizemos nas tuas condições, minha filha. (AZEVEDO, Aluísio.
Livro de uma sogra.)

É comum usar-se na fala corriqueira a forma a gente para indicar a primeira


pessoa plural. No entanto, deve-se cuidar para que não se confunda a concor-
dância dessa forma com a do pronome nós. Apesar de cristalizada, a gente é um
grupo nominal de terceira pessoa, com gênero feminino e número singular.

O enterro passara sob a minha janela; o morto eu o conhecera vagamente; no café


da esquina a gen
gentte se cumprimentava às vezes, murmurando “bom dia”. (BRAGA,
Rubem. Viúva na praia.)
Defrontar-se com a gente mesm
mesma é um susto. Mas pode ser um momento de
descoberta. (LUFT, Lya. Entrevista. Disponível em: <www.sinpro-rs.org.br/extra/
ago98/perfil.htm>.)

Note-se que a concordância com o verbo se dá pela terceira pessoa, como


no primeiro exemplo, e com o gênero feminino, como no segundo exemplo.
Saliente-se, ainda, que, apesar de reportar-se à primeira pessoa plural, a ex-
pressão é singular.
Os pronomes pessoais de segunda pessoa indicam o ouvinte, isto é, a
pessoa a quem se dirige o autor do discurso. Suas formas mais conhecidas e
apontadas nas gramáticas são tu, te, ti e a expressão contigo para o singular e
vós, vos e a expressão convosco para o plural, mas as mais usuais na fala
cotidiana são você para o singular, e vocês para o plural.
Há que se cuidar para que não se confundam essas formas de segunda
pessoa, sobretudo quando se tiver de fazer a concordância delas com o verbo.
Apesar de as formas você e vocês reportarem-se ao interlocutor do discurso, a
2ª pessoa, como se verá mais adiante, estabelecem uma concordância com o
verbo na 3ª pessoa. Assim, ao se optar pelo conjunto tu, ti, te e contigo, as
concordâncias de pessoa serão feitas especialmente a partir desses pronomes.
O mesmo se dá ao se optar pelo conjunto você e vocês, cujas concordâncias
também serão exclusivas. Não há que se misturar uma forma com a outra.

Enfim, tu faráss o que entendereses! Só te previno de que esta gente é muito


es
reparadeira! (AZEVEDO, Aluísio. Casa de pensão.)
Doravante o que você fizer é só seu e mais de seus filhos, se os tiver. (AZEVEDO,
Aluísio. O cortiço.)


 

Nos exemplos acima, ambos extraídos do mesmo autor, pode-se notar que
o uso da forma tu, primeiro caso, e da forma você, segundo caso, desencadei-
am a restrição do uso dessas formas.
A concordância no grupo nominal é semelhante aos outros casos. Con-
corda-se sempre com o pronome.

Lê tu mesma esta carta. (ASSIS, Machado de. A mão e a luva.)


O fato de você tentar ser você mesma e não se misturar nas intrigas incomodou os
outros participantes? (Folha de S. Paulo. 18 mar. 2002. Caderno Ilustrada.)

Os pronomes de terceira pessoa são ele, eles, ela, elas, se, si e a expressão
consigo. Como se vê, têm formas específicas para a variação de gênero e de
número. Pode-se dizer que a chamada terceira pessoa não é a primeira nem a
segunda, mas é o assunto sobre o qual se está discorrendo. Referem-se a fatos
estritamente lingüísticos, como a recuperação de idéias e sentidos que já fo-
ram falados.

Para garantir sua promessa, Senefelder procurou o impressor e propôs-se a ajudá-lo,


trabalhando ele mesmo na impressão. (Folha da Manhã. 4 ago. 1954. Arquivo da Folha.)

No exemplo acima, o pronome ele, no grupo nominal ele mesmo, reporta-


se ao nome Senefelder.
Os pronomes pessoais que vimos, eu, tu, você, vocês, nós, a gente, vós,
você, vocês, ele, eles, ela, elas, atuam de maneira semelhante a substantivos
no grupo nominal que definem.
Os pronomes possessivos têm uso semelhante ao de adjetivos. Recebem
marcas de gênero e de número baseadas na concordância com o substantivo a
que se referem.
1ª PESSOA 2ª PESSOA 3ª PESSOA
SINGULAR meu, meus teu, teus seu, seus
minha, minhas tua, tuas sua, suas
P LURAL nosso, nossos vosso, vossos seu, seus
nossa, nossas vossa, vossas sua, suas

Como se pode notar, as variações que os pronomes recebem quanto à


flexão são mais complexas do que as das demais classes variáveis. Recebem
marcas de gênero e número, concordando com o substantivo que define o
grupo nominal a que pertencem. Recebem marcas de pessoa que reportam a
pessoa do discurso a que se atribui a posse referida no substantivo.

Mas eu sei o que foram as minhas dores. (LISPECTOR, Clarice. Uma ira.)
Em outros braços tu resolves tuas crises
Em outras bocas
Não consigo te esquecer (FAGNER, Raimundo. Deslizes.)

Apesar de não ser tradicionalmente considerada como concordância, a


manutenção da pessoa definida pode ser tratada como tal na relação estabelecida


 

entre os pronomes. Assim, como no exemplo acima optou-se pela forma tu,
manteve-se a correlação com as formas tuas e te. Caso a opção fosse por você
a correlação seria com as formas suas e se.

Tu e tuas amigas não me deixariam esquecer de ti.


Você e suas amigas não me deixariam esquecer de você.

Pronomes demonstrativos recebem marcação de gênero, número e marca-


ção de pessoa.
1ª PESSOA 2ª PESSOA 3ª PESSOA
este, estes esse, esses aquele, aqueles
esta, estas essa, essas aquela, aquelas

A variação de pessoa entre os demonstrativos, entretanto, tem implicação


exclusivamente referencial, reportando-se tão somente à posição do fato referi-
do pelo substantivo em relação ao autor do texto. A rigor, pronomes demonstra-
tivos de primeira pessoa referem proximidade com o autor, de segunda pessoa
referem proximidade com o interlocutor e de terceira referem proximidade com
o assunto sobre o qual o autor e o interlocutor estão discorrendo.

[...] você precisa ver se acha por aí aquele trabalhinho que lhe mandei pra ler.
(ANDRADE, Mário de. Cartas de Mário de Andrade a Manuel Bandeira.)

No exemplo, o demonstrativo aquele reporta-se a um fato, trabalhinho,


que é conhecido do autor e do interlocutor mas não está junto de nenhum dos
dois.

Eu também estava sofrendo de — megalomania! Nem bem cheguei fui ler a carta
e estava certo. Que hei de fazer com esta cabeça cada vez pior! Outro dia falei uma
burrada dos diabos numa crítica musical. (ANDRADE, Mário de . Cartas de Mário de
Andrade a Manuel Bandeira.)

No exemplo acima, a cabeça a que se refere o autor é a sua própria cabe-


ça, o que justifica o uso do demonstrativo apropriado para a primeira pessoa.

— Rosa, que mal te fiz eu, para estares assim a amofinar-me com essas falas?
(GUIMARÃES, Bernardo. A escrava Isaura.)

No exemplo, o demonstrativo essas refere-se à fala do interlocutor, sendo,


portanto, próxima dele.
Muito embora esse seja o uso preconizado dos demonstrativos de primei-
ra e de segunda pessoa, dificilmente exemplos como esses podem ser encon-
trados. De maneira geral, o demonstrativo de segunda pessoa tem uso muito
mais generalizado, incluindo aí as funções que os de primeira pessoa teriam.
Basicamente usam-se os pronomes de segunda pessoa para apresentar proxi-
midade e os de terceira pessoa para apresentar distância, seja referente aos
próprios interlocutores seja referente ao momento específico da fala.

Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui
escravo não mais será escravo de ninguém. (VARGAS, Getúlio. Carta-testamento.)


 

No exemplo acima, o demonstrativo esse reporta-se ao povo anteriormen-


te referido no próprio texto.

Iniciei a construção de um novo balão e novo motor, este um pouco mais forte,
este
aquele um pouco maior. (DUMONT, Santos. O que eu vi.)

A diferença entre o uso de este e de aquele no exemplo está no distancia-


mento das expressões que cada um refere: este refere novo motor, expressão
próxima do demonstrativo, aquele refere novo balão, expressão distante do
demonstrativo.

Perdoe-me trazer o fato para esta carta, que comecei tomado de tristeza e dor de
sua grande perda. ( TEIXEIRA, Anísio. Correspondência . Disponível em:
<www.prossiga.br/anisioteixeira/>.)

No caso acima, com o uso do demonstrativo esta, de primeira pessoa, o


autor reporta-se à própria carta que ele está escrevendo.
Pronomes indefinidos também recebem concordância de gênero e núme-
ro com o substantivo a que se referem. Alguns, entretanto, são usados à seme-
lhança de substantivos, isto é, formam a base do grupo nominal.

PRONOMES INDEFINIDOS QUE PRONOMES INDEFINIDOS QUE


SE USAM COMO ADJETIVOS NÃO SE USAM COMO ADJETIVOS
algum, alguns alguém
alguma, algumas
nenhum, nenhuns ninguém
nenhuma, nenhumas
outro, outros algo
outra, outras
pouco, poucos nada
pouca, poucas
muito, muitos, outrem
muita, muitas
qualquer, quaisquer quem
quanto, quantos
quanta, quantas
todo, todos
toda, todas
vários
várias
certo, certos
certa, certas
tal
tais
certo
cada

Ainda que sejam pouco usuais, os indefinidos — nenhuns e nenhumas —


dos exemplos abaixo receberam as marcas de gênero e de número dos subs-
tantivos a que se relacionam, respectivamente adornos e satisfações.


 

Simples era a mobília, nenhuns adornos


adornos, uma estante de jacarandá, com livros
grossos in-quarto e in-fólio; uma secretária, duas cadeiras de repouso e pouco mais.
(ASSIS, Machado de. Helena.)
Não lhes satisfarei esta curiosidade porque não tenho satisfações nenhumas que
lhes dar. (URTIGÃO, Ramalho. Cartas a Emília.)

É possível também tomá-los como base de um grupo nominal. Nesse caso,


será a partir dele que se desencadeará a concordância dos elementos que for-
mam o grupo.

Ali tem sempre alguém imp or


impor tantte que merece ser aplaudido ou vaiado. (CONY,
tan
ortan
Carlos Heitor. Folha Online. Disponível em: <www.folha.uol.com.br>. Acessado em:
17 fev. 2004.)
O avião chegará em dezembro já pago, algo raro em contratos desse tipo. (Folha
Online. Disponível em: <www.folha.uol.com.br> Acessado em: 7 mai. 2004.)

Verbo
Os verbos são as palavras que, na língua portuguesa, mais variam em suas
flexões. Apesar de não compartilharem da variação de gênero, como as de-
mais palavras que vimos até agora, recebem marcação de pessoa, número,
tempo, aspecto, modo e voz.
A variação de pessoa, as mesmas dos pronomes, é obrigatória. Suas mar-
cas caracterizam-se por serem formas sufixais associadas ao radical do verbo,
com os devidos ajustes.

1ª pes. sing. canto


o vendo
o parto
o
2ª pes. sing. cantass vendess partess
3ª pes. sing. canta vende parte
1ª pes. plur. cantamos
mos vendemos
mos partimos
mos
2ª pes. plur. is
cantais is
vendeis is
partis
3a pes. plur. m
cantam m
vendem m
partem

Pode-se notar que as marcas são -o e -s, para a primeira e segunda pessoa
do singular, -mos, -is e -m para a primeira, segunda e terceira pessoa do plural.
Também se verifica que não há marca para a terceira pessoa do singular. Os
radicais verbais, nesse caso, são canta-, vende- e parti-. Cada um deles teve
de ter seus próprios ajustes para acondicionar as marcas de pessoa.
As marcas de pessoa dadas acima são as formas que se pode chamar de
canônicas da língua portuguesa; não são as mais usadas. Na fala coloquial, e
mesmo em textos escritos, formais ou não, essas mesmas marcas de pessoa
são usadas para referir pessoas do discurso diferentes dessas canônicas.

vós, minha menina, nada quereis saber? (PENA, Martins. As casadas solteiras.)
E vós

O uso da marca de segunda pessoa plural, bem como do pronome vós,


não está referindo senão uma única pessoa, a minha menina. Trata-se de um
uso respeitoso do pronome, muito comum, por exemplo, ao referir uma enti-
dade divina.


 

[...] a minha fé com os olhos fechados crê firmemente, Senhor, que estais nesse
Sacramento. (VIEIRA, Pe. Antônio. Sermão de quarta-feira de cinzas.)

A segunda pessoa plural, atualmente, é usada tomando-se o pronome vocês


para referi-la.

Todos vvo
ocês sab em que, quando tomei posse, a economia brasileira vivia um
sabem
momento dramático. (LULA DA SILVA, Luís Inácio. FolhaOnline. 7 abr. 2003.)

Também as demais marcações de pessoa no verbo são usadas para referir


outras pessoas do discurso.

Então — não sei se você se lembra — que a gente chegou e o homem do botequim
disse que o siri já tinha acabado. (PONTE PRETA, Stanislaw . Não sei se você se lembra.)

Assim, não se pode pensar em apreender as pessoas do discurso referidas


pelos verbos tão somente por suas marcas morfológicas. À maneira do que se
fez com os substantivos, também será a partir da concordância do verbo com
outras palavras que se poderá reconhecer a pessoa do discurso. Há que se
distinguir entre as marcas morfológicas de pessoa e as pessoas do discurso
propriamente ditas. As marcas morfológicas de pessoas consistem na flexão
do verbo.
À medida que as pessoas variam entre singular e plural, também o verbo
sofre essa variação. Cada pessoa, entretanto, terá sua própria marca
morfológica, isto é, não há uma marca de plural comum a todas as pessoas.
O verbo concorda com o grupo nominal a que imediatamente se relacio-
na. Se for um grupo nominal de terceira pessoa plural, o verbo receberá a
marca morfológica da terceira pessoa plural; se o grupo nominal for de pri-
meira pessoa singular, também o verbo deverá receber a marca de primeira
pessoa singular. Vale lembrar que as palavras você e a gente, apesar de referi-
rem a segunda pessoa singular e a primeira pessoa plural do discurso são
palavras da terceira pessoa singular, estabelecendo, portanto, que o verbo de-
verá receber a marca da terceira pessoa singular; vocês refere a segunda pes-
soa plural, mas é uma palavra de terceira pessoa, logo, o verbo, para concor-
dar com ela, deverá receber marca de terceira pessoa plural.

Ah! vocês querem levar outra sova ao dominó como a de sábado passado?
(QUEIRÓS, Eça de . Os maias.)
Você foi
O maior dos meus casos,
De todos os abraços
O que eu nunca esqueci (ROBERTO CARLOS. Outra vez.)
Então a gente começava a falar sobre as pessoas que a gente conhecia em
comum, ali no bairro [...] (Folha de S. Paulo. 5 mar. 2002. Caderno Ilustrada.)

A variação de tempo também ocorre com marcas morfológicas no verbo.


De fato, na maioria das vezes são morfemas que também indicam a variação
de pessoa.


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PRESENTE PASSADO FUTURO

1ª pes. sing. vendo


o vendii venderei
rei
2ª pes. sing. vendess ste
vendeste rás
venderás
3ª pes. sing. e
vende vendeu u rá
venderá
1ª pes. plur. vendemos
mos vendemos
mos venderemos
remos
2ª pes. plur. is
vendeis stes
vendestes reis
vendereis
3a pes. plur. m
vendem am
venderam rão
venderão

Não vou dizer que vender emos US$ 10 milhões amanhã. (Folha de S. Paulo. 24 nov.
enderemos
2003. Caderno Ilustrada.)
O time concentra três dos cinco atletas de Bernardinho que venceram a Copa do
Mundo. (Folha de S. Paulo. 6 dez. 2003. Caderno Esportes.)

É fácil perceber que os verbos venderemos e venceram reportam-se a tem-


pos diferentes: um ao futuro, outro ao passado, respectivamente.
A marcação de tempo, entretanto, não necessita vir especificamente como
parte da morfologia do verbo. Pode ocorrer de ela se realizar pela presença de
outro verbo que refira o tempo. O verbo ter, o verbo ir, o verbo haver, dentre
outros, podem fazer esse papel de marcadores de tempo. São chamados de
verbos auxiliares.
E ora não estamos apaixonados. Nossa comoção por essa moça é gratuita. O que
sentimos por ela é uma especie de gratidão. Não tínhamos pensado nisso; mas
agora nos damos conta de que sua presença é um favor da vida. (BRAGA. Rubem.
Folha da Manhã. 26 mai. 1946.)
Como eu falei, a imortalidade vai tornar nosso planeta superpovoado, vão surgir
problemas com alimento, com água, falta de espaço e, principalmente, falta de
recursos. (FolhaOnline. 30 set. 2003.)

Nos exemplos acima, os verbos pensar, tornar e surgir vão acompanha-


dos dos verbos auxiliares ter e ir: tínhamos pensado, vai tornar e vão surgir.
Estes dois últimos referem acontecimentos que deverão ocorrer, futuros; aquele
primeiro refere acontecimento que já ocorreu, passado. O fato de o verbo
necessitar de um auxiliar para a marcação de suas flexões é conhecido como
locução verbal.
A variação de aspecto verbal vem tradicionalmente apresentada pelos
nomes perfeito e imperfeito. Assim, há o tempo passado perfeito, como é o
caso de vocês falaram e o tempo passado imperfeito¸ como é o caso de vocês
falavam. A diferença entre essas duas formas, uma com o morfema -ram e
outra com o morfema -vam, é que a primeira refere um fato que aconteceu
num determinado tempo e terminou, esse é o aspecto perfectivo, e a segunda
refere um fato durante a sua ocorrência, isto é, antes do seu término, é o
imperfectivo. Normalmente, usa-se o segundo caso quando se quer fazer refe-
rência a dois fatos que ocorrem em tempo simultâneo.

Tapava os ouvidos quando os outros fala


apav vam
falavam, dava murros na parede, dizia palavrões.
(MACHADO, Alcântara. Contos avulsos.)
[...] essa moça, tão criança, era inteiramente mulher quando os olhos dela
encontravam os dele [...] (ASSIS, Machado de. Casa velha.)


 

Nos exemplos acima — tapava, falavam, no primeiro, era e encontravam,


no segundo —, pode-se notar que em ambos os casos os fatos referidos ocor-
rem simultaneamente a outros: “tapar os ouvidos” em relação a “falar” e “ser
inteiramente mulher” em relação a “encontrarem-se os olhos um o do outro”.
Deve-se atentar para o fato de que há referência a uma duração no tempo refe-
rido pelo verbo, de maneira que seja perceptível a simultaneidade dos fatos.
A marcação morfológica de aspecto no verbo, por vir acomodada tanto à
marcação de pessoa quanto à de número e à de tempo, não é fácil de ser
apreendida. Nas locuções verbais, entretanto, o aspecto vai ocorrer separada-
mente da marcação de tempo, isto é, o tempo vai marcado no verbo auxiliar e
o aspecto vai marcado no verbo principal. Nesse caso, a marca de aspecto
imperfectivo será o gerúndio, cuja característica morfológica é a sua termina-
ção em -ndo: comprando, vendendo, partindo, compondo etc.

— Isso é um crime, ouviu?, é um crime o que vocês estão fazendo com esse rapaz!
(RODRIGUES, Nelson. Delicado.)
— Ei, Nicolino! NICOLINO!
— Que é?
— Você está fic ando surdo, rapaz! A Grazia passou agorinha mesmo. (SABINO,
ficando
Fernando. Como nasce uma história.)

Nos dois casos, os verbos fazer e ficar têm a marca morfológica -ndo
referindo um fato durante o seu desenvolvimento. No primeiro exemplo, a
maldade que se está fazendo com o rapaz está sendo referida no momento da
fala do locutor; da mesma maneira o hipotético ensurdecimento do Nicolino,
que parece estar se acentuando naquele mesmo instante em que ele é chama-
do. Note que as ações estão sendo referidas no tempo presente, relativamente
ao locutor, e durante o momento da fala do locutor: um tempo presente e um
aspecto imperfectivo.
Deve-se entender que o aspecto verbal refere o fato tomando-o sob três
pontos de vista: o seu início, o seu decorrer e o seu final. Assim, as marcas
aspectuais estarão sempre voltadas para um desses pontos de vista.

INÍCIO DECORRER FINAL


vi comecei a correr estive correndo acabei de correr
continuo correndo
via começava a correr estava correndo acabava de correr
continuava correndo
verei começarei a correr estarei correndo acabarei de correr
vou ver vou começar a correr vou estar correndo vou acabar de correr

As variações de modo na língua portuguesa foram tradicionalmente agru-


padas segundo as variações morfólogicas que os verbos apresentam. Normal-
mente são definidos os modos indicativo, subjuntivo e imperativo, para o
português. A situação, entretanto, é um pouco mais complicada do que isso.
Os modos verbais referem a participação do locutor no fato referido pelo
verbo. À semelhança do aspecto, também o modo pode ser referido pela jun-
ção de morfemas ao verbo ou pelo uso de verbos auxiliares. No primeiro
caso, teremos as marcações mais clássicas dos modos indicativo e subjuntivo.


 

PRESENTE INDIC
INDICAATIV
TIVOO SUBJUNTIVO

corro corra
corremos corramos
correm corram
PASSADO corri corresse
corremos corrêssemos
correram corressem
FUTURO correrei correr
correremos corrermos
correrão correrem

As variações morfológicas do modo verbal ocorrem conjuntamente com


as variações de tempo e de aspecto. De uma maneira mais geral, pode-se dizer
que o modo subjuntivo difere do indicativo porque neste o falante faz uma
afirmativa segura do fato e naquele ele não faz.

A prova é que se dependesse de mim casá-lo, casava-o amanhã mesmo. (ASSIS,


Machado de. Iaiá Garcia.)

O verbo depender do exemplo acima está no modo subjuntivo. A afirma-


ção feita não é suficiente para apresentar o fato, que, no caso, é apenas um
conjectura, deixando claro que o casamento não dependia do autor da frase. Se
alterássemos o modo para o indicativo, teríamos uma frase bastante diferente:
A prova é que se depende de mim casá-lo, caso-o amanhã mesmo.

Nesse exemplo, o casamento depende ou pode depender do autor da fra-


se. Note que o mesmo não se pode dizer do verbo casar, em nenhum dos dois
exemplos, nos dois casos essa seria uma possibilidade.
A variação do modo morfologicamente marcado não apresenta caracterís-
ticas semânticas fortes para a sua apreensão. Suas características fundamen-
tais são a sua exigência em algumas construções. É o caso de talvez.

Quem sabe se não seria melhor abandonar duma vez esses sonetos indiscretos?
Repare que talv ez eles também per
talve erttençam um bocado àquele “ruim esquisito”
que você inventou com tanta felicidade. (ANDRADE, Mário de. Cartas de Mário de
Andrade a Manuel Bandeira.)

Ao usar a palavra talvez o verbo foi usado no subjuntivo. Mas a vinculação


entre o modo subjuntivo não se dá somente com palavras, dá-se, também,
com orações. Como se verá mais adiante, orações dependentes são construídas
com verbos no modo subjuntivo. Apenas quando se deseja propor uma vari-
ação ou um efeito de sentido qualquer é que os verbos das orações dependen-
tes não ficam no subjuntivo.
O modo manifesta-se com muito mais clareza nas locuções verbais. Nesse
caso, da mesma maneira que o aspecto, será o verbo auxiliar que definirá o
modo, isto é, qual é a participação do sujeito no sentido referido pelo verbo.

O sr. Cotegipe disse que o Partido Conservador quer ia


ia, p odia e de
queria via ampliar a
devia
lei de 28 de setembro. (PATROCÍNIO, José do. A campanha abolicionista.)


 

No exemplo, o verbo ampliar ocorre modificado pelos auxiliares querer,


poder e dever. São marcadores de modo. Como se nota, o modo pode ser
cumulativo. A relação que o autor quer estabelecer entre o Partido Conserva-
dor e a ampliação da lei de 28 de setembro vai expressa exatamente pelos
verbos auxiliares. Não se trata, pois, de estabelecer-se uma relação apenas
formal de concordância entre o grupo nominal o Partido Conservador e o
verbo ampliar, mas, principalmente, de acrescentar a essa relação outros vín-
culos que não podem ser expressos apenas pela morfologia verbal.
É notável que as relações entre as palavras vão se tornando cada vez mais
complexas e estabelecendo uma rede de coesões ora semânticas, ora
morfológicas, que dificilmente se deixam analisar independentemente. O uso
do verbo ampliar acima, por exemplo, resulta de complexa formação de
morfemas (amplia+r), de pessoa (3ªpes.), número (sing.), tempo (passado),
aspecto (imperf.), modo (dever), além de ser uma locução verbal; tudo isso
para concordar com um grupo nominal (o Partido Conservador) que também
se constitui de partes como essas.
Todas essas partes juntas formam outras partes que também se concatenam
formando outras partes ainda maiores, cada qual exigindo seus próprios me-
canismos de coesão. Alguns desses mecanismos, serão abordados na próxima
apostila: as classes de palavras invariáveis, como advérbio, conjunção, pre-
posição e a sintaxe frasal.

Atividades
1) Leia os textos abaixo e responda às questões.
Finalmente, a Firjan defende a imediata construção de uma refinaria para 220
mil barris por dia no norte fluminense. Alega que a inexistência dessa refinaria faz
com que o Brasil tenha de exportar petróleo bruto e importar seus derivados,
perdendo US$ 5 por barril. (ALVES, M. O Globo.)
A peritonite [pode ser] provocada por substâncias vindas do exterior (no caso
de ferimentos penetrantes) ou do interior, por contaminação com o conteúdo das
vísceras (perfuração do estômago ou do intestino). (FERIMENTO de abdome. Dis-
ponível em: <www.rafe.com.br/sql_enciclopedia/>.)
Embora as palavras exportar e importar, no primeiro texto, e exterior e
interior no segundo refiram ambientes diferentes, os prefixos ex- e im- têm a
mesma significação. Discrimine os ambientes que são referidos por essas pa-
lavras, apontando as semelhanças de seus prefixos.

2) Leia os textos abaixo e responda às questões.


Dessa exploração resultará o reconhecimento de figuras tridimensionais (como
cubos, paralelepípedos, esferas, cilindros, cones, pirâmides etc.) e bidimensionais
(como quadrados, retângulos, círculos, triângulos, pentágonos etc.) e a identifica-
ção de suas propriedades. (Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática.)
Um dos principais ídolos do time do Parque São Jorge na última década,
Marcelinho foi tricampeão paulista pelo clube (1995, 97 e 99), bicampeão brasi-


 

leiro (98 e 99), e conquistou a Copa do Brasil, em 95, e o Mundial de Clubes da Fifa,
no início do ano passado. (FolhaOnline. 30 jan. 2001. Esportes.)
Na Bolsa de Tóquio, as ações da Toshiba fecharam em queda de 4,7%. As vendas
do grupo no período recuaram para 2,511 trilhões de ienes (US$ 20,49 bilhões), de
2,816 trilhões de ienes em igual período de 2000. (Agência Estado. Disponível em:
<www.estadao.com.br>. 28 jan. 2001.)
Dali tombavam os mortos e os feridos, alguns até ao fundo da garganta, embai-
xo, por onde tinham entrado os sessenta homens do esquadrão de lanceiros e a
divisão de artilharia, quebrando-se, ambos, de encontro a forte trincheira posta de
uma e outra margem do rio, na bifurcação das duas bocainas, feito uma represa.
(CUNHA, Euclides da. Os sertões.)
Nos textos acima, as palavras grifadas iniciam-se com as sequências tri e
bi. Aponte os casos em que essas seqüências são morfemas em ambas as
palavras de cada parágrafo, justificando as suas decisões.

3) Discuta a formação morfológica, se possível, das palavras grifadas abai-


xo, apontando-lhes a forma básica de que derivaram.
A memória, coitadinha, aos pandarecos, sobretudo para o presente e para os
nomes. Além disto, uma certa angústia em relação a compromissos e coisas marcadas
a fazer. Creio que muito disto é velhice, mas custa-me aceitar. Perdoe-me essa cho-
ramingada. (TEIXEIRA, Anísio. Correspondências.)

4) Tomando as palavras grifadas nos textos abaixo, aponte suas formas


básicas e a sua morfologia derivacional.
Sempre evito ser veemente, tribunícia, altissonante, nas minhas reclamações,
mas esse caso dos meninos de rua nos tira a todos da serenidade. (SUPLICY, Eduar-
do. Discursos. 1995.)
O atual Presidente foi Ministro da Fazenda, responsável pela política creditícia
dos bancos oficiais. (SUPLICY, Eduardo. Discursos. 1995.)
O assunto da aposentadoria de ex-presidentes foi tratado pelo Senado Federal e
foi aprovado que os ex-presidentes que tiverem completado o seu mandato farão jus
a uma aposentadoria correspondente à remuneração de presidente, e de maneira
vitalícia. (SUPLICY, Eduardo. Discursos. 1995.)
Coube ao agronegócio e à indústria alimentícia a vanguarda bem-sucedida da
economia no ano passado. (LOBÃO, Edison. Discursos. 2002.)


 

5) Nos fragmentos de texto abaixo, localize os substantivos e defina gêne-


ro e número para cada, explicitando suas opções.
A razão, como a ciência, são apenas meios que ajudam nossas decisões se faze-
rem mais inteligentes. (TEIXEIRA, Anísio. Correspondência.)
Aproveite o calor para usar calças jeans leves e soltas. De dia, vista com tops e
tênis. À noite, com blusas e sandálias altas. (Revista Contigo, 1 dez. 2001.)

6) Leia os textos abaixo, localize os substantivos e transcreva-os a eles e


às palavras que concordam com eles, apontando-lhes gênero e número.
À hora em que vou chegando a casa, está o palhaço, e estão os seus companhei-
ros refazendo as forças com o bife e o vinho da ceia, e rindo-se, ainda por cima,
porque a féria foi boa. (ALMEIDA, Júlia. Livro das donas e donzelas.)
O meu Príncipe bebeu da água nevada e luzidia da fonte, regaladamente, com os
beiços na bica; apeteceu a alface rechonchuda e crespa; e atirou pulos aos ramos
altos duma copada cerejeira, toda carregada de cereja. (QUEIRÓS, Eça de. As cida-
des e as serras.)

7) Localize os substantivos no texto abaixo e transcreva-os, alterando-


lhes gênero e número.
As velhas sorviam a pequenos goles pelos pires, escolhiam cuidadosamente as
torradas; sentia-se o mastigar ruminado dos queixos; e por causa dos pingos da
manteiga e das nódoas do chá, estendiam prudentemente os lenços sobre o regaço.
(QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro.)


 

8) Reescreva abaixo as palavras grifadas, alterando-lhes o número. Des-


creva variações apresentadas entre elas.
Não há nenhuma menção sobre a correção da tabela do imposto de renda nem
sobre os impostos previstos pela Emenda Constitucional nº 31, que criou o Fundo
de Combate à Pobreza. (GENOÍNO, José. Diversos pronunciamentos e artigos. 2001.)
Pequeno, já um tanto curvado, chupado de rosto, com um pince-nez azulado,
todo ele traía a profissão, os seus gostos e hábitos. (BARRETO, Lima. O triste fim de
Policarpo Quaresma.)

9) Justifique por que nas expressões lanternas de luz vermelha e lanterna


vermelha o adjetivo vermelha ora concorda em número com o substantivo
lanterna, ora não.

10) Leia o texto abaixo, e aponte as diferenças de sentido que se manifes-


tam pelo uso do adjetivo pobre nas duas vezes em que aparece.
[...] o assassinato de um pobre velho, aleijado, inofensivo, pobre, a pauladas, faz
parecer a toda a gente que há, soltos e esbarrando conosco nas ruas, nas praças, nos
bondes, nas lojas, nos trens, matadores, que só o são por prazer de matar, sem ne-
nhum interesse e sem nenhuma causa. (BARRETO, Lima. Clara dos Anjos.)

11) Comente a formação do número nos adjetivos correspondentes à cor


dos olhos.
Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos [...]
(ANDRADE, Mário de. Macunaíma.)
O Dick! Ela tem um nariz levantado,
Os olhos verdinhos bastante puxados
Cabelo castanho e uma pinta do lado? (JOBIM, Tom; BLANCO, Billy. Teresa da
praia.)


 

12) Os termos sangüínea e laranja relacionam-se a tipos de frutas. Foram usa-


dos para caracterizar o substantivo nuvens. Descreva como foi feita essa caracteri-
zação e por que não foi feita concordância com o termo a que se relacionam.
Do lado das colinas ia subindo um crepúsculo esfumado, e as nuvens cor de
sangüínea e cor de laranja que anunciam o calor faziam, sobre os lados do mar, uma
decoração muito rica. (QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro.)

13) No texto abaixo, o autor descreve a diferença entre duas chapelarias.


Indique os elementos lingüísticos que ele usou para mostrar essa diferença.
Um chapeleiro passa por uma loja de chapéus; é a loja de um rival, que a abriu
há dois anos; tinha então duas portas, hoje tem quatro; promete ter seis e oito. Nas
vidraças ostentam-se os chapéus do rival; pelas portas entram os fregueses do rival;
o chapeleiro compara aquela loja com a sua, que é mais antiga e tem só duas portas,
e aqueles chapéus com os seus, menos buscados, ainda que de igual preço. (ASSIS,
Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.)

14) Comente a concordância dos numerais abaixo, apontando os substan-


tivos com os quais se relacionam.
Perturbavam-se-lhes, então, as vistas, no emaranhado dos casebres, esbatidos
embaixo. E contavam: uma, duas, três, quatro mil, cinco mil casas! Cinco mil casas
ou mais! Seis mil casas, talvez! Quinze ou vinte mil almas — encafurnadas naquela
tapera babilônica [...] (CUNHA, Euclides da. Os sertões.)

15) Seqüências numéricas podem ser usadas para expressar gradação de


valores. Essa parece ter sido a tentativa que vai descrita no texto abaixo. Indi-
que o recurso lingüístico que o autor utilizou para propor essa gradação.
Eu acredito que o melhor é disputar posição ímpar. Já que não podemos ser
campeões, o quinto é melhor que o sexto, o sétimo é melhor que o oitavo, o 11º é
melhor que o 12º. (O jogador Juninho. Folha de S. Paulo. 6 dez. 2003.)


 

16) No texto abaixo, qual foi o recurso lingüístico usado pelo autor para
caracterizar o olhar por meio de óculos, ou pince-nez, de Dona Sebastiana?
— Por que não advoga? perguntou Dona Sebastiana, rindo, com seu quádruplo
olhar altaneiro, da filha ao caboclo que, na sua frente e a seu mando, se sentavam
juntos. (BARRETO, Lima. Milagre de Natal.)

17) Nos grupos nominais abaixo indique o termo com os quais os artigos
se relacionam.
— Pobre animal! pobre animal! — dizia o Borges, fechando-se no quarto. —
Como tudo se vai transformando em minha vida! Já não possuo os meus dois me-
lhores amigos, os únicos que me restavam: o Barroso e o Urso! (AZEVEDO, Aluísio.
Filomena Borges.)

18) Nos textos abaixo, os artigos estão ora na forma masculina ora na
feminina. Justifique essa variação.
Estiveram presentes nesta grande prova, todos os melhores ginastas nacionais.
(Jornal Torrejano. Disponível em: <www.jornaltorrejano.pt>. Acesso em: 3 mai. 2003.)
A ginasta, medalha de ouro no solo no Mundial de Anaheim, deve participar da
Copa Americana, evento que reúne as melhores ginastas do continente. (Folha de
S. Paulo. 7 dez. 2003. Caderno Esportes.)

19) No trecho da peça que vai transcrito abaixo, cada uma das persona-
gens usa de uma forma pronominal diferente da outra para referir-se ao outro
e, também, a si próprio. Mostre essas diferenças.
GUSTAVO — Ora! Saber para quê? Que remédio podes dar-me? O que eu quero
é dinheiro! É de dinheiro que eu preciso! Tu o tens para mo emprestar?
LOURENÇO (Tirando do bolso, dinheiro embrulhado num lenço sujo.) — Aqui
estão minhas economias, juntadas vintém por vintém... Se vossemecê precisa, Lou-
renço faz muito gosto... (AZEVEDO, Artur; DUARTE, Urbano. O escravocrata.)


 

20) Leia o texto abaixo e diga qual é a proximidade dos cortes a que refere
a moça.
A moça reclamava:
— Mamãe! Escolha; qual é mais bonito, este corte cinzento ou aquele branco e
preto? (ALMEIDA, Júlia. A viúva Simões.)

21) Os pronomes indefinidos alguém e ninguém têm valores diferentes quan-


to à existência ou não de uma pessoa referida. Tomando o exemplo abaixo,
mostre como se dá essa variação de presença referida por ambos os pronomes.
Aos seus exames ninguém assistia, nem por eles alguém se interessava; contu-
do, foi sempre regularmente aprovado. (BARRETO, Lima. O filho de Gabriela.)

22) Nos fragmentos abaixo, a palavra senhor é usada distintamente. Diga


como é esse uso em cada um dos casos.
O trabalho é o senhor dos homens livres. (AZEVEDO, Aluísio. A condessa de Vésper.)
Sr. Albuquerque, penso que poeta aqui é o senhor... (BARRETO, Lima. Numa e
a Ninfa.)

23) Nos textos abaixo, os verbos ir e falar apresentam características bas-


tante distintas. Aponte, por um lado, a diferença entre os usos de falar e, por
outro, entre os usos de ir.
Pelo sim pelo não, Fernando Henrique armou seu esquema: vai falar por último
e dar o troco, se preciso for. (CHAGAS, H. O Globo.)
Itamar afirmou que só falará com jornalistas após a reunião do Diretório. (O
Globo On-line. 5 dez. 2001.)
Daí a instantes, aproximou-se da porta a carrocinha que vai ao mercado.
(BARRETO, Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha.)


 

24) O uso de diferentes modos verbais produz uma variação de sentido


quanto à participação do sujeito na ação descrita pelo verbo. Mostre essa va-
riação tomando os exemplos abaixo: queriam ver e quisessem ver.
Encheram-se as janelas de curiosos que queriam ver a criança. (CAMINHA,
Adolfo. Tentação no país dos ianques.)
Sarney procurou demonstrar isenção no processo, mas partiu dele o aviso de que
algo teria de ser feito pelos líderes caso não quisessem ver a CPI instalada, pois ele
não assumiria o ônus sozinho. (Primeira leitura. Disponível em: <www.
primeiraleitura.com.br>. 6 mar. 2004.)

Sugestões de leitura
Para uma leitura complementar, há algumas obras que devem ser referi-
das; são as que vão abaixo. No entanto, há que referir-se também os dicioná-
rios e gramáticas da língua portuguesa: o Dicionário Houaiss da língua por-
tuguesa, editado pelo Instituto Antônio Houaiss, o Novo Aurélio, século XXI,
editado pela Melhoramentos, e o Michaelis, moderno dicionário da língua
portuguesa, editado pela Nova Fronteira, são os mais completos que estão
disponíveis nas bibliotecas de maneira geral. É importante acostumar-se a
consultar as obras que fogem dos resumos, ainda que tenham um acesso mais
difícil. Dentre as gramáticas, há que citar a Nova gramática portuguesa de
Celso Cunha e Lindley Cintra, a Moderna gramática brasileira de Celso Pedro
Luft, e a Moderna gramática portuguesa de Evanildo Bechara, tanto na 37ª
ed., que foi revista e ampliada, editada pela Lucerna, quanto nas anteriores a
essa, editadas pela Companhia Nacional. Como obras de referência, ainda há
os dicionários de regência nominal e verbal, de Celso Pedro Luft, ambos edi-
tados pela Ática, bem como o Dicionário de regimes de substantivos e adjeti-
vos e o Dicionário de verbos e regimes, ambos de Francisco Fernandes, edita-
dos pela Globo.
Não se deve fiar, entretanto, somente nas leituras de referência, pois essas
estarão dependendo especialmente da capacidade de memorização. Deve-se
enfatizar a leitura de obras diversas, sobretudo aquelas cujos autores mostrem
uma preocupação com o uso da linguagem para além de seu uso corriqueiro.
Assim, tanto obras literárias quanto científicas serão proveitosas quando fo-
rem freqüentes e resultarem de um trabalho cuidadoso.

Bibliografia
ALVES, Ieda Maria. Neologismo. Criação lexical. São Paulo: Ática, 1994.
BACCEGA, Maria Aparecida. Concordância verbal. São Paulo: Ática, 1994.
COSTA, Sônia Bastos Borba. O aspecto em português. São Paulo: Con-
texto, 1990.
ILARI, Rodolfo. A expressão do tempo em português. São Paulo: Contex-
to/Educ, 1997.
SANDMANN, Antônio José. Formação de palavras no português brasi-
leiro contemporâneo. Curitiba: Scientia et Labor/Ícone, 1988.
VIARO, Mário Eduardo. Por trás das palavras: manual de etimologia do
português. São Paulo: Globo, 2004.


Língua
Portuguesa

Organizadores
Maria Lúcia V. de Oliveira Andrade
Neide Luzia de Rezende
Valdir Heitor Barzotto

Elaborador
Waldemar Ferreira Netto
3
módulo

Nome do Aluno
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Governador: Geraldo Alckmin
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
Secretário: Gabriel Benedito Issac Chalita
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP
Coordenadora: Sonia Maria Silva

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


Reitor: Adolpho José Melfi
Pró-Reitora de Graduação
Sonia Teresinha de Sousa Penin
Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária
Adilson Avansi Abreu

FUNDAÇÃO DE APOIO À FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FAFE


Presidente do Conselho Curador: Selma Garrido Pimenta
Diretoria Administrativa: Anna Maria Pessoa de Carvalho
Diretoria Financeira: Sílvia Luzia Frateschi Trivelato

PROGRAMA PRÓ-UNIVERSITÁRIO
Coordenadora Geral: Eleny Mitrulis
Vice-coordenadora Geral: Sonia Maria Vanzella Castellar
Coordenadora Pedagógica: Helena Coharik Chamlian

Coordenadores de Área
Biologia:
Paulo Takeo Sano – Lyria Mori
Física:
Maurício Pietrocola – Nobuko Ueta
Geografia:
Sonia Maria Vanzella Castellar – Elvio Rodrigues Martins
História:
Kátia Maria Abud – Raquel Glezer
Língua Inglesa:
Anna Maria Carmagnani – Walkyria Monte Mór
Língua Portuguesa:
Maria Lúcia Victório de Oliveira Andrade – Neide Luzia de Rezende – Valdir Heitor Barzotto
Matemática:
Antônio Carlos Brolezzi – Elvia Mureb Sallum – Martha S. Monteiro
Química:
Maria Eunice Ribeiro Marcondes – Marcelo Giordan
Produção Editorial
Dreampix Comunicação
Revisão, diagramação, capa e projeto gráfico: André Jun Nishizawa, Eduardo Higa Sokei, José Muniz Jr.
Mariana Pimenta Coan, Mario Guimarães Mucida e Wagner Shimabukuro
Cartas ao
Aluno
Carta da
Pró-Reitoria de Graduação

Caro aluno,
Com muita alegria, a Universidade de São Paulo, por meio de seus estudantes
e de seus professores, participa dessa parceria com a Secretaria de Estado da
Educação, oferecendo a você o que temos de melhor: conhecimento.
Conhecimento é a chave para o desenvolvimento das pessoas e das nações
e freqüentar o ensino superior é a maneira mais efetiva de ampliar conhecimentos
de forma sistemática e de se preparar para uma profissão.
Ingressar numa universidade de reconhecida qualidade e gratuita é o desejo
de tantos jovens como você. Por isso, a USP, assim como outras universidades
públicas, possui um vestibular tão concorrido. Para enfrentar tal concorrência,
muitos alunos do ensino médio, inclusive os que estudam em escolas particulares
de reconhecida qualidade, fazem cursinhos preparatórios, em geral de alto
custo e inacessíveis à maioria dos alunos da escola pública.
O presente programa oferece a você a possibilidade de se preparar para enfrentar
com melhores condições um vestibular, retomando aspectos fundamentais da
programação do ensino médio. Espera-se, também, que essa revisão, orientada
por objetivos educacionais, o auxilie a perceber com clareza o desenvolvimento
pessoal que adquiriu ao longo da educação básica. Tomar posse da própria
formação certamente lhe dará a segurança necessária para enfrentar qualquer
situação de vida e de trabalho.
Enfrente com garra esse programa. Os próximos meses, até os exames em
novembro, exigirão de sua parte muita disciplina e estudo diário. Os monitores
e os professores da USP, em parceria com os professores de sua escola, estão
se dedicando muito para ajudá-lo nessa travessia.
Em nome da comunidade USP, desejo-lhe, meu caro aluno, disposição e vigor
para o presente desafio.

Sonia Teresinha de Sousa Penin.


Pró-Reitora de Graduação.
Carta da
Secretaria de Estado da Educação

Caro aluno,
Com a efetiva expansão e a crescente melhoria do ensino médio estadual,
os desafios vivenciados por todos os jovens matriculados nas escolas da rede
estadual de ensino, no momento de ingressar nas universidades públicas, vêm se
inserindo, ao longo dos anos, num contexto aparentemente contraditório.
Se de um lado nota-se um gradual aumento no percentual dos jovens aprovados
nos exames vestibulares da Fuvest — o que, indubitavelmente, comprova a
qualidade dos estudos públicos oferecidos —, de outro mostra quão desiguais
têm sido as condições apresentadas pelos alunos ao concluírem a última etapa
da educação básica.
Diante dessa realidade, e com o objetivo de assegurar a esses alunos o patamar
de formação básica necessário ao restabelecimento da igualdade de direitos
demandados pela continuidade de estudos em nível superior, a Secretaria de
Estado da Educação assumiu, em 2004, o compromisso de abrir, no programa
denominado Pró-Universitário, 5.000 vagas para alunos matriculados na terceira
série do curso regular do ensino médio. É uma proposta de trabalho que busca
ampliar e diversificar as oportunidades de aprendizagem de novos conhecimentos
e conteúdos de modo a instrumentalizar o aluno para uma efetiva inserção no
mundo acadêmico. Tal proposta pedagógica buscará contemplar as diferentes
disciplinas do currículo do ensino médio mediante material didático especialmente
construído para esse fim.
O Programa não só quer encorajar você, aluno da escola pública, a participar
do exame seletivo de ingresso no ensino público superior, como espera se
constituir em um efetivo canal interativo entre a escola de ensino médio e
a universidade. Num processo de contribuições mútuas, rico e diversificado
em subsídios, essa parceria poderá, no caso da estadual paulista, contribuir
para o aperfeiçoamento de seu currículo, organização e formação de docentes.

Prof. Sonia Maria Silva


Coordenadora da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
Apresentação
da área
Os módulos de Língua Portuguesa deste curso constituem uma forma de levar
você, aluno de ensino médio, a refletir sobre a sua língua materna, oferecendo sub-
sídios para melhoria e aprimoramento de seus conhecimentos lingüísticos.
Compusemos o material numa progressão que leva em conta, em primeiro lugar,
o seu processo de amadurecimento. Assim, partindo de realidades vivencialmente
próximas, o grau de abstração se intensifica dentro da cada unidade e de um módulo
para outro.
Estruturamos os módulos em torno de uma posição fundamental: os tópicos gra-
maticais e textuais constantes do currículo do ensino médio só assumem seu signifi-
cado pleno quando focalizados a partir da linguagem, entendida como faculdade
inerente ao ser humano, pela qual ele interage com seus semelhantes. Por essa razão
não fizemos uma separação rígida de assuntos, o que deturparia o caráter essencial-
mente flexível dos problemas de linguagem.
Dentro desta perspectiva, foram organizados os quatro módulos de Língua Por-
tuguesa e seus respectivos conteúdos: variabilidade da linguagem e noção de nor-
ma, morfossintaxe das classes de palavras, processos de organização da frase, orga-
nização e articulação do texto, o problema da significação e os recursos de estilo.
Preocupamo-nos com que as aulas levem você a refletir criticamente sobre sua
vivência lingüística e, em contato com as normas gramaticais vigentes, habilitem-no a
interpretar e a produzir textos representativos das mais diversas situações interacionais.
Com o material que preparamos, você terá a oportunidade de rever os pontos
mais importantes sobre a Língua Portuguesa e fazer atividades para avaliar seu pro-
gresso e possíveis dificuldades.
Procure ver essa fase de estudos como mais uma oportunidade de aprendizagem
sobre o mundo, a sociedade em que vive e sobre você mesmo. Se você entrar nela
com esse espírito, seguramente sairá dela enriquecido – não apenas de conhecimen-
tos para ingressar na Universidade, mas também de informações e pontos de vista
novos que servirão em toda a sua vida. Daí, sim, você poderá olhar o mundo com
confiança. Você pode não se transformar em um cientista, mas será sem dúvida uma
pessoa que tem conhecimentos e informações e é capaz de usá-los da melhor manei-
ra possível. Afinal, vale a pena investir em você mesmo.

Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade


Coordenadora de Língua Portuguesa
Apresentação
do módulo
Este módulo procura abarcar os mecanismos de formação da frase e de
manutenção de sua coerência interna. A ênfase maior foi dada aos conectivos,
que agrupam elementos, e às funções sintáticas que os grupos nominais assu-
mem nas orações. Não se preocupou com a definição de terminologia deta-
lhada, para que se estimule uma compreensão mais global do processo de
formação de frases. No módulo 2, tratamos da formação de grupos nominais.
Neste módulo, a atenção estará voltada para as articulações desses grupos
nominais. Ao final de cada unidade, há um conjunto de exercícios e algumas
sugestões de leitura. É interessante, porém, que o treino da compreensão das
frases não se limite aos fragmentos de textos ora apresentados, mas que o
aluno reconheça as mesmas estruturas sintáticas e estratégias de formação de
frases em qualquer texto. A gramática é a parte mais íntima da linguagem e,
independentemente do conhecimento terminológico que se usa para explicitá-
la, é conhecida por todos os falantes desde os primeiros anos de vida. Resta-
nos saber explorar esse conhecimento prévio, trazendo-o à tona, para que
possamos nos fazer entender cada vez mais da melhor maneira possível.
Unidade 1

Palavras invariáveis
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
Advérbios Rezende

A classe de palavras dos advérbios comporta uma variedade bastante grande Valdir Heitor
de formas. De maneira geral, caracterizam-se por não estabelecer relações de Barzotto
concordância obrigatória com outras palavras da oração. São elementos que Elaboradores
modificam o sentidos de palavras e de orações, acrescentando-lhes novas in- Waldemar
formações. Ferreira Netto
Tempo e lugar são circunstâncias bastante características da informação dos
advérbios. De maneira geral, mesmo sem fazer concordância, nesses casos, os
advérbios têm alguma relação com a pessoa e o tempo das palavras com que se
relacionam. No exemplo abaixo, repare nos advérbios ontem e hoje.
– Não sei... disse o pai; o fato é que ela estava ontem muito bem disposta e hoje
hoje, ao
contrário, está impertinente como nunca! AZEVEDO, Aluísio. Girândola de Amores.

Como ontem é um advérbio que indica passado e hoje é um advérbio que


indica presente, também os verbos aparecem com tempo passado e presente,
estava e está, respectivamente. Essa não é uma relação obrigatória, como se
pode notar nos exemplos abaixo.
Se eu soubesse que esta maldita rua estava hoje neste estado, não tinha saído de casa.
FRANÇA Jr., Joaquim José da. Caiu o ministério.
oltar hoje mesmo para casa sem ir a Copacabana. QUEIROS, Dinah S. História de
Vou vvoltar
mineiro.

No primeiro exemplo, o advérbio hoje relaciona-se com um verbo flexio-


nado em tempo passado e, no segundo, em tempo futuro.
Policiais militares do 29º Batalhão acompanharão amanhã uma reintegração de pos-
se. Folha de São Paulo, 26/05/2002
O presidente da República e o governador de São Paulo participam amanhã da apre-
sentação do ERJ-170, o novo jato da Embraer. Folha de São Paulo, 28/10/2001

Também no caso do advérbio amanhã, que indica futuro, pode-se notar


que não há necessariamente concordância do tempo verbal. Este pode ocorrer
tanto no presente, como é o caso do primeiro exemplo, como no futuro, no
segundo exemplo.
 

Os advérbios também podem marcar as relações de lugar que se estabele-


cem entre as pessoas. De forma semelhante à dos pronomes demonstrativos,
percebe-se que os advérbios portam essas informações.
Vamos para outra sala que aqui está calor demais. MACHADO, Antônio Alcântara. Laran-
ja da China.
Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na
caixinha de costura. ASSIS, Machado. Um apólogo.
O senhor já reparou naquele anúncio ali
ali? Bem em cima da mulher de chapéu verde.
MACHADO, Antônio Alcântara. Laranja da China.

Nos exemplos acima, os advérbios aqui, aí e ali relacionam os objetos à


posição do falante. No primeiro exemplo, aqui refere-se ao lugar onde está o
falante, aí, ao lugar onde está o interlocutor e, finalmente, ali, a um lugar que
não é nem o do falante nem o de seu interlocutor. De alguma maneira, pode-
mos dizer que esses advérbios de lugar estão relacionados às pessoas do dis-
curso. É o mesmo caso dos advérbios de lugar, cá e lá, este para uma terceira
pessoa e aquele para a primeira.
Os advérbios de tempo, ontem, hoje e amanhã, também estão relacio-
nados ao falante. Nota-se que a referência ao tempo parte sempre do momen-
to em que ocorre a fala: hoje refere-se ao dia em que o falante produziu o seu
discurso. É só a partir daí que podemos saber a quais momentos referem-se os
advérbios ontem e amanhã.
Essa referência, entretanto, não é obrigatória. Pode haver um grande nú-
mero de advérbios de tempo ou de lugar que não se relacionem às pessoas do
discurso:
lugar: abaixo, acima, acolá, além, aquém, algures, alhures, nenhures, atrás, fora, afora, den-
tro, perto, longe, adiante, diante, onde, através, defronte, adonde, donde, detrás etc.
tempo: já, sempre, amiúde, nunca, jamais, ainda, logo, antes, cedo, tarde, ora, afinal, outro-
ra, breve, enquanto, durante, entrementes, imediatamente, raramente, finalmente,
comumente, presentemente, diariamente, simultaneamente etc.

Alguns desses advérbios são mais raros de se encontrar, como é o casos


de algures (em algum lugar), alhures (em outro lugar), nenhures (em nenhum
lugar), amiúde (com freqüência), entrementes (naquele momento).
– Se o roteiro do português estivesse exato – disse eu suspirando – a poça de água devia
algures... HAGGARD, H. Rider (trad. Eça de Queirós) As minas do rei
aparecer por aqui algures
Salomão.
E por mais que procurasse desviar para alhures o pensamento, revia com clareza a
figura séria e aberta de Fernando... MAGALHÃES, Valentim. Flor de sangue.
Por que não me escreves mais amiúde e mais extensamente? AZEVEDO, Aluísio. Casa
de Pensão.
E preciso não te esqueceres que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto
é, o tal javanês. BARRETO, Lima. O homem que falava javanês.

Também se pode falar em advérbios que exprimem negação, afirmação,


dúvida, intensidade, modo. Trata-se de uma classe muitíssimo extensa que


 

abarca uma grande variedade de formas cujas relações com as demais pala-
vras das orações também são muito variadas. Nesses casos, o advérbio rela-
ciona-se especialmente com as classes de palavras verbo e adjetivo, podendo
também relacionar-se com outros advérbios.
A princípio ele achou prudente não voltarem juntos, já que uma não sabia da existência
da outra. SABINO, Fernando. O golpe do comendador.
Quem é o homem nesta casa? Se você não for olhar eu não fico aqui dentro nem mais
um minuto. SABINO, Fernando. No quarto da Valdirene

Nos exemplos acima, todas as ocorrências do advérbio “não” relacionam-


se ao verbo da oração.

Ela ficara moça e era bonita; alguns diziam muito bonita, e ela concordava com estes.
ALENCAR, José de. Encarnação.

O advérbio de intensidade, muito, do exemplo, relaciona-se ao adjetivo


bonita acrescentando-lhe informações que este por si só não poderia apre-
sentar. Os advérbios de intensidade são numerosos: muito, pouco, assaz, bas-
tante, mais, menos, tão demasiado, meio, todo, completamente, demasiada-
mente, demais, quão, bem, mal, quase, apenas etc.
Contudo, os advérbios de modo são os mais numerosos de todos, porque
além de alguns fixos — por exemplo, bem, mal, assim, depressa, devagar,
debalde, adrede (intencionalmente) —, também fazem parte desse grupo quase
todas as palavras formadas com o sufixo -mente: adequadamente, brevemente,
corretamente, delicadamente, gostosamente, minimamente, rapidamente etc.
Não há como definir todo esse conjunto, pois a todo momento novos advér-
bios como esses são criados pelos falantes.

Atirou, desmontou para dar-lhe o tiro da graça; e descobriu então que havia matado um
bezerro complacente que uma máscara adrede transformara em onça. BARRETO, Lima.
Numa e Ninfa.
Descobrindo o engano, Berta não se agastou e riu-se gostosamente com o rapaz, da
peça que lhe pregara ele. ALENCAR, José de. Til.

Nos exemplos, adrede relaciona-se ao verbo transformar, acrescentando-


lhe o sentido de intenção, e gostosamente relaciona-se ao verbo rir.
Advérbios ocorrem também na forma de locuções, chamadas locuções
adverbiais. Suas características são as mesmas: são invariáveis sempre, ape-
sar de se comporem por uma preposição e um substantivo. Podem expressar
variados sentidos:
às cegas, às claras, à toa, à pressa, às pressas, a pé, a fundo, à uma, às duas, às três, às tontas,
à noite, ao acaso, à vista, a prazo, às vezes, em breve, por ora, por trás, em vão, de propósito,
em cima, em vão, em prol etc.

Ponhamos três mesas à vista


vista, para que se veja a soberania daquela. VIEIRA, Pe. Antônio.
Sermão XIX. Com o Santíssimo Sacramento Exposto.
Muitos optam pelo pagamento à vista ou por um modelo mais potente. Agência O
Estado de São Paulo, 28/01/2001


 

Ninguém lhe ouvia palavra mais áspera ou gesto menos conveniente, e às vezes en-
trava pela hora do recreio grudado aos livros sem os querer deixar. AZEVEDO, Aluísio.
Casa de pensão.
Trabalhemos, portanto, cada um com o recurso de que dispomos em pr ol da causa que
prol
abraçamos. Luiz Carlos Prestes, Carta a Paulo Nogueira Filho (13 set. 1928). In BONAVIDES
P. e Amaral, P. (2002).Textos Políticos da História do Brasil.

Conectivos
Preposições e conjunções são palavras que estabelecem a ligação entre
palavras, grupos de palavras ou orações. Já vimos, por exemplo, que tanto os
adjetivos quanto os advérbios podem ter seus sentidos substituídos, pelo me-
nos parcialmente, por expressões chamadas locuções. Essas locuções, por
sua vez, formam-se a partir de um grupo nominal, cuja base será um substan-
tivo ou um pronome, e uma preposição qualquer. Dessa maneira teremos:
espetáculo circense, em que circense é um adjetivo que se refere ao substan-
tivo espetáculo, concordando com ele, e teremos, também, espetáculo de cir-
co, em que de circo é uma locução adjetiva formada pela preposição de e pelo
substantivo circo.

Naquela casa de burgueses bem modestos


modestos, estava se realizando um milagre digno
do Natal de um Deus. ANDRADE, Mário de. O peru de natal.

No exemplo acima, a seqüência de burgueses bem modestos forma-se de


modo semelhante a uma locução adjetiva, isto é, uma preposição seguida de
um grupo nominal, cujo núcleo gerador de concordância é burgueses. São gru-
pos nominais dentro de grupos nominais, cuja ligação se faz pela preposição.

Naquela casa de burgueses bem modestos

As preposições são conectivos que estabelecem essa relação de subordi-


nação entre os grupos nominais. Ainda no exemplo acima, teremos outras
ligações que se realizam também por meio de preposições.

Um milagre digno do Natal de um Deus

Dessa maneira, pode-se notar com alguma facilidade que há três grupos
nominais – um milagre digno do Natal de um Deus, o Natal de um Deus e um
Deus –, sendo que uns se encaixam dentro de outros.
Ainda que estejamos falando de grupos nominais, não é essa a única pos-
sibilidade. Essa ligação também ocorre entre verbos e grupos nominais.
Não a desmenti e fomos até a borda da cama de dona Clementina. BARRETO, Lima.
Cemitério dos vivos.

Novamente, temos uma sucessão de grupos nominais subordinados, isto


é, uns dentro dos outros:


 

fomos até a borda da cama de dona Clementina

No exemplo, o grupo nominal cuja ligação com o verbo fomos se faz com
a preposição até subordina outros dois que lhe são encaixados: a cama de
dona Clementina e dona Clementina.
As preposições mais comuns são a, ante, após, até, com, contra, de, des-
de, em, entre, para, perante, por, sem, sob, trás. Embora elas sejam facilmente
confundidas com advérbios – como após, na frase A rapariga foi-se e logo
após voltou –, é importante ter sempre em mente que preposições estabele-
cem um vínculo subordinativo entre o grupo nominal que lhe segue e outra
palavra. No caso referido, após não está subordinando nenhum grupo nomi-
nal; assim, não está sendo usado como preposição, mas sim como advérbio.
Como as preposições são palavras de muito uso na língua, geralmente são
monossilábicas e átonas. Assim, é muito freqüente que os falantes produzam
preposições incrustadas em outras palavras.
à=a+a na = em + a
ao = a + o naquilo = em + aquilo
àquela = a + aquela naquele = em + aquele
àquilo = a + aquilo nesse = em + esse
daquele = de + aquele nisso = em + isso
desse = de + esse pela = per + a
disso = de + isso pelo = per + o

Deve-se ressaltar que, em todos esses casos, há sempre uma preposição esta-
belecendo ligações entre grupos nominais ou entre grupo nominal e verbo. O
caso mais complexo, que comumente gera mais dúvida, é a contração da prepo-
sição a com o artigo a, formando uma crase, que significa que fundiram-se ambas
as formas. Quando essa contração ocorre, sobrepõe-se um acento grave. Se há
crase da preposição a e do artigo a, então haverá acento grave: à ou às.
Não há uma regra que deixe isso claro, pois o uso do artigo é facultativo,
o que estabelece que a crase é facultativa. Entretanto, padronizou-se que em
alguns casos diferenciais manter-se-ia a crase, ainda que, rigorosamente, ela
não seja obrigatória.
A nossa obra está à vista de todos, só os cegos não a querem ver. PATROCÍNIO, José do.
Campanha abolicionista.

No exemplo acima, a expressão à vista está formada pela preposição a e pelo


grupo nominal a vista. Houve, portanto, crase, entre a preposição e o artigo.
Um caso óbvio de crase ocorre quando a forma é plural, isto é, com a prepo-
sição a e o artigo as. Como preposição não tem plural, pois é invariável, sem-
pre estaremos diante de uma crase – portanto, com acento grave – no caso das
expressões com grupo nominal de gênero feminino e número plural: às vezes,
às escondidas, às escuras, às apalpadelas etc.
Caminham às apalpadelas
apalpadelas, como cegos a quem houvessem levado o guia. COELHO
NETO, Henrique M. Mano.


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Note-se que a expressão do exemplo, às apalpadelas, é semelhante a ou-


tra cujo substantivo é masculino, por exemplo, aos tropeços. Neste caso, está
óbvia a presença do artigo.
No caso de alguns verbos, há um uso padronizado de certas preposições.
A isso chama-se regência verbal. Dificilmente se poderá estabelecer regras
que nos permitam deduzir qual é a preposição ideal para cada verbo; assim, o
melhor é consultar dicionários de regência verbal. Diz-se, por exemplo, que,
na norma culta, os verbo chegar e ir são usados com a preposição a.
Quando chegamos ao Largo da Imperatriz, desabou uma pancada d’água. FRANÇA JÚNIOR,
Joaquim José da. Maldita parentela.
Ontem fomos ao Jardim Zoológico. ALMEIDA, Júlia de. A intrusa.

Apesar de as preposições não terem um significado facilmente detectável,


elas mudam o sentido das expressões, apontando, pelo menos, para algum
significado.

Depois foi à janela respirar um pouco de ar, e viu na rrua


ua, encostado ao lampião, o
ua
homem que falara com Violante. AZEVEDO, Aluísio. Condessa Vésper.
Verdade é que o primo Antônio disse que uma noite, passando por aqui, viu da rua uma
sombra de mulher passeando na sala de visitas. ASSIS, Machado de. Os óculos de Pedro
Antão.

Embora possam ser extremamente parecidas, as expressões viu na rua e


viu da rua são bastante diferentes. No primeiro, a pessoa que viu não estava
na rua, mas estava na janela, olhando para a rua; no segundo, a pessoa que viu
estava na rua, olhando para a janela.

Conjunções coordenativas
Com características bastante semelhantes às das preposições, as conjunções
também estabelecem ligações entre palavras, grupos nominais ou orações. A
característica diferencial é que as conjunções podem fazer relações de subor-
dinação e de coordenação. Elementos coordenados não estão encaixados uns
dentro dos outros, são paralelos entre si.

Entre gritos e penas, ela foi presa. LISPECTOR, Clarice. Uma galinha.
Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. LISPECTOR, Clarice.
Uma galinha.
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. LISPECTOR,
Clarice. Uma galinha.
Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos. LISPECTOR, Clarice. Uma galinha.

Nos exemplos acima, a conjunção e faz a ligação entre elementos diversos:


dois substantivos na primeira frase, dois adjetivos na segunda, duas orações na
terceira e dois grupos nominais na última. Nenhum desses elementos está inse-
rido no outro, pois são construções paralelas. O grupo nominal cacarejos rou-


 

cos e indecisos, por exemplo, contém a seqüência coordenada dos adjetivos


roucos e indecisos, que concordam com o substantivo cacarejos.
As conjunções que coordenam os elementos entre si são as conjunções
coordenativas: podem ser aditivas, alternativas, adversativas, conclusivas e
explicativas.
Conjunções aditivas estabelecem que as informações devem ser incluídas
ou eliminadas mutuamente. As mais características são e e nem; esta estabelece
que as informações devem ser eliminadas e aquela que devem ser incluídas.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. LISPECTOR,
Clarice. Uma galinha.

A conjunção nem, do exemplo, estabelece que a informação mãe, em re-


lação à informação pai, deve ser igualmente excluída. É a preposição sem no
início da expressão que marca a eliminação do primeiro item pai.
Conjunções alternativas estabelecem que as informações podem acres-
centar-se ou não. Nesse caso, não é obrigatório que as informações sejam
incluídas, apesar de se poderem incluir.

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois
ou três lances, alcançar a murada do terraço. LISPECTOR, Clarice. Uma galinha.

Note-se que, no exemplo acima, a conjunção ou, na expressão dois ou


três lances, foi utilizada para indeterminar a quantidade de lances de asas da
galinha: podiam ter sido dois lances, bem como podiam ter sido três lances;
ou seja, as duas possibilidades seriam verdadeiras.
Conjunções adversativas estabelecem que há uma contradição entre o que
se esperava que ocorresse e o que ocorreu de fato.
Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às
fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. LISPECTOR, Clarice.
Uma galinha.

Nesse exemplo, a conjunção mas estabelece uma relação entre as orações


ela não cantaria e ficaria mais contente que contradiz a expectativa criada
pela primeira oração: o fato de que se soubesse cantar e não cantasse é porque
talvez não estivesse contente. Outras conjunções alternativas são: porém, con-
tudo, todavia, no entanto, entretanto.
As conjunções conclusivas e as explicativas relacionam orações procu-
rando estabelecer um sentido fluente de uma para outra.

Não havia entre ele e a menina o menor grau de consangüinidade, portanto


portanto, não podia
haver crime nas suas intenções. CAMINHA, Adolfo. A normalista.
Vou buscá-la de carro, p orquan
quantto vamos ao cassino, e tu me esperas lá, pois tenho um
orquan
camarote. BARRETO, Lima. Um especialista.

No primeiro exemplo, a conjunção portanto ressalta que a oração que vai


a seguir é uma conclusão da primeira. No segundo exemplo, a conjunção
porquanto (= porque) aponta para o fato de que a oração vamos ao cassino
apenas justifica o fato expresso na primeira oração vou buscá-la de carro.


 

Conjunções subordinativas
As conjunções subordinativas caracterizam-se por estabelecer uma relação
de dependência entre as orações, isto é, elas apontam para o fato de que as
orações se encontram encaixadas umas dentro das outras. Assim, as orações
que se encaixam internamente às outras têm de exercer alguma função sintá-
tica de sujeito, de objeto ou de adjunto, por exemplo.
Uma das conjunções subordinativas mais comuns é a chamada conjunção
integrante. Trata-se do conectivo que. Esse conectivo pode assumir muitos va-
lores, indicando variados tipos de relacionamento entre orações. No que diz
respeito às orações que atuam como grupos nominais, ele é o único conectivo
possível. Nesse caso particular é que recebe o nome de conjunção integrante.

Exercícios
O papel da mulher de hoje não é o da de ontem. FRANÇA Júnior. As doutoras.
Espero, meu caro doutor, que não deixe de vir hoje; esperei-o ontem em vão. ASSIS,
Machado de. A mulher de preto.

Nos exemplos acima, compare o uso dos advérbios e aponte as diferenças


na marcação de tempo de cada um.

O bom velho não gostava nunca da visita de homens, com receio de que a sobrinha
escolhesse algum e casasse. ASSIS, Machado de. A desejada das gentes.

No fragmento acima, a negação aparece em dois momentos pelo uso de


advérbios. Aponte as diferenças entre elas, salientando a variação de sentido
que essa duplicidade produziu.

As áreas sociais estão abandonadas e, enquanto isso, continuamos rigorosamente em


dia com o FMI e os organismos internacionais que nos asfixiam, nos menosprezam e nos
ridicularizam. Antônio Carlos Magalhães. Discurso de renúncia ao Senado. 2001.
Há no texto acima uma relação de adversidade que não é manifesta por
uma conjunção adversativa. Identifique essa relação e aponte a conjunção
que liga as orações em questão.


 

Lucas e a marroquina trocam olhares e, como antes, dão um jeito de driblar a guarda e
marcar um encontro às escondidas para o dia seguinte. Contigo, n. 1369, de 11 de
dezembro de 2001.
Até que enfim, por obra daquele estonteante acaso, iam surgir à luz do sol as escondidas
riquezas do Caramuru. SETUBAL, Paulo. O romance do Prata.

Nos exemplos acima, estão sublinhadas duas expressões. Justifique o


emprego do acento grave na primeira expressão e a ausência dele na segunda.

Viu a vida universal com a vista cansada dos velhos. CUNHA, Euclides da. Contrastes e
confrontos.
Gabriel sentiu ouriçar-lhe o cabelo à vista da terrível cena que se patenteava a seus
olhos. AZEVEDO, Aluísio. A condessa Vésper.
O preço depois de regateado fora pago à vista. ALENCAR, José de. Lucíola.

Nos exemplos acima, estão sublinhadas três expressões. Justifique o em-


prego ou a ausência do acento grave nos três casos e descreva o sentido de
cada uma dessas expressões.

Mudanças bruscas, desligadas de uma visão de longo prazo, podem satisfazer interesses
conjunturais, mas não constroem o perfil de um Estado responsável. Não devemos,
contudo, ter receio de inovar quando os nossos interesses e valores assim indicarem.
Fernando Henrique Cardoso. Discurso de posse. 1995

No trecho acima, há o uso de duas conjunções adversativas. Descreva a


contradição que se pressupõe nas orações que as antecedem em relação às
que as seguem.

Automóveis buzinavam como se fosse dia alto. E, no entanto, era noite, ainda. CAMPOS,
Humberto de. A mina.

No trecho acima, o conectivo no entanto estabelece uma relação adversativa


entre as orações. Como ficaria essa construção se quiséssemos estabelecer
uma relação de concessividade, por meio do conectivo embora?


 

Sugestões de leitura
Como leituras complementares, é sempre conveniente ter à mão as gramá-
ticas tradicionais da língua portuguesa. A Moderna gramática brasileira de Cel-
so Pedro Luft, recentemente reeditada pela Globo, e a Moderna gramática por-
tuguesa, de Evanildo Bechara, sobretudo a 37ª edição que foi revista e amplia-
da, editada pela Lucerna, são obras excelentes para uma visão mais atualizada
da gramática tradicional da língua portuguesa. Para além das leituras de obras
técnicas específicas, como essas gramáticas, sugerimos atividades de produção
de texto em que se tenha a liberdade para arriscar o máximo possível, a partir de
modelos apresentados pelas mais diferentes obras e gêneros.


Unidade 2

Sintaxe
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Neide Luzia de
Sintaxe interna da oração Rezende

Conforme já vimos anteriormente, as palavras formam grupos de concor- Valdir Heitor


dância de gênero e número, chamados grupos nominais ou sintagmas nomi- Barzotto
nais. Esses grupos podem ser tratados não só como unidades de sentido, mas Elaboradores
também como unidades que formam orações na língua portuguesa. As pala- Waldemar
vras que ocorrem no interior de um sintagma nominal podem ser caracteri- Ferreira Netto
zadas como núcleo e adjuntos. O núcleo é a palavra que desencadeia a con-
cordância, e os adjuntos são as palavras que fazem a concordância com o
núcleo; ou seja, os adjuntos flexionam-se obrigatoriamente de acordo com as
características de gênero e número do núcleo. Como vimos, o núcleo pode
ser um substantivo, um pronome ou uma outra palavra qualquer que tenha
sido substantivada.
Grupos nominais que estabelecem concordância de número e de pessoa
com o verbo recebem o nome de sujeito. Trata-se de um elemento especial e
obrigatório na formação de orações. O verbo, por sua vez, constitui-se, junto
de seus complementos, no predicado da oração. Desse modo, sujeito e
predicado são os itens básicos no estabelecimento de orações.

A pa ta caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. ASSIS, Machado de. Causa
pata
secreta.

No exemplo, o grupo nominal a pata e ele são os elementos com os quais


os verbos caiu e ficou olhando, respectivamente, fazem sua concordância de
número e de pessoa. Esses grupo nominais são os sujeitos dessas orações.
Note-se que cada ocorrência desse par – um sujeito e um verbo concordando
com ele – estabelece uma oração. Praticamente todas as orações na língua
portuguesa têm um sujeito e um verbo que concorda com ele.
Pode ocorrer, muitas vezes, que o sujeito seja tão óbvio ou tão conhecidos
do falante e do seu interlocutor que não haja sequer necessidade de manifestá-
lo lingüisticamente. Isso, entretanto, não quer dizer que ele não exista; ele
simplesmente não foi expresso.

Camargo consolou a filha do desgosto que lhe causava a partida do noivo


noivo; falou-lhe
a linguagem da razão; disse que havia assuntos práticos, a que os sentimentos tinham
de ceder o passo alguma vez. Assis, Machado de. Helena.
 

No exemplo, vemos que os verbos (sublinhados), consolou e tinham de


ceder, concordam com os sujeitos (negritados), Camargo e os sentimentos.
Os verbos falou e disse, entretanto, não têm nenhum sujeito expresso com o
qual concordem. Ambos os verbos têm o mesmo sujeito de consolou, que é o
substantivo Camargo. Esse processo chama-se correferência. É possível ima-
ginar que o interlocutor, ou o leitor, tenha uma memória suficientemente boa
para que possa lembrar-se do autor dessas atitudes que se está descrevendo.
Apesar de a disposição mais corriqueira ser aquela em que o verbo apa-
rece em seguida ao sujeito , é possível que essa ordem se inverta. Note o caso
do verbo causava, cujo sujeito é o grupo nominal a partida do noivo.

O silêncio prolongou-se alguns minutos, durante os quais Mendonça tornou a abrir o


livro, examinou uma espingarda de caça, preparou um cigarro e fumou. O escravo
ajudava o senhor a mudar de roupa. Estácio continuava mortalmente calado; Men-
donça falou algumas vezes, sobre coisas indiferentes, e o tempo não correu, andou
com a lentidão que lhe é natural, quando trata com impacientes. Logo que Estácio se
deu por pronto, e o escravo saiu, Mendonça voltou diretamente ao assunto que o
preocupava. ASSIS, Machado de. Helena.

Nesse exemplo mais longo, pode-se notar que há profusão de mudanças


de sujeitos com os quais concordam os verbos: o silêncio, Mendonça, o escra-
vo, Estácio e o tempo. Como eles não estão ordenados, isto é, cada vez ocorre
um deles, às vezes repetindo-se, às vezes não, eles têm de ser expressos para
que a informação do texto possa ser compreendida pelo interlocutor. Imagi-
nemos a seqüência interna reescrita sem todos os sujeitos expressos:
*Estácio continuava mortalmente calado; falou algumas vezes, sobre coisas indiferen-
tes, e não correu, andou com a lentidão que lhe é natural, quando trata com impacientes.
Logo que se deu por pronto, e saiu, voltou diretamente ao assunto que o preocupava.

O interlocutor entenderia que todas as ações foram feitas pelo sujeito do


verbo continuava: Estácio.
O inverso, expressar todos os sujeitos, também não será uma solução ade-
quada.

O silêncio prolongou-se alguns minutos, durante os quais Mendonça tornou a abrir o


livro, Mendonça examinou uma espingarda de caça, Mendonça preparou um cigarro e
Mendonça fumou. O escravo ajudava o senhor a mudar de roupa. Estácio continuava
mortalmente calado; Mendonça falou algumas vezes, sobre coisas indiferentes, e o
tempo não correu, o tempo andou com a lentidão que lhe é natural, quando o tempo
trata com impacientes. Logo que Estácio se deu por pronto, e o escravo saiu, Men-
donça voltou diretamente ao assunto que o preocupava.

No entanto, apesar de o texto ficar sobrecarregado de repetições, não trará


tantas confusões como a eliminação de todas as expressões de sujeito. Pode-
se substituir as formas repetidas por pronomes, ou então eliminá-las. Em am-
bos os casos, é preciso que estejam sempre concatenadas umas às outras. Se
substituirmos todas as ocorrências de Mendonça por ele ou por meras elimi-
nações, teremos alguns problemas.

O silêncio prolongou-se alguns minutos, durante os quais Mendonça tornou a abrir o


livro, ele examinou uma espingarda de caça, [ ] preparou um cigarro e [ ] fumou. O


 

escravo ajudava o senhor a mudar de roupa. Estácio continuava mortalmente calado;


Ele falou algumas vezes, sobre coisas indiferentes, e o tempo não correu, o tempo
andou com a lentidão que lhe é natural, quando o tempo trata com impacientes. Logo
que Estácio se deu por pronto, e o escravo saiu, [ ] voltou diretamente ao assunto que
o preocupava.

Note que o interlocutor novamente não terá como saber que, no final, por
exemplo, quem voltou foi Mendonça, pois a oração segue uma outra com o
sujeito o escravo. Pode até ser que o interlocutor admita que o escravo não
possa ter voltado ao assunto porque saiu, nesse caso o sujeito a ser depreendido
pelo interlocutor seria necessariamente Estácio. Dessa maneira, é fundamental
que haja ponderação nas supressões de sujeitos: se há um mesmo sujeito que
se repete, pode-se expressar o primeiro e substituir os demais por pronomes
ou mesmo eliminá-los, mas se a seqüência for quebrada, isto é, se ocorrerem
outros sujeitos entre eles, será necessário repeti-lo. É preciso ter em mente que
nem sempre é culpa do interlocutor se ele não entende um texto; o escritor ou
o falante tem que dar todas as informações necessárias para que o interlocutor
possa compreender o que está escrito.
Uma das características interessantes dessa concordância do sujeito com o
verbo é o fato de ela se estender para todo o predicado. Nas orações em que o
verbo apenas refere uma ligação entre dois grupos nominais – nesses casos o
verbo é chamado de ligação –, há concordância de gênero e de número com
o predicado.
A arte é uma forma de sentir o universo, a ciência é uma forma de conhecer o universo.
TEIXEIRA, Anísio. Cartas.
Na família da modelo, a história também é desconhecida. Contigo, n. 1369, de 11 de
dezembro de 2001

No primeiro exemplo, os sujeito a arte e a ciência estabelecem que o


verbo ser esteja na terceira pessoa do singular. Este verbo, em ambos os ca-
sos, apenas faz a ligação entre os grupos nominais uma forma de sentir o
universo e uma forma de conhecer o universo com os sujeitos. No segundo
exemplo, o sujeito a história estabelece que o verbo esteja na terceira pessoa
do singular. Este verbo também faz a ligação entre o grupo nominal e o adje-
tivo desconhecida. Por tratar-se de um adjetivo, há de se fazer também a con-
cordância de gênero e número com o sujeito. Assim, a concordância com o
sujeito estende-se a todo o predicado, se nele houver itens que estejam asso-
ciados ao sujeito por meio de um verbo de ligação. A esses predicados, cha-
mamos de nominais; aos demais, chamamos de verbais.
Um dos tipos de pronomes que foram apenas rapidamente referidos, quando
tratamos deles isoladamente, é o dos chamados pronomes relativos. Esses prono-
mes só são bem compreendidos se os estivermos observando nas orações. Eles
têm uma função dupla que é a de serem conectivos e, simultaneamente, de prono-
mes que atuam sintaticamente como um dos elementos da oração. Se retomarmos
a seqüência do exemplo anterior, poderemos entender isso melhor.
o tempo não correu, andou com a lentidão que lhe é natural

Na apresentação que fizemos, o verbo é não estava sublinhado; agora o


sublinhamos e negritamos o pronome relativo que. De par com outros prono-
mes relativos mais raros – o qual, a qual, os quais, as quais, cujo, cuja, cujos,


 

cujas – o relativo que é o mais utilizado de todos. Por ser um pronome, ele
atua na oração como atuaria um grupo nominal qualquer que ele esteja subs-
tituindo; no caso em questão ele substitui a lentidão. Sua capacidade de subs-
tituir outros elementos é muito restrita, pois se limita ao grupo nominal que
imediatamente o anteceda.

Tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que
sonha, que adivinha, que indaga, que quer saber e não acaba de saber nada. ASSIS.
Machado de. Uns braços.

O primeiro pronome relativo da série substituiu o grupo nominal rapaz; os


seguintes mantiveram a mesma característica que vimos há pouco em relação
ao apagamento de sujeitos que ocorrem em seqüência. Apenas para o último
verbo, acaba, não há um sujeito expresso, nem mesmo o pronome relativo
que. De fato, todos os sujeitos poderiam não ter sido expressos.

Tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que
sonha, adivinha, indaga, quer saber e não acaba de saber nada.

Essa é uma opção pessoal do autor, trata-se somente de um efeito de estilo.


Assim, mesmo que uma oração pareça não ter sujeito, ela tem. São muito
raros os casos em que não há realmente sujeito. Verbos que referem fenôme-
nos meteorológicos não têm sujeito com o qual concordem e o verbo haver,
especialmente no sentido de “existir”, também não tem sujeito.

– Sabes o que estou fazendo, Anastácio?


– Não “sinhô”.
– Estou vendo se choveu muito.
– Para que isso, patrão? A gente sabe logo “de olho” quando chove muito ou pouco...
BARRETO, Lima. O triste fim de Policarpo Quaresma.

Nas duas ocorrências do verbo chover, não há sujeito expresso. Aliás, não
há sujeito. Essa é uma propriedade da língua portuguesa (há línguas em que
sempre há um sujeito expresso). Quando se utiliza esses verbos metaforica-
mente, então haverá um sujeito, mesmo que não seja expresso. É o que acon-
tece no exemplo a seguir:

Tendo sido na noite de quarta-feira o banquete escandinavo, o nosso céu ainda resistiu
durante a quinta-feira, e com tal desespero que parecia queimar tudo; mas na sexta-feira
já não pôde, e não teve remédio senão chover e ventar. Não choveu, nem ventou muito,
não chegou a nevar, mas fez-nos respirar, e basta. ASSIS, Machado de. A semana.

No exemplo, o verbo resistir está concordando com o grupo nominal o


nosso céu. Os verbos queimar e poder, por sua vez, têm o mesmo sujeito do
resistir, ainda que não esteja expresso. Os verbos chover, ventar e nevar, a
rigor, não teriam sujeito, pois indicam fenômenos meteorológicos. A locução
verbal fazer-nos respirar tem novamente o mesmo sujeito do verbo resistir.
Por se tratar de uma seqüência de verbos, todos com o mesmo sujeito, parece
claro que os verbos que indicam fenômenos meteorológicos estão, nesse caso,


 

concordando com o mesmo sujeito do resistir. Isso deixa claro que o autor,
com muita habilidade, propôs que foi o nosso céu que choveu, que ventou
mas que não nevou.
Além de atuar como sujeito de oração, grupos nominais atuam com outras
funções: objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, adjunto
adnominal e adjunto adverbial.
Diz-se que um grupo nominal é objeto direto de um verbo quando é um
complemento obrigatório do verbo, que não necessita de conectivos para as-
sociar-se a ele. Apesar de isso parecer muito pouco esclarecedor, dificilmente
as pessoas têm dificuldade em produzir objetos diretos.

Eu sou de um tempo, Mitre, e não está muito longe: 1968 – eu comprei um primeiro
terreno de cinco por vinte e cinco e eu comprei o material a prestação, construí um
quarto e cozinha
cozinha, entrei dentro e, depois que eu construí esse quarto e cozinha e
paguei os doze meses de prestação
prestação, eu fui no depósito de material, fiz outra dívida
dívida,
quarto. Luís Inácio Lula da Silva. 2º debate do 2º turno das eleições
construí mais um quarto
presidenciais de 1989, realizado no dia 14.12.89

No exemplo acima, na primeira ocorrência do verbo comprar, ele concorda


com o sujeito de primeira pessoa singular eu. O grupo nominal um primeiro
terreno de cinco por vinte e cinco, por sua vez, com flexão de terceira pessoa,
masculino e singular, não desencadeia nenhuma concordância. Ele atua como
complemento imediato da informação verbal. Note-se que houve apenas a jus-
taposição do objeto ao verbo, sem que nenhum conectivo fosse utilizado. É um
objeto e é direto, sem conectivos. Da mesma maneira, teremos os grupos nomi-
nais o material, um quarto e sala, os doze meses de prestação, outra dívida e
mais um quarto como objetos diretos, cada um de um verbo diferente.
O objeto direto faz parte do predicado, estabelecendo uma relação um
pouco diferente entre o objeto direto e o verbo, em relação àquela que existe
entre o sujeito e o verbo.

eu comprei um primeiro terreno de cinco por vinte e cinco

Essa representação gráfica pode ser feita, também, de uma outra maneira
que deixe essas relações um pouco mais claras:

sujeito predicado

verbo objeto direto

eu comprei um primeiro terreno de cinco por vinte e

Nesse tipo de representação, ficam muito mais claras as relações que se


estabelecem entre esses elementos. Pode-se dizer, por exemplo, que a concor-
dância do sujeito é com o predicado, de uma maneira geral. Todas as demais


 

orações que encontramos no exemplo acima poderão ser representadas de


uma maneira muitíssimo semelhante:

sujeito predicado

verbo objeto direto

eu comprei o material
— construí um quarto e cozinha
eu construí esse quarto e cozinha
— paguei os doze meses de prestação
— fiz outra dívida
— construí mais um quarto

Essa ordem que vimos – sujeito, verbo, objeto – é a mais usual na língua
portuguesa. É comumente chamada de ordem direta. As pessoas em geral
escrevem e falam valendo-se dessa ordem de palavras.
Os complementos verbais não precisam ser diretos. Há aqueles que são
utilizados somente com conectivos (mais especificamente, com preposições).

Os marceneiros necessitam de cursos de treinamento relacionados à área de se-


ança e higiene no tr
gurança
gur abalho. SILVA, K.R. e outros. Revista Árvore, v26(4); 2002
abalho
trabalho

O verbo necessitam vai acompanhado de um objeto que lhe complementa


o sentido; no entanto, esse objeto não está ligado diretamente a ele. Há a
preposição de entre eles. Por haver essa preposição, esses complementos são
chamados de indiretos. Alguns verbos tradicionalmente vêm acompanhados
de objetos indiretos, como é o caso de gostar, dar, oferecer, lembrar, esque-
cer, e muitos outros.

Os jogadores não gostaram da acusação do companheiro de que falta vergonha na cara


ao elenco. Folha OnLine, 15/01/2001

No exemplo, o grupo nominal a acusação do companheiro de que falta


vergonha na cara ao elenco não vai apenas justaposto ao verbo. Há a prepo-
sição intercedendo essa relação.
Apesar de os exemplos que demos apresentarem objetos indiretos isola-
damente, não é assim que eles normalmente ocorrem. É mais comum que
ocorram em conjunto com objetos diretos:

As equipagens transbordando de cravos e de rendas brancas davam ao desfile um


aspecto de batalha de flores. ORTIGÃO, Ramalho. Cartas à Emília.
As novas formações partidárias surgidas em todo o mundo, por sua própria natureza
refratárias aos processos democráticos, oferecem perigo imediato para as institui-
ções, VARGAS, Getúlio. Discurso-manifesto à nação, em 10 nov. 1937.
ções


 

Como se nota nos exemplos acima, os objetos indiretos ao desfile e para


as instituições ocorrem em conjunto com os objetos diretos um aspecto de
batalha de flores e perigo imediato, respectivamente. Não há uma ordem ne-
cessária em que devem ocorrer esses objetos; é comum, entretanto, que o
menor deles apareça mais próximo ao verbo.
Importavam tudo isso
isso, como matéria-prima, livre de impostos, montavam as botas nas
suas singulares fábricas e vendiam pelo triplo do que custavam os estrangeiros. BARRETO,
Lima. O falso Dom Henrique V.

sujeito predicado

verbo objeto direto

— importavam tudo isso


— montavam as botas
— vendiam —

Embora seja muito menos freqüente, a eliminação do objeto também é um


fenômeno comum que se pode usar quando há seqüência de objetos idên-
ticos. No caso acima, o objeto direto as botas do verbo montar é o mesmo do
verbo vender. Assim, o objeto do verbo vender pode ser eliminado sem ne-
nhum prejuízo para a compreensão do texto.
Os grupos nominais também atuam na oração exercendo outras funções,
para além das funções de sujeito ou de objeto; como já vimos, podem ser
adjuntos adnominais e adjuntos adverbiais.
Os adjuntos adnominais são os grupos nominais que se subordinam por
intermédio de uma preposição no interior de outro grupo nominal: são as
locuções adjetivas.
Os adjuntos adverbiais são os grupos nominais que se acrescentam à oração,
ou mesmo a outros grupos nominais, atuando com função semelhante à de advér-
bios. Dessa maneira, a função de adjuntos adverbiais pode ser exercida tanto por
um advérbio quanto por um grupo nominal, se este vincular-se aos demais ele-
mentos de uma oração por intermédio de uma preposição.

Na ponta da produção
produção, encontramos o processo de industrialização, como dominan-
te. ALCÂNTARA, Lúcio. Discursos. 2001. Disponível em www.senado.gov.br
Hoje encontrei dois regatos de boa água. ALMEIDA, Francisco José de. Diário de viagem
de Moçambique para os rios de Sena.

Nos exemplos acima, na ponta da produção e hoje, respectivamente da


primeira e da segunda oração, temos adjuntos adverbiais; no primeiro caso, o
adjunto é formado por um grupo nominal encabeçado por uma preposição –
em+ a = na – e, no segundo, por um advérbio. Ambos têm exatamente a
mesma função sintática: a de adjunto adverbial. No caso particular de adjunto
adverbial formado por grupo nominal preposicionado, é comum separá-lo
por vírgula dos demais termos da oração.


 

Finalmente, temos os complementos nominais com elementos sintáticos.


Não é fácil distingui-los dos adjuntos adnominais. A sua característica funda-
mental é o fato de serem verbos nominalizados, isto é, verbos que foram tra-
tados como nomes. Assim, o complemento nominal é o objeto direto do verbo
que foi nominalizado. Para fazer essa nominalização, basta que coloquemos
um verbo qualquer na posição de um substantivo, isto é, como núcleo de um
grupo nominal. Dessa maneira, uma verbo nominalizado desencadeará todas
as concordâncias próprias dos substantivos.
a todo o viver corresponde um sofr
viver er. QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras.
er
sofrer

No exemplo acima, temos os verbos viver e sofrer que ocupam posição de


substantivos, como núcleos de grupo nominal. Note-se que os artigos que os
antecedem concordam em gênero masculino com os verbos nominalizados.
Como já vimos anteriormente, verbos não fazem concordância de gênero.
Quando verbos nominalizados são usados com objeto direto, esse objeto dire-
to torna-se, então, complemento nominal.
os povos indígenas são solidários aos trabalhadores rurais em defesa da reforma agrá-
ia. SUPLICY, Eduardo. Discursos, 1994
r ia

A expressão defesa da reforma agrária consiste em um substantivo defe-


sa e em um complemento nominal a reforma agrária. O complemento nomi-
nal seria o objeto direto do verbo defender: defender a reforma agrária; en-
tretanto, como o verbo foi nominalizado, não há como tomá-lo por objeto
direto nem tampouco estabelecer uma relação direta entre o substantivo e seu
complemento. Assim, é necessária a presença da preposição de para estabele-
cer a ligação entre esses elementos.

A democracia socialista que ambicionamos construir estabelece a legitimação majoritá-


ria do poder político, o resp eit
espeit
eitoo às minorias e a possibilidade de alternância no poder.
Genuíno, José. Discursos na Câmara Federal, 2001.

Novamente, pode-se entender que o substantivo respeito tem o comple-


mento nominal as minorias, se estabelecermos um paralelo com a construção
verbo + objeto direto. A preposição a, na crase às, é o conectivo que faz a
ligação entre os grupos nominais em questão.
Embora estejamos citando sempre grupos nominais, não há razão para
restringir a eles essas funções sintáticas de sujeito, objeto, adjunto adnominal,
adjunto adverbial e complemento nominal. Qualquer um desses elementos
poderá ser oracional e estará sujeito às mesmas regras.

Sintaxe entre orações


Os mecanismos gramaticais para reunir orações entre si são mais ou me-
nos semelhantes aos que vimos entre os grupos nominais. Orações podem
estar encaixadas umas dentro das outras ou podem estar paralelas entre si. No
caso de estarem encaixadas umas dentro das outras, elas estarão assumindo
funções sintáticas semelhantes às dos grupos nominais. São chamadas de ora-
ções subordinadas e caracterizadas como substantivas se estiverem no lugar
de substantivos, adjetivas se estiverem no lugar de adjetivos e adverbiais se
estiverem no lugar de advérbios.


 

Da mesma maneira que grupos nominais podem ser sujeito, objeto, com-
plemento, também o poderão ser as orações subordinadas substantivas.
Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades. Chico Buarque. Meu caro amigo.
Não quero que pensem que tenho ódio do senhor presidente da República
República. Maga-
lhães, Antônio Carlos. Discurso de renúncia ao mandato de senador. 2001.
Nesse instante o moço marítimo teve a visão de que, ao encontro da sua, vinham duas
iguais, tristes na sua esterilidade. ALMEIDA, Júlia Lopes de. A falência.
almas iguais
Ao final da avaliação, as instituições assinam um documento em que se comprometem
a melhorar em pontos insatisfatórios. Folha de São Paulo, 12/02/2003
De acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), um ônibus que tr af
trafega
afegava
egav
na A v enida B
Av Brr igadeiro LLuís
igadeiro uís A
Anntônio
tônio, sentido centro-bairro, atingiu um carro no
cruzamento com a Avenida Paulista, sentido Paraíso-Consolação. O Estado de São Paulo,
online, 21/12/2003

Nos exemplos acima, temos as orações não posso me furtar a contar as


novidades, tenho ódio do senhor presidente da República, vinham duas al-
mas iguais, se comprometem a melhorar em pontos satisfatórios e trafegava
na Avenida Brigadeiro Luís Antônio.
Cada uma dessa orações pode ser tomada com uma unidade sintática cuja
função poderia ser a de um grupo nominal qualquer.
No primeiro exemplo, a oração negritada é o sujeito do verbo acontece.
Isso a define como uma oração subordinada substantiva subjetiva. No segun-
do exemplo, a oração negrita é o objeto direto do verbo pensem. Assim, é uma
oração subordinada substantiva objetiva direta. No terceiro exemplo, a oração
negritada é um complemento nominal. Assim, é uma oração subordinada subs-
tantiva completiva nominal. No quarto exemplo, a oração negritada é adjunto
adverbial. Assim, é uma oração subordinada adverbial. No quinto exemplo, a
oração negrita é adjunto adnominal. Assim, é uma oração subordinada adjetiva.
Deve-se salientar que, em todos os casos em que não haveria uma ligação indi-
reta – sujeito, objeto direto e adjetivo – entre os elementos que se relacionam,
não foi usada preposição. Nos casos em que essa relação seria mediada por
uma preposição – adjunto adverbial e complemento nominal –, ela ocorreu.
As orações adjetivas, por sua vez, apresentam algumas características que
nos permitem estabelecer dois subgrupos: o das restritivas e os das explicativas.
Enquanto as restritivas atuam unicamente como adjetivos, especificando o
fato por uma de suas qualidades intrínsecas, as explicativas apenas acrescen-
tam informações às já existentes.
A maioria dos homens que assumiram a responsabilidade do movimento
abolicionista está de tal modo comprometida com as esperanças dos escravos e com
as convicções de suas consciências; adiantou-se tanto e com tamanho impulso que lhe
é impossível parar. PATROCÍNIO, José do. Campanha abolicionista.
Aqueles homens, que chegavam dilacerados pelas garras do jagunço e pelos
espinhos da terra
terra, eram o vigor de um povo posto à prova do ferro, à prova do fogo e
à prova da fome. CUNHA, Euclides da. Os sertões.


 

Nem sempre é fácil distinguir entre uma adjetiva restritiva e entre uma adjetiva
explicativa. A oração do primeiro exemplo é restritiva e a do segundo é
explicativa. A diferença entre elas está no fato de que, na primeira, a oração
restringe o conjunto dos homens que está comprometido com as esperanças
dos escravos, isto é, são apenas os que assumiram a responsabilidade do movi-
mento abolicionista que têm esse compromisso; na segunda, todos os homens
eram o vigor de um povo, independentemente de chegarem dilacerados ou não.
As orações adjetivas explicativas podem ocorrer como orações coordenadas.
Aqueles homens chegavam dilacerados pelas garras do jagunço e pelos espi-
nhos da terra e eram o vigor de um povo posto à prova do ferro, à prova do fogo e à
prova da fome.

Assim, orações adjetivas explicativas apenas acrescentam informações ao


elemento antecedentes. Devemos lembrar que, apesar de o conectivo que fa-
zer a ligação, trata-se de um pronome, o chamado pronome relativo que já
vimos anteriormente. Os pronomes relativos são os conectivos específicos
das orações adjetivas.
As orações que têm as mesmas propriedades dos advérbios são as orações
adverbiais. Podem ser temporais, causais, comparativas, consecutivas, condi-
cionais, finais, proporcionais, modais, locativas; são muitas as possibilidades
de classificação para essas orações. Uma das características próprias das ora-
ções adverbiais é o fato de não aparecerem necessariamente numa mesma
posição, da mesma maneira que a grande maioria dos advérbios.

As capitanias foram doze, embora divididas em maior número de lotes


lotes. ABREU,
Capistrano. Capítulos de história colonial.

A oração embora divididas em maior número de lotes é uma oração ad-


verbial concessiva. O seu conectivo é embora, uma conjunção subordinativa.
Essa oração adverbial poderia ter ocorrido em muitas posições.
Embora divididas em maior número de lotes
lotes, as capitanias foram doze.
As capitanias, embora divididas em maior número de lotes
lotes, foram doze.

Como se pode notar nos exemplos construídos acima, não há grandes


mudanças na informação que se procura transmitir ao interlocutor. Trata-se
mais propriamente de uma questão de estilo do próprio autor.
Ainda que as orações adverbiais possam ser percebidas, nem sempre é
possível distinguir entre as diversas categorias propostas. No exemplo abai-
xo, pode-se interpretar a oração o assunto é demasiado sério como uma ora-
ção temporal ou como uma oração condicional.

Certo amigo lhe retorquiu que, quando o assun


assuntto é demasiado sér io
sério
io, não se pode rir.
Teixeira, Anísio. Cartas.

A oração encabeçada pelo conectivo quando é a que estabelece o mo-


mento em que, numa conversa, não se pode rir. É uma oração adverbial tem-
poral. Poderia também ser uma condição para que não se pudesse rir numa
conversa qualquer. A despeito dessas ambigüidades, a oração é adverbial,
atuando como um advérbio, à semelhança do que se viu no outro exemplo.


 

Quando o assun
assuntto é demasiado sér io
io,, certo amigo lhe retorquiu que não se pode rir.
sério
Certo amigo lhe retorquiu que não se pode rir quando o assunto é demasiado sério
sério.

Dessa maneira, podemos estabelecer que as orações subordinadas são as


seguintes:
orações subordinadas

substantivas adjetivas adverbiais


subjetivas restritivas temporais
objetivas explicativas concessivas
completivas condicionais
... ...

As orações subordinadas, então, fazem parte de uma oração maior chamada


oração principal. Isso pode ser compreendido pelo gráfico:

sujeito predicado

verbo objeto direto

— pedi que tomasse nota de tudo que gastasse

A oração tomasse nota de tudo que gastante é o objeto do verbo pedi.


Assim, são duas orações: uma principal, que engloba todo o conjunto, inclu-
sive o objeto direto oracional, e outra subordinada, que se restringe a oração
que atua como objeto direto.
Pode ocorrer que haja mais de uma oração exercendo a mesma função
sintática em uma oração principal. É o caso de uma oração com dois objetos
diretos:

Ao aproximarem-se, viram que o vulto branco era de mulher e que os outros traja-
vam saios e elmos e traziam achas de armas. HERCULANO, Alexandre. Eurico, o presbítero.

No exemplo acima, as orações o vulto branco era de mulher e os outros


trajavam saios e elmos são objetos diretos do verbo viram, conectados à ora-
ção principal pela conjunção que.

sujeito predicado

verbo objeto direto

— viram o vulto branco era de mulher os outros trajavam saios e elmos

coordenação


 

Normalmente, a coordenação é classificada como aditiva, alternativa,


adversativa, explicativa e conclusiva. As conjunções coordenativas, por sua
vez, também podem ser usadas como recurso para orientar a interpretação a
ser feita pelo interlocutor.
A Educação Ambiental está longe de ser uma atividade tranqüilamente
aceita e desenvolvida, porque ela implica em mudanças profundas e nada
inócuas. Ministério da Educação e do Desporto. PCN-Educação Ambiental.
A oração ela implica em mudanças profundas e nada inócuas é explicativa,
não só por ser encabeçada da conjunção explicativa porque, mas também
pelo fato de estar justificando a oração anterior. A presença da conjunção não
é obrigatória. A relação estabelecida entre as orações, por si só, permite sua
interpretação pelo leitor. Se substituirmos essa conjunção por outras, teremos
outras nuances de sentido que nem sempre permitem ao interlocutor recupe-
rar a informação que o escritor tentou passar. Nesse caso, temos a coordena-
ção de duas orações completas, que não se subordinam a nenhuma outra.
Entre elas, poderíamos simplesmente colocar um ponto após a primeira e ini-
ciar a segunda com letra maiúscula.
subordinadas coordenadas

substantivas adjetivas adverbiais


subjetivas restritivas temporais aditivas
objetivas explicativas concessivas alternativas
completivas condicionais adversativas
... ... explicativas
conclusivas
A classificação das orações como coordenadas ou subordinadas não é ex-
clusiva: as orações podem ser subordinadas e coordenadas ao mesmo tempo.
Da mesma maneira, pode-se estabelecer uma outra classificação referindo-se
ao fato de as orações estarem sendo relacionadas mediante o uso de um conectivo,
ou simplesmente pela justaposição. No caso de haver um conectivo, as orações
são chamadas de sindéticas; no caso de não haver esse conectivo, são chama-
das de assindéticas. Orações assindéticas têm, portanto, a sua relação estabelecida
especialmente pelo sentido de cada uma das orações relacionadas, exigindo do
interlocutor maior atividade de interpretação. O uso dos conectivos facilita a
compreensão de um texto, isto é, permite ao interlocutor interpretar um texto da
maneira para próxima possível daquela que seu autor deseja.
Exercícios
Recentemente, ocorreu outro exemplo de grande importância, em relação ao Vietnã.
Suplicy, Eduardo. Discursos no Senado. 1994
O pedido feito pela CET junto à Administração Regional ocorreu logo que os agentes do
tráfego interditaram a via, fato ocorrido por volta da 1h30 desta madrugada. O Estado de
São Paulo, on line, 28/01/2001

Nos dois segmentos acima, diga qual é o sujeito do verbo ocorrer.

No dia 7, recebemos seu telegrama daí, estimei saber que fizeram boa viagem e que
chegaram sem novidade. TEIXEIRA, Anísio. Cartas.


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Nos dois segmentos acima, diga quais são os objetos dos verbos receber,
estimar, saber e fazer.

Temos que distribuir a renda no país num programa nacional de defesa do Brasil. DIRCEU,
José. Discursos na Câmara Federal. 2001

No trecho acima, aponte o grupo nominal que atua como complemento nominal.

As tapuias da vila também enviavam a oferecer à curiosidade dos passageiros as belas


redes de algodão, laboriosamente. SOUZA, Inglês de. O missionário.

No trecho acima, aponte o grupo nominal que atua como complemento nominal.

Olho o mapa da cidade


Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(E nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Ha tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Ha tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
QUINTANA, Mário. fragmento de O mapa.

Tomando o fragmento do poema acima transcrito, aponte os objetos dire-


tos, destacando um que normalmente não ocorreria.


 

Para esses comerciantes portanto, o que conta nos bens que compram e em seguida
vendem em operações sucessivas e permanentemente repetidas, não é o valor de uso,
como o nosso camponês, e sim o valor de troca. (Prado Jr, Caio. Teoria marxista do
conhecimento e método dialético materialista.)

No trecho acima, o autor valeu-se da estratégia de eliminar objetos para


evitar repetições e reforçar a coesão interna da frase. Mostre em que momento
isso ocorreu.

Sugestões de leitura
A compreensão da sintaxe da língua portuguesa faz-se muito mais pela
leitura crítica de diferentes textos do que pela aplicação de exercícios prepara-
dos. Assim, é fundamental que, em qualquer leitura, estejamos sempre atentos
para a compreensão das frases e das estratégias usadas pelos autores para
criá-las. A sintaxe é uma das áreas dos estudos gramaticais que mais têm tido
avanços. Para ter alguma idéia dessas discussões, o texto de Flávia de Barros
Carone, Subordinação e coordenação. Confrontos e contrastes, editado pela
Ática, é uma contribuição importante e acessível. Novamente, a gramática de
Evanildo Bechara não pode deixar de ser pelo menos consultada.

Sobre o autor
Waldemar Ferreira Netto
é professor de Filologia e Língua Portuguesa da USP, autor de Introdução
à fonologia da língua portuguesa, São Paulo, Hedra.


Anotações
Anotações
Anotações
Anotações
Língua
Portuguesa
O texto e sua articulação

Organizadores
Maria Lúcia V. de Oliveira Andrade
Neide Luzia de Rezende
Valdir Heitor Barzotto

Elaboradora
Maria Lúcia V. de Oliveira Andrade
4
módulo

Nome do Aluno
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Governador: Geraldo Alckmin
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
Secretário: Gabriel Benedito Issac Chalita
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP
Coordenadora: Sonia Maria Silva

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


Reitor: Adolpho José Melfi
Pró-Reitora de Graduação
Sonia Teresinha de Sousa Penin
Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária
Adilson Avansi Abreu

FUNDAÇÃO DE APOIO À FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FAFE


Presidente do Conselho Curador: Selma Garrido Pimenta
Diretoria Administrativa: Anna Maria Pessoa de Carvalho
Diretoria Financeira: Sílvia Luzia Frateschi Trivelato

PROGRAMA PRÓ-UNIVERSITÁRIO
Coordenadora Geral: Eleny Mitrulis
Vice-coordenadora Geral: Sonia Maria Vanzella Castellar
Coordenadora Pedagógica: Helena Coharik Chamlian

Coordenadores de Área
Biologia:
Paulo Takeo Sano – Lyria Mori
Física:
Maurício Pietrocola – Nobuko Ueta
Geografia:
Sonia Maria Vanzella Castellar – Elvio Rodrigues Martins
História:
Kátia Maria Abud – Raquel Glezer
Língua Inglesa:
Anna Maria Carmagnani – Walkyria Monte Mór
Língua Portuguesa:
Maria Lúcia Victório de Oliveira Andrade – Neide Luzia de Rezende – Valdir Heitor Barzotto
Matemática:
Antônio Carlos Brolezzi – Elvia Mureb Sallum – Martha S. Monteiro
Química:
Maria Eunice Ribeiro Marcondes – Marcelo Giordan
Produção Editorial
Dreampix Comunicação
Revisão, diagramação, capa e projeto gráfico: André Jun Nishizawa, Eduardo Higa Sokei, José Muniz Jr.
Mariana Pimenta Coan, Mario Guimarães Mucida e Wagner Shimabukuro
Cartas ao
Aluno
Carta da
Pró-Reitoria de Graduação

Caro aluno,
Com muita alegria, a Universidade de São Paulo, por meio de seus estudantes
e de seus professores, participa dessa parceria com a Secretaria de Estado da
Educação, oferecendo a você o que temos de melhor: conhecimento.
Conhecimento é a chave para o desenvolvimento das pessoas e das nações
e freqüentar o ensino superior é a maneira mais efetiva de ampliar conhecimentos
de forma sistemática e de se preparar para uma profissão.
Ingressar numa universidade de reconhecida qualidade e gratuita é o desejo
de tantos jovens como você. Por isso, a USP, assim como outras universidades
públicas, possui um vestibular tão concorrido. Para enfrentar tal concorrência,
muitos alunos do ensino médio, inclusive os que estudam em escolas particulares
de reconhecida qualidade, fazem cursinhos preparatórios, em geral de alto
custo e inacessíveis à maioria dos alunos da escola pública.
O presente programa oferece a você a possibilidade de se preparar para enfrentar
com melhores condições um vestibular, retomando aspectos fundamentais da
programação do ensino médio. Espera-se, também, que essa revisão, orientada
por objetivos educacionais, o auxilie a perceber com clareza o desenvolvimento
pessoal que adquiriu ao longo da educação básica. Tomar posse da própria
formação certamente lhe dará a segurança necessária para enfrentar qualquer
situação de vida e de trabalho.
Enfrente com garra esse programa. Os próximos meses, até os exames em
novembro, exigirão de sua parte muita disciplina e estudo diário. Os monitores
e os professores da USP, em parceria com os professores de sua escola, estão
se dedicando muito para ajudá-lo nessa travessia.
Em nome da comunidade USP, desejo-lhe, meu caro aluno, disposição e vigor
para o presente desafio.

Sonia Teresinha de Sousa Penin.


Pró-Reitora de Graduação.
Carta da
Secretaria de Estado da Educação

Caro aluno,
Com a efetiva expansão e a crescente melhoria do ensino médio estadual,
os desafios vivenciados por todos os jovens matriculados nas escolas da rede
estadual de ensino, no momento de ingressar nas universidades públicas, vêm se
inserindo, ao longo dos anos, num contexto aparentemente contraditório.
Se de um lado nota-se um gradual aumento no percentual dos jovens aprovados
nos exames vestibulares da Fuvest — o que, indubitavelmente, comprova a
qualidade dos estudos públicos oferecidos —, de outro mostra quão desiguais
têm sido as condições apresentadas pelos alunos ao concluírem a última etapa
da educação básica.
Diante dessa realidade, e com o objetivo de assegurar a esses alunos o patamar
de formação básica necessário ao restabelecimento da igualdade de direitos
demandados pela continuidade de estudos em nível superior, a Secretaria de
Estado da Educação assumiu, em 2004, o compromisso de abrir, no programa
denominado Pró-Universitário, 5.000 vagas para alunos matriculados na terceira
série do curso regular do ensino médio. É uma proposta de trabalho que busca
ampliar e diversificar as oportunidades de aprendizagem de novos conhecimentos
e conteúdos de modo a instrumentalizar o aluno para uma efetiva inserção no
mundo acadêmico. Tal proposta pedagógica buscará contemplar as diferentes
disciplinas do currículo do ensino médio mediante material didático especialmente
construído para esse fim.
O Programa não só quer encorajar você, aluno da escola pública, a participar
do exame seletivo de ingresso no ensino público superior, como espera se
constituir em um efetivo canal interativo entre a escola de ensino médio e
a universidade. Num processo de contribuições mútuas, rico e diversificado
em subsídios, essa parceria poderá, no caso da estadual paulista, contribuir
para o aperfeiçoamento de seu currículo, organização e formação de docentes.

Prof. Sonia Maria Silva


Coordenadora da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
Apresentação
da área
Os módulos de Língua Portuguesa deste curso constituem uma forma de levar
você, aluno de ensino médio, a refletir sobre a sua língua materna, oferecendo sub-
sídios para melhoria e aprimoramento de seus conhecimentos lingüísticos.
Compusemos o material numa progressão que leva em conta, em primeiro lugar,
o seu processo de amadurecimento. Assim, partindo de realidades vivencialmente
próximas, o grau de abstração se intensifica dentro da cada unidade e de um módulo
para outro.
Estruturamos os módulos em torno de uma posição fundamental: os tópicos gra-
maticais e textuais constantes do currículo do ensino médio só assumem seu signifi-
cado pleno quando focalizados a partir da linguagem, entendida como faculdade
inerente ao ser humano, pela qual ele interage com seus semelhantes. Por essa razão
não fizemos uma separação rígida de assuntos, o que deturparia o caráter essencial-
mente flexível dos problemas de linguagem.
Dentro desta perspectiva, foram organizados os quatro módulos de Língua Por-
tuguesa e seus respectivos conteúdos: variabilidade da linguagem e noção de nor-
ma, morfossintaxe das classes de palavras, processos de organização da frase, orga-
nização e articulação do texto, o problema da significação e os recursos de estilo.
Preocupamo-nos com que as aulas levem você a refletir criticamente sobre sua
vivência lingüística e, em contato com as normas gramaticais vigentes, habilitem-no a
interpretar e a produzir textos representativos das mais diversas situações interacionais.
Com o material que preparamos, você terá a oportunidade de rever os pontos
mais importantes sobre a Língua Portuguesa e fazer atividades para avaliar seu pro-
gresso e possíveis dificuldades.
Procure ver essa fase de estudos como mais uma oportunidade de aprendizagem
sobre o mundo, a sociedade em que vive e sobre você mesmo. Se você entrar nela
com esse espírito, seguramente sairá dela enriquecido – não apenas de conhecimen-
tos para ingressar na Universidade, mas também de informações e pontos de vista
novos que servirão em toda a sua vida. Daí, sim, você poderá olhar o mundo com
confiança. Você pode não se transformar em um cientista, mas será sem dúvida uma
pessoa que tem conhecimentos e informações e é capaz de usá-los da melhor manei-
ra possível. Afinal, vale a pena investir em você mesmo.

Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade


Coordenadora de Língua Portuguesa
Apresentação
do módulo
Neste módulo, serão discutidas questões relativas à articulação do texto.
Trataremos das estratégias lingüísticas para a construção do sentido textual,
dos recursos expressivos, da citação, dos níveis de significação do texto e da
intertextualidade.
Em cada unidade, após a explicação referente ao conteúdo da disciplina,
apresentamos atividades para que você possa praticar o que aprendeu e, em
seguida, indicamos sugestões de leitura e atividades complementares.

Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade


Coordenadora de Língua Portuguesa
Unidade 1

Estratégias de articulação do texto:


coesão lexical e gramatical
Organizadores
Num texto, certos elementos comparam-
Maria Lúcia V. de
se aos fios que costuram entre si as partes de
Oliveira Andrade
uma vestimenta. Cortados esses fios, o que
sobra são simples pedaços de pano. Neide Luzia de
Rezende
(Fiorin e Savioli, 1996: 367).
Valdir Heitor
Ao analisarmos essa afirmação dos autores, verificamos que um texto Barzotto
bem construído é aquele que permite ao leitor compreender o que está sendo Elaboradora
dito, sem que este se perca entre os enunciados que o constituem, nem perca Maria Lúcia V. de
a noção de conjunto. É possível, portanto, perceber a conexão existente entre Oliveira Andrade
os vários segmentos textuais e compreender que todos estão interligados, crian-
do um todo coeso e coerente.
Para exemplificar o que foi dito, observemos o texto a seguir.
(1)
Para os humanistas renascentistas e os filósofos iluministas do sécu-
lo XVIII, a Idade Média foi um período soturno, coberto pela longa
noite da superstição, governado pelo obscurantismo de senhores e pá-
rocos, marcado pelo fanatismo religioso, povoado por camponeses fa-
mintos e vulneráveis aos acidentes da vida. Enfim, a Idade das Trevas.
Ao longo do século XIX e até a segunda metade do século passado,
essa visão negativa da Idade Média passou de geração em geração,
abandonada pelos livros didáticos. Até que historiadores do século XX,
os medievalistas na vanguarda, começaram a desmontar esse mito
historiográfico.
Estudos recentes revelaram as profundas transformações ocorridas
nos séculos XIV e XV. Os casamentos freqüentemente eram arranjados
pelos pais, mas o rapto por mútuo consentimento era o expediente em-
pregado pelas moças para escolher seus maridos. Os bordéis acolhiam
alegremente os celibatários, com as bênçãos da municipalidade, preo-
cupada em preservar a virtude das donzelas. Estas tomavam parte nas
festas, em que o flerte era a atividade principal. A homossexualidade
era tolerada, desde que respeitasse conveniente discrição. Os desvali-
dos contavam com um meio urbano solidário, que engendrou diversos
mecanismos de proteção social. Já no século XII, uma sociedade dese-
josa de saber criou a universidade e o poder estudantil, e estimulou o
uso da escrita. Logo, a escola se tornou estratagema de ascensão social,
e jovens de ambos os sexos, mulheres em menor número, buscaram nos
 

livros um lugar na sociedade. Definitivamente, foram dissipadas as tre-


vas que deformaram a nossa visão de Idade Média.
(Novas luzes revelam outra Idade Média. In: História Viva. São Paulo:
Editorial Duetto, ano I, nº 5, março de 2004, p; 28).
Como você pode verificar, os enunciados desse texto não estão aglomera-
dos caoticamente, mas estritamente interligados, permitindo que se perceba a
conexão entre as partes. A essa conexão interna entre os vários segmentos
presentes no texto dá-se o nome de coesão. Portanto, um texto coeso é aquele
que apresenta enunciados “organicamente articulados entre si” (Fiorin e Savioli,
1990: 271), ou seja, quando há concatenação entre as idéias apresentadas por
meio da articulação das palavras e frases.
A coesão de um texto não é fruto do acaso. Na verdade, é o resultado das
relações de sentido estabelecidas entre os enunciados. Essas relações são mani-
festadas por determinadas categorias de palavras, as quais são denominadas
elementos de conexão ou conectivos. A função destes elementos é a de colocar
em evidência as várias relações de sentido que existem entre os enunciados.
Voltando ao texto (1), podemos observar a função de alguns desses ele-
mentos de coesão.
No primeiro parágrafo, após encadear (por meio do uso de adjetivos, par-
ticípios e pontuação) uma série de caracterizações feitas pelos humanistas
renascentistas e os filósofos iluministas sobre a época medieval (“foi um pe-
ríodo soturno, coberto pela longa noite da superstição, governado pelo obs-
curantismo de senhores e párocos, marcado pelo fanatismo religioso, povoa-
do por camponeses famintos e vulneráveis aos acidentes da vida”), o autor do
texto sintetiza a idéia básica que deseja transmitir ao seu leitor. Para isso, faz
uso do advérbio enfim indicando que passará a introduzir o último enunciado
desse parágrafo que define o período histórico analisado sob tal ótica: “Enfim,
a Idade das Trevas”.
Já no segundo parágrafo, o autor precisa apresentar as idéias relativas à
perspectiva dos historiadores do século XX que se contrapõem àquela dos
estudiosos mencionados anteriormente. Contudo, antes de anunciar essas no-
vas idéias, ele retoma o ponto de vista desenvolvido no primeiro parágrafo
por meio de “essa visão negativa da Idade Média passou de geração em gera-
ção...”. Aqui a conexão é estabelecida por meio da expressão nominal (“visão
negativa”) que define como os estudiosos anteriores à segunda metade do
século XX viam a Idade Média. Como essa explicação já havia sido feita, o
autor faz uso do pronome demonstrativo essa que, por ser um pronome
anafórico – isto é, serve para fazer uma retomada –, exige a atenção do leitor
para buscar o sentido no elemento antecedente (nesta ocorrência, diz respeito
a todo o primeiro parágrafo).
Ainda neste parágrafo, temos o uso da preposição até, sendo empregada
para estabelecer uma relação semântica de tempo. Vejam-se os trechos:
a. “Ao longo do século XIX e até a segunda metade do século passado....”,
em que a preposição até estabelece uma relação semântica de momento
no tempo a que se chega uma ação/processo/estado, e o termo século
passado expressa o limite final temporal.
b. “Até que historiadores do século XX (...) começaram a desmontar esse
mito historiográfico”, em que a preposição até+que+oração com verbo
finito indica limite temporal.


  -     

No último parágrafo, encontramos, por exemplo, um trecho em que o


autor fala a respeito dos casamentos na Idade Média: “Os casamentos freqüen-
temente eram arranjados pelos pais”; no segmento seguinte, expressa uma
informação contrária à primeira e, para introduzir essa segunda oração, preci-
sa empregar um elemento de coesão que estabeleça a relação pretendida, no
caso o conectivo mas (conjunção coordenativa adversativa).
Continuando a observar os recursos coesivos empregados na construção
deste parágrafo, encontramos outros importantes, como:
a. pronome demonstrativo estas: no trecho “Estas tomavam parte nas fes-
tas”, em que o pronome retoma o termo imediatamente anterior (“...
donzelas”), por meio de uma anáfora, isto é, para preencher a forma pro-
nominal que é esvaziada de sentido, o leitor precisa voltar ao segmento
anterior e estabelecer a relação entre os dois segmentos.
b. pronome relativo em que: no trecho “nas festas... em que o flerte era a
atividade principal”, serve para retomar o termo nas festas, introduzindo a
oração subordinada adjetiva.
c. locução conjuntiva desde que: no trecho “A homossexualidade era tolera-
da, desde que respeitasse conveniente discrição”, a locução introduz uma
oração que implica condição para que a oração anterior se realize. A ora-
ção subordinada é denominada pela gramática normativa de oração su-
bordinada adverbial condicional.
d. advérbio definitivamente: ocorre no segmento final “Definitivamente, fo-
ram dissipadas as trevas que deformaram a nossa visão de Idade Média”.
Nesse trecho, o advérbio que é classificado pela gramática normativa como
advérbio de modo (adjetivo definitivo + sufixo -mente) serve para apresen-
tar a avaliação final do autor a respeito da Idade Média, exercendo a função
de um advérbio modalizador que introduz a conclusão do texto; ou seja, o
conteúdo do que se afirma por meio desse advérbio é dado como um fato
partilhado entre autor e leitor, e que é reforçado pelo advérbio.

Por meio dos elementos levantados no texto (1), você pôde ver que são
várias as palavras que, num texto, assumem a função de conectivo ou elemen-
to de coesão:

• as preposições: a, até, de, para, com , por etc;


• as conjunções: e, mas, ou, embora, que, para que, quando etc;
• os advérbios: aqui, aí, lá, agora, já, enfim, logo etc;
• os pronomes: ele, ela, seu sua, este, esta, isto, esse, essa, isso, aquele,
que, o qual etc.

Há, portanto, dois tipos básicos de coesão:


1- A retomada de termos, expressões ou frases já ditas ou a sua antecipação:
a. por uma palavra gramatical (pronomes, verbos ser e fazer – Paulo estuda
e José faz o mesmo –, numerais, advérbios);
b. retomada por palavra lexical (substantivos, verbos, adjetivos).


 

2- O encadeamento de segmentos do texto:


a. conexão: é realizada por conectores ou operadores discursivos (também
denominados conectivos ou conjunções pela gramática normativa), que
devem ser vistos como elementos que trazem para o texto uma orientação
argumentativa, e não como meros elementos relacionais. São exemplos
de conectores: e, mas, porém, embora, portanto, já que, pois etc. Desse
modo, este item engloba muitos outros termos que fazem parte de vocá-
bulos que, segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), não se
enquadram nas dez classes gramaticais. Bechara, por exemplo, denomina
essas palavras de: denotadores de inclusão (até, mesmo, também); de ex-
clusão (só, apenas, senão); de retificação (aliás, ou melhor); de situação
(então, afinal). Estas são palavras ou expressões responsáveis pela conca-
tenação ou encadeamento de relações entre os segmentos textuais.
b. justaposição: faz-se pelo estabelecimento da seqüenciação com ou sem o
uso de conectores. Quando o texto se organiza sem seqüenciadores, cabe
ao leitor reconstruir, com base na seqüência apresentada, os operadores
discursivos que não estão presentes na superfície textual. Nesse caso, o lu-
gar do conector é marcado, na escrita, por sinais de pontuação (vírgula,
ponto e vírgula, dois pontos, ponto) e, na fala, pelas pausas. A justaposição
com conectores estabelece um encadeamento coesivo entre porções maio-
res ou menores da superfície textual e pode ser marcada por: seqüência
temporal (dois meses, uma semana, ontem); ordenação espacial (à esquer-
da, atrás, abaixo); especificação da ordem dos assuntos (primeiro, a seguir,
finalmente); introdução de um dado tema ou para mudar de assunto (por
falar nisso, a propósito, mas voltando ao assunto, fazendo um parêntese).

O uso apropriado desses elementos de coesão garante unidade ao texto e


contribui, de modo considerável, para que as idéias sejam expressas com cla-
reza e adequação.

Vejamos o texto (2), publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 27 de


agosto de 2004 – caderno A, p.6:
(2)

Ele sempre nos leva a lugares novos, interessantes. Ele vai e apresenta onde vamos
viver. Defende e briga por nós. Consegue o melhor para a gente. Ele nos providencia
uma moradia. Ele se preocupa com a gente. Depois de um tempo, aparece com uma
proposta incrível. Uma casa na praia ou no campo. Ele se importa com o lugar onde
vamos passar as férias com a nossa família. Ele não tem obrigação de pensar nisso, mas,
mesmo assim, pensa. Nossa satisfação, nosso sorriso no rosto de estar bem abrigado é
a sua alegria. Ele vive pra isso. Até quando o assunto é trabalho, ele está lá para nos
orientar.“Aqui sua empresa vai decolar”, diz orgulhoso, do alto de toda a sua experiên-
cia. Ele sabe das coisas. Ele sabe que nós precisamos dele. E ainda bem que ele sempre
está lá, à nossa disposição.
Uma homenagem do Grupo Cyrela ao Dia do Consultor Imobiliário

Av. Brigadeiro Faria Lima, 3400 – 10o andar


Itaim Bibi SP
www.cyrela.com.br


  -     

Ao iniciar a leitura, podemos estranhar que o texto comece com um pro-


nome ele que só vai ser preenchido se chegarmos ao final. O uso dessa estra-
tégia coesiva de antecipação, denominada catáfora, indica que devemos pro-
curar nos elementos que se seguem onde está o sentido textual (ele = consul-
tor imobiliário, que somente será percebido se o leitor observar os elementos
contextualizadores da propaganda, ou seja, os elementos que ancoram o tex-
to: “título”, quem produziu, onde foi publicado, data). Essa estratégia cria
certa curiosidade e expectativa, fazendo com que o leitor avance e busque o
sentido. Antes de chegar a preencher o sentido do pronome ele, o leitor pode
constatar que o enunciador usa repetições do item lexical (ele) ou em outros
momentos usa o recurso da elipse (a forma verbal em 3a pessoa sem uso do
pronome explícito).

Atividades
1. Releia a propaganda acima e levante outros elementos coesivos estudados
nesta unidade, além da repetição do pronome ele e de sua elipse.

2. Analise, nos textos colocados a seguir, os processos coesivos de construção


do referente (atente para as escolhas lexicais e sintáticas) e explique como a
coerência (organização de sentido) é construída. Observe também a pontua-
ção de cada um dos textos e comente.

Texto A
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
(Andrade, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2002, p. 26)


 

Texto B
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham...
Eta vida besta, meu Deus.
(Andrade, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2002, p. 23)

Texto C
Relatório ao governador
(texto redigido pelo então prefeito de Palmeira dos Índios – Graciliano
Ramos – no estado de Alagoas, em 10/11/1929)
O principal (...) foi estabelecer alguma ordem na administração. Ha-
via em Palmeira dos Índios inúmeros prefeitos: os cobradores de im-
postos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que dese-
jassem administrar. Cada pedaço do Município tinha a sua administra-
ção particular, com Prefeitos coronéis e Prefeitos inspetores de quartei-
rão. Os fiscais, esses resolviam questões de polícia e advogavam. Para
que semelhante anomalia desaparecesse, lutei com tenacidade e encon-
trei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela – dentro, uma resistência
mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua,
carregada de bílis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos do Nosso
Senhor, que administrava melhor do que todos nós; outros me davam
três meses para levar um tiro. Dos funcionários que encontrei em janei-
ro passado restam poucos. Saíram os que faziam política e os que não
faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são neces-
sários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam nas
contas. Devo muito a eles. Não sei se a administração do Município é
boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior. (...)
Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas, retirei da
cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram; incine-
rei monturos imensos, que a Prefeitura não tinha recursos suficientes
para remover. Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no
cisco preciosamente guardado nos fundos dos quintais; lamúrias, recla-
mações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que viram
bichos nas praças. Durante meses mataram-me o bicho do ouvido com
reclamações de toda a ordem contra o abandono em que se deixava a
melhor entrada para a cidade. Chegaram lá pedreiros – outras reclama-
ções surgiram, porque as obras irão custar um horror de contos de réis,
dizem. Custarão alguns, provavelmente. Não tanto quanto as pirâmides
do Egito, contudo. O que a Prefeitura arrecada basta para que nos não
resignemos às modestas tarefas de varrer as ruas e matar cachorros. (...)


  -     

Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abri-


ram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis. Evitei
emaranhar-me em teias de aranha. Certos indivíduos, não sei por que,
imaginam que devem ser consultados; outros que se julgam autoridade
bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos. Não
me entendi com esses.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas
anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha,
a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ain-
da para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não
compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há
até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar
quebrar as pedras dos caminhos. Fechei os ouvidos, deixei gritarem,
arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates.
Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois
anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos.
(“Um certo prefeito de Alagoas”, matéria publicada na revista Histó-
ria viva, março de 2004, p. 88-94, por Ruy Tapioca).
Texto D
De unhas pintadas, mas muito machos
Eles usam cremes para o rosto e corpo, praticam ginástica, cui-
dam do cabelo, fazem as unhas, depilam as sobrancelhas, estão
sempre vestindo roupas da moda (e de grife) e – acredite – não
são gays. Metrossexual foi o termo criado pelo jornalista inglês
Mark Simpson para classificar o homem heterossexual que tem
dinheiro, vive na ou próximo da metrópole e que se preocupa
com a aparência.
O escolhido para simbolizar esse novo homem, que continua gos-
tando de mulheres, mas não dispensa uma tarde no cabeleireiro,
foi o capitão da seleção inglesa de futebol David Beckham – cujos atributos físicos foram
(justamente) homenageados em um vídeo, exibido em uma galeria de arte de Londres,
denominado ‘David’, referência à escultura de Michelangelo sobre a perfeição masculina.
Para quem acha que homem vaidoso não é macho, Miriam Goldemberg, antropóloga da
UFRJ, explica que antes da Revolução Francesa, os homens se enfeitavam tanto ou mais
do que as mulheres. Depois foram proibidos de ter um tipo de vaidade associada à
aparência. Sinal dos tempos, agora quanto mais arrumado, melhor.
(Texto retirado da Revista Galileu, junho de 2004, nº.155 – também disponível no site
www.galileu.globo.com)


 

3. Leia a declaração de Giorgio Armani (estilista italiano de 70 anos, dono da


grife que leva seu nome, com 250 lojas espalhadas pelo mundo, incluindo
quatro no Brasil) dada à jornalista Bel Moherdaui, em entrevista à Veja e
publicada em 6 de outubro de 2004, nas páginas amarelas. A seguir, comente
a respeito do processo de articulação textual; ou seja, quais estratégias de
coesão foram empregadas? Levante cada uma delas e explique.

Pergunta feita pela Veja – Ultimamente o senhor tem trabalhado bas-


tante com esportistas. Veste o time inglês de futebol, agora também a
seleção italiana de basquete e chamou o brasileiro Kaká para estrelar
uma de suas campanhas. Por quê?
Armani – O esporte, como a música, atrai muitos jovens. Não tem fron-
teiras, não tem diferenças. E esse tipo de público cosmopolita é meu
público-alvo. Além disso, tem a vantagem de que, em geral, os esportis-
tas são muito bonitos. São quase modelos e, ao mesmo tempo, são ído-
los. Se vestem Armani, melhor ainda. (p. 15).

RITMO E SONORIDADE
Outra estratégia de coesão que devemos estudar são os recursos expressi-
vos: ritmo e sonoridade. Segundo a professora Leonor Lopes Fávero, em seu
livro Coesão e coerência textuais, o ritmo é um elemento importante na for-
mação do texto. “A duração relativa das sílabas está ligada, de um lado, à
posição das pausas, acentos e entoação; de outro, a mudança do tempo pode
constituir por si só uma função delimitadora ou de realce” (1995, p. 30).
Para entendermos melhor a função do ritmo na obtenção da coesão, deve-
mos observar a sucessão de movimentos que se estabelecem no jogo textual.
Assim, vejamos o poema simbolista:


  -     

(3)
AEIOU
Manhã de primavera. Quem não pensa
Em doce amor, e quem não amará?
Começo a vida. A luz do céu é imensa...
A adolescência é toda sonhos. A.
O luar erra nas almas. Continua
O mesmo sonho de oiro, a mesma fé.
Olhos que vemos sob a luz da lua...
A mocidade é toda lírios. E.
Descamba o sol nas púrpuras do ocaso
As rosas morrem. Como é triste aqui!
O fado incerto, os vendavais do acaso...
Marulha o pranto pelas faces. I.
A noite tomba. O outono chega. As flores
Penderam murchas. Tudo, tudo é pó.
Não mais beijos de amor, não mais amores...
Ó sons de sinos a finados! O.
Abre-se a cova. Lutelenta e lenta,
A morte vem. Consoladora és tu!
Sudários rotos na mansão poeirenta...
Crânios e tíbias de defunto. U.
(Guimaraens, Alphonsus de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar,
1960, p. 506)
No poema o autor emprega as vogais, que dão título ao texto, para encer-
rar cada uma das estrofes. Entretanto, essas vogais servem não só para efeito
de rima, como também para revelar valores simbólicos em relação às fases da
vida do homem descritas em segmento.
Os recursos de motivação sonora – por exemplo, assonâncias, aliterações,
ritmo, rima – auxiliam no estabelecimento da coesão, fazendo o texto progre-
dir de maneira especial. Leia o texto:
(4)
Relógio
As coisa são
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão
(Andrade, Oswald de. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1967,
p. 41)
Neste texto, a linguagem é organizada de tal modo que transforma o cará-
ter linear da sintaxe verbal e recupera analogicamente as qualidades físicas,


 

sensíveis do objeto descrito. O movimento da ida e vinda das palavras (sono-


ridade) no seu campo de relações (umas com as outras) acaba sugerindo o
movimento pendular do relógio. A descrição feita pelo poeta não disseca o
relógio em seus componentes, mas flagra uma estrutura cíclica à maneira do
movimento cíclico do tempo (relógio).
Usando recursos modernos da propaganda, o texto (5) – criado em 1957
pelo poeta Décio Pignatari – já é considerado um clássico da poesia concreta.
Nele, há a crítica ao produto e também à estratégia persuasiva usada nos anún-
cios que divulgam esse produto. Assim, a partir do slogan “Beba Coca-Cola”,
o poeta elabora permutações intencionais e obtém uma anti-propaganda que
denuncia o domínio de uma fórmula sobre as massas. Cabe destacar que a
ironia é a chave para compreender o poema.
(5)
beba coca cola
babe cola
beba coca babe cola caco
caco
cola
cloaca
(Poesia Pois É Poesia. Concreta. São Paulo: Duas Cidades, 1977, 113).
Segundo os críticos literários, esse texto é um exemplo significativo de
poesia participante num momento em que a forma é rigorosa e essencial para
a estética.

Atividades
1. Leia o texto colocado abaixo de autoria do poeta Augusto de Campos:

pluvial / fluvial
p
pl
plu
pluv
pluvi
pluvia
fluvial
fluvial
fluvial
fluvial
fluvial
fluvial
(In: Antologia da literatura brasileira. Antonio Medina Rodrigues et. al.
São Paulo: Marco Editorial, 1979, vol. II, p. 350)


  -     

2. Partindo da idéia de que, em poesia, o som se acha sempre associado ao


sentido, registre algumas sensações provocadas pelo texto.

3. Esse poema concreto é formado pela disposição reiterada dos adjetivos


pluvial (de chuva) e fluvial (de rio). O primeiro escrito na vertical e o segun-
do, na horizontal. Dê sua impressão visual sugerida pelo poema.

SUGESTÕES DE LEITURA
Como já foi dito nos módulos anteriores, é importante que você leia cons-
tantemente jornais e/ou revistas para manter-se atualizado. Também é necessá-
rio ler as obras básicas da literatura nacional e internacional para poder refletir
sobre o trabalho com os textos, sua construção e organização de sentido.
Se você deseja ler livros e não tem tempo de ir à biblioteca, pode consultar
os sites de bibliotecas virtuais; neles você encontrará textos completos de li-
vros de diversos autores indicados para os principais vestibulares do país:
www.bibvirt.futuro.usp.br (neste site você pode consultar as principais obras
indicadas no vestibular da Fuvest);
www.uol.com.br/cultivox (aqui você encontra mais de 300 e-livros – livros
eletrônicos – grátis);
www.bibliotecavirtual.org.br (site da biblioteca virtual da UFBA).
http://sites.uol.com.br/fredb (Leituras na Rede é o site criado pelo escritor e
professor Federico Barbosa; nele você pode ler a edição integral de
algumas das obras fundamentais das literaturas brasileira e portuguesa)
Para saber mais sobre Graciliano Ramos, autor que utilizamos em um dos
textos desta unidade, consulte os seguintes livros:
MORAES, Denis de. O velho Graça. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.
RAMOS, Clara. Mestre Graciliano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
LIMA, Valdemar de. Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
LIMA, Mário Hélio Gomes de (org.) Relatórios. Recife: Record, 1994.
Você ainda pode navegar pelo site www.graciliano.com.br produzido pela
família do escritor. Nele encontrará notícias sobre sua obra, manuscritos, ál-
bum de família etc.

Para obter mais informações sobre poesia concreta, leia “Poesia Concreta”
– seleção de textos notas, estudos biográfico, histórico e crítico e exercícios
por Iumna Maria Simon e Vinicius de Ávila Dantas (orgs.). Literatura Comen-
tada. São Paulo: Abril, 1982.


 

Para conhecer mais sobre coesão e coerência textuais, consulte os seguin-


tes livros:
FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. 3.ed. São Paulo:
Ática (série princípios), 1995.
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto:
leitura e redação. São Paulo: Ática, 1990.
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e
redação. São Paulo: Ática, 1996.
KOCH, Ingedore G. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1989.
KOCH, Ingedore G. V. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.


Unidade 2
Discurso reportado (citação):
discurso direto, indireto e indireto livre

Organizadores
Ao construir um texto, você pode mostrar a presença de outras vozes, Maria Lúcia V. de
trazendo para a cena e demarcando lugares e limites; pode ainda deixá-las Oliveira Andrade
implícitas, por conta da memória do leitor. Entretanto, para escolher dentre as
Neide Luzia de
várias possibilidades que a língua oferece, é preciso conhecer um pouco cada
Rezende
um desses recursos lingüísticos.
Valdir Heitor
Num texto narrativo, entram em cena personagens que dialogam entre si, Barzotto
manifestando seu discurso. Nesta unidade, vamos estudar os recursos que o
narrador pode utilizar para reproduzir o discurso de tais personagens, ou seja, Elaboradora
como ele insere na narrativa a fala que não lhe pertence. Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade
Basicamente, há três recursos para citar o discurso do outro: discurso dire-
to, discurso indireto e discurso indireto livre. Vejamos cada um deles:

DISCURSO DIRETO
As histórias em quadrinhos e as charges usam, freqüentemente, o discur-
so direto. Nesse gênero textual, a fala de cada personagem é associada direta-
mente à sua imagem, permitindo ao leitor apreender as diversas vozes mostra-
das no texto.
(1)
Rato de Sebo
® Custódio

Nesta tirinha, o narrador-personagem conta a sua história em 1a pessoa,


mas no momento em que instaura outra personagem, o anjo torto, o narrador
passa a palavra para essa personagem, afastando-se da cena. Nos quadrinhos,
o recurso usado é o balão, que contém a fala literal da personagem: “Vai ser
rato de sebo na vida!” ou “ Você bem que podia ajudar, né???”.
 

Observemos, agora, como se dá o uso desse recurso em uma narrativa


literária:
(2)
Governar
Os garotos da rua resolveram brincar de Governo, escolheram o Pre-
sidente e pediram-lhe que governasse para o bem de todos.
– Pois não – aceitou Martim. – Daqui por diante vocês farão meus
exercícios escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de vocês formarão a
minha segurança. Januário será meu Ministro da Fazenda e pagará meu
lanche.
– Com que dinheiro? – atalhou Januário.
– Cada um de vocês contribuirá com um cruzeiro por dia para a
caixinha do Governo.
– E que é que nos lucramos com isso? – perguntaram em coro.
– Lucram a certeza de que têm um bom Presidente. Eu separo as
brigas, distribuo as tarefas, trato de igual para igual com os professores.
Vocês obedecem, democraticamente.
– Assim não vale. O Presidente deve ser nosso servidor, ou pelo
menos saber que todos somos iguais a ele. Queremos vantagens.
– Eu sou o Presidente e não posso ser igual a vocês, que são presidi-
dos. Se exigirem coisas de mim, serão multados e perderão o direito de
participar da minha comitiva nas festas. Pensam que ser Presidente é
moleza? Já estou sentido como este cargo é cheio de espinhos.
Foi deposto, e dissolvida a República.
(Andrade, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1985, p. 83).
Levando em conta os dados que nos interessam, podemos destacar que o
narrador observador, em 3a pessoa, introduz o conto revelando que os garotos
envolvidos na narrativa resolveram brincar de Governo. A personagem, Martim,
aceita ser o Presidente e impõe suas condições. A seguir, Januário questiona
com que dinheiro pagará o lanche do Presidente. As demais falas seguem a
mesma perspectiva: os garotos perguntam sobre suas dúvidas em relação ao
Governo e Martim vai respondendo a cada um.
Ao ler toda a história, você pode constatar que o narrador reproduz a fala
das personagens através das próprias palavras proferidas por eles. Tudo se
passa como se nós, leitores, estivéssemos ouvindo a conversa dessas persona-
gens, ou seja, como se estivéssemos em contato direto com elas. Exatamente
por criar esse efeito é que esse tipo de discurso é denominado discurso direto.
Esse discurso apresenta algumas marcas importantes:
a. a fala da personagem é acompanhada de um verbo que explica ou anun-
cia quem fez uso da palavra (“aceitou Martim”, “atalhou Januário”, “per-
guntaram em coro”). Esses verbos são denominados verbos dicendi ou
verbos de dizer (dizer, responder, perguntar, afirmar, retrucar e outros com
as mesmas características).
b. de modo geral, antes da fala de cada personagem usa-se travessão. Se o
verbo de dizer for usado antes do discurso direto, usa-se dois pontos. Por
exemplo:


  -     

Os garotos perguntaram em coro:


– E que é que nos lucramos com isso?
c. o tempo verbal, os pronomes e as palavras dependentes da situação são
usadas literalmente, pois são elementos determinados pelo contexto em
que se inscreve a personagem que está com a palavra: a personagem usa a
1a pessoa; para interagir com o interlocutor, usa a 2a pessoa; os tempos
verbais são ordenados em relação ao momento da fala (eu/tu-aqui-agora).

DISCURSO INDIRETO
Observando um pequeno fragmento do romance Helena de Machado de
Assis, vejamos agora outro procedimento para citar a fala de uma persona-
gem, o chamado discurso indireto:
(3)
(...) [Estácio] Cercou-a [Helena] de cuidados, buscou distraí-la, pe-
diu-lhe que fosse repousar um instante. Para justificar a explicação que
dera, Helena obedeceu às instruções do irmão. Este foi encerrar-se no
gabinete, onde se ocupou a examinar e colecionar alguns papéis.
(In: Obra Completa. Vol. I – Romance. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1979, p. 324).
Para citar a fala da personagem Estácio, o narrador não reproduz literal-
mente a fala dessa personagem, mas emprega suas palavras de narrador para
comunicar o que Estácio pediu a sua irmã Helena. A fala de Estácio chega ao
leitor de maneira indireta, isto é, pelas palavras do narrador; por isso tal recur-
so lingüístico denomina-se discurso indireto.
O discurso indireto apresenta algumas características básicas:
a. vem introduzido por um verbo de dizer;
b. vem separado da fala do narrador por uma partícula introdutória, normal-
mente a conjunção que ou se, e não por sinais de pontuação. No fragmen-
to citado, temos: pediu-lhe que fosse repousar;
c. o tempo verbal, os pronomes e as palavras dependentes da situação são
determinados pelo contexto em que se inscreve o narrador e não a perso-
nagem: o verbo ocorre na 3a pessoa, o tempo verbal correlaciona-se com
o tempo em que se situa o narrador, e o mesmo ocorre com os demais
recursos lingüísticos de situação (advérbios, pronomes etc.).

Confrontemos o discurso direto com o indireto.


Discurso direto:
O pai chamou o filho e perguntou:
– Quem quebrou este vidro, meu filho?
Discurso indireto:
O pai chamou o filho e perguntou-lhe quem havia quebrado aquele vidro.
É importante notar, ainda, que na conversão do discurso direto para o
indireto, as frases interrogativas, exclamativas e imperativas passam todas para
a forma declarativa.


 

DISCURSO INDIRETO LIVRE


Vejamos um fragmento de “Cadeia”, o terceiro capítulo do romance Vidas
Secas de Graciliano Ramos, em que o narrador revela que a personagem
Fabiano havia ido à cidade para comprar mantimentos, enquanto a mulher –
Sinhá Vitória –, os filhos e a cachorra Baleia haviam ficado em casa. Depois
de fazer algumas compras, Fabiano foi beber pinga. Quando estava na bodega
de seu Inácio, chegou um “soldado amarelo” e o obrigou a “jogar um trinta-e-
um”. Fabiano perdeu e saiu furioso da sala de jogo. Enquanto matutava sobre
o ocorrido debaixo de um pé de jatobá, ressurge o provocador – o soldado
amarelo – que insulta Fabiano e prende-o. Na cadeia, Fabiano leva uma surra
e é trancafiado na companhia de um bêbado e de outros homens que tinham
feito uma fogueira “que enchia o cárcere de fumaça”:

Fabiano cochilava, a cabeça pesada inclinava-se para o peito e le-


vantava-se. (...)
Acordou sobressaltado. Pois não estava misturando as pessoas, de-
satinando? Talvez fosse efeito da cachaça. Não era: tinha bebido um
copo, um tanto assim, quatro dedos. Se lhe dessem tempo, contaria o
que se passara.
Ouviu o falatório desconexo do bêbado, caiu numa indecisão dolo-
rosa. Ele também dizia palavras sem sentido, conversava à toa. Mas
irou-se com a comparação, deu marradas na parede. Era bruto, sim se-
nhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por
isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não
sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando
como um escravo. Desentupia o bebedouro, consertava as cercas, cura-
va os animais – aproveitara um casco de fazenda sem valor. Tudo em
ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa?
(in Vidas Secas. 53.ed. Rio de Janeiro: Record, 1984, p. 35-36).
Nesse fragmento, não há indicadores muito evidentes dos limites entre a
fala do narrador em 3a pessoa (narrador onisciente) e a fala da personagem
Fabiano. Trata-se, na verdade, de um texto em que predomina o discurso indi-
reto livre, ou seja, a representação da fala interior da personagem diretamente
inserida na linguagem do narrador.
Após uma breve introdução (“Acordou sobressaltado”), o leitor – guiado
pelo narrador – já se encontra dentro da consciência de Fabiano e começa a
“ouvir” o que a personagem “fala” interiormente, na medida em que as idéias
vão surgindo.
Para esclarecer melhor, confrontemos um enunciado retirado do texto (em
discurso indireto livre) com os correspondentes em discurso direto e indireto.
Discurso indireto livre
Acordou sobressaltado. Pois não estava misturando as pessoas, de-
satinando?
Discurso direto
Fabiano acordou sobressaltado e começou a pensar: Pois não estava
misturando as pessoas, desatinando?


  -     

Discurso indireto
Fabiano acordou sobressaltado e começou a pensar que poderia es-
tar misturando as pessoas, desatinando.
A partir dos exemplos, você pode notar que o discurso indireto livre cor-
responde a uma espécie de discurso indireto do qual foram excluídos os ver-
bos de dizer, que servem para anunciar a fala das personagens, e a partícula
introdutória (que, se). No fragmento do capítulo “Cadeia”, predominam as
formas verbais do pretérito imperfeito do indicativo, na 3a pessoa do singular.
Cabe lembrar que o pretérito imperfeito do indicativo sempre foi o mais ade-
quado às descrições e narrativas. Seu efeito principal é transportar o leitor a
uma época passada e descrever o que então era presente. O pretérito perfeito
do indicativo aparece em dois momentos importantes, apenas dentro da lin-
guagem do narrador: quando se descreve a personagem em “close-up”, pre-
parando a abordagem de sua consciência (“Acordou sobressaltado”), e quan-
do após o trecho em discurso indireto livre o narrador retoma a sua própria
linguagem para acrescentar novas informações (“Ouviu o falatório”).
Outro ponto a destacar é que no discurso indireto livre as ordens, súplicas,
pedidos, perguntas são conservados nas formas imperativa e interrogativa.
Nele, destacam-se os elementos expressivos, as exclamações, interjeições etc.

Atividades
1. Transforme os trechos que estão elaborados em discurso indireto para dis-
curso direto, e depois explique os recursos lingüísticos empregados:
a. Paulo balançou a cabeça e respondeu que não tinha a mínima idéia.

b. Ana concordou que era a melhor solução.

c. Quando o gerente chegou, perguntou ao segurança quem havia quebrado


a vidraça.

2. O trecho abaixo, extraído do romance Vidas Secas, apresenta um segmento


em discurso indireto livre. Identifique-o e, a seguir, construa esse mesmo frag-
mento em discurso direto e depois em discurso indireto.


 

Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria,


certamente sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E
lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espon-
jariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enor-
me. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos enormes. (p.91)

3. Leia o cartum criado por Quino, na página seguinte. Observe que o discur-
so reportado (citação) é usado para reforçar as nossas próprias idéias, mas
pode substituir as palavras quando não se tem nada a dizer, como ocorre nesse
texto. A seguir, crie um texto em que você possa utilizar as falas das persona-
gens retratadas pelo cartunista.


  -     

Fonte: Quino. Artes e partes. Lisboa: Dom Quixote, 1982.


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SUGESTÕES DE LEITURA
Se você deseja conhecer outras obras de literatura em que os autores em-
pregam o discurso indireto livre, pode escolher, por exemplo, textos de Ma-
chado de Assis, Aluísio de Azevedo, Raul Pompéia, José Lins do Rego, Gui-
marães Rosa, entre outros. Como sugestão, indicamos o romance João Miguel
de Raquel de Queiroz, publicado em 1932.
Para saber mais sobre histórias em quadrinhos, leia o livro Como usar as
histórias em quadrinhos em sala de aula de Alexandre Barbosa, Paulo Ra-
mos, Túlio Vilela, Ângela Rama e Waldomiro Vergueiro. São Paulo: Contexto,
2004.
Ainda sobre quadrinhos, visite os seguintes sites:
www.fabricadequadrinhos.com.br
www.custodio.net


Unidade 3
Níveis de significação do texto:
significação explícita, significação implícita,
denotação e conotação
Organizadores
Maria Lúcia V. de
Em muitos discursos, como o literário e o humorístico, significados para- Oliveira Andrade
lelos sobrepõem-se ao significado denotativo de um termo – também conhe-
cido como sentido básico, “literal” ou “de dicionário”. Pode-se dizer que, Neide Luzia de
devido a uma estratégia de construção textual, cria-se um efeito de sentido Rezende
chamado, nesse caso, de sentido conotativo. Valdir Heitor
Barzotto
Geralmente, os textos denotativos não empregam palavras às quais pos-
sam ser atribuídos múltiplos sentidos, isto é, evitam termos polissêmicos (ter- Elaboradora
mos com várias significações, como “a cabeça do alfinete”; “o cabeça do Maria Lúcia V. de
grupo”; “dor de cabeça”). Quando isso não é possível, estabelecem orienta- Oliveira Andrade
ções que delimitam o sentido textual por meio do contexto.
Por outro lado, os textos conotativos utilizam intensamente termos polis-
sêmicos ou construções ambíguas, e devem ser lidos a partir dos vários senti-
dos que as palavras evocam. Nesse tipo de texto, o que importa não é tanto o
seu sentido evidente, mas a sua capacidade de sugerir e criar efeitos de senti-
do múltiplos.
Vejamos a tirinha. Abaixo:
(1)

A graça desse texto pode ser explicada pelo jogo de palavras construído
pelo enunciador. Ela resulta do duplo sentido que a palavra chato adquire no
contexto. O adjetivo chato, relacionado ao formato do planeta na região po-
lar, significa plano, achatado, sem relevo. Entretanto, quando referido à situ-
ação (atmosfera ou clima psicológico) do planeta nos domingos sem futebol,
expressa a idéia de aborrecido, tedioso, maçante.
Esse jogo de linguagem que instaura o humor está relacionado a um uso
da linguagem. No sentido denotativo ou literal, o termo chato significa plano,
 

mas no uso conotativo ou figurado, principalmente empregado na variante


popular ou informal da língua, carrega a idéia de maçante, tedioso.
Os textos publicitários se utilizam muito da ambigüidade de sentido para
chamar a atenção do leitor. Observe o exemplo:

(Texto publicado no Guia da Folha de S. Paulo, de 13 a 19 de agosto de


2004, contracapa).

A palavra câmbio, neste anúncio, apresenta duplicidade de sentido:


a. câmbio (substantivo derivado do verbo cambiar) significa troca ou per-
muta de moeda estrangeira;
b. câmbio de automóvel: alavanca que serve para trocar a marcha do veícu-
lo, fazendo-o andar.
Como o assunto economia é complexo, o jornal Folha de S. Paulo busca,
com o anúncio, divulgar o caderno de economia “Folha Dinheiro” por meio
de uma linguagem simples, visando a tirar desse tema a carga que todo brasi-
leiro lhe dá de ser muito específico e que só pode ser compreendido pelos
indivíduos que têm conhecimento da área. Para isso, introduz o enunciado
com uma comparação: “Economia é como carro”, e a partir daí pode usar a
palavra câmbio e instaurar no texto o seu sentido, baseado também na dupli-
cidade de “para frente e para trás” em termos de espaço físico e de “espaço”
em relação a desenvolvimento.

Atividades
1. Leia a charge colocada a seguir, retirada do jornal Folha de S. Paulo, em
11/04/2004, 1o caderno, página 2, na seção intitulada “Opinião”. Para com-
preender o significado desse texto, é preciso analisar a situação discursiva,
observando quem são as personagens representadas nessa caricatura. Ou seja,
você precisa relacionar o que está ocorrendo no quadro representado e o que
de fato acontece no contexto sócio-hitórico do leitor do referido jornal. A
seguir, procure explicar o jogo de palavras que cria o humor dessa charge.


  -     

2. Vejamos os poemas:
Lâmina
Leio no brilho do teu olho
Meu corpo – dado como morto –
Re-nascido.
Escrevo na folha do teu corpo
Meu nome – antes sem voz nem paz –
Re-citado.
Calado e inteiro ao teu lado
Te ofereço a face
Te estendo a mão
E estou ao alcance da tua alma.
Calma, eu posso te ver em mim
E me ver em ti:
Corpo e Alma:
Reflexos, ecos, pedaços completos:
Amor.
(Bedani, Sílvio. Quadrívio. São Paulo: Plêiade, 1997, p. 25.)


 

Nome
algo é o nome do homem
coisa é o nome do homem
homem é o nome do cara
isso é o nome da coisa
cara é o nome do rosto
fome é o nome do moço
homem é o nome do troço
osso é o nome do fóssil
corpo é o nome do morto
homem é o nome do outro
(Antunes, Arnaldo. Na virada do século – Poesia de Invenção no Brasil.
São Paulo: ETCetera, 2002, p. 69)
Procure explicar o efeito de sentido produzido pelas escolhas lexicais feitas
pelos autores de cada texto, relacionando com o título dos poemas.

SUGESTÕES DE LEITURA
Para saber mais sobre denotação e conotação, leia os capítulos referentes
a esse tema e também ao uso do sentido figurado por meio de construções
metafóricas e metonímicas no livro Para entender o texto: leitura e redação de
José Luiz Fiorin e Francisco Savioli Platão, publicado pela Ática, em 1990.
Procure ouvir um CD de Itamar Assumpção, pretobrás – por que eu não
pensei nisso antes..., cujas letras apresentam um redimensionamento polissê-
mico das palavras. Segundo os críticos, as músicas são de excelente qualida-
de, o humor é ácido e inteligente, há trocadilhos e jogos de linguagem, que
fazem com que as letras mereçam ser ouvidas com bastante atenção. Consulte
o site www.atracao.com.br e saiba mais sobre a obra.
Leia mais sobre a atividade da escrita revelada, de modo significativo,
neste depoimento de Graciliano Ramos:

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas


fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a
roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no
novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma,
duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando
a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais
uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.


  -     

Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lava-
da na corda ou no varal, para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra
não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita
para dizer.
(Graciliano Ramos, em entrevista concedida em 1948)


Unidade 4

Intertextualidade
Organizadores
O termo intertextualidade é usado para significar que há uma relação en-
Maria Lúcia V. de
tre textos, ou seja, tudo aquilo que é dito, expresso por um falante ou por um
Oliveira Andrade
enunciador não pertence somente a ele, na medida em que em um discurso
Neide Luzia de são percebidas outras “vozes” que podem ser identificadas ou não, distantes
Rezende ou anônimas, impessoais ou mesmo imperceptíveis que ecoam durante o pro-
Valdir Heitor cesso de produção. Esta noção de “vozes” nos auxilia a compreender a inter-
Barzotto textualidade como a propriedade que têm os textos de apresentar, de modo
Elaboradora explícito ou não, a presença de outros textos e, valendo-se desse fator de
organização textual, gerar o sentido pretendido.
Maria Lúcia V. de
Oliveira Andrade Cabe ainda destacar que o termo intertextualidade foi proposto por Júlia
Kristeva, na década de 60, para designar o processo por meio do qual o texto
se constrói; sendo todo texto “absorção e rejeição de outro texto”. Essa defi-
nição leva outra lingüista, a professora Eni Orlandi, em 1983, a estabelecer a
noção de incompletude, isto é, todo texto é necessariamente incompleto, dada
sua relação com outros textos e com o conhecimento de mundo do alocutário
(leitor / ouvinte).
Na unidade 2, trabalhamos com uma tirinha de “Rato de Sebo” em que o
enunciador faz uso da intertextualidade para construir o seu texto e criar a
ironia. O enunciador apresenta a narrativa, em 1a pessoa, com as seguintes
palavras: “Quando nasci veio um anjo torto e disse....”. A seguir, temos a voz
do próprio anjo em discurso direto: “Vá ser rato de sebo na vida”. Para um
leitor que tenha um conhecimento enciclopédico (também denominado co-
nhecimento de mundo, que pode ser adquirido por meio de leitura e estudo
ou de modo informal) a respeito da literatura brasileira, vai reconhecer de
imediato a relação com um outro texto: o poema intitulado “Poema de sete
faces” de Carlos Drummond de Andrade, que integra a obra Alguma Poesia.
Nesse poema, podemos ler na primeira estrofe:

(1)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche1 na vida.
A expressão anjo torto empregado no poema conota para o termo anjo
um efeito divergente do seu significado original de “ser celestial repleto de
bondade e protetor dos humanos”, e esse sentido é reforçado pelo verso “des-
ses que vivem na sombra”, que contraria a idéia de que os anjos vivem na

1. Adjetivo francês que significa “sem jeito”.


  -     

“luz” e são “seres iluminados”, já que a sombra – ou as trevas – seria o lugar


daqueles que não são bons, ou seja, os anjos caídos.
Entretanto, na tirinha o termo anjo é empregado em seu sentido denotativo;
o anjo é torto, ou seja, “não é reto, é curvado” e isso somente é comprovado
no último quadrinho: o anjo é torto porque carrega livros pesados.
A ironia instaurada na tirinha é provocada pela descoberta do segredo do
anjo, e não de suas palavras, como seria de se supor, fazendo a relação com os
versos de Drummond; ou seja, o que importa é saber o porquê de o anjo ser
torto. O leitor que estabelece essa relação intertextual consegue um grau de
compreensão maior, fazendo uma leitura mais profunda do texto.
É importante lembrar as palavras de Roland Barthes, estudioso francês
que em 1974 afirmou: “Todo texto é um intertexto; outros textos estão pre-
sentes nele, em diversos níveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis”.
Além dessa intertextualidade, presente em todo e qualquer texto, pode-se
falar, ainda, da intertextualidade em sentido estrito: a das citações, referênci-
as, discurso relatado, retomadas. Constituem também exemplos a intertextua-
lidade que aparece na paráfrase (um texto B restaura, total ou parcialmente, o
conteúdo do texto A, por exemplo as Fábulas de La Fontaine) e na paródia
(um texto B apresenta uma imagem invertida do texto A, por exemplo: Fábu-
las Fabulosas de Millôr Fernandes). Nestes casos, o leitor necessita de um
repertório que o habilite a identificar os textos superpostos.
Vejamos a letra da música “Os argonautas” de Caetano Veloso, produzida
em 1969.


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(2)
Os argonautas
o barco
meu coração
não agüenta
tanta tormenta
alegria
meu coração
não contenta
o dia
o marco
meu coração
o porto
não

navegar é preciso
viver não é preciso

o barco
noite no teu tão bonito
sorriso solto perdido
horizonte
madrugada
o riso
o arco
da madrugada

o porto
nada

navegar é preciso
viver não é preciso

o barco
o automóvel brilhante
o trilho solto o barulho
do meu dente em tua veia
o sangue o charco barulho lento
o porto
o silêncio

navegar é preciso
viver não é preciso
navegar é preciso
viver


  -     

(in: Literatura Comentada. Seleção de textos, notas, estudos biográfi-


cos, históricos e críticos por Paulo Franchetti e Alcyr Pécora. São Paulo:
Abril, 1981, p. 56-57)
Segundo os organizadores do volume sobre Caetano Veloso, publicado na
obra Literatura Comentada, o compositor revela certo gosto pela “construção
de versos a partir da correlação entre palavras ou conjuntos de palavras que,
usualmente, não são empregadas lado a lado” (p.43). Ainda para esses estudi-
osos, a disposição gráfica em que o poema foi colocado não é a única possí-
vel, na medida em que a própria escolha já indica certa orientação para um
tipo de leitura; entretanto, essa disposição está baseada na maneira como o
poema é cantado pelo próprio compositor na versão de 1969.
Ao ler o texto, observamos que com os versos “navegar é preciso / viver
não é preciso” o enunciador faz menção aos navegadores antigos e, certa-
mente, ao texto “Palavras de Pórtico” escrito pelo poeta Fernando Pessoa, que
diz o seguinte:
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: “Navegar é preciso;
viver não é preciso”.
Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a
casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é
criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la
grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a
lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a
perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica
do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contri-
buir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo de nossa Raça.
(in: Pessoa, Fernando. Obra Poética. 6a.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova
Aguilar, 1976, p. 15)
A relação intertextual estabelecida permite compreender o texto de maneira
mais eficaz e faz o leitor criar um outro olhar para os versos do poeta Caetano
Veloso, encontrando talvez a dimensão do domínio que ele tem das palavras.

Atividades
1. Leia a letra da música “Bom Conselho” de Chico Buarque de Holanda.
Você perceberá que o texto é feito com provérbios ou ditados populares, só
que eles aparecem invertidos. Faça um levantamento desses provérbios espa-
lhados pelo texto e tente reconstruí-los em sua forma original.


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Bom Conselho
Ouça um bom conselho
Que lhe dou de graça
Inútil dormir
Que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado
Quem espera nunca alcança
Ouça, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com o meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que
Não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade

2. Ainda em relação ao texto anterior, busque refletir sobre o significado da


utilização do provérbio, que pode ser considerado uma espécie de “clichê ou
chavão de pensamento”. Quem o utiliza? Para que serve? Ou em que situação
ele é empregado? O que representa a “sabedoria proverbial”?

3. Você consegue estabelecer alguma correspondência entre o provérbio e a


estrutura social? De modo geral, em que tipo de sociedade os provérbios são
utilizados? Qual o sentido da inversão dos ditados populares no texto de Chico
Buarque de Holanda?


  -     

SUGESTÕES DE LEITURA
Para saber mais sobre escritores contemporâneos que fazem uso de estra-
tégias de construção textual como paráfrase e paródia, visite o site www.
releituras.com
Leia ainda o livro Fábulas Fabulosas de Millôr Fernandes, publicado pela
editora Nórdica, do Rio de Janeiro, 1963.
Pesquise sobre textos que estabelecem diálogos intertextuais entre si. Vale
a pena conferir:
a. “Canção de Exílio” de Gonçalves Dias, in Presença da literatura brasilei-
ra: das origens ao romantismo, obra organizada por José Aderaldo Castello
e Antonio Candido. São Paulo: Difel, 1974, p. 262.
b. “Canto do Regresso à Pátria” de Oswald de Andrade, in Presença da lite-
ratura brasileira: modernismo, obra organizada por José Aderaldo Castello
e Antonio Candido. São Paulo: Difel, 1977, p. 81.
c. “Canção do Exílio” de Murilo Mendes, in Presença da literatura brasilei-
ra: modernismo, obra organizada por José Aderaldo Castello e Antonio
Candido. São Paulo: Difel, 1977, p. 181.
d. “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque, no site www.chicobuarque.com.br
Em relação ao “Poema das sete faces” de Carlos Drummond de Andrade –
in Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p.5 –, é interessante
que você o confronte com a canção “Até o fim” de Chico Buarque, escrita em
1978. Você poderá encontrá-la no endereço www.chicobuarque.com.br/letras/
ateofim_78.htm

Sobre a obra de Caetano Veloso, veja o site www.caetanoveloso.com.br

Bibliografia
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto:
leitura e redação. São Paulo: Ática, 1990.
FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e
redação. São Paulo: Ática, 1996.
KOCH, Ingedore G. V. Introdução à Lingüística Textual: trajetória e grandes
temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São
Paulo: Editora da UNESP, 2000.


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Sobre a autora
Profa. Dra. Maria Lúcia da Cunha Victório de
Oliveira Andrade
Doutora em Semiótica e Lingüística Geral, é professora de Filologia e Lín-
gua Portuguesa da USP, autora de Relevância e contexto. São Paulo: Humanitas,
2001; e co-autora de Oralidade e Escrita: perspectivas para o ensino de lín-
gua materna. São Paulo, Cortez, 1999.

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