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CASOS

CONCRETOS

PÓS-GRADUAÇÃO

Penal e Processo Penal


ANA CRISTINA MENDONÇA e CLAUDIA BARROS
PÓS-GRADUAÇÃO
SUMÁRIO

TEMA 1: RECONHECIMENTO DE PESSOAS ................................................................................................................ 03

TEMA 2: CASO LULA: NULIDADE POR INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL OU POR SUSPEIÇÃO ............................. 05

ANEXOS ........................................................................................................................................................................... 09

1. Artigo de autoria de Luana Janaína Hübner e Aury Lopes Jr. .......................................................................... 10

2. Artigo Conjur (Janaina Matida, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Alexandre Morais daRosa, Marcella
Mascarenhas Nardelli, Aury Lopes Jr. e Rachel Herdy) ................................................................................ 39

3. Decisão no caso do músico LUIZ CARLOS DA COSTA JUSTINO, proferida por André Nicolitti .................... 47

4. Estudo de Caso (Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais – MPPR) .................................. 59

5. PL 3.300/2019, Senado Federal ....................................................................................................................... 87

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TEMA EM DISCUSSÃO:
RECONHECIMENTO DE PESSOAS

CASOS SUGERIDOS:
INNOCENCE PROJECT (WWW.INNOCENCEBRASIL.ORG/CASOS):
https://globoplay.globo.com/v/9427974/

STJ: HC 630949/SP X AGRG NO HC 629864/SC

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE


DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA
INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. ORDEM
CONCEDIDA.
1. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC, realizado em
27/10/2020, propôs nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que o
disposto no referido artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual
descumprimento dos requisitos formais ali previstos. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: 1.1) O
reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas
formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 1.2) À
vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma
processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação,
mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 1.3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento
formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a
partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 1.4)
O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo
procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal
e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
2. Na espécie, o auto de reconhecimento do então suspeito revestiu-se de irregularidades, a saber: a) não consta o nome
do reconhecedor; no campo destinado a essa informação, há somente a expressão: "reconhecedor(a) autor 1 -
desconhecido"; b) no auto é informado que a vítima descreveu os sinais característicos da pessoa a ser reconhecida; no
entanto, não há referência a quais sinais característicos seriam esses; c) há menção, ainda, ao fato de que, após a
descrição dessas características, o reconhecedor teria sido encaminhado para um local onde se encontravam várias
pessoas, dentre elas o paciente; contudo, não há especificação de quantos indivíduos estariam participando do ato de
reconhecimento e se possuíam características físicas similares ao suspeito; d) ao final do termo, em campo destinado à
assinatura de duas testemunhas, estão em branco, sem nenhuma menção a quais pessoas teriam testemunhado o ato.
3. Em depoimento prestado em juízo - submetido, portanto, ao contraditório e à ampla defesa -, o ofendido deixou claro
que foram apresentados outros indivíduos por foto, mas, para o reconhecimento pessoal, o paciente foi exibido sozinho.
4. Previamente ao reconhecimento pessoal, foram mostradas à vítima várias fotos, entre as quais estaria, segundo a
autoridade policial, a do indivíduo envolvido no roubo, sugestionando, portanto, que ao menos uma pessoa deveria ser
reconhecida como indivíduo que participou do delito e buscando, na verdade, já uma pré-identificação do autor do fato.
Ou seja, a vítima não recebeu expressamente a opção de não apontar ninguém no reconhecimento pessoal que foi
realizado depois da exibição das fotografias.
5. Sob a égide de um processo penal de cariz garantista - o que nada mais significa do que concebê-lo como atividade
estatal sujeita a permanente avaliação de sua conformidade à Constituição da República ("O direito processual penal não
é outra coisa senão Direito constitucional aplicado", dizia-o W. Hassemer) - busca-se uma verdade processualmente
2
válida, em que reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes
maior controle sobre a atividade jurisdicional.
6. Sob tais premissas e condições, o ato de reconhecimento do paciente deve ser declarado absolutamente nulo, com
sua consequente absolvição, ante a inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova independente e
idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado.
7. Ordem concedida, para absolver o paciente em relação à prática do delito de roubo objeto do Processo n. 1502041-
46.2019.8.26.0050, da 20ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo - SP. Ratificada, ainda, a liminar anteriormente
deferida, para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso.
(STJ. HC 630.949/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe
29/03/2021)

ASPECTOS A CONSIDERAR:

§ Falsas memórias e memórias induzidas

§ Momento probatório: atos de prova x atos de investigação

§ O problema da prova testemunhal “irrepetível”

§ Reconhecimento induzido

§ A qualidade da identificação e suas variáveis (trabalhos de Arce Fernandez e Loftus)


- tempo de exposição da vítima ao crime e de contato com o agressor;
- gravidade do fato (a questão da memória está intimamente relacionada com a emoção experimentada);
- intervalo de tempo entre o contato e a realização do reconhecimento;
- condições ambientais (visibilidade, aspectos geográficos etc.);
- características físicas do agressor (mais ou menos marcantes);
- as condições psíquicas da vítima (memória, estresse, nervosismo etc.);
- a natureza do delito (com ou sem violência física; grau de violência psicológica etc.),

§ Efeito FOCO NA ARMA:


- A arma distrai a atenção de outros detalhes físicos importantes e reduz a capacidade de
reconhecimento.
- A vítima não se fixa nas feições do agressor, em razão da relação de poder que a arma estabelece.

§ Expectativas das vítimas ou testemunhas:


- As pessoas tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir
-
§ A transferência inconsciente e o efeito compromisso
“muitas identificações são positivadas justamente devido à crença das pessoas de que a polícia somente
realiza um reconhecimento quando já tem um bom suspeito. Ainda, há que se considerar o chamado ‘efeito
compromisso’. Este ocorre quando há uma identificação incorreta, isto é, a pessoa analisa muitas
fotografias e elege o sujeito incorreto, persistindo no erro ao efetivar o reconhecimento pessoal, devido à
tendência de manter o compromisso anterior, mesmo que com dúvidas.”
(Cristina Di Gesu, em artigo publicado no Boletim nº. 240 do IBCCrim)

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TEMA EM DISCUSSÃO:
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL E SUSPEIÇÃO
CASO LULA E CONSEQUÊNCIAS DA NULIDADE

STF: HC 193726 X HC 164493

STF: HC 193726
Fonte: Notícias do STF

STF CONFIRMA ANULAÇÃO DE CONDENAÇÕES DO EX-PRESIDENTE LULA NA LAVA JATO

Por 8 votos a 3, Plenário rejeitou recurso da PGR contra decisão do ministro Edson Fachin que julgou incompetente
o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.

15/04/2021 20h57 -

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, nesta quinta-feira (14), a decisão do ministro
Edson Fachin que, ao declarar a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), anulou as
ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não se enquadrarem no contexto da operação
Lava Jato. Por 8 votos a 3, o colegiado rejeitou recurso (agravo regimental) da Procuradoria-Geral da República
(PGR) no Habeas Corpus (HC) 193726.

Segundo Fachin, relator, as denúncias formuladas pelo Ministério Público Federal contra Lula nas
ações penais relativas aos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e do Instituto Lula (sede e doações)
não tinham correlação com os desvios de recursos da Petrobras e, portanto, com a Operação Lava Jato. Assim,
apoiado em entendimento do STF, entendeu que deveriam ser julgadas pela Justiça Federal do Distrito Federal.

O julgamento dos recursos no HC continuará na próxima quinta-feira (22), quando os ministros irão
examinar se os processos contra o ex-presidente serão remetidos para a Justiça Federal do DF, conforme
propõe o relator, ou para a de São Paulo, segundo proposta do ministro Alexandre de Moraes. O Plenário
também examinará o recurso da defesa contra a decisão do relator que, ao anular as condenações, declarou a
perda de objeto, entre outros processos, do HC 164493, em que é discutida a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.

No agravo, a PGR sustentava que os fatos atribuídos a Lula no caso do triplex do Guarujá estariam
dentro dos limites definidos pelo STF sobre a competência da 13ª Vara de Curitiba em relação à Lava Jato.
Segundo a argumentação, as vantagens indevidas supostamente obtidas pelo ex-presidente teriam sido pagas
pela construtora OAS com recursos originados de contratos com a Petrobras.

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Ligação não demonstrada

De acordo com o relator, nas quatro ações penais, o Ministério Público estruturou as acusações da
mesma forma, atribuindo a Lula o papel de figura central no suposto grupo criminoso, sendo a Petrobras apenas
um deles. Em seu entendimento, a acusação não conseguiu demonstrar relação de causa e efeito entre a
atuação de Lula como presidente da República e alguma contratação determinada realizada pelo Grupo OAS
com a Petrobras que resultasse no pagamento da vantagem indevida.

Fachin observou que, após o julgamento de questão de ordem no Inquérito (INQ) 4130, a jurisprudência
do STF restringiu o alcance da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, inicialmente retirando daquele
juízo os casos que não se relacionavam com os desvios na Petrobras. Em razão dessa decisão, as
investigações iniciadas com as delações premiadas da Odebrecht, OAS e J&F, que antes estavam no âmbito
da Lava Jato passaram a ser distribuídas para varas federais em todo o país, segundo o local onde teriam
ocorrido os delitos.

Esse entendimento foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Dias Toffoli,
Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes e pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Conexão

O ministro Nunes Marques abriu divergência para manter a competência da 13ª Vara Federal de
Curitiba. Segundo ele, as provas dos autos mostram que os recursos que teriam supostamente beneficiado o
ex-presidente seriam originários do esquema da Petrobras na Lava Jato. Para o ministro, a acusação teria
demonstrado a conexão, e, em nome da segurança jurídica, a competência para julgar as ações deveria
permanecer na 13ª Vara.

Ele considera, ainda, que a exceção de incompetência do juízo da 13ª Vara Federal arguida pela defesa
do ex-presidente não poderia ser reiterada em outras vias processuais depois de ter sido anteriormente
rejeitada. Segundo ele, também não foi demonstrado prejuízo à ampla defesa, não havendo motivo para
declarar a nulidade das ações penais e das condenações. Essa posição foi acompanhada pelos ministros Marco
Aurélio e Luiz Fux.

Garantia

O ministro Alexandre de Moraes divergiu parcialmente do relator apenas em relação à remessa dos
processos à Justiça Federal de Brasília. Segundo ele, como o triplex, o sítio e o Instituto Lula estão em São
Paulo, deve ser aplicada a regra de competência do Código de Processo Penal (artigo 70), determinada pelo
lugar em que se consumar a infração.

A seu ver, a análise da competência se refere a uma das mais importantes garantias da democracia, a
do juiz natural, ou seja, da definição do juiz mediante regras prévias de distribuição, para evitar que o magistrado

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decida quais causas julgar ou que a acusação ou a defesa possam escolher quem irá analisar determinada
controvérsia.

STF: HC 193726 X HC 164493


Fonte: Notícias do STF

2ª TURMA RECONHECE PARCIALIDADE DE EX-JUIZ SÉRGIO MORO NA CONDENAÇÃO DE LULA NO


CASO TRIPLEX

Por decisão majoritária, colegiado entendeu que o então magistrado agiu com motivação política na condução do
processo do ex-presidente Lula na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR).

23/03/2021 20h04 -

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, concedeu Habeas Corpus
(HC 164493) para reconhecer a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condução da ação penal que culminou na
condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes
ao triplex em Guarujá (SP). A maioria do colegiado seguiu o voto divergente do ministro Gilmar Mendes para
determinar a anulação de todas as decisões de Moro no caso do triplex do Guarujá, incluindo os atos praticados
na fase pré-processual, por entender que ele demonstrou parcialidade na condução do processo na 13ª Vara
Federal de Curitiba (PR).

A defesa buscava a nulidade da ação penal relativa ao triplex e dos demais processos a que o ex-
presidente responde em Curitiba. Entre outros argumentos, os advogados sustentavam que o fato de Moro ter
recebido e aceitado o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça a partir
de janeiro de 2019 demonstra a sua parcialidade em relação ao ex-presidente e revela que ele teria agido
durante todo o processo com motivação política.

O julgamento estava empatado, com dois votos contra a suspeição do ex-juiz - ministro Edson Fachin
(relator) e ministra Cármen Lúcia – e dois pela parcialidade do magistrado – ministros Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski. Na sessão de hoje, o ministro Nunes Marques proferiu voto-vista acompanhando o relator, e a
ministra Cármen Lúcia, que havia votado pelo não conhecimento do HC, reajustou seu voto para, no mérito,
acompanhar a divergência e reconhecer a suspeição.

Contraditório

Em seu voto-vista, o ministro Nunes Marques destacou que as alegações de suspeição contra Moro já
foram objetos de análise, inclusive pelo Supremo, em recurso contra decisões do Tribunal Regional Federal da
4ª Região (TRF-4). Segundo ele, é por meio da Exceção de Suspeição, em que há produção de provas e
possibilidade de contraditório, que se pode alegar, provar e avaliar a suspeição, e não em habeas corpus,

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instrumento que, por sua estrutura enxuta, faz com que o eventual acolhimento da suspeição não observe a
garantia do contraditório.

Para Nunes Marques, as conversas divulgadas entre Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava
Jato foram obtidas de forma ilícita, e por isso, não podem ser aceitas no processo. Entender de forma diversa,
mesmo que para a defesa de alguém, a seu ver, seria uma forma transversa de legalizar a atividade de hackers
no Brasil.

Quebra de imparcialidade

Ao reajustar seu voto, a ministra Cármen Lúcia explicou que, no momento processual em que havia
acompanhado o voto do relator, as provas não eram suficientes para o reconhecimento da suspeição. No
entanto, no decorrer do trâmite, foram apensados ao processo elementos de prova que, a seu ver, demonstram
ter havido combinação entre os autores processuais – juiz e acusação – que comprovam a quebra de
imparcialidade do ex-juiz Sérgio Moro. Entre eles, citou a “espetacularização” da condução coercitiva de Lula,
sem intimação pessoal prévia, junto com outros atos presididos pelo então juiz durante o trâmite processual.

Também na sua avaliação, a interceptação telefônica dos advogados do ex-presidente, antes da


adoção de outras medidas, representou expansão de quebras do direito que tornam impossível a defesa. A seu
ver, a divulgação de conteúdo selecionado dos áudios captados transgrediu o direito a um julgamento imparcial.
“Todos têm direito a um julgamento justo. Nenhum ser humano tem o direito de se sentir perseguido”, afirmou.

A ministra ressaltou que a decisão vale apenas para Lula, pois a atuação parcial do juiz se dava apenas
em relação a ele. Destacou, ainda, que seu voto não leva em conta conversas divulgadas na imprensa entre
Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato, que não integram os autos. Ela divergiu do ministro Gilmar
Mendes apenas quanto à condenação ao pagamento das custas judiciais, por entender que, reconhecida a
quebra do dever de imparcialidade, não houve a possibilidade de manifestação do juiz, por se tratar de
julgamento de suspeição em HC.

Veja a reportagem da TV Justiça: https://youtu.be/RSukw0e0l3A

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ANEXOS

1. Artigo de autoria de Luana Janaína Hübner e Aury Lopes Jr.

2. Artigo Conjur (Janaina Matida, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Alexandre Morais daRosa, Marcella
Mascarenhas Nardelli, Aury Lopes Jr. e Rachel Herdy)

3. Decisão no caso do músico LUIZ CARLOS DA COSTA JUSTINO, proferida por André Nicolitti

4. Estudo de Caso (Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais – MPPR)

5. PL 3.300/2019, Senado Federal

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ANEXO 1

1
1

RECONHECIMENTO PESSOAL E SUA (IN)SUFICIÊNCIA COMO MEIO DE


PROVA: FALSOS RECONHECIMENTOS: RISCOS E FALHAS DO
PROCEDIMENTO

Luana Janaína Hübner*


Aury Lopes Jr.**

RESUMO

O presente trabalho objetiva estudar as técnicas de reconhecimento de pessoas, assim como a


existência de falhas no procedimento e riscos de falsos reconhecimentos. Para tanto, à luz de
um caso prático de falso reconhecimento brasileiro e após a análise introdutória acerca da prova
no processo penal, princípios aplicáveis e regramento existente, pretende-se analisar as
incompatibilidades entre a norma e a solução do caso. Sob o entendimento de que a memória é
falha e está suscetível a diversas interferências, tanto externas como internas, almeja-se verificar
a (in)suficiência do reconhecimento pessoal como meio de prova apto à condenação. Busca-se,
ainda, apontar soluções e medidas trazidas no âmbito doutrinário capazes de minimizar os danos
decorrentes de falsas identificações.

Palavras-chave: Processo penal. Provas. Reconhecimento pessoal. Falsas memórias. Falso


reconhecimento.

1 INTRODUÇÃO

Inúmeros são os casos de pessoas inocentes que através de um reconhecimento pessoal


falho foram identificadas como criminosas, sendo investigadas, presas, acusadas e inclusive
condenadas, gerando incalculáveis danos aos imputados e afetando a credibilidade desse meio
de prova. Nesse sentido, considerando a gravidade e a relevância do tema, o presente trabalho
pretende analisar o reconhecimento e sua (in)suficiência como meio de prova, mais
especificamente ante os falsos reconhecimentos no âmbito do processo penal, os quais, por
vezes, apresentam-se como único lastro probatório acerca da autoria.
Nessa linha, inicialmente, far-se-á a análise de um caso prático, delito de roubo, à época
majorado pelo concurso de pessoas e emprego de arma de fogo, ocorrido na Capital do Estado
do Rio Grande do Sul1, a fim de clarificar a fragilidade da prova produzida em termos de
conteúdo probante confiável. Em seguida, o estudo apontará algumas considerações necessárias
acerca da principiologia da prova, visto que mandamento indispensável à orientação legal e que
deve direcionar qualquer atividade do Estado.
Ademais, serão abordados assuntos atinentes ao conceito e finalidade da prova, para então
adentrar propriamente no objeto da presente pesquisa: o reconhecimento enquanto meio de
prova e os reflexos das alterações psíquicas como fator de grande influência em falsas
identificações.
Nesse contexto, serão analisadas a previsão legal e a posição doutrinária do método de
reconhecimento de pessoas, suas formas e procedimentos. Com isso, conforme se pretende
mostrar, observaremos quais procedimentos são utilizados para fins de reconhecimento na fase

*
Graduanda do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -
PUCRS. E-mail: luana.hubner@edu.pucrs.br
*
Orientador, Doutor em Direito, Professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul - PUCRS. E-mail: auryjunior@pucrs.br
1
O processo foi distribuído sob o número 001/2.11.0090136-0, tendo tramitado perante a 11ª Vara do Foro Central.
2

inquisitorial da persecução penal e quais seus requisitos legais, bem como pontos de tensão
entre o procedimento legalmente previsto e as circunstâncias que podem conduzir a
reconhecimentos infiéis decorrentes de falsas memórias.
Ainda, buscar-se-á tecer breves considerações sobre o funcionamento da memória,
recurso indissociável do reconhecimento pessoal como meio de prova, que não raras vezes,
falha.
Ao final, serão elencadas as falhas verificadas no caso prático em análise à luz do estudo
científico apresentado, bem como as medidas que podem ser adotadas e implementadas na
prática como forma de reduzir os danos.
Os métodos de pesquisa empregados são o dedutivo e o dialético, na medida em que será
realizada uma análise do procedimento de reconhecimento utilizado em um caso prático e sua
consequência jurídica, confrontando-se os atos realizados com os preceitos legais e o
entendimento doutrinário e jurisprudencial.

2 APRESENTAÇÃO DO CASO: ROUBO CIRCUNSTÂNCIADO

No dia 28 de agosto de 2011, por volta das 20h50min., em Porto Alegre, a vítima, na
companhia de uma mulher, que iremos denominá-la de testemunha 1, deslocou-se até a
residência da testemunha 3. Ao chegarem nas proximidades, após estacionarem o veículo, a
vítima foi abordada por dois indivíduos armados, os quais anunciaram o assalto e ordenaram
que lhes entregassem o automóvel, dinheiro e documentos. Ocorre que, durante a abordagem,
um dos assaltantes percebeu que a vítima estava armada, tendo então o outro assaltante
engatilhado arma que portava e apontado à cabeça da vítima que, ao ver a reação do assaltante,
lhe disse: “Eu sou Juiz de Direito, vocês estão com a minha carteira. Se acalmem que está tudo
tranquilo”.
Nesse ínterim, a testemunha 2 abriu a porta da residência e deparou-se com o assalto em
andamento. Nessa oportunidade, um dos assaltantes determinou que a testemunha 2 retornasse
para dentro da residência, tendo ela obedecido a ordem. A testemunha 3, proprietário do imóvel,
deslocou-se até o segundo andar da moradia, onde efetuou dois disparos de arma de fogo para
o alto, esbravejando: “Para se não eu atiro”. Diante disso, um dos assaltantes (moreno, mais
alto) nas palavras da testemunha 3, fugiu, assim como o segundo indivíduo deslocou-se para
trás do veículo da vítima, e um terceiro sujeito (possivelmente fazia a “segurança” do assalto,
segundo relato da testemunha 3) revidou com outro disparo em direção à casa. Em seguida, os
assaltantes empreenderam fuga, a pé, na posse da arma de fogo da vítima, da chave do
automóvel, bem como de uma quantia em dinheiro.
Na sequência, com a chegada da brigada militar, a vítima relatou-lhes as vestimentas
utilizadas pelo indivíduo que portava a arma de fogo, aduzindo, no entanto, que o criminoso
não permitia que olhassem para o seu rosto. Formou-se uma aglomeração de populares
revoltados com a violência urbana.
Pouco tempo depois, os policiais militares retornaram ao local dos fatos com um suspeito,
denominado de suspeito 1, que resistia à ação policial aduzindo ser médico, em seguida,
voltaram com outro indivíduo, denominado, suspeito 2. No local do delito, a vizinhança
vozeava serem aqueles os criminosos. Ambos os suspeitos foram submetidos ao
reconhecimento pessoal das vítimas e testemunhas, em via pública, tendo sido reconhecidos
como os autores do crime.
A vítima identificou o suspeito 1 como o indivíduo que mirou a arma de fogo em sua
cabeça, baseando-se em suas vestes, jaqueta, moletom, calça jeans e, em especial, pela cor do
tênis (branco com uma lingueta colorida, cor de rosa possivelmente). Relatou que olhou
superficialmente para o rosto, contudo lembrou do cabelo e da barba no momento da
identificação. No que tange ao suspeito 2 a vítima afirmou ser parecido com o segundo
3

meliante, o que permanecia próximo da testemunha 1, no entanto não poderia dar certeza,
“certeza só Deus”.
Além disso, a testemunha 2, que abriu a porta da residência no momento do assalto,
asseverou que reconheceu no local dos fatos o suspeito 1 devido ao estilo do cabelo, “suas
entradas”. Todavia, em juízo, não teve certeza do reconhecimento.
Durante a fase policial e judicial, foi realizada a oitiva de diversas testemunhas, tais como
os policiais militares que realizaram a condução dos suspeitos na data dos fatos e moradores
das proximidades do local.
Importa referir que nessas inquirições foram relatadas algumas observações acerca do
caso, qual seja, uma das testemunhas tentou impedir a condução do suspeito 1 à apresentação
no local do crime, tendo ouvido dos policiais “ele vai passar por um reconhecimento. Se não
for ele, vai ser liberado”; outra visualizou os criminosos em fuga, carregando algo na cintura,
posteriormente, no local do crime, visualizou no interior da viatura da polícia os suspeitos,
contudo relatou não se tratar dos indivíduos que visualizou em fuga outrora.
O suspeito 1, ao ser ouvido, narrou ser médico, aspirante a Oficial do Exército e atuar no
interior do estado. Sobre a data dos fatos, disse que se encontrava de folga na Capital, que teria
solicitado alguns dias de dispensa para cuidar da sua mãe, que estaria com câncer. Narrou ter
residido praticamente a vida toda na região em que foi abordado e que na data saiu para
encontrar alguns amigos, há poucos metros da sua residência materna. Calçava um par de tênis
velho, vestia trajes quaisquer, o gorro que usava no Batalhão e sua barba estava por fazer. No
trajeto até a casa de seu amigo, disse ter sido abordado e revistado pela polícia militar, algemado
e conduzido compulsoriamente ao local do crime para reconhecimento pessoal das vítimas e
testemunhas. Aduziu, ainda, ter sofrido agressões pela vítima, populares e pelos policiais e, na
sequência, preso em flagrante.
Já o suspeito 2, durante sua oitiva, narrou que na data trabalhava como cuidador de carros
na região dos fatos e que aceitou comparecer ao local do delito para participar de um
reconhecimento pessoal. Ao ser questionado, em juízo, declarou acreditar ter sido identificado
como o assaltante devido às roupas que vestia naquela noite, de cor preta.
O Delegado de Polícia responsável pelo caso, ao concluir o inquérito, o descreveu como
uma lamentável série de equívocos, deixando de indiciar os suspeitos e remetendo os autos do
inquérito policial ao Poder Judiciário.
No que tange ao andamento processual do caso, de frisar que quando da homologação do
Auto de Prisão em Flagrante dos investigados, foi decretada a prisão preventiva do suspeito 2
e concedida a liberdade provisória do suspeito 1.
O Ministério Público Estadual denunciou os suspeitos 1 e 2 pela prática do crime de roubo
duplamente majorado, com incurso do artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal2.
Em sede de Habeas Corpus foi concedida a liberdade provisória ao acusado 2.
Em memoriais, o Ministério Público postulou a absolvição dos acusados e o assistente de
acusação pugnou a condenação dos processados, nos exatos termos da denúncia.
A defesa do suspeito 1 requereu, preliminarmente, a nulidade absoluta do feito em razão
do reconhecimento realizado em via pública, afrontando os artigos 6º, inciso VI; 226 e seguintes
e 564, inciso IV, todos do Código de Processo Penal3, sendo o pedido indeferido.
Após a dilação probatória, com a comprovação de registros telefônicos do suspeito 1, a
demonstrar seu álibi, foi prolatada sentença, na qual o Juízo, em suas razões de decidir, aduziu
que a prova colacionada nos autos seria “insuficiente para a condenação” e que “a fragilidade
do depoimento da vítima compromete o restante da prova da acusação, a ponto de o próprio

2
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm Acesso em: 18 mar. 2020.
3
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 18 mar. 2020.
4

Ministério Público, titular da ação penal, sustentar a absolvição dos acusados.” Ressaltou que
era noite no data dos fatos e estava escuro no local, assim como havia várias pessoas, populares,
que teriam dito “é esse” apontando os réus como autores do fato, o que teria contribuído para
que a vítima, “no calor do evento”, “um clima de muita dificuldade”, como referiu, tenha feito
o reconhecimento dos acusados.
Nessa linha, foi julgada improcedente a pretensão acusatória do estado, tendo o Juízo
absolvido o suspeito 1 com fundamento no artigo 386, IV, do Código de Processo Penal; e o
suspeito 2 nos termos do artigo 386, VII, do mesmo diploma legal. Em fase de recurso, o TJRS
confirmou a sentença absolutória proferida, em seus exatos termos e por seus próprios
fundamentos4.
Casos como o aqui relatado, infelizmente, são cotidianos. E como alertam Stein e Ávila,
em muitos desses eventos, os conhecimentos trazidos pelas vítimas e testemunhas do crime
podem ser primordiais e não raras vezes as únicas evidências para o deslinde desses delitos.
Sendo assim, conhecer os fatores que podem incrementar a qualidade de um reconhecimento
correto é uma questão essencial no processo de criminalização5.
Com o objetivo de identificar possíveis falhas que resultaram nos sucessivos erros
narrados no caso sob análise é que se busca apontar, cientificamente, o caminho a ser trilhado
pelo Estado durante a persecução penal; se não evitando danos semelhantes aos aqui
identificados, minimizando-os.
Para tanto, faz-se necessária a introdução do tema objeto de estudo – reconhecimento
pessoal – e os demais temas que na sua esfera gravitam.

3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PROVA NO PROCESSO PENAL

Inicialmente, importa destacar, em apertada síntese, antes de tratar-se propriamente


acerca do reconhecimento pessoal, no que consiste e qual a finalidade da prova no processo
penal.

3.1 CONCEITO E FINALIDADE DA PROVA

O processo penal é um instrumento de reconstrução de um determinado fato histórico,


como tal, está destinado a proporcionar o conhecimento do julgador por meio das provas,
através das quais se fará essa reconstrução do fato passado, como explica Lopes Jr. Para o autor,
as dificuldades nessa atividade são significativas, em especial no que tange ao paradoxo

4
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO.
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. PROVA INSUFICIENTE
PARA A CONDENAÇÃO. DECISÃO RECORRIDA MANTIDA. A prova capaz de embasar o peso de uma
condenação criminal deve ser sólida e congruente, apontando sem qualquer margem para dúvida a pessoa
denunciada como autor do fato criminoso. Caso em que o depoimento judicial da vítima mostrou-se titubeante,
ao passo que o aponte feito pela testemunha presencial demonstrou a possibilidade de indução, dada a forma
como apresentados os detidos ao reconhecimento. Outrossim, os réus (um deles oficial-médico do Exército)
negaram a autoria do fato e este último comprovou sólido álibi, com registros telefônicos juntados aos autos e
confirmados por duas testemunhas. Circunstâncias fáticas que geram inúmeras incertezas, ao que se soma, ainda,
a ausência de apreensão de qualquer objeto do crime em poder dos flagrados. Prova escorregadia. Absolvição
que se mantém, inclusive acolhendo o parecer ministerial. PRELIMINARES REJEITADAS. APELO
DESPROVIDO. UNÂNIME.(RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sexta Câmara Criminal) Apelação
Crime, Nº 70054904396. Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em: 30-01-2014. Disponível em :
https://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia Acesso em: 20 mar. 2020.
5
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p.18. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
5

temporal inerente ao ritual judiciário: um magistrado julgando no presente (hoje), um indivíduo


e seu fato ocorrido num passado distante (anteontem), com suporte na prova colhida num
passado próximo (ontem) e projetando efeitos (pena) para o futuro (amanhã)6.
O conceito de prova é por demais diverso no direito processual, face à sua múltipla
utilização7. A prova tem a mesma origem etimológica de probo (do latim, probatio e probus).
Como ensina a doutrina, dela deriva o verbo provar, que tem sentido de verificar, examinar,
reconhecer por experiência, estando ligada com o imenso mundo do intelecto na busca e
comunicação do conhecimento verdadeiro8. Tourinho Filho, esclarece que, por vezes, emprega-
se a palavra prova com o sentido de ação de provar, quando, na verdade, provar significa fazer
conhecer a outros uma verdade conhecida por nós. Nós a conhecemos; os outros não9.
O objeto da prova é a coisa, o fato sobre o qual versa o caso penal. Por sua vez, os meios
de prova são todos aqueles que o magistrado utiliza para conhecer dos fatos, tudo o que ele usa
para atingir um fim justo no processo, estejam eles previstos em lei ou não10. No que tange aos
elementos de prova, são produzidos judicialmente e referem-se às informações introduzidas no
processo que podem ser levadas em conta para a fundamentação de uma sentença11. Por fim, a
fonte da prova corresponde aos sujeitos ou objetos que conduzem a formação dos elementos de
prova12. Segundo Rangel, é a pessoa (por exemplo, a testemunha/reconhecedor, o perito) ou a
coisa (qualquer coisa que tenha vestígios do crime, uma carta ou documento, por exemplo) de
quem ou de onde promana a prova13.
Vale dizer desde logo, no tocante ao reconhecimento, como bem relatado por Tomé
Lopes, esse se refere a um meio de prova, pois é capaz de formar elemento de prova, uma vez
que produzido sob o crivo do contraditório14.
No que concerne à finalidade da prova, para Nucci, traduz-se na produção do
convencimento do juiz referente à verdade processual, seja conforme a realidade ou não, em
suma, é a verdade possível de ser alcançada15.
Já Lopes Jr., esclarece que o processo penal tem uma finalidade retrospectiva, em que,
através das provas, intenciona-se obter condições para a atividade recognitiva do juiz sobre um
fato passado, ressaltando que o conhecimento decorrente desse fato irá legitimar a sentença a
ser proferida16.
Cabe destacar, ademais, que toda e qualquer atividade probatória no âmbito do processo
penal deve ser orientada por princípios indissociáveis de um processo constitucionalmente
adequado, sendo relevante uma análise principiológica.

3.2 PRINCÍPIOS E GARANTIAS APLICÁVEIS À ATIVIDADE PROBATÓRIA

6
LOPES JR.; Aury; FELIX, Yuri. Editorial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 156. ano
27, p. 19-21. Ed. RT, junho 2019, p. 19.
7
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 405.
8
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 5. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017,
p. 583.
9
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 3, p. 215.
10
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 405-406.
11
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2011, p. 4.
12
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro, p.4.
13
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 409.
14
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro, p.6.
15
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.
16.
16
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 344.
6

Em que pese a amplitude do tema, parece essencial uma breve introdução acerca dos
princípios e garantias que devem ser observados no âmbito da persecução penal, mormente na
atividade probatória para, ao final, uma análise da conformação do caso em exame à luz das
diretrizes fundamentais da atividade do Estado ao buscar a punição de eventual transgressor.
Por certo, não há consenso na doutrina acerca do rol de princípios aplicáveis no âmbito
do Processo Penal, porém alguns deles não deixam dúvida quanto à necessidade de sua
observância.
Inicialmente, deve ser destacada a Garantia da Jurisdição, a qual se expressa no axioma
nulla poena, nulla culpa sine iudicio - não há imposição de pena sem processo17. Feitoza
salienta que a jurisdição sempre foi e continua a ser o instituto essencial e decisivo do direito
processual, na qual gravitam em seu torno os demais institutos processuais18.
Nesse contexto, levando-se em consideração a necessidade de submissão à chancela
jurisdicional a certeza quanto à autoria delitiva, é fundamental compreender, consoante ensina
Lopes Jr., a distinção entre “atos de investigação” e “atos de prova”. Os primeiros, realizados
na investigação preliminar, servem para a formação da opinio delicti do acusador, para formar
um juízo de probabilidade e não a certeza do juiz para o julgamento, não se referem a uma
afirmação, mas a uma hipótese. Ao contrário, os atos de prova (também conhecidos como meios
de prova), podem ser considerados pelo juiz ao proferir sua decisão e formam elementos de
prova19.
Não menos importante é a garantia do devido processo legal, prevista na Lei Magna
brasileira, artigo 5º, inciso LIV20, segundo a qual “ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal”. Tal garantia irradia-se para todos os demais princípios
processuais, pois o cumprimento dela depende da efetiva realização de todos os outros21. De
fundamental importância é a sua observância no processo penal, não apenas por seu status
constitucional, garantia fundamental do indivíduo, mas sim porque a realização de um processo
indevido nessa seara importa a restrição de direito tão caro a qualquer um, a liberdade de
locomoção, a qual pode ocorrer ainda no curso da persecução, de forma cautelar, mesmo em
um sistema que adota a inocência como presunção.
Note-se que, com a Constituição Federal de 1988, o Princípio da Presunção de Inocência
passou a constar no artigo 5º, inciso LVII, e prevê que ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Para Lopes Jr., a essência da presunção
de inocência pode ser resumida como: “dever de tratamento e regra de julgamento”22. Esse
dever de tratamento deve atuar tanto na dimensão interna do processo (efetivo tratamento do
réu como inocente, não (ab)usando das medidas cautelares, bem como conferindo a carga
probatória integralmente ao órgão acusador), como na dimensão externa (impondo limites à
estigmatização do acusado e à publicidade abusiva). No tocante à regra de julgamento, o
presente princípio impõe que a absolvição seja o critério obvio diante da dúvida judicial23,
através do in dubio pro reo24.

17
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 59.
18
FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal. 7. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p.134.
19
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2011, p. 13.
20
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 15 abr. 2020
21
FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal. 7. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p. 144.
22
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 354.
23
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, p. 354-355.
24
In dubio pro reo: no processo penal não há distribuição de cargas probatórias, o que existe é a atribuição ao
acusador em provar que alguém cometeu um crime, proibindo o juiz de condenar um indivíduo cuja
7

Como explica Brasileiro de Lima, é o direito de não ser tido como culpado a menos que
findo o devido processo legal, pelo qual o acusado tenha usufruído de todos os meios de prova
pertinentes à sua defesa e refutado as provas apresentadas pela acusação25. Em sua obra, o autor
destaca as diversas normativas internacionais nas quais o consagrado princípio foi positivado26.
Consectários lógicos de um processo devido, o contraditório e a ampla defesa são,
também, garantias constitucionais27 intimamente relacionadas. A diferenciação entre elas
assume especial relevância no campo das nulidades, visto que pode haver violação de uma sem
que a outra seja transgredida28.
Lopes Jr. aduz que o contraditório deve ser visto como o direito de participar, de ser
informado de todas as manifestações (atos) desenvolvidas no iter procedimental e assim manter
uma contraposição em relação à acusação. Outrossim, especialmente acerca de provas, a
referida garantia constitucional deve ser pontualmente observada nos quatro momentos da
prova: postulação, admissão, produção e valoração29.
A ampla defesa, por sua vez, realiza-se por meio da defesa técnica, da autodefesa, da
defesa efetiva e, por fim, por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do
acusado30. Ademais, salienta-se que a defesa pessoal, exercida pelo investigado, é disponível e
pode ser positiva (fazer/falar) ou negativa (não fazer/calar)31.
E em sede de defesa deve ser salientado o princípio do nemo tenetur se detegere, o qual
se apresenta de suma importância para o formulação de um processo devido, mormente no caso
objeto de análise e levando-se em conta as circunstâncias do reconhecimento pessoal realizado,
na medida em que ele assegura ao acusado o direito de não se autoincriminar ou de não
participar da produção de prova que possa reverter contra si. A mais conhecida manifestação
do referido princípio é o direito ao silêncio, contudo, como direito fundamental e garantia do
cidadão no processo penal e como limite ao arbítrio do Estado, é bem mais abrangente32.
Cumpre salientar que sua aplicação na produção dos meios de prova que não implicam
intervenção corporal e comportamento ativo do investigado, como é o reconhecimento pessoal,
ainda é polemica33. Segundo Lopes Jr. e Zucchetti Filho, nenhuma dúvida existe no que

culpabilidade não tenha sido completamente provada (nulla accusatio sine probatione). Referente ao in dubio
pro societate, inexiste dispositivo legal que o recepcione. (LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 417-418).
25
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 5. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017,
p. 43.
26
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (artigo 9º); Declaração universal de Direitos Humanos,
aprovada pela Assembleia da ONU, artigo 11.1, “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma
sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se
assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”; Convenção Europeia para Proteção dos Direitos
Humanos e das Liberdades Fundamentais, artigo 6.2; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, artigo
14.2; e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec.678/92, artigo 8º, § 2º): “Toda pessoa acusada
de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único, p. 43).
27
O artigo 5º, LV, da Constituição Federal assegura que os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 15 abr. 2020)
28
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 67.
29
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 363-364.
30
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 47.
31
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 418.
32
QUEIJO, Maria Elizabeth. O Direito de Não Produzir Prova Contra si Mesmo: o princípio nemo tenetur se
detegere e suas decorrências no processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 233.
33
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2011, p. 63.
8

concerne ao oferecimento de recusa à participação, na medida em que possui o direito de não


produzir prova contra si34.
De outro lado, há quem sustente a inaplicabilidade do aludido princípio em casos em que
não demandem comportamento ativo do acusado, ou seja, quando ele for considerado apenas
objeto de prova. Para Tomé Lopes35, sob o argumento de encontrar um equilíbrio entre a
eficiência e o garantismo, é possível obrigar o investigado a participar do ato de reconhecimento
(sob pena de condução coercitiva). Queijo36 discorre que havendo prevalência absoluta do
interesse individual, a persecução estaria fadada ao fracasso.
Claro, apesar da divergência e não se olvidando do entendimento da Suprema Corte37,
que entendeu inconstitucional a condução coercitiva, nos termos do artigo 260 do Código de
Processo Penal38, apenas para interrogatório, parece razoável considerar que, em um processo
devido, afastar a observância de tal princípio seria ilógico, quiçá inconstitucional.
Nesse sentido, leciona Lopes Jr. e Zucchetti Filho:

É um imenso reducionismo imaginar ou sustentar que uma pessoa possa ser retirada
a força de casa, obrigada a participar de um ritual constrangedor de produção de
provas contra seu interesse e vontade, sem que isso configure uma afrontosa violação
do seu direito de defesa negativo, de não autoincriminação e de não produção de
provas contra sua vontade39.

Mormente porque, como se poderá concluir ao final, adotado tal entendimento, as


irregularidades que se pretende pontuar no presente artigo não seriam verificadas e, com isso,
inocentes não seriam chamados à Justiça para responder por um crime que se concluiu, ao final,
não terem sido eles os autores. Ademais, diante da negativa do imputado, cumpre ao órgão
acusador buscar outros elementos que possam embasar sua acusação40.
No entanto, o princípio do nemo tenetur se detegere não é respeitado na prática jurídica
no que toca ao reconhecimento, pois é ele determinado coercitivamente, ou seja, mesmo que
contra a vontade do suspeito41.
De outro lado, no que toca ao princípio do livre convencimento motivado, o magistrado
é livre para formar seu convencimento de acordo com as provas produzidas nos autos, as quais
têm legal e abstratamente o mesmo valor, contudo deve explicar em que elementos fundou seu
convencimento42 (artigo 155 do CPP43). Ademais, a decisão prolatada pelo magistrado, mesmo
34
LOPES JR., Aury; ZUCCHETTI FILHO, Pedro. O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento
Pessoal. Revista Consultor Jurídico, [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-mar-
08/limite-penal-direito-acusado-nao-comparecer-reconhecimento-pessoal Acesso em: 27 abr. 2020.
35
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2011, p. 65.
36
QUEIJO, Maria Elizabeth. O Direito de Não Produzir Prova Contra si Mesmo: o princípio nemo tenetur se
detegere e suas decorrências no processo penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 287.
37
(Vide ADPF 395)(Vide ADPF 444)
38
Art. 260 do CPP: Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro
ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. (BRASIL.
Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 18 mar. 2020).
39
LOPES JR., Aury; ZUCCHETTI FILHO, Pedro. O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento
Pessoal. Revista Consultor Jurídico, [S. l.], 2019.
40
LOPES JR., Aury; ZUCCHETTI FILHO, Pedro. O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento
Pessoal. Revista Consultor Jurídico, [S. l.], 2019.
41
LOPES JR., Aury; ZUCCHETTI FILHO, Pedro. O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento
Pessoal. Revista Consultor Jurídico, [S. l.], 2019.
42
FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 7.ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p. 745.
43
Art. 155, do CPP, diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
9

que independente da prova tarifada, precisa estar ligada à prova válida e lícita, produzida
perante as partes e orientada pela estrita legalidade44.
De fato, nos termos do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição da República, vige o
princípio da liberdade probatória, segundo o qual somente são inadmissíveis as provas obtidas
por meios ilícitos; assim, conforme esclarece Feitoza: “os altos ‘valores’ em jogo no processo
penal – de um lado, a segurança pública, depende da efetividade do direito penal e, de outro
lado, a liberdade do réu qualificada pela liberdade constitucional – acarretaram, no modelo
processual brasileiro, a mais ampla liberdade probatória”.45

3.3 AS PROVAS E A VERDADE NO PROCESSO PENAL

Como já salientado, o sentido da ação de provar algo é transmitir às partes, mormente ao


Estado-Juiz, fatos passados, a reconstrução da história em busca de uma pretensa verdade, tema
ainda nebuloso e que encontra significativa divergência na doutrina.
Segundo Di Gesu, prova e verdade são temas profundamente ligados, principalmente
porque, para muitos autores, o propósito do processo ainda é a busca pela verdade, por meio
das provas46. Contudo, tais autores, ao abordarem a epistemologia da prova, falham ao
desconsiderar as bases e as categorias jurídicas próprias do processo penal, atingindo, inclusive,
o lugar que o magistrado ocupa no processo e legitimando o decisionismo, uma vez que
flexibiliza as regras do devido processo47.
Conforme ensina a doutrina, a ideia de que o processo penal busca a mitológica “verdade
real” é uma artimanha engendrada nos meados da inquisição, vinculada ao interesse público
com sistemas políticos autoritários; a busca da verdade a qualquer custo chegou a legitimar as
maiores atrocidades, incluindo a tortura em determinados momentos históricos48.
Nessa senda, Pacelli de Oliveira explica que talvez o maior mal deixado pelo princípio da
verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva, que culminou por atingir
praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal, trazendo a crença de
que a “verdade” estaria ao alcance do Estado, logo justificando sua perseguição no processo
penal49.
Ademais, comete um erro quem refere a verdade “real” tratando-se de um fato passado,
histórico50. Conforme Lopes Jr. e Gloeckner, “o real só existe no presente. O crime é um fato
passado, reconstruído no presente, logo no campo da memória, do imaginário. A única coisa
que ele não possui é um dado de realidade”51.
Assim, no processo penal passou-se a sustentar a legitimidade da verdade formal ou
processual52, a qual é mais reduzida no que diz respeito ao seu conteúdo informativo, por

informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e


antecipadas. (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 18 mar. 2020).
44
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 418.
45
FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 7. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p.
742.
46
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 88.
47
LOPES JR., Aury; KESSLER DE OLIVEIRA, Daniel. La mano de Dios e a admissibilidade da prova no
processo penal. Revista Consultor Jurídico, [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-
jun-05/limite-penal-la-mano-dios-admissibilidade-prova-processo-penal Acesso em: 17 jun. 2020.
48
LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 303.
49
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 333.
50
LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal, p. 306.
51
LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal, p. 306.
52
LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal, p. 304.
10

respeitar as regras para a obtenção da prova e por não ter a pretensão de ser a verdade53. Para
Ferrajoli, a verdade processual pode ser entendida como uma verdade aproximada, limitada54.
Outrossim, a relevância do formalismo se da ao nortear (regular) os limites judiciais e amparar
a liberdade do indivíduo frente a verdades substancialmente arbitrárias ou incontroláveis55.
Mas alerta Lopes Jr. que desconstituir o mito da verdade real não é suficiente, também é
preciso questionar a “verdade processual”, especialmente, a “ambição pela verdade”. Segundo
Carnelutti, o problema é a verdade, na medida em que “a verdade está no todo, não na parte, e
o todo é demais para nós”56.
Não se trata de negar a verdade no processo penal, mas sim de discutir qual é o “lugar”
que ela ocupa, deslocando-a para outra dimensão, em que ela é contingencial e não estruturante
do processo57. No mesmo sentido posiciona-se Badaró quando afirma a necessidade de se
abandonar a dicotomia verdade formal e verdade material, que, para o autor, muito mais tem
contribuído para equívocos do que para construções válidas58.
Oportuno destacar que o processo é o ambiente no qual se desenvolvem diálogos,
discursos e se narram fatos, assim as provas servem para obter, dentro das regras do jogo, o
convencimento do juiz, que faz ao final (sentença) a eleição dos significados de cada discurso
para a construção do seu; a sentença não é a revelação da verdade, mas uma manifestação do
convencimento do magistrado formado em contraditório59.
Na mesma linha, segundo Khaled Jr. e Divan, “a atividade probatória não pode ter como
referencial a verdade correspondente (real, material, substancial ou relativa) ou a verdade
formal, pois ambas se mostram insuficientes para explicar no que consiste a dimensão cognitiva
do processo”. Para eles, um ponto primordial é ignorado por ambas as posições: o fato de o juiz
ser o destinatário da prova60.
Observa Pacelli de Oliveira que o processo penal produzirá uma certeza do tipo jurídica,
a qual, em regra, nunca se saberá se corresponde ou não à verdade da realidade histórica61.
Por fim, como muito bem destaca Di Gesu, a desconstrução do mito da verdade como
escopo do processo é de suma importância para o estudo da existência das falsas memórias no
processo penal. Os relatos, recordações e reconhecimentos de vítimas e testemunhas de um fato
delituoso estão sujeitos a contaminações de várias ordens, não são fidedignos à realidade por
conta do próprio processo mnemônico em si. Assim, devido à impossibilidade de reconstrução
do fato tal qual ele ocorre, inviável seguir falando em verdade no processo62.
Logo, conforme defendido pelos doutrinadores Lopes Jr. e Gloeckner, face ao excesso
epistêmico da “verdade”, o que interessa é o convencimento construído a partir das provas
produzidas e inseridas legalmente no processo, com o rigoroso respeito as regras do devido

53
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 92.
54
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.
42.
55
LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 305.
56
CARNELUTTI, 1965 apud LOPES JR., 2019, p.375.
57
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 377.
58
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no Processo Penal. Revista dos Tribunais, 2003,
p.36.
59
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 419.
60
KHALED JR., Salah H.; DIVAN, Gabriel Antinolfi. A captura psiquica do juiz e o sentido da atividade
probatória no Processo Penal contemporâneo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 156,
ano 27, p. 395-423. Ed. RT, junho 2019, p. 412.
61
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 328.
62
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias, p. 92.
11

processo legal (princípio que por vezes limita a busca pela “verdade”), refutando-se as provas
ilícitas63.
Com efeito, no processo penal, na tensão entre a busca da verdade e o respeito as regras
do due processo of law, inquestionável concluir que o que vale é a regra, independente da
gravidade ou relevância do conteúdo64. Mesmo porque, no caso em estudo, constatar que a
“verdade” formada no processo por um reconhecimento mal conduzido sem observância da
norma, e apresentado ao juiz, destinatário da prova, gera efeitos por vezes irreversíveis e resulta
na condenação de inocentes, pois nem sempre elementos outros de prova serão suficientes para
afastar a formulação de autoria por apontamento delitivo equivocado.
Na dicção de Ávila, “as falsas memórias existem, possuem repercussão crucial (inclusive
judicial) e são de difícil identificação, pois quem relata crê verdadeiramente em sua versão65.
Eis, portanto, a importância de uma nova visão acerca do reconhecimento pessoal.

4 O RECONHECIMENTO PESSOAL

Inicialmente, deve-se esclarecer que o reconhecimento pode ser pessoal ou de coisas66,


sendo objeto do presente estudo apenas o reconhecimento pessoal. Para Zucchetti Filho, o
procedimento mais frequentemente utilizado é o reconhecimento pessoal, o qual se baseia na
busca pela individualização do criminoso enquanto as autoridades responsáveis pela
investigação ainda não identificaram ou possuem dúvidas a respeito de quem seja o imputado67.
Camargo Aranha define o reconhecimento como um meio processual de prova,
eminentemente formal, pelo qual uma pessoa é chamada para analisar e confirmar ou não a
identidade de um indivíduo ou coisa que lhe é apresentado(a) com outro(a) que viu no
passado68.
A lei adjetiva determina, no artigo 22669, uma forma específica para se produzir a prova,
contudo sua redação é, ainda, a de sua edição no ano de 1941. Assim, compreende-se sua
defasagem em relação aos achados científicos mais atuais acerca do reconhecimento70.

63
LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 316.
64
LOPES JR., Aury; KESSLER DE OLIVEIRA, Daniel. La mano de Dios e a admissibilidade da prova no
processo penal. Revista Consultor Jurídico, [S. l.], 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-
jun-05/limite-penal-la-mano-dios-admissibilidade-prova-processo-penal Acesso em: 17 jun. 2020.
65
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Política não criminal e processo penal: a intersecção a partir das Falsas Memórias
da testemunha e seu possível impacto carcerário. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal, Porto
Alegre, v.14, n. 84, fev./mar. 2014, p. 72.
66
O artigo 227 do CPP expressa que no reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas
no artigo anterior, no que for aplicável.
67
ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento Pessoal: Procedimento Penal e Aportes Psicológicos. 2020. 321
f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Escola de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2020, p.38.
68
ARANHA, 1999 apud QUEIJO, 2012, p. 300.
69
Artigo 226, do CPP: Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela
seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva
ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras
que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou
outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará
para que esta não veja aquela; IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela
autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
70
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 35. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
12

Soma-se a isso que, como explica a doutrina, sendo o reconhecimento de pessoas um


processo de memória, as identificações feitas por vítimas/testemunhas podem não ser
confiáveis. A memória não retém os registros como uma máquina fotográfica ou filmadora,
podendo esses registros sofrerem perdas e distorções. O ato de reconhecimento de uma pessoa
estranha, a qual por inúmeras vezes foi vista em condições precárias – pouca luz, de forma
rápida ou à distância - é uma dura tarefa para a nossa memória, uma vez que muitas vezes
sentimos dificuldades de reconhecer um conhecido que não vemos há algum tempo ou
encontramos essa pessoa em um contexto diferente71.
Por outro lado, não fosse o bastante o atraso da legislação e as dificuldades inerentes ao
reconhecimento, porque dependente da memória e, portanto, sujeito a falhas, o que se observa
é que a prática nem sempre está alinhada à técnica prescrita.
E Espinola Filho72 alerta: o reconhecimento de pessoas deve ser feito com a maior
seriedade e rigor técnicos. Entretanto, conforme aponta Nucci, observa-se na prática forense
um verdadeiro desprezo à forma legalmente estabelecida, podendo-se dizer que raramente a
vítima reconhece o acusado nos termos preceituados no Código de Processo Penal73.
Faz-se oportuno, então, sejam destacadas as formas e procedimentos atinentes ao
reconhecimento de pessoas.

4.1 RECONHECIMENTO DE PESSOAS: FORMAS E PROCEDIMENTOS

O reconhecimento de pessoas, como dito, está regrado no artigo 226 do Código de


Processo Penal e, como se observa, a legislação brasileira adota o ato de reconhecimento
pessoal por alinhamento e não prevê, expressamente, o reconhecimento por fotografia, muito
embora a prática releve sua comum utilização.
Segundo Zucchetti Filho, o reconhecimento fotográfico ocorre de forma corriqueira
durante a fase de investigação preliminar74. Como observa Lopes Jr., o reconhecimento do
imputado por fotografia não é pacífico na doutrina ou na jurisprudência, contudo posiciona-se
no sentido de que somente pode ser utilizado como ato preparatório ou instrumento-meio,
substituindo a descrição prevista no artigo 226, I, do CPP75. Há, ainda, quem entenda que os
reconhecimentos fotográficos (reconhecimento atípico) são vedados e devem ser evitados,
sendo a exceção em situações de “estado de necessidade investigativo” 76. Também não se
desconhece o entendimento quanto à possibilidade de sua utilização. Conforme explica
Malpass:

O alinhamento fotográfico é inclusive mais recomendado por facilitar a fundamental


realização do teste de adequação e equilíbrio do alinhamento. [...] um banco digital de

71
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 67. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
72
ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado.6. ed. Rio de Janeiro: Editor
Borsoi, 1965, p.140.
73
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,
p.116.
74
ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento de Pessoas: Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de
Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico. In: GIACOMOLLI, Nereu José; AZAMBUJA AMARAL,
Maria Eduarda; SILVEIRA, Karine Darós (orgs.). Processo Penal Contemporâneo em Debate. Porto Alegre:
Boutique Jurídica, 2019, v. 4, p. 126.
75
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 490-491.
76
MENDES, Manuel José; ALMEIDA GARRETT, Francisco de. Da Prova por Reconhecimento em Processo
Penal. Identificação de Suspeitos e Reconhecimentos Fotográficos. Porto: Fronteira do Caos, 2007, p. 47.
13

fotografias, por exemplo, permite uma escolha mais precisa daqueles que comporão
o alinhamento juntamente com o suspeito77.

De qualquer sorte, seguindo as disposições legais, em uma breve análise do artigo 226
verificamos que o inciso I, ao prever a necessidade de prévia descrição do imputado pela
vítima/testemunha, busca verificar o grau de conhecimento interno que o reconhecedor possui
do ofensor78, se ela possui o mínimo de fixidez para proceder ao ato de reconhecimento, ou
seja, se guarda o núcleo central da imagem da pessoa79.
Zucchetti Filho destaca que esta é uma fase necessária e com alto grau de prejuízo quando
não observada, posto que, diante da inexistência de um treinamento técnico adequado, pode,
mesmo que inconscientemente, questionar o reconhecedor de forma sugestiva. Visa-se reprimir
a atuação ativa do policial condutor. Outrossim, neste momento, a vítima/testemunha deve
descrever os detalhes de que recorda, tais como idade aproximada, cor da pele, do cabelo,
estatura, eventuais tatuagens ou debilidades observadas. Tal providência é fundamental para
que a autoridade policial possa aferir a existência de um grau razoável de segurança do ato,
aduz o autor80.
Também para se avaliar o grau de autenticidade de um reconhecimento, deve-se
questionar ao reconhecedor acerca das condições de luminosidade no local dos fatos, das vestes
do autor do delito, do tempo de contato, se foi próximo ou distante, bem como seu estado de
ânimo no momento dos fatos e se chegou a ver a imagem da pessoa nos jornais, foto ou algum
outro ponto de identificação81.
Alguns doutrinadores, como Tomé Lopes, posicionam-se no sentido de que, se nesta
primeira fase do reconhecimento for identificado indivíduo completamente diferente daquele a
ser submetido ao reconhecimento, não deve seguir para as próximas etapas82.
Outrossim, o procedimento previsto no inciso II83 do supracitado artigo, é o que tem
apresentado maior dissídio na história recente, como aponta Zucchetti Filho84.
No que concerne às semelhanças físicas, Lopes Jr. sustenta que a autoridade que conduzir
o ato deve possibilitar a formação do ato de reconhecimento com sujeitos que possuem
características físicas próximas, por exemplo, estatura, cor de cabelo e pele, ressaltando a
importância das roupas utilizadas para que não exista discrepâncias absurdas entre os indivíduos
submetidos ao procedimento, tudo para que o nível de indução seja o menor possível85.
Ademais, em relação ao número de pessoas participantes, o Código de Processo Penal
brasileiro também é omisso. Para a doutrina, objetivando-se uma maior credibilidade do ato e

77
MALPASS, 2015 apud STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de., 2015, p. 30.
78
ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento de Pessoas: Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de
Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico. In: GIACOMOLLI, Nereu José; AZAMBUJA AMARAL,
Maria Eduarda; SILVEIRA, Karine Darós (orgs.). Processo Penal Contemporâneo em Debate. Porto Alegre:
Boutique Jurídica, 2019, v. 4, p. 123.
79
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 487.
80
ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento de Pessoas: Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de
Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico, p. 123.
81
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2011, p. 52.
82
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro, p. 53.
83
Artigo 226, do CPP, inciso II: a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado
de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a
apontá-la.
84
ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento de Pessoas: Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de
Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico, p. 124.
85
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 490.
14

redução da margem de erro, indica-se que o número de pessoas não seja inferior a cinco, sendo
o imputado e mais quatro outros indivíduos86.
No que tange aos incisos III e IV87 do dispositivo legal em exame, o primeiro tem por
objetivo impedir que o investigado veja o reconhecedor em circunstâncias que a este possam
ser constrangedoras e garantir que a vítima/testemunha não passe qualquer tipo de pressão ou
ameaça. Por derradeiro, o inciso IV versa acerca da confecção do auto de reconhecimento
pormenorizado do procedimento. A importância desse registro funciona de modo a atestar a
veracidade do ato, bem como a voluntariedade da indicação fornecida pelo reconhecedor em
relação a esse ou aquele suspeito88. Tomé Lopes indica a importância de constar na referida
certidão a presença ou não de advogado, a quantidade de indivíduos participantes e a indicação
de suas semelhanças, a localização do suspeito, bem como os dados de identificação
apresentados pelo reconhecedor antes de iniciado o ato e, por fim, a resposta do
reconhecimento89.
Na lição de Lopes Jr., as referidas cautelas, longe de serem inúteis formalidades, formam
condições mínimas de credibilidade do instrumento probatório, repercutindo na qualidade da
tutela jurisdicional, assim como na credibilidade do sistema judiciário90.
Ainda, conforme disciplina o artigo 228 do Código de Processo Penal91, em sendo várias
as pessoas a identificar o indivíduo, o ato deverá ser realizado separadamente, evitando
qualquer comunicação entre os reconhecedores. Conforme Zucchetti Filho, a
incomunicabilidade entre as vítimas/testemunhas é de extrema importância para evitar que
ambas percam a sinceridade dos seus relatos e haja contaminação involuntária, visto que suas
memórias e percepções do fato e do autor do delito são diversas, ainda que tenham
compartilhado da mesma experiência92. Como Stein sinaliza: “cada testemunha possui uma
representação mental única do evento”93.
Feitas essas considerações, mostra-se importante a análise das técnicas de
reconhecimento por alinhamento (seja pessoalmente ou por imagens), de acordo com as
pesquisas da psicologia do testemunho, quais sejam, o simultâneo e o sequencial94.
O reconhecimento simultâneo consiste em apresentar à vítima ou testemunha um
conjunto de indivíduos ou fotos alinhadas ao mesmo tempo. Nesta técnica, as pesquisas
mostram que os reconhecedores acabam por fazer comparações entre os integrantes do

86
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 489.
87
Inciso III, do art. 226, do CPP: se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por
efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a
autoridade providenciará para que esta não veja aquela.
88
ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento de Pessoas: Ponderações Acerca do Artigo 226 do Código de
Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico. In: GIACOMOLLI, Nereu José; AZAMBUJA AMARAL,
Maria Eduarda; SILVEIRA, Karine Darós (orgs.). Processo Penal Contemporâneo em Debate. Porto Alegre:
Boutique Jurídica, 2019, v. 4, p. 126.
89
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2011, p. 57.
90
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 490.
91
Art. 228, do CPP: se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada
uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.
92
ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento Pessoal: Procedimento Penal e Aportes Psicológicos. 2020. 321
f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Escola de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2020, p. 139-140.
93
STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto
Alegre: Artmed, 2010, p. 219.
94
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 28. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
15

alinhamento, em oposição a buscar na memória as lembranças das características do autor do


delito. Ademais, existe uma grande possibilidade que nos casos em que o suspeito não se
encontra presente ocorra a tendência de a vítima escolher erroneamente o indivíduo que mais
se assemelha com o verdadeiro suspeito95.
Por outro lado, no alinhamento sequencial – hipótese em que a vítima analisa cada pessoa
ou foto separadamente, uma de cada vez – ela precisa usar o julgamento incondicional da
memória para recordar do criminoso e não a comparação com todos os presentes, visto que
necessita, a cada apresentação, tomar a decisão antes de poder visualizar o próximo96. Contudo,
os pesquisadores ainda apontam que, apesar das evidencias de que o alinhamento sequencial
resultaria em menor número de falsos reconhecimentos, esta técnica deve ser vista com
reservas, na medida em que há estudos apontando que, em casos em que o reconhecedor ainda
não escolheu nenhum suspeito, no final da apresentação acabam por flexibilizar as evidências
da sua memória para escolher algum dos suspeitos97. Outro ponto sensível seria que a
vítima/testemunha fica muito mais propensa a sugestões do agente condutor do ato
(intencionalmente ou não), por exemplo, através de um ruído ou tosse do policial98.
Para Stein e Ávila, independente de qual das técnicas utilizadas, existem algumas normas
básicas a serem observadas, dentre elas à condução do reconhecimento “às cegas”, forma pela
qual o profissional que conduz o ato, além de ser qualificado para tal procedimento, não deve
ter o conhecimento sobre quem é o suspeito, seja na apresentação de fotos ou no
reconhecimento pessoal. A doutrina aponta que, tendo o policial ciência de quem é o suspeito,
ele pode vir a demonstrar isso quando da apresentação para reconhecimento, mesmo que de
forma não intencional. Tal cuidado é chamado de double-blindness (cegueira dupla - nem
policial e nem testemunha sabem quem é o suspeito)99.
Há, ainda, o reconhecimento conhecido por “show-up”, caso em que somente um
suspeito é apresentado à vítima/testemunha para que faça o reconhecimento, sendo muitas vezes
utilizado quando a polícia tem praticamente certeza que a pessoa é culpada, quando o suspeito
for conhecido da testemunha ou quando o suspeito é preso em flagrante. Importa salientar que,
mesmo nessas condições, de forma alguma o suspeito deve ser apresentado em um contexto
sugestivo, a saber, aparecer dentro de uma viatura ou estar algemado ao lado de policiais100.
Nas palavras de Lopes Jr., “não é reconhecimento quando o juiz simplesmente pede para a
vítima virar e reconhecer o réu (único presente e algemado...) pois descumpre a forma e é um
ato induzido”101. O autor refere ao “reconhecimento” em juízo, contudo se aplica à identificação
realizada em via pública, com o suspeito algemado e sendo o único a ser apresentado às vítimas,
tal como o caso em estudo.
De acordo com a pesquisa coordenada Stein, a polícia militar, ao localizar um suspeito
que se enquadre nas características apresentadas pela vítima, realiza, de forma rotineira na fase

95
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 28. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
96
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. (2015). Avanços Científicos em Psicologia do
Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 28.
97
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. (2015). Avanços Científicos em Psicologia do
Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 28.
98
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. (2015). Avanços Científicos em Psicologia do
Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 28.
99
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. (2015). Avanços Científicos em Psicologia do
Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 29.
100
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 28.
101
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 489.
16

pré-investigativa, uma identificação prévia, a qual, devido à sua repercussão, pode ser tratada
como verdadeiro reconhecimento102.
Tal procedimento pode ser subdividido em: (i) reconhecimento na viatura: ocorre quando
vítimas e testemunhas são colocadas dentro do veículo da viatura e saem pelas ruas a procurado
do autor do delito, indicando caso os identifiquem, caso em que o “reconhecimento” é feito do
interior do veículo; (ii) reconhecimento via celular ou whatsapp: essa forma de
“reconhecimento” geralmente acontece de duas formas, o suspeito é fotografado pelo policial
em seu telefone particular, sendo posteriormente mostrada a imagem do indivíduo à vítima ou
o agente público compartilha a fotografia nos grupos de whatsApp dos policiais; e (iii)
reconhecimento na rua: desta maneira o suspeito é apresentado pessoalmente, na rua, às vítimas
e testemunhas. Nas três formas expostas, mediante “reconhecimento” positivo, a polícia militar
encaminha os envolvidos para a Polícia Civil103.
De acordo com Stein e Ávila acerca do show-up.

Como vimos em nossa análise da literatura científica, esta é a forma de


reconhecimento que mais expõe a vítima/testemunha à possível distorção de sua
memória para o verdadeiro suspeito. A adoção da prática de reconhecimento através
de show-up pode, inclusive, ter como potencial consequência a implantação de uma
falsa memória na testemunha sobre a identidade do ator do delito104.

Ocorre, contudo, conforme se pretende demonstrar, que tais procedimentos utilizados


para fins de reconhecimento na fase pré-investigativa podem conduzir a equívocos, seja porque
realizados sem observância dos requisitos legais, seja porque podem sugestionar à identificação
de terceiro estranho aos fatos. Nas palavras de Altavilla “a experiência passada, que deixou suas
impressões na nossa memória, completa continuamente a experiência presente”105.
Por isso, como bem aponta o trabalho coordenado por Stein, “os especialistas são
unânimes em não recomendar a técnica de show-up, em função da grande margem de erro de
reconhecimento”106.
Cumpre ressaltar que, sendo o reconhecimento um meio de prova que possui um
procedimento legal para a sua realização, deverá este obrigatoriamente ser respeitando, sob
pena de ser reconhecida sua nulidade107, sendo, inclusive, assim reconhecida pelo artigo 564,
inciso IV, da Lei Adjetiva108. E, como salienta a nominada autora, reconhecida a nulidade, com
o desentranhamento da prova dos autos, e entendendo o ato como meio de prova irrepetível,
cabe ao Estado buscar a identificação por outros meios109.

102
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 50. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
103
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 50.
104
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 50.
105
ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. Tradução de Fernando de Miranda. 3. ed. Coimbra: Arménio
Amado, 1981, v. I, p. 28.
106
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 28.
107
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 101.
108
Art. 564, do CPP: A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: IV - por omissão de formalidade que constitua
elemento essencial do ato.
109
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro, p. 103.
17

Causa perplexidade, contudo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça110 no


sentido de que a inobservância das disposições constantes do art. 226 do Código de Processo
Penal não importam nulidade, sob alegação de tratar-se de mera recomendação legal.
Tal entendimento afasta norma legal, além de trazer inegável prejuízo ao suspeito, pois
como se observou no caso objeto de estudo do presente trabalho, um falso reconhecimento afeta
sobremaneira a vida de qualquer cidadão, sobretudo em sua liberdade individual, ainda que, ao
final, sobrevenha a sentença absolutória.
Não por outra razão Lopes Jr. chama a atenção para o nível de (in)observância por parte
dos juízes e delegados da forma prevista em lei e assevera que, partindo da premissa de que
“forma é garantia, não há espaço para informalidades judiciais”111.
Por isso a necessidade de observância das regras legais, pois há possibilidade de que uma
pessoa detida e submetida ao referido “reconhecimento na rua”, pela técnica de show-up, apenas
por apresentar características semelhantes, mesmo sendo totalmente estranha ao evento
criminoso, seja denunciada e processada por crime de que não participou e, em juízo, ser
formalmente reconhecida, mas porque a vítima e/ou testemunhas foram sugestionadas a isso.
Como explica Altavilla:

A sensação, ao tornar-se percepção, é posta em correlação com as recordações latentes


de outras sensações análogas, que podem fazer-nos cair no erro de reconhecer no
objeto que percepcionamos atributos de objetos percepcionados anteriormente112.

Assim, por envolver um conjunto de percepções subjetivas e comparação de experiências,


o reconhecimento de pessoas, devido ao considerável risco de falsas memórias, deve ser
rigorosamente monitorado113.

5 MEMÓRIA, FORMAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS E FALSOS


RECONHECIMENTOS

Como se pode notar, o reconhecimento pessoal mostra-se complexo, pois dependente de


um fator incerto: a falibilidade da mente humana. A memória, recurso indissociável do
mencionado meio de prova, não raras vezes falha, dando azo a falsos reconhecimentos.
Falhas são preocupantes pois, na atualidade, o processo penal brasileiro tem utilizado o
reconhecimento pessoal, assim como o testemunho, como os principais meios probatórios,
sendo milhares os processos julgados unicamente com base nesses meios114. Por isso, torna-se

110
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO AOS CORREIOS.
ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 201 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. RECONHECIMENTO. ART. 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
RECOMENDAÇÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. PRECEDENTES. INVERSÃO DO
JULGADO. SÚMULA N.º 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE PRISÃO
ILEGAL. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO REFUTADO. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA N.º 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [
...] 2. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior "as disposições insculpidas no art. 226 do CPP,
configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de
nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de modo diverso" (AgRg no
AREsp 1.291.275/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, DJe 11/10/2018). [...] (AgRg no
AREsp 1534916/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 06/02/2020, DJe
21/02/2020) [Grifei]
111
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 488.
112
ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. 3. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1981, v. I, p. 26.
113
MACHADO, Leonardo Marcondes. O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais. Revista
Consultor Jurídico, [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jul-16/academia-policia-
reconhecimento-pessoas-fonte-injusticas-criminais Acesso em: 28 abr. 2020.
114
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 103.
18

preocupante imaginar que inúmeros processos se formam e conduzem a condenações com base
em meio probatório tão propenso a erros, pois amparado em recurso sugestionável: a memória.
Ora, a memória é a essência do reconhecimento115.
Porém, antes de ingressarmos na questão das falsas memórias, são necessários breves
apontamentos para melhor entendê-las, seja quanto ao normal funcionamento, seja em relação
às suas potenciais falhas.

5.1 O FUNCIONAMENTO DA MEMÓRIA

Segundo Izquierdo, memória traduz-se na aquisição, formação, conservação e evocação


de informações, essa última também é chamada de recordação, lembrança, recuperação. As
memórias provêm de experiências e há tantas memórias quanto experiências possíveis.116.
Ainda, aduz o autor que “existe um processo de tradução entre a realidade das
experiências e a formação da memória respectiva; e outro entre esta e a correspondente
evocação.” Para cada tradução, realizada através de processos e códigos utilizados pelos
neurônios, ocorrem perdas ou mudanças. Afinal, traduzir não significa simplesmente conduzir
a outro código, mas também transformar.117
As classificações acerca da memória são bem diversificadas, podendo ser de acordo com
suas funções, tempo de duração, assim como pelo seu conteúdo118. Como explica a doutrina,
existe a memória de curto prazo, também conhecida como memória funcional ou de trabalho,
mantida por segundos ou minutos (por exemplo, lembrar de um número de telefone), bem como
a memória de longo prazo ou memória consolidada, mantida por até décadas119. No que tange
ao conteúdo, Di Gesu destaca dois grandes grupos de memórias, a saber, o da memória de
procedimentos e o da memória declarativa120.
A memória procedural está ligada à habilidade motora ou sensorial (andar de bicicleta,
nadar, soletrar, etc.), contudo é a respeito da memória declarativa que interessa ao presente
trabalho e para a compreensão do fenômeno da falsa memória, porquanto diz respeito a
memória dos fatos, das pessoas, das faces, conceitos e ideias121; são chamadas declarativas, pois
nós, os humanos, podemos “declarar” que existem e descrever como as adquirimos122.
As memórias declarativas de longa duração levam tempo para serem consolidadas e nas
primeiras horas após sua aquisição são suscetíveis a diversas interferências123. Conforme afirma
Izquierdo “as memórias de longa duração não ficam estabelecidas em sua forma estável ou
permanente imediatamente depois de sua aquisição”124.
De acordo com a neurologia, há a possibilidade de modificação da memória entre a sua
aquisição e a consolidação – devido a influências externas e internas – que nos levam a crer na
alteração da lembrança da vítima entre o acontecimento do fato e o reconhecimento pessoal125.

115
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 19. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
116
IZQUIERDO, Ivan. Memória. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. E-book. Disponível
em:https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788582714928/cfi/6/20!/4/2/24/4@0:100. Acesso em:
15 abr. 2020.
117
IZQUIERDO, Ivan. Memória. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. E-book.
118
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 106.
119
IZQUIERDO, Ivan. Memória. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. E-book.
120
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias, p. 107.
121
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias, p. 107.
122
IZQUIERDO, Ivan. Memória. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. E-book.
123
IZQUIERDO, Ivan. Memória. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. E-book.
124
IZQUIERDO, Ivan. Memória. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. E-book.
125
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias, p. 108.
19

Conforme trabalho coordenado por Stein, tanto o reconhecimento, quanto o testemunho,


são testes de recuperação da memória e constituem-se, em sua essência, nas lembranças que a
vítima/testemunha conseguiu registrar e resgatar acerca dos fatos ocorridos e o reconhecimento
de seus personagens126.
No caso do reconhecimento, as imprecisões das lembranças podem direcionar a um
resultado equivocado de uma investigação ou até mesmo de um julgamento. Com sérias
consequências para a sociedade, como a condenação de uma pessoa inocente.127 Nesse
contexto, importante apontar um levantamento norte americano, segundo o qual indica o
reconhecimento equivocado por parte de testemunhas é a maior causa de condenações injustas
nos EUA128.
E o caso objeto do presente estudo é exemplo e corrobora aqui a falibilidade por
influências externas da memória. Nosso papel é identificar pontos de tensão entre o
procedimento legalmente previsto e as circunstâncias que podem conduzir a reconhecimentos
infiéis decorrentes de falsas memórias.

5.2 FALSAS MEMÓRIAS E FALSOS RECONHECIMENTOS

Inicialmente, cabe referir que o conceito de falsas memórias e suas primeiras pesquisas
remontam o final do século XIX e o início do século XX. Pesquisas específicas sobre o tema,
foram conduzidas pelo francês Alfred Binet, em 1.900, e pelo alemão Stern, em 1910. Seus
estudos versam sobre as características de sugestionabilidade da memória, a saber, a
incorporação e a recordação de informações falsas, sejam de origem interna ou externa
(autossugerida e sugerida), as quais o sujeito lembra como sendo verdadeiras. Mais tarde, em
1.932, na Inglaterra, Frederic Charles Bartlett descreveu a recordação como sendo um processo
reconstrutivo, baseado em estruturas mentais e no conhecimento geral prévio do indivíduo,
salientando o papel da compreensão e a influência da cultura nas lembranças,129 o que
atualmente está superado, pois se atua com a memória a partir de uma representação
aproximativa130.
Já na década de 70 do século passado, Elizabeth Loftus mostrou que uma falsa memória
pode derivar-se de uma sugestionabilidade externa a uma falsa afirmação. Dependendo de como
uma informação chegou até o indivíduo, é possível que ele acredite como verdadeiro um
acontecimento falso131. Trata-se de uma inserção de uma informação não verdadeira em meio
a uma experiência realmente vivenciada ou não, conduzindo ao chamado efeito “falsa
informação”. A autora constatou e identificou a questão como ela é compreendida hoje132.
Elizabeth Loftus, referência mundial no tema falsas memórias, salienta o potencial que
informações enganosas, assim como conversas e interrogatórios sugestivos, podem invadir

126
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 18. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
127
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 18.
128
Pesquisa realizada pela renomada organização norte-americana Innocence Project, 2015. (STEIN,
Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses, p. 18.).
129
STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas.
Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 23-24.
130
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 128.
131
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 44.
132
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias, p. 128.
20

nossa mente e alterar nossas recordações. Isso pode ocorrer até mesmo quando lemos ou
assistimos uma reportagem da mídia sobre algum evento que podemos ter experienciado nós
mesmos133.
Nesse sentido, é preciso diferenciar esse tipo de memória de uma mentira deliberada.
Como aponta Lopes Jr., as falsas memórias são aquelas em que a pessoa acredita realmente no
que está descrevendo, tendo em vista que a sugestão é externa (pode até ser interna, mas de
forma inconsciente), contudo a mentira difere-se desta, pois a pessoa tem conhecimento do seu
espaço de invenção e manipulação. O autor destaca que ambas oferecem risco à confiabilidade
da prova, porém a primeira é mais preocupante e mais difícil de se identificar, tendo em vista
que tal manipulação é realizada inconscientemente.134
Consoante ensina Stein, as falsas memórias não devem ser confundidas com mentiras ou
fantasias, elas são, inclusive, muito próximas das memórias verdadeiras, tanto no que se referem
a sua base cognitiva quanto neurofisiológica. Elas se distinguem das memórias verdadeiras pelo
fato de que as falsas memórias são compostas no todo ou em parte por lembranças de
informações ou fatos que não ocorreram na realidade. Destaca, ainda, que “as falsas memórias
são frutos do funcionamento normal, não patológico, de nossa memória”135.
As falsas memórias podem se originar de duas maneiras distintas, tanto devido a uma
distorção endógena, quanto por uma falsa informação oferecida pelo ambiente externo; assim,
classificando-as conforme a origem do processo de falsificação, são denominadas espontâneas
e sugeridas. As primeiras, também denominadas de autossugeridas, são resultantes de
distorções internas ao sujeito, consequência do processo normal de compreensão de um evento,
fruto de processos de distorções mnemônicas endógenas. As falsas memórias sugeridas, por
sua vez, dizem respeito àquelas que resultam de uma sugestão externa ao indivíduo, seja esta
proposital ou não, cuja ocorrência está ligada à aceitação de uma falsa informação posterior ao
evento ocorrido e à subsequente incorporação na memória original. Assim, após se presenciar
um evento, transcorre um certo período no qual uma nova informação é apresentada como
fazendo parte do evento original, quando na realidade não faz136.
Nesse compasso, devemos lembrar que, no caso em estudo, os suspeitos foram
apresentados à vítima e às testemunhas para realização de reconhecimento pessoal no local dos
fatos, momentos após o ocorrido, com todo estigma de uma condução policial, o que, somado
ao clamor popular por segurança que se formou no local, gerou situação que sugeriria terem
sido eles os autores do delito.
Não se está, de modo algum, sustentando a ideia de uma acusação levianamente, mas sim
que as circunstâncias externas ao indivíduo influenciam o ato de reconhecer, a ponto de
sugerir/incutir no ofendido a certeza de quem está reconhecendo.
E Stein assevera: as falsas memórias podem ser tão ricas em detalhes quanto as memórias
verdadeiras, pois a relação confiança-acurácia da memória é fraca. Um reconhecimento correto,
por exemplo, pode ter muita confiança, o mesmo pode ocorrer para reconhecimentos
errôneos137.
Existe uma crença, apesar de infundada em estudos científicos, que uma pessoa que

133
LOFTUS, Elizabeth F. Criando falsas memórias. Scientific American, [S. l.], Sep. 1997. Disponível em:
http://www.oocities.org/athens/acropolis/6634/falsamemoria.htm. Acesso em: 27 abr. 2020.
134
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 477/478.
135
STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas.
Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 22.
136
STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas, p.
25-26.
137
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 24. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
21

vivenciou eventos emocionais nunca se esquecerá do fato, mantendo uma lembrança clara do
que ocorreu e dos envolvidos. De fato, lembranças emocionalmente carregadas produzem
memórias emocionais que tendem a ser bastante vívidas, mas não necessariamente precisas138.
O fato de lembrarmos mais de eventos emocionais não quer dizer que essas lembranças sejam
imunes à distorção139.
Embora se fale de memórias falsas (sugeridas ou espontâneas), não se quer afirmar que
as demais lembranças sejam totalmente verdadeiras ou autenticas à realidade, porquanto o
estudo sobre a memória não possibilita tal conclusão, como bem aponta Di Gesu140.
De outra banda, deve ser destacado que a circunstância “tempo” também é de
fundamental relevância para a fidedignidade do reconhecimento, pois este permite que
informações desvaneçam na memória, provocando o esquecimento141.
Aliás, ao tratar do tempo e demais circunstâncias que influenciam no reconhecimento,
Machado explica que:

Ignorar, por exemplo, as consequências do transcurso temporal, do estresse ou do


“efeito arma” no registro, armazenamento e recuperação da memória de vítimas e
testemunhas implicadas em um evento criminal e, ao mesmo tempo, insistir em
sugestões (diretas ou indiretas) na ânsia de trazer à tona a realidade do fato ocorrido
pode ser justamente o início de mais um erro investigativo a fundar condenações
indevidas142.

Por isso, não se pode, em nome de um rápido esclarecimento, desconsiderar-se os demais


procedimentos de observância necessária para um correto reconhecimento, pois a emoção
também é fator de influência na memória.
As emoções e o estado de ânimo, juntamente com o nível de consciência do indivíduo,
são os maiores reguladores da aquisição, formação e evocação das memórias, como explica Di
Gesu143. Logo, mostra-se indispensável, na prática jurídica, não se ignorar sua estreita relação.
Por outra lado, deve ser destacada a expectativa da vítima ou testemunha. Lopes Jr.,
assevera que “as pessoas tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir”. Para além disso,
os estereótipos culturais (como cor, classe social, sexo etc.) têm significativa influência na
percepção dos delitos, conduzindo às vítimas a um reconhecimento em função desses
estereótipos144, geralmente nos crimes patrimoniais com violência, como é o exemplo no caso
em análise, em que a raça e perfil socioeconômico são estruturantes de um estigma.
O mencionado autor destaca que no imaginário coletivo “o que é bonito, é bom”, logo,
tende-se a reconhecer como criminoso a “cara mais feia”, dado que um rosto bonito e atraente
possui traços de uma conduta mais socialmente desejável do que uma cara feia145. E, no
momento em que a testemunha é chamada para depor ou reconhecer, ela recupera o que recorda

138
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 21. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
139
STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas.
Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 88.
140
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 132.
141
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 45.
142
MACHADO, Leonardo Marcondes. O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais. Revista
Consultor Jurídico, [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jul-16/academia-policia-
reconhecimento-pessoas-fonte-injusticas-criminais Acesso em: 28 abr. 2020.
143
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias, p. 141-142.
144
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 493.
145
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, p. 493-494.
22

do evento delituoso e junto com isso ela ativa a memória do seu esquema do estereótipo de
assaltante, influenciando a sua memória para o momento que ela vivenciou146.
Por fim, deve ser destacado, também, o efeito compromisso, o qual ocorre, como explica
a doutrina, quando inicialmente a vítima identifica de forma incorreta (por exemplo, quando
analisa diversas fotografias e elege erroneamente um indivíduo) e a posteriori realiza um
reconhecimento pessoal. Neste caso, em que o agente tende a persistir no erro, existe um enorme
risco que ele mantenha o compromisso anterior, mesmo com incertezas. O doutrinador alerta
que o maior problema está no efeito indutor disso, no qual se estabelece um pré-juízo que acaba
por contaminar o futuro reconhecimento pessoal147.
Com base nesse arcabouço técnico elaborado, mostram-se perceptíveis as inúmeras falhas
ocorridas no caso objeto de estudo do presente trabalho, as quais conduziram à prisão cautelar
dos suspeitos e ao oferecimento de denúncia. Passemos, então, à sua análise.

6 ANÁLISE DO CASO: PROBLEMAS DO SISTEMA E MEDIDAS DE REDUÇÃO


DE DANOS

Com base na breve análise legal e científica realizada, podemos reparar que o caso
inicialmente trazido a estudo foi permeado por diversas inconstitucionalidades/ilegalidades,
sendo necessários alguns apontamentos acerca dos riscos envolvendo o reconhecimento e as
possíveis medidas de redução de danos que possam ser implementadas na prática.
Relembre-se que os acusados foram detidos nas imediações do local dos fatos, ambos
foram algemados e trazidos em viatura policial diretamente ao local do crime, para serem
reconhecidos pelas vítimas e testemunhas.
Note-se que desde a abordagem policial dos suspeitos, produziu-se a “prova” da autoria
sem observância da garantia da jurisdição, já que, como antes referido, o primeiro
reconhecimento realizado sugestiona e vicia, quando falso, todos os demais atos produzidos
durante o processo sob o crivo do contraditório.
Chama-se a atenção à necessidade de que se observe o princípio em exame, pois a prova
então formada será livremente valorada pelo magistrado, sob aparente manto de legalidade. Se
o processo é o ambiente no qual se proporciona a construção da sentença, seu principal
destinatário não pode ser conduzido equivocadamente à escolha da verdade que se formou, pois
ela nem sequer existiu.
Também não se observou minimamente o princípio da presunção de inocência, o qual
ampara o devido tratamento do acusado como inocente e impondo limites à sua estigmatização.
De imediato os acusados foram tratados como culpados, obrigados a comparecer ao local do
crime, sendo, também, ignorado completamente o seu direito de não se autoincriminarem148 ou
de não participarem da produção de prova que possa reverter contra si próprio (nemo tenetur se
detegere).
Reprise-se que a identificação foi realizada em via pública, utilizando-se a técnica de
show-up, com os suspeitos algemados e sendo os únicos a serem apresentados às vítimas e
testemunhas, sem qualquer observância dos procedimentos legais previstos. Como referido
alhures, forma é garantia149, não podendo ser deliberadamente ignorada, sob pena de afronta ao

146
STEIN, Lilian Milnitsky; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho
Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Brasília, DF: Secretaria de Assuntos
Legislativos, Ministério da Justiça, 2015. (Série Pensando Direito, No. 59). p. 29. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/PoD_59_Lilian_web-1.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.
147
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 494.
148
LOPES JR., Aury; ZUCCHETTI FILHO, Pedro. O Direito do Acusado de Não Comparecer ao Reconhecimento
Pessoal. Revista Consultor Jurídico, [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-mar-
08/limite-penal-direito-acusado-nao-comparecer-reconhecimento-pessoal Acesso em: 27 abr. 2020.
149
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal, p. 488.
23

devido processo legal. Não pode ser considerado devido o processo conduzido alheio às
normativas aplicáveis, em nome de uma pretensa verdade real. A verdade deve ser formada no
processo, com observâncias das regras aplicáveis, pois do contrário, a ambição pela verdade
acaba por legitimar abusos150 como os ocorridos no presente caso.
Observa-se no caso em exame que a primeira identificação realizada pelo ofendido no
local dos fatos, momentos após o delito, com todo o estigma de uma condução policial, somado
ao clamor popular por segurança que se formou no local, sugestionaram e induziram o
reconhecimento dos acusados. Tais influências externas151, contaminaram inconscientemente152
vítima e testemunhas para que afirmassem positivamente ao reconhecimento.
Ora, os reconhecedores, ao avistarem a viatura militar retornando ao local com dois
sujeitos algemados e ouvirem vozes de populares indicando serem os detidos os autores do
crime, prontamente acenaram positivamente ao reconhecimento. Assim, não fosse a emoção
como fatores de influência na formação da memória153, não se teria formado o ambiente
propício ao reconhecimento contaminado, sugestionado pelas circunstâncias externas que o
permearam.
Cumpre salientar que tal forma de reconhecimento, além de não observar os requisitos
legais previstos, não permite a mínima confrontação das características a priori informadas pela
vítima com o posterior reconhecimento. Além do mais, restou completamente ignorado o
disposto no artigo 228 do Código de Processo Penal, o qual prevê que cada vítima/testemunha
realize o reconhecimento em separado da outra, conservando a incomunicabilidade entre si,
para que se mantenha a espontaneidade e a sinceridade das declarações.
Alerta-se para a possível ocorrência da aceitação inconsciente da falsa informação externa
ao indivíduo, mesmo que sem intenção, a qual ocorre posterior ao evento ocorrido. Não
intencional, sem dúvida, pois o caso em exame envolvia pessoa esclarecida, magistrado de
carreira, que não tinha motivo algum para incriminar inocentes.
No que tange à questão do estereotipo, observa-se que tanto no momento em que os
policiais decidem abordar os acusados, como no instante da identificação pelo ofendido no local
do crime, essa variável estava presente. O acusado 1, em seu depoimento, relatou que foi
questionado pela guarnição acerca das suas vestes, como poderiam pertencer a um médico como
ele se dizia ser, com barba por fazer, tênis velho e com gorro preto. Vale dizer, fora tratado
como suspeito pela aparência154 descuidada e por ela também reconhecido.
A questão se agrava nos crimes, como o do presente estudo, em que houve o uso de arma.
Como ressalta a doutrina, em casos tais a vítima tem em seu campo de visão um objeto raro,
causador de temor e medo, o qual passa a ser o objeto direto de sua percepção e levando, em
nome da sobrevivência, a preocupar-se basicamente com seu movimento. A sequência visual
das pessoas em cenas traumáticas é diversa da ocorrida em situações normais e não raras vezes
o ofendido consegue descrever a cor e alguns detalhes da arma utilizada, tendo mínima
capacidade perceptiva dos demais detalhes da cena, como, por exemplo, a roupa e o rosto do
acusado.
Esse fenômeno foi estudado pela psicologia e denominado como fator “foco da arma”155.
Nesse contexto, tal variável deve ser considerada altamente prejudicial para um reconhecimento

150
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 333.
151
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 108.
152
STEIN, Lilian Milnitsky. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas.
Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 219.
153
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias, p. 141-142.
154
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 493.
155
LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Memória não é Polaroid: Precisamos Falar sobre
Reconhecimentos Criminais. Revista Consultor Jurídico, [S. l.], 2014.Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2014-nov-07/limite-penal-memoria-nao-polarid-precisamos-falar-
reconhecimentos-criminais. Acesso em: 27 abr. 2020.
24

positivo, especialmente em crimes como o do caso estudado, em que o contato agressor-vítima


seja mediado pelo uso de arma de fogo156. E como se observou no caso inicialmente trazido, a
própria vítima relatou, em primeiro momento, não ter visualizado ou tê-lo visto
superficialmente quando da abordagem, amparando seu reconhecimento em associações
periféricas.
Por sorte, no presente caso, a prova da autoria – o reconhecimento – restou
descredibilizada pelo forte álibi apresentado pelo suspeito 1, testemunhos e registros
telefônicos. O suspeito 2, desde a apresentação, foi reconhecido apenas por “parecer” com o
autor do delito e, mesmo assim, foi preso em flagrante e preventivamente, denunciado e
processado.
Assim, fica evidente a fragilidade do nosso sistema penal, que direciona todo seu aparato
estatal com base em indícios de autoria angariados sem qualquer observância das regras legais,
quiçá deixando de atender ao mandamento constitucional de uma punição amparada por um
devido processo legal e garantindo-se, até a sentença final, a presunção de inocência.
Por isso, conforme muito bem relatado por Lopes Jr., “para além das ilegalidades
costumeiramente realizadas no reconhecimento pessoal, [...] é importante uma visão
prospectiva, mirando futuras reformas processuais”. Nessa senda cabe alguns apontamentos
objetivando qualificar a colheita deste meio probante, assim como, se não eliminando, ao menos
diminuir injustiças.
A adoção do ato de reconhecimento deve ocorrer por alinhamento, preferencialmente
sequencial, utilizando-se a chamada condução às cegas, na qual nem policial condutor do ato e
nem vítima ou testemunha sabem quem é o suspeito entre os participantes, evitando
sugestionamentos.
Não menos importante, deve-se advertir ao reconhecedor que o suspeito pode ou não pode
estar presente. Isso reduz a margem de falhas de um reconhecimento realizado a partir de um
pré-entendimento de que o suspeito está presente157. Muitas são as identificações confirmadas
devido à crença das pessoas de que o agente público somente realiza um reconhecimento
quando já tem um bom suspeito158.
É de especial valia, também, que o reconhecimento seja realizado uma única vez na
medida em que não há como reproduzi-lo nas mesmas condições, nem mesmo com os mesmos
sujeitos participantes do primeiro ato (o único presente nos dois momentos seria o acusado).
Assim, no momento em que a vítima teve contato com o suspeito, a imagem guardada em sua
memória influirá no segundo reconhecimento, viciando o ato. Logo, é um meio irrepetível de
prova159.
Nessa linha, destacamos o seu caráter de urgência, visto a influência que a memória
produz no reconhecimento, não sendo impossível falar em prova antecipada, contudo
indispensável sua produção perante as partes e o juiz, em respeito ao contraditório,160 mirando,
assim, a diminuição da ação do tempo (esquecimento)161.
De outra banda, os procedimentos previstos nos arts. 226 e 228 do Código de Processo
Penal devem ser observados impreterivelmente, pois, como verificamos, não existem

156
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 493.
157
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, p. 497.
158
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 160.
159
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011, p. 32.
160
TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de Reformulação do
Direito Brasileiro, p. 32-33.
161
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Política não criminal e processo penal: a intersecção a partir das Falsas Memórias
da testemunha e seu possível impacto carcerário. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal, Porto
Alegre, v.14, n. 84, fev./mar. 2014, p. 69.
25

reconhecimentos informais. As disposições previstas nos mencionados artigos prestam-se a


“filtrar” possíveis erros. Para Nucci, a padronização e a automatização dos reconhecimentos
informais, por vezes falhos e vulgarizados, podem levar ao cárcere inocentes, os quais, não
raras vezes, clamam pela negativa de autoria, desde o prelúdio da fase policial162.
Nesta senda, cumpre destacar, ainda, a importância da descrição prévia ao
reconhecimento, pela qual se poderá observar as características descritas pela vítima e comparar
se são minimamente compatíveis com as do suspeito.
A técnica do show-up não deve ser utilizada, dado o alto nível de sugestionabilidade
inconsciente, já que não observado um número mínimo de participantes do ato, não podendo
serem confrontadas pessoas com semelhanças. Tais exigências precisam ser respeitadas, para
que o nível de indução seja o menor possível.
A prova produzida em desconformidade com o procedimento previsto não pode ser
valorada no processo, cabendo à acusação buscar a identificação da autoria por outros meios de
prova que não o reconhecimento reputado viciado.
De outro lado, a legislação deve ser atualizada e o reconhecimento produzido ao arrepio
da lei precisa receber o mesmo tratamento normativo previsto para as provas ilegais, artigo 157
do Código de Processo Penal163.
Por fim, embora exista liberdade probatória e mesmo sendo livre o convencimento do
magistrado, há que angariar outros elementos de provas acerca da autoria, não podendo a
condenação ser pautada exclusivamente no reconhecimento pessoal, para que não haja
supervalorização da prova, como observa Machado164.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo das técnicas de reconhecimento pessoal empregadas no Brasil e o complexo


funcionamento da memória e da possibilidade de falsas lembranças alerta-nos para a fragilidade
do reconhecimento pessoal como meio de prova. Nessa linha, com base na breve análise legal
e científica realizada nos tópicos anteriores, podemos reparar que o caso inicialmente trazido a
estudo foi permeado por diversas inconstitucionalidades/ilegalidades.
Princípios e garantias fundamentais como o devido processo legal, a garantia da
jurisdição, a violação de produção de provas contra a vontade do suspeito e a sua presunção de
inocência não foram minimamente observados, resultando em sua prisão cautelar, submissão a
processo penal e gerando a sua estigmatização. Verificou-se através do study case que o
reconhecimento pessoal foi sugestionado, tendo resultado em indução de reconhecimento.
Oportuno destacar, também, como ocorreu no caso abordado, que a apresentação de um
único indivíduo (técnica de show-up), sem a observância das diretrizes normativas
estabelecidas, como, por exemplo, a descrição do criminoso antes de a vítima/testemunha ser
submetida ao procedimento de reconhecimento, somados a um ambiente influenciável, como é
o caso do local do crime, e estando o suspeito algemado ao lado de policiais, gera a sugestão
que seria o conduzido o autor do delito.
Ademais, uma identificação realizada logo após um evento criminoso, com toda a carga
emocional inerente a situação vivida e suscetível a toda influência externa provocada por

162
NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.
117.
163
Art. 157, do CPP: São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
164
MACHADO, Leonardo Marcondes. O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais. Revista
Consultor Jurídico, [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jul-16/academia-policia-
reconhecimento-pessoas-fonte-injusticas-criminais Acesso em: 28 abr. 2020.
26

populares e testemunhas insatisfeitos com a violência, são fatores a proporcionar um ambiente


fértil para o surgimento de falsas memorias, tanto sugeridas como espontâneas.
Lembrando-se que as falsas memórias não se tratam de mentiras ou de uma acusação
leviana, mas sim um funcionamento normal da memória, da aceitação inconsciente da falsa
informação externa, as quais podem ser tão ricas em detalhes e expressadas com tanta confiança
como a de uma memória verdadeira.
Assim, verificou-se a fragilidade do nosso sistema penal, em especial no cumprimento do
ato de reconhecimento pessoal, importante meio probatório, contudo, extremamente vulnerável,
terreno propício para as falsas memórias, produzindo reconhecimentos errôneos.
Nesse sentido, parece de fundamental importância que o reconhecimento seja realizado
com seriedade e em estrita observância dos requisitos legais, adotando-se medidas capazes de
reduzir a ocorrência de reconhecimentos incorretos. Com efeito, o procedimento precisa ser
executado em local apropriado, diverso daquele onde os fatos ocorreram. Dever, também, ser
implementada e valorizada a prévia descrição do imputado pela testemunha/vítima. Para o ato,
imprescindível a utilização da técnica por alinhamento, sequencial ou simultâneo, com
participantes de características parecidas a do suspeito e em número de pessoas não inferior a
cinco. Ainda, necessária seja realizada a condução do ato “às cegas” e advertindo-se o
reconhecedor que o suspeito pode ou não estar presente. Por fim, o ato precisa ser realizado
com uma testemunha/vítima de cada vez, com a presença da acusação e defesa.
Cabe referir, outrossim, que o valor dado para este meio de prova deve ser repensado,
visto que o resultado desta identificação, independente do momento do processo que é
realizada, tem implicações diretas na condução da persecução penal, no deslinde do processo
criminal e na vida do imputado.
Sob tais perspectivas, vislumbra-se a necessidade de que ao reconhecimento pessoal seja
dispensado rigoroso tratamento, à luz das diretrizes normativas, bem como seja estudado em
consonância com a ciência da memória e das falsas memórias, pois, quando mal conduzido,
resulta não em mera irregularidade, mas sim em verdadeira injustiça. A observância dos
requisitos estabelecidos forma condições mínimas de credibilidade deste meio de prova.

REFERÊNCIAS

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Falsas Memórias da testemunha e seu possível impacto carcerário. Revista Síntese Direito
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BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 18
mar. 2020.
27

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28

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v.
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TOMÉ LOPES, Mariângela. O Reconhecimento como Meio de Prova. Necessidade de


Reformulação do Direito Brasileiro. 2011. 209 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento Pessoal: Procedimento Penal e Aportes


Psicológicos. 2020. 321 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Escola de Direito, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.

ZUCCHETTI FILHO, Pedro. Reconhecimento de Pessoas: Ponderações Acerca do Artigo 226


do Código de Processo Penal e do Reconhecimento Fotográfico. In: GIACOMOLLI, Nereu
José; AZAMBUJA AMARAL, Maria Eduarda; SILVEIRA, Karine Darós (orgs.). Processo
Penal Contemporâneo em Debate. Porto Alegre: Boutique Jurídica, 2019, v. 4.
ANEXO 2

2
16/04/2021 ConJur - A prova de reconhecimento de pessoas não será mais a mesma

LIMITE PENAL

A prova de reconhecimento de pessoas não será


mais a mesma
30 de outubro de 2020, 8h46

Por Janaina Matida, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Alexandre Morais da


Rosa, Marcella Mascarenhas Nardelli, Aury Lopes Jr. e Rachel Herdy

“De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais
acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento formal
de pessoas; não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de mera
recomendação do legislador, o que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros
judiciários e, consequentemente, de graves injustiças”. (HC n. 598.886-SC, Rel. Ministro
Rogério Schietti, 6a T. 27/10/2020)

“A teor dos julgados desta Corte Superior, não é obrigatória a repetição das
formalidades do art. 226 do CPP em Juízo, na conformação do reconhecimento de
pessoas realizado na fase inquisitorial. Prevalece o entendimento de que as formalidades
configuram mera recomendação e podem ser realizadas de forma diversa desde que não
comprometida a finalidade da prova” (ArRg, no AREsp n. 1.175.175/AM, Rel. Ministro
Rogério Schietti Cruz, 6a. T. 15/12/2017)

Pouco menos de três anos separam as duas decisões trazidas em epígrafe. Por ocasião do
julgamento do HC n. 598.886-SC, na última terça-feira, a sexta turma do Superior Tribunal de
Justiça (a partir de agora, STJ) decidiu conferir nova interpretação ao art. 226 do CPP. O
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16/04/2021 ConJur - A prova de reconhecimento de pessoas não será mais a mesma

cumprimento das formalidades para se realizar o ato de reconhecimento, que até então era
compreendido como mera recomendação, finalmente teve confirmado seu status de condição
necessária, ainda que não suficiente, para que um reconhecimento possa contar como prova:
necessária porque sem as formalidades não se pode, sequer de longe, confiar em seu resultado;
insuficiente porque, mesmo quando observadas todas as formalidades, não se pode perder de
vista a falibilidade que acomete a memória humana em seu regular funcionamento. Sendo o
reconhecimento uma prova dependente da memória, impõe-se análise sempre crítica e realista
acerca de suas inerentes limitações. A decisão, de relatoria do Min. Rogerio Schietti, é divisora
de águas na proteção de inocentes bem como do direito de defesa, por algumas razões que
apontaremos neste artigo. Antes delas, no entanto, cabe dizer algo sobre o caso cujo exame
oportunizou este mais que bem-vindo ajuste interpretativo.

Ao caso, então. Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública de Santa
Catarina em favor de dois pacientes, ambos com condenação em primeira instância por
suposta prática de roubo (art. 157, § 2o, II, do CP) mantida pelo Tribunal de Justiça daquele
estado. A condenação se fundamentou única e exclusivamente na definição da autoria dos réus
I e V por meio do reconhecimento realizado em sede policial. Sem observância das
formalidades do art. 226 do CPP, exibiu-se a fotografia dos pacientes às vítimas que, por sua
vez, ainda que os reconhecendo, não deixaram de mencionar circunstâncias importantes:

i) que os dois assaltantes estavam “de capuz”, “com a cara coberta”, “encapuzados”;

ii) que um dos assaltantes mediria cerca de 1,70m;

E, finalmente, de acordo com reconstrução da narrativa das vítimas feita pelo próprio Juiz
sentenciante,

iii) que “as vítimas foram abordadas e surpreendidas dentro do restaurante enquanto jantavam,
sendo ameaçadas para que não olhassem para os acusados”.

O efeito da visão de túnel1 assegurou que nem mesmo a gritante diferença de estatura — de
1,70m mencionado pelas vítimas e testemunhas a 1,95m do paciente — foi bastante para,
racionalmente, assentar o erro daquela condenação.

Ao contrário, a combinação de múltiplas variáveis debilitadoras da memória só revela a


manifesta falta de justificação da condenação: como amplamente já indicado em estudos da
psicologia do testemunho, o alto grau de estresse, o uso de disfarces (capuz), a exibição de
fotos de modo sugestivo (como o álbum de fotos inerentemente é), a falta de instruções do
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16/04/2021 ConJur - A prova de reconhecimento de pessoas não será mais a mesma

responsável pelo reconhecimento à vítima testemunha (no sentido de que é possível que o
culpado não esteja presente no reconhecimento) reduzem a pó a fiabilidade do reconhecimento
realizado. Felizmente, o convalidado até então, foi recebido criticamente pela sexta turma do
STJ:

“O primeiro paciente foi reconhecido por fotografia, sem nenhuma observância do


procedimento legal, e não houve nenhuma prova produzida em seu desfavor. Ademais, as
falhas e inconsistências do suposto reconhecimento — sua altura é de 1,95m e todos disseram
que ele teria por volta de 1,70m; estavam os assaltantes de rosto parcialmente coberto; nada
relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou
como teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo ‒ ficam mais
evidentes com as declarações das três vítimas em juízo, ao negarem a possibilidade de
reconhecimento do acusado. Sob tais condições, o ato de reconhecimento do primeiro paciente
deve ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente absolvição, ante a inexistência,
como se deflui da sentença, de qualquer outra prova independente e idônea a formar o
convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado”.

Ou seja: não basta repetir como “mantra” que os réus foram reconhecidos pelas vítimas e
testemunhas; é preciso se perguntar em que condições o reconhecimento se deu. Exatamente
esse o passo decisivo que foi dado no julgamento do writ.

A partir de agora, destacaremos três pilares desenvolvidos na decisão que, por sua vez, servem
a assegurar ao nosso sistema de justiça contornos mais atrativos no que toca à redução do risco
de se condenar inocentes.

1. Argumento da ciência
A decisão se constrói a partir de fartas referências aos estudos do que ali nomeou-se de
“psicologia moderna”. Pesquisas oriundas da psicologia do testemunho foram amplamente
consultadas de modo a dar conta de importantes aspectos da memória humana. Na decisão, a
falibilidade da memória é compreendida como ponto central para a análise do que se discutiu
em sede de habeas corpus. Considerando o caso em questão, a decisão aborda o risco de
formação de falsas memórias, posto que se trata de matéria flexível, maleável, degradável.
“Memory malleability: constructivist and fuzzy-trace explanations” (Loftus), “Make believe
memories” (Loftus), “Creating false memories” (Loftus), “Criando falsas memórias em
adultos por meio de palavras associadas” (Stein; Pergher) são apenas alguns dos artigos
citados para prover tratamento adequado a uma das principais matérias-primas do processo
penal: a memória. Acertadamente, dado que ela não funciona como uma máquina fotográfica
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16/04/2021 ConJur - A prova de reconhecimento de pessoas não será mais a mesma

(algo que já ressaltado pelos autores desta coluna, em outros escritos)2. A descoberta da
memória como ela é, em contraste a como gostaríamos que ela fosse (mas não é), impõe
mudança de tratamento jurídico quanto ao que dela se pode esperar.

A atenção ao risco de relatos confiantes porém falsos, bem como com a sugestionabilidade que
a repetição do procedimento apresenta são, sem dúvidas, pontos fortes da argumentação
desenvolvida. Por representativa de justificada atitude de deferência epistêmica aos
especialistas das áreas que efetivamente dedicam-se ao estudo da memória, reproduzimos um
trecho, relativo aos nocivos efeitos da repetição do reconhecimento:

“Neste contexto, vale mencionar a interessante conclusão de pesquisa realizada nos Estados
Unidos, conduzida pelo professor Brandon Garret, a qual apontou que a repetição de
procedimentos de identificação não confere maior grau de confiabilidade a um
reconhecimento. Há, no entanto, correlação entre a quantidade de vezes que uma
testemunha/vítima é solicitada a reconhecer uma mesma pessoa e a produção de uma resposta
positiva. Em amostra com 161 condenações de inocentes revertidas após a realização de
exame de DNA, 57% dos casos contaram com mais de um procedimento de identificação: a
testemunha admitiu em juízo que, inicialmente, não tinha certeza quanto à autoria do delito e
que passou a reconhecer o acusado somente depois do primeiro reconhecimento (Innocence
Project Brasil. Prova de reconhecimento e erro judiciário. São Paulo, 1ed., jun. 2020, p. 13).3”

Na sequência, são citadas as pesquisas de Steblay e Dysart, e, finalmente Arocena; todas


corroborando a necessidade de se olhar com cautela à repetição do reconhecimento. Passagens
como essa, recheadas de dados empíricos e estudos realizados por profissionais cujas
credenciais são reconhecidas por seus pares, compuseram a estratégia argumentativa da
presente decisão. É da ciência que se conclui urgência de mudança das práticas e efeitos
conferidos à prova de reconhecimento em nosso sistema de justiça.

2. Argumento da forma
Além da devida referência à ciência, a decisão reforça a necessidade de se respeitar a forma.
Como amplamente dito por aqui, forma é garantia. Se o nosso sistema jurídico oferece o art.
226 do CPP, sua observância é condição necessária a todo e qualquer reconhecimento a que se
pretenda efeitos jurídicos. Recuperando a distinção de Nuvolone, entre provas ilícitas e provas
ilegítimas, o Min. Relator explica que o destino das provas produzidas com violação a normas
procedimentais só pode ser o da nulidade. Aplicando ao reconhecimento do caso em tela, a
decisão do STJ faz notar que, no caso concreto, inobservância dos procedimentos previstos em

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16/04/2021 ConJur - A prova de reconhecimento de pessoas não será mais a mesma

lei faz com que o reconhecimento formal do primeiro paciente seja nulo e, dessa feita,
imprestável a amparar juízo de condenação.

A continuação, a menção a casos emblemáticos de erros judiciários na decisão expressa a


sensibilidade da sexta turma diante da debilidade probatória dos reconhecimentos
irregularmente produzidos. Outra vez, correta a postura, pois não há mesmo como se confiar
em resultados obtidos com desprezo a etapas imprescindíveis à minimização do risco de que
um inocente seja selecionado. Vale o alerta de que a correção dos métodos de investigação
guarda sintonia com a própria ideia de preservação de garantias de todo e qualquer acusado.

Sobre a específica importância de se observar as formalidades do 226 do CPP, o voto defende


urgência em se adotar nova interpretação. Após citar julgados passados em que se fizera
presente o tal caráter de “mera recomendação” (de cumprimento das formalidades), a relatoria
se posiciona de maneira corajosa:

“(...) Proponho que sejamos capazes de rever essa interpretação, mercê da qual se
convalida, de algum modo, o reconhecimento ‒ tanto pessoal quanto fotográfico ‒ feito
em desacordo com o modelo legal, ainda que sem valor probante pleno, e que pode estar
dando lastro a condenações temerárias. Em verdade, o entendimento que se tem
sufragado é o de que, havendo alguma prova que ‘dê validade’ ao reconhecimento
irregularmente produzido na fase inquisitorial, este meio de prova acaba por compor o
conjunto de provas a ser avaliada pelo juiz ao sentenciar. O problema de tal interpretação
é que, não sendo raro, a vítima confirmar em juízo reconhecimento irregular, esse meio de
prova assume importância ímpar no destino do acusado, porque ‘amparado’ por mera
ratificação em juízo de algo que foge dos mínimos standards ou padrões epistemológicos
para ser válido’”.

Em síntese, coloca-se sobre a mesa os deletérios efeitos da pressa em se imputar autoria;


quando as regras do jogo são manipuladas e, com isso as chances de falsos positivos são
incrementadas. Neste ponto, por um lado, a decisão apresenta rechaço ao entendimento
anterior que desconsiderava formalidades constantes no art. 226; por outro, um aceno à
necessidade de que os diversos operadores jurídicos comprometam-se com adequada
capacitação; tudo com vistas à produção de elementos informativos/probatórias cujos
resultados sejam, enfim, epistemicamente confiáveis.

3. Argumento institucional
Finalmente, ao lado do destaque às contribuições da ciência e do respeito à forma prevista,

https://www.conjur.com.br/2020-out-30/limite-penal-prova-reconhecimento-pessoas-nao-mesma?imprimir=1 5/7
16/04/2021 ConJur - A prova de reconhecimento de pessoas não será mais a mesma

importa realçar o alerta do Relator claramente direcionado às instituições encarregadas da


persecução penal no sentido de assumirem responsabilidade pela regularidade dos atos de
investigação praticados e, com isso, tornarem efetivos os dois eixos anteriores. Em outras
palavras, incumbe a esses atores — “desde o policial que atua no flagrante até os membros das
mais altas cortes do Poder Judiciário” — a apropriação de técnicas pautadas nos avanços
científicos e o zelo quanto à observância e emprego das formas adequadas de realização dos
reconhecimentos para que o ato deixe de protagonizar as estatísticas de condenação de
inocentes.

Afinal, como bem afirmado, “De nada, porém, servirá esta decisão se continuarem os órgãos
de persecução penal — e o próprio Poder Judiciário — a coonestarem essa prática
investigatória dissociada do modelo legal e constitucional de um processo penal minimamente
ético em seu proceder e cientificamente exercitado por seus protagonistas.”

Fica claro, portanto, que os destinatários do preceito são os órgãos públicos e eles, todos eles,
devem preservar a higidez do preceito. Quanto aos julgadores, importa ainda salientar, a
função decisiva de advertir — na motivação de suas decisões absolutórias — que tal
providência é a solução impositiva sempre e quando os procedimentos de reconhecimento não
respeitarem as condições adequadas, sinalizando que os agentes não lograram observar suas
respectivas obrigações legais. Nestas situações, há que se sublinhar que foi a displicência
quanto à forma o que acabou por evitar a legítima determinação de culpa. A cooperação
institucional com vistas à produção de reconhecimentos confiáveis representa um novo rumo
ao nosso sistema de justiça: a prova de reconhecimento de pessoas, felizmente, não será mais
a mesma.

Os subscritores da Limite Penal celebram todos os pesquisadores, professores, operadores


jurídicos e instituições que, de algum modo, centram seus esforços na luta pelo direito de
defesa e, de modo especial, dedicam-se às debilidades do reconhecimento de pessoas.

1 Findley, Keith; Scott, Michael. “The Multiple Dimensions of Tunnel Vision in Criminal
Cases”. Wisconsin Law Review. n. 1023, pp. 291-393, jun/2006.

2Matida, Janaina. “O reconhecimento de pessoas não pode ser porta aberta à seletividade
penal”, Limite Penal, Conjur. Acesso por: https://www.conjur.com.br/2020-set-18/limite-
penal-reconhecimento-pessoas-nao-porta-aberta-seletividade-penal; Lopes Jr., Aury; Morais
da Rosa, Alexandre. “Memória não é Polaroid: precisamos falar sobre reconhecimentos
https://www.conjur.com.br/2020-out-30/limite-penal-prova-reconhecimento-pessoas-nao-mesma?imprimir=1 6/7
16/04/2021 ConJur - A prova de reconhecimento de pessoas não será mais a mesma

criminais”. Limite Penal, Conjur. Acesso por: https://www.conjur.com.br/2014-nov-07/limite-


penal-memoria-nao-polarid-precisamos-falar-reconhecimentos-criminais; Matida, Janaina;
Nardelli, Mascarenhas Nardelli e Herdy, Rachel. “No processo penal, a verdade dos fatos é
garantia”. Limite Penal, Conjur. Acesso por: https://www.conjur.com.br/2020-jun-19/limite-
penal-processo-penal-verdade-fatos-garantia.

Janaina Matida é professora de direito probatório da Universidad Alberto Hurtado (Chile),


doutora em Direito pela Universitat de Girona (Espanha) e presta consultoria jurídica na
temática da prova penal.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho é advogado e professor titular de Processual Penal na


Universidade Federal do Paraná (UFPR), da pós-graduação em Ciências Criminais da PUCRS
e do mestrado em Direito da Faculdade Damas. Doutor em Direito Penal e Criminologia pela
Università degli Studi di Roma, mestre em Direito pela UFPR e especialista em Filosofia do
Direito pela PUCPR. Membro da Rede de Direito Público Brasil-Itália-Espanha
(REDBRITES) e pesquisador e presidente de honra do Observatório da Mentalidade
Inquisitória.

Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e professor de Processo Penal na Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) e na Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

Marcella Mascarenhas Nardelli é doutora em Direito Processual pela Uerj e professora de


Direito Processual Penal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Aury Lopes Jr. é advogado, doutor em Direito Processual Penal e professor titular da PUCRS.

Rachel Herdy é professora de teoria do Direito na UFRJ; doutora em sociologia pelo Instituto
de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj) e co-
líder do Grupo de Pesquisa Epistemologia Aplicada aos Tribunais (Great).

Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2020, 8h46

https://www.conjur.com.br/2020-out-30/limite-penal-prova-reconhecimento-pessoas-nao-mesma?imprimir=1 7/7
ANEXO 3

3
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMARCA DE SÃO GONÇALO

PLANTÃO JUDICIÁRIO DIURNO

DECISÃO

Processo nº 0021082-75.2020.8.19.0004

Trata-se de requerimento de revogação de prisão preventiva formulado


por LUIZ CARLOS DA COSTA JUSTINO.

Ouvido o Ministério Público, manifestou-se sobre o mérito do


requerimento nos seguintes termos:

Trata-se de pedido de revogação de prisão


preventiva, formulado pela Defesa do acusado LUIZ
CARLOS DA COSTA JUSTINO.
Compulsando os autos, verifica-se que não assiste
razão a Defesa, pois subsistem os requisitos que
ensejaram a decretação da prisão cautelar, expostos de
forma minuciosa e fundamentada nos autos.
Trata-se de crime gravíssimo, praticado com o
emprego de arma de fogo, havendo nos autos fortes
indícios da participação do acusado na infração,
conforme declarações colhidas em sede policial.
Verifica-se que a prisão cautelar se mostra
imprescindível à instrução criminal, de forma a garantir

1
que as testemunhas possam vir a Juízo com tranquilidade
para relatar a verdade sobre os fatos.
É o relatório. Decido.

Preliminarmente, cumpre destacar que o requerimento encontra abrigo


no art. 3º da Resolução TJ/OE/RJ No 33/2014. Ademais, a Convenção
Americana de Direitos Humanos (CADH), em seu art. 7º, 5, determina que
toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida à presença de um juiz:

“5. Toda pessoa detida ou retida deve ser


conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra
autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e
tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou
a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o
processo. Sua liberdade pode ser condicionada a
garantias que assegurem o seu comparecimento em
juízo”.
De igual modo, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(PIDCP) dispõe:

“3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em


virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem
demora, à presença do juiz ou de outra autoridade
habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o
direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta
em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que
aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral,
mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que
assegurem o comparecimento da pessoa em questão à
audiência, a todos os atos do processo e, se necessário
for, para a execução da sentença”.
Em consulta aos sistemas disponíveis ao plantão, só há um
procedimento distribuído neste ano em nome do requerente, razão pela qual,
ao que tudo indica, não houve comunicação da prisão, tampouco apreciação
por outro juízo de plantão ou ordinário.

2
É certo também que toda prisão (em flagrante ou preventiva), quando
efetivada, deve ser levada ao conhecimento da autoridade judiciária.

Nota-se que se está não só diante de um fim de semana, como também


de um feriado prolongado de 07 de setembro, de modo que uma prisão que, à
luz da legislação supra deve ser analisada “sem demora”, o que ficou definido
pelo STF, CNJ e Doutrina, como em 24 horas, não pode ser arrastada sem
exame até retorno do funcionamento ordinário da Justiça sem, com isso, se
colocar em risco direitos fundamentais, destacadamente em um quadro de
pandemia.

Por tal razão, é possível, como fez o Parquet, passar a examinar o


mérito.

No mérito

Trata-se de prisão decretada em novembro de 2017, ou seja, há quase


03 anos, sendo que o réu nunca foi citado, aduzindo a defesa que, embora
com endereço certo, não o encontraram por fazerem busca em endereço
diverso ou por não ter o OJA ultimado diligência ao argumento de que se
tratava de local de difícil acesso, razão pela qual, acabou por ser decretada sua

3
prisão preventiva.

Aduz que foi preso com seus instrumentos musicais, comprovando


sobejamente tratar-se de músico, violoncelista, que atua intensamente no
Município de Niterói (documento 0000007).

Há nos autos prova de residência, atividade laboral lícita, boas


referências, qualificado como um músico de destaque na comunidade
niteroiense, com FAC sem qualquer anotação.

Por outro lado, os elementos de investigação são frágeis para permitir a


prisão de um jovem com tantos lastros positivos em sua biografia processual
trazida ao processo, senão vejamos:

1. Primeiramente trata-se de mandado de prisão antigo, não


existindo contemporaneidade da prisão.
Como se nota às fls. 40, o mandado de prisão é de novembro de 2017,
de modo que após tanto tempo sem qualquer ocorrência envolvendo o réu e
sendo possível que sua não localização tenha decorrido de inoperância do
próprio Estado, tudo isso faz desaparecer o quesito de contemporaneidade
exigível por legislação superveniente ao decreto e que se aplica ao caso, vale
transcrever:

CPP - Art. 312 - § 2º A decisão que decretar a prisão


preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de
perigo e existência concreta de fatos novos ou
contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida
adotada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
De igual modo, só pode ser mantida diante dos mesmos requisitos.

2. Os elementos que indiciam a autoria estão exclusivamente


fundados em reconhecimento fotográfico em sede policial.
No caso em tela, não houve prisão em flagrante e trata-se de autoria

4
indicada por reconhecimento fotográfico. Sendo assim, há que se ter maior
rigor nestes casos para manter uma prisão. Neste sentido, vale colacionar a
decisão do Min. Alexandre de Moraes no HC 172606:

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de medida


liminar, impetrado contra acórdão da Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferido no julgamento
do AgRg no HC 501.913/SP, Rel. Min. REYNALDO
SOARES DA FONSECA. (...) Alegando nulidade do
acórdão, por considerar que a condenação está lastreada
apenas no reconhecimento fotográfico realizado em sede
policial (...) Na espécie, o controverso reconhecimento
fotográfico realizado durante a investigação policial seguiu
procedimento pouco ortodoxo (...) Diante do exposto, com
base no art. 192, caput, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, CONCEDO A ORDEM DE HABEAS
CORPUS para ABSOLVER o paciente, determinando a
imediata soltura, com extensão dos efeitos da decisão aos
demais corréus na ação penal de origem, ante a identidade
de situações jurídicas (art. 580 do CPP) STF - HC 172606 -
Min. Alexandre de Moraes.
Em termos doutrinários, o reconhecimento fotográfico é colocado em
causa em função de sua grande possibilidade de erro.

A psicologia aplicada tem se empenhado em investigar fatores


psicológicos que comprometem a produção da memória. Neste ramo,
encontramos contribuições que dissecam as variáveis que podem interferir na
precisão (accuracy) da memória. Nesta quadra, a doutrina indica as chamadas
variáveis estimadoras (estimator variables), ou seja, variáveis que estão sob o
controle do sistema de justiça e que se referem ao evento observado, bem
como à pessoa do observador/participante. Indicam-se também as variáveis

5
que estão sob o controle do próprio sistema de justiça, as variáveis sistêmicas
(systemic variables)1.

No que tange às variáveis estimadoras relativas ao evento, são


considerados fatores como: a) Tempo de exposição, b) Distância e iluminação;
c) Presença de arma; d) Disfarce (bonés, máscaras, etc); e e) Transcurso
temporal. Todos estes aspectos são de suma importância, considerando a
dinâmica do fato ora examinado.

Toda essa fragilidade se amplifica quando colocada em sede policial,


sem contraditório e com mecanismos pouco ortodoxos, como destacou o
Ministro no voto acima referido.

São muitas as objeções que se pode fazer ao reconhecimento


fotográfico. Primeiro, porque não há previsão legal acerca da sua existência, o
que violaria o princípio da legalidade. Segundo, porque, na maior parte das
vezes, o reconhecimento fotográfico é feito na delegacia, sem que sejam
acostadas ao procedimento “as supostas fotos utilizadas” no catálogo, nem
informado se houve comparação com outras imagens, tampouco informação
sobre como as fotografias do indiciado foram parar no catálogo, o que viola a
ideia de cadeia de custódia da prova. Desse modo, não é possível saber se o
autor do “reconhecimento” indicou o indivíduo reconhecido, confirmou uma
opinião de terceiros, ou, até mesmo, se existiram dúvidas se o autor da
conduta criminosa seria a pessoa da fotografia. Por fim, a falta de participação
do indiciado é algo que empobrece o ato sobremaneira2.

1 MATIDA, Janaína. STANDARDS DE PROVA: A MODÉSTIA NECESSÁRIA A JUÍZES E O


ABANDONO DA PROVA POR CONVICÇÃO. In: Arquivos da resistência: Ensaios e anais do VII
Seminário Nacional do IBADPP. Florianópolis, Tirant, 2019, p. 103.
2 BRITO, Gustavo Ribeiro Gomes. A fragilidade do reconhecimento fotográfico. Boletim Revista do Instituto Baiano

de Direito Processual Penal. Ano 2 - Nº 4, p. 25.

6
Precisamente sobre o caso, causa perplexidade como a foto de alguém
primário, de bons antecedentes, sem qualquer passagem policial vai integrar
álbuns de fotografias em sede policial como suspeito. Nota-se que às fls. 46
(docs 0000044) consta “após analisar o álbum de fotografia de suspeitos”.

3. Da cadeia de custódia
Da análise dos termos de declarações (0000029) e do relatório do
inquérito (0000044) às fls. 46, percebe-se que no mesmo dia a vítima registrou
o fato e já lhe foi apresentado um álbum de suspeitos. Se este álbum não foi
constituído de uma prévia investigação sobre os fatos, o que levou a supor
que certos indivíduos possam ter participado do crime, este álbum de
suspeitos só pode significar na acepção do Dicionário Aurélio, um álbum de
pessoas “que inspiram desconfiança”.

Indaga-se: por que um jovem negro, violoncelista, que nunca teve


passagem pela polícia, inspiraria “desconfiança” para constar em um álbum?
Como essa foto foi parar no procedimento? Responder a esta pergunta
significa atender a um reclamo legal chamado “cadeia de custódia da prova”.
Dispõe o CPP:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o


conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter
e documentar a história cronológica do vestígio coletado
em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e
manuseio a partir de seu reconhecimento até o
descarte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a
preservação do local de crime ou com procedimentos
policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de
vestígio.
Com efeito, se de um lado temos um jovem violoncelista, sem
antecedentes, com amplos registros laborais, com formação em Música por
anos, sendo dotado de sofisticados conhecimentos decorrentes de sua

7
formação musical, como domínio sobre leitura de partituras, músicas eruditas
e técnicas de solfejar; que é bem quisto pela comunidade, tudo conforme
documentos; e, de outro lado, temos um relatório policial que não explica
como sua foto constou do álbum sem que houvesse uma investigação prévia,
esta incongruência fragiliza a utilização do reconhecimento para sustentar uma
prisão cautelar, vez que não há documentação da cadeia de custódia da prova.

Em resumo, um suspeito sem investigação prévia, que já é apresentado


em um álbum no ato do registro da ocorrência, é um suspeito que precede o
próprio fato. É uma espécie de suspeito natural.

4. Ao tempo do decreto de prisão (2017) os requisitos da


preventiva não eram tão rigorosos, como são a partir de
2019, devendo a mesma ser reavaliada à luz dos novos
elementos normativos advindos com o Pacote Anticrime.
A nova redação do art. 312 dispõe da seguinte forma:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada


como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do
crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo
estado de liberdade do imputado.
Saliente-se que a liberdade do acusado ao longo desses dois anos não
gerou qualquer problema para a sociedade, pois não responde a qualquer
outro crime, sendo que a única organização de que se tem notícia a que o
mesmo pertence é uma organização musical. Ao que parece, ao invés de gerar
perigo, nesses 03 anos, vem promovendo arte, música e cultura.

Ademais, a nova regência da prisão à luz do CPP exige que:

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser


motivada e fundamentada em receio de perigo e existência
concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a
aplicação da medida adotada. (Incluído pela Lei nº 13.964,
8
de 2019)
§ 2º Não será admitida a decretação da prisão
preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento
de pena ou como decorrência imediata de investigação
criminal ou da apresentação ou recebimento de
denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a
prisão preventiva será sempre motivada e
fundamentada. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva
ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar
concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos
que justifiquem a aplicação da medida adotada. (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão,
que: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de
ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a
questão decidida; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem
explicar o motivo concreto de sua incidência no
caso; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III - invocar motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão; (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019)
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no
processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada
pelo julgador; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de
súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VI - deixar de seguir enunciado de súmula,
jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento
ou a superação do entendimento. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)
Com tantas novidades e exigências legais, é praticamente impossível
vislumbrar motivos para se manter hígido um decreto de 2017, que, à época,
fundou-se exclusivamente em um reconhecimento fotográfico, com o fim de

9
encarcerar muito tempo depois alguém com tantas credenciais.

5. Da Covid-19
Soma-se a tudo o fato de que em meio a uma pandemia, com
recomendações do CNJ para especial cuidado com medidas privativas de
liberdade, não é prudente, à luz de elementos tão frágeis e não
contemporâneos, manter um jovem, trabalhador, encarcerado, podendo se
contaminar ou contaminar outros presos.

Com efeito, diante de inquérito e prisão, lastreados apenas no


reconhecimento fotográfico, associado à pandemia do COVID-19, impõe-se
revogar a segregação cautelar, pois uma pessoa presumidamente inocente,
tendo à frente uma epidemia planetária que coloca sua vida em enorme risco,
destacadamente os que se encontram em local sem menor condição de
higiene, não pode continuar em tal situação em observância às diretrizes do
CNJ, dos comandos constitucionais e da regência atual do CPP.

Neste sentido estão atuando os tribunais:

TRF – 3ª Região - HABEAS CORPUS (307) Nº 5006442-


71.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
Num momento tão difícil, em que os prognósticos sobre a
evolução da epidemia são incertos, e diante do inusitado da
situação, é louvável que o E. Conselho Nacional de Justiça
tenha rapidamente expedido a Recomendação em tela, como
forma de auxiliar os juízes na sua difícil missão. ANTE O
EXPOSTO, DEFIRO a liminar para colocar o paciente em
prisão domiciliar, devendo a Defesa comprovar perante o
Juízo de primeiro grau o endereço em que o réu cumprirá a
medida e poderá ser localizado.
Comunique-se a autoridade impetrada para cumprimento
imediato, solicitando-lhe igualmente que preste as informações
legais.

10
Isto posto, REVOGO A PRISÃO PREVENTIVA DE LUIZ
CARLOS DA COSTA JUSTINO.

Expeça-se alvará de soltura e lavre-se o termo de comparecimento com


observância à Recomendação nº 62 do CNJ (início do cumprimento após o
restabelecimento normal do serviço).

Intime-se o Ministério Público.

São Gonçalo, 05 de setembro de 2020.

ANDRÉ LUIZ NICOLITT


Juiz de Direito

11
ANEXO 4

4
CURITIBA 2020
Centro de Apoio Operacional das Promotorias
Criminais, do Júri e de Execuções Penais

ESTUDO DE CASO
O reconhecimento de pessoas e a observância ao
procedimento descrito no artigo 226 do
Código de Processo Penal
COORDENAÇÃO-GERAL

Cláudio Rubino Zuan Esteves | Procurador de Justiça/MPPR

AUTORES E COLABORADORES*

Gustavo Eloi Razera | Promotor de Justiça/MPPR


Juliano Fontanella da Silva | Assessor de Promotor
Thaís Cristal Bressan | Estagiária de Pós-graduação

Alexey Choi Caruncho | Promotor de Justiça/MPPR


Ricardo Casseb Lois | Promotor de Justiça/MPPR
Donizete de Arruda Gordiano | Assessor de Procurador
Kenny Robert Lui Bettio | Assessor de Promotor

ARTE E DIAGRAMAÇÃO

Ana Paula Moreira | Assessora de Promotor

Ministério Público do Estado do Paraná. Estudo de Caso: O reconhecimento de pessoas


e a observância ao procedimento descrito no artigo 226 do Código de Processo Penal.
18 de dezembro de 2020. Curitiba, Paraná.

1. Direito. 2. Ministério Público do Estado do Paraná. 3. Processo Penal.

* Este estudo foi elaborado pela equipe da 1ª Promotoria de Justiça de Capanema/PR, tendo contado com a
contribuição dos Promotores de Justiça e Assessores do CAOPCrim para fins de sua publicação
institucional.
SUMÁRIO

ESTUDO DE CASO...............................................................................................................2

1. O CASO.....................................................................................................................2

2. PANORAMA DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL............................................4

3. POSIÇÃO ADOTADA PELA 6ª TURMA DO STJ NO HC Nº 598.886/SC: É

POSSÍVEL REFERIR A UMA PRETENSA VIRAGEM JURISPRUDENCIAL?...........7

4. PRIMEIRO NÍVEL DE REFLEXÕES SUGERIDO PELO JULGADO: A

NECESSÁRIA CAUTELA NA OBSERVÂNCIA DE UM PROCEDIMENTO

ADEQUADO..................................................................................................................9

5. SEGUNDO NÍVEL DE REFLEXÕES SUGERIDO PELO JULGADO: ATENÇÃO

ÀS PARTICULARIDADES DO CASO DECIDIDO E SEU VÍNCULO COM O LIVRE

CONVENCIMENTO JUDICIAL MOTIVADO...............................................................14

6. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS......................................................................24

1
ESTUDO DE CASO
O reconhecimento de pessoas e a observância ao procedimento
descrito no artigo 226 do Código de Processo Penal

“O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto


no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia
mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se
tratando, como se tem compreendido, de ‘mera recomendação’ do legislador. Em
verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e,
portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado,
em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si
mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada
obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal,
desde que observado o devido procedimento probatório” (destaque da ementa do
Habeas Corpus nº 598.886 – SC)

1. O CASO

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 27.10.2020, ao


julgar o Habeas Corpus nº 598.886/SC, sob a Relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz,
por votação unânime, concedeu a ordem para declarar nulo o reconhecimento de
pessoas realizado sem a observância do procedimento descrito no artigo 226 do Código
de Processo Penal e, em decorrência disso, absolver pessoa que havia sido condenada
pela prática do crime de roubo circunstanciado.

O habeas corpus foi impetrado pela Defensoria Pública do Estado de


Santa Catarina, alegando coação ilegal em acórdão proferido pelo Tribunal catarinense
que, no que ora interessa, teria mantido uma condenação sustentada, exclusivamente,
em reconhecimento fotográfico realizado pelas vítimas.

O histórico narra a prática de um roubo com emprego de arma de


fogo no interior de restaurante, tendo havido o posterior reconhecimento por uma das
vítimas em procedimento realizado na Delegacia de Polícia. Em juízo, a vítima afirmou
que confirmava o reconhecimento então realizado em sede extrajudicial, porém, em razão
do transcurso do tempo, já não teria condições de reconhecer novamente o assaltante.

O Ministro Schietti registrou em seu voto que:

2
“o reconhecimento se deu por meio fotográfico e não seguiu minimamente o
roteiro normativo previsto no Código de Processo Penal. Não houve prévia
descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras fotografias de
possíveis suspeitos; ao contrário, escolheu a autoridade policial fotos de um
suspeito que já cometera outros crimes, mas que absolutamente nada indicava,
até então, ter qualquer ligação com o roubo investigado”.

Com base nesses argumentos, concluiu que a sucessão de falhas


no procedimento implicava a invalidação completa do reconhecimento fotográfico que:

“deve ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente absolvição, ante a
inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova independente e
idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que
lhe foi imputado.”

O julgado é relevante e merece especial atenção por parte dos


operadores, pois pode representar mudança da jurisprudência até então amplamente
prevalecente nos Tribunais Superiores, no sentido de que o artigo 226 do Código
traduziria “mera recomendação” do legislador sobre o procedimento a ser adotado para o
reconhecimento de pessoas.

A relevância do julgado decorre, ainda, do fato de poder levar a


inúmeras declarações de nulidade, dando margem a que interpretações precipitadas
recaiam sobre casos nos quais o reconhecimento realizado pela vítima tenha figurado
como um dos poucos elementos probatórios existentes ao longo da persecução. E isto,
não raro, por força das circunstâncias em que certos crimes são praticados (v.g. delitos
sexuais).

3
2. PANORAMA DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL

O Código de Processo Penal dedica três sucintos artigos ao ato do


reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226, 227 e 228). Dispõe o art. 226 que o ato
deverá observar o seguinte fluxo:

i) a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a


descrever o indivíduo que deva ser reconhecido (art. 226, I);

ii) a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se


possível, ao lado de outras que com ela tiverem semelhança, convidando-se quem tiver
de fazer o reconhecimento a apontá-la (art. 226, II);

iii) se houver razão para recear que a pessoa chamada para


realizar o ato, por intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa
a ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela (art. 226, III);

iv) do ato de reconhecimento lavrar-se-á termo pormenorizado,


subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por
duas testemunhas presenciais (art. 226, IV).

Apesar das limitações normativas, sempre foi firme na jurisprudência


dos Tribunais Superiores que a não observância do procedimento descrito no artigo 226
não invalidaria o ato de reconhecimento, por se tratar de mera sugestão do legislador.
Ademais, sempre prevaleceu o entendimento de que o reconhecimento fotográfico
também seria um ato legítimo, sobretudo quando ratificado em juízo.1

A título exemplificativo e considerando apenas julgados recentes do


próprio Superior Tribunal de Justiça, merecem citação os seguintes extratos:

(…) 2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que "a inobservância


das formalidades legais para o reconhecimento pessoal do acusado não enseja
nulidade, por não se tratar de exigência, apenas recomendação, sendo válido o
ato quando realizado de forma diversa da prevista em lei, notadamente quando

1 Ambos aspectos fizeram parte, inclusive, do material de apoio disponibilizado pelo CAOPCriminal no 1º Encontro do
1º Ciclo das Oficinas para o desenvolvimento de protocolos de investigação do Ministério Público do Estado do
Paraná. Disponível em: Oficinas para o desenvolvimento de Protocolos de Investigação Ministério Público do
Estado do Paraná. Se, por um lado, as considerações sobre as consequências jurídicas da não observância do
procedimento descrito no artigo 226 confrontam com o julgado ora sob estudo, por outro, mostra-se atual e merece
revisitação o tópico do material que alude às recomendações da psicologia experimental para oitivas e
reconhecimentos (vide “4.5 Recomendações da psicologia experimental para realizar oitivas e reconhecimentos”, p.
129 - Oficinas para o desenvolvimento de Protocolos de Investigação Ministério Público do Estado do Paraná).

4
amparado em outros elementos de prova" (AgRg no AREsp n. 837.171/MA, relator
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe de 20/4/2016), como
ocorreu na hipótese dos autos. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp
1623978/MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA,
julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020).

(…) 6. Desse modo, nos termos do entendimento do Superior Tribunal de Justiça,


ainda que o reconhecimento do Réu na fase policial não tenha observado as
disposições contidas no art. 226 do Código de Processo Penal, se for
posteriormente ratificado pelas vítimas no curso da instrução judicial, não há falar
em absolvição do Réu em decorrência da suscitada nulidade do procedimento,
sendo plenamente válido para comprovar a autoria delitiva, especialmente quando
aliado às demais provas constantes dos autos, como na hipótese em epígrafe. 7.
Cumpre ressaltar, ainda, que "[a]s disposições contidas no art. 226 do Código de
Processo Penal se consubstanciam em recomendações legais, e não em
exigências, sendo válido o ato quando realizado de forma diversa da prevista em
lei" (AgRg no HC 394.357/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA
TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 04/02/2019.) 8. Agravo regimental
desprovido. (AgRg no HC 608.756/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA
TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 19/10/2020).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. ART. 18 DO
CPP. NOTÍCIAS DE NOVAS PROVAS. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO.
ART. 226 DO CPP. RECOMENDAÇÃO LEGAL. NULIDADE NÃO IDENTIFICADA.
PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. AGRAVO REGIMENTAL
NÃO PROVIDO. (…) 3. As diretrizes sobre o reconhecimento fotográfico,
dispostas no art. 226 do CPP, configuram uma recomendação legal, cuja
inobservância não acarreta, por si só, a declaração de sua nulidade (…) (AgRg no
AREsp 1648540/RO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 08/09/2020, DJe 21/09/2020).2

No campo doutrinário, tampouco o tema parece ganhar alguma


dissonância. Quiçá em virtude do até então consolidado entendimento jurisprudencial, a
maioria dos autores não parece reservar mais do que algumas linhas para tratar do tema.

Eugênio Pacelli, por exemplo, não vê nenhuma especialidade no


procedimento, embora reconheça que as formas de realização do reconhecimento
merecem diverso valor probatório3.
2 No mesmo sentido: (i) AgRg no AREsp n. 1.054.280/PE, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,
Sexta Turma, DJe de 13/6/2017; (ii) AgRg no HC 461.248/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA
TURMA, julgado em 4/12/2018, DJe 13/12/2018; (iii) EDcl no AgRg no AREsp 1238085/CE, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/3/2019, DJe 28/3/2019; (iv) AgRg no AREsp
1662901/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
05/05/2020, DJe 14/05/2020.
3 Não vemos, aqui, qualquer necessidade de mais explicações ou explicitações: trata-se de mero
procedimento, tendente à identificação de pessoas, de alguma maneira envolvidas no fato delituoso, e
de coisas, cuja prova da existência e individualização seja relevante para a apuração das
responsabilidades. (…) O reconhecimento fotográfico não poderá, jamais, ter o mesmo valor probatório
do reconhecimento de pessoa, tendo em vista as dificuldades notórias de correspondência entre uma
(fotografia) e outra (pessoa), devendo ser utilizado este procedimento somente em casos excepcionais,

5
Norberto Avena, por sua vez, embora reconheça que o ato é formal,
já que possui formalidade prevista em lei, não verifica invalidade no reconhecimento
quando não observado o procedimento previsto no artigo 226 do CPP, não vendo
ilegitimidade ainda no reconhecimento fotográfico4. Na mesma linha, Renato Brasileiro de
Lima aponta a admissibilidade do reconhecimento fotográfico 5.

Em sentido contrário, entretanto, advogando a nulidade do


reconhecimento de pessoas sem a estrita observância do procedimento previsto no CPP,
tem-se Aury Lopes Júnior6 e Gustavo Henrique Badaró, ambos citados no voto ora sob
análise.

quando puder servir como elemento de confirmação das demais provas. Há decisões na Suprema Corte
admitindo o reconhecimento fotográfico (RT nº 739/546). Já o reconhecimento de pessoa por meio de
fitas de vídeo deve merecer maior força de evidência probatória, diante da possibilidade concreta de
reconhecimento da imagem da pessoa, em posições diferentes, tudo a depender, porém, do caso
concreto. (PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 23. ed. – São Paulo: Atlas, 2019. p. 535-536).
4 E se não forem observadas as formalidades do art. 226 do CPP? Isto implica mera irregularidade, não
invalidando o ato, tampouco afetando seu poder de convencimento. E quanto ao reconhecimento por
meio de fotografia realizado na fase do inquérito? Trata-se de meio legítimo de prova, em especial se for
renovado de forma pessoal em juízo. E, ainda que não haja essa renovação judicial, nem assim poderá
ser considerado o reconhecimento fotográfico uma prova irregular. Entretanto, neste caso, terá seu valor
reduzido, podendo servir de elemento de convicção apenas quando confirmado por outras provas. Veja-
se que a legitimidade do reconhecimento efetuado por meio de fotografia na fase do inquérito policial, se
confirmado por outras provas, não apenas é capaz de justificar o recebimento da denúncia e da queixa,
como também de permitir a imposição de medidas cautelares restritivas, inclusive a prisão preventiva.
Poderá, ainda, nestas mesmas condições, contribuir para a formação do convencimento do juiz visando
à prolação de sentença condenatória (AVENA, Norberto. Processo Penal. 11. ed. – Rio de Janeiro:
Forense, São Paulo: Método, 2019. p. 1.026).
5 Por força do princípio da busca da verdade e da liberdade das provas, tem-se admitido a utilização do
reconhecimento fotográfico, observando-se, por analogia, o procedimento previsto no CPP para o
reconhecimento pessoal (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói, RJ: Impetus,
2013. p. 98).
6 Aury Lopes Júnior defende a inadmissibilidade do reconhecimento por fotografia: exemplo típico de
prova inadmissível é o reconhecimento do imputado por fotografia, utilizado, em muitos casos, quando o
réu se recusa a participar do reconhecimento pessoal, exercendo seu direito de silêncio (nemo tenetur
se detegere). O reconhecimento fotográfico somente pode ser utilizado como ato preparatório do
reconhecimento pessoal, nos termos do art. 226, inciso I, do CPP, nunca como um substitutivo àquele
ou como uma prova inominada (LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 16. ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2019. p. 600).

6
3. POSIÇÃO ADOTADA PELA 6ª TURMA DO STJ NO HC Nº
598.886/SC: É POSSÍVEL REFERIR A UMA PRETENSA VIRAGEM
JURISPRUDENCIAL?

“5. De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos
Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de
reconhecimento formal de pessoas; não se pode mais referendar a
jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador, o
que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e,
consequentemente, de graves injustiças.” (destaque da ementa do julgado em
estudo)

Rompendo com a posição jurisprudencial majoritária até então, a


Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Habeas Corpus n. 598.886,
entendeu que o procedimento previsto no artigo 226 do Código não configura mera
recomendação do legislador, mas rito de observância necessária, sob pena de invalidade
do ato.

Para chegar a essa conclusão, o Ministro Relator lançou mão de


ensinamentos da psicologia do testemunho, 7 notadamente acerca da falibilidade da
memória humana.8 É o que resta evidente ao analisar-se o teor do tópico IV (O
reconhecimento de pessoas e a memória humana) de seu voto.

Assim, utilizando dados da ONG norte-americana Innocence Project,


o voto condutor registrou que o reconhecimento equivocado (“mistaken eyewitness
identification”) tem sido uma das principais causas de erro judiciário. Logo, para evitar a
perpetuação de erros decorrentes de falsos reconhecimentos, evocou-se a necessidade
de rigorosa observância do art. 226, que estabeleceria, no entender do julgado, “um
procedimento e requisitos mínimos para que essa importante fonte de informações possa
ter valor probatório”.

Na esteira do julgado, portanto, os procedimentos prescritos no CPP

7 A psicologia do testemunho é um campo disciplinar específico dentro da psicologia, que se ocupa de


estudar o funcionamento da memória de testemunhas, e “conta com uma ampla base de dados
empíricos e se fundamenta teoricamente nos modelos cognitivos da memória humana” (DIGES,
Margarita. Testigos, sospechosos y recuerdos falsos. Estudios de psicologia forenses, 2016, p. 48 y 49).
8 Acerca do tema a Escola Superior do MPPR promoveu recentemente a live “Provas dependentes da
memória: um olhar científico a partir da psicologia do testemunho”, disponível em: MPPR [LIVE] Provas
dependentes da memória: um olhar científico a partir da psicologia do testemunho .

7
traduzem “garantia mínima”9, cuja inobservância majora injustificadamente os riscos de
condenações equivocadas, razão pela qual a prova colhida em desacordo deve ser
considerada nula, ou seja, não poderá ser valorada pelo julgador.

Acrescentou-se, ainda, que o reconhecimento por fotografias


tampouco atende adequadamente ao quanto preconiza o art. 226, pois:

“(…) mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado


no CPP para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter
estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a
quase sempre visualização apenas do busto do suspeito comprometem a
idoneidade e a confiabilidade do ato”.

Por fim, manifestando preocupação com uma das espécies de erros


judiciais (condenações errôneas), concluiu-se pela necessária superação da
jurisprudência vigente, propondo por isto as seguintes orientações:

(i) Que o reconhecimento de pessoas deva observar o


procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades
constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de
um crime;

(ii) Que, à vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento


falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual deva tornar
inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não possa servir de lastro a eventual
condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;

(iii) Que, de toda forma, isto não significaria reconhecer que não se
possa realizar em juízo um ato de reconhecimento formal, mas que, em tais casos, deverá
ser observado o devido procedimento probatório;

(iv) Que, ademais, naqueles casos em que tenha existido um ato


viciado de reconhecimento, isto tampouco significará que o julgador estará impedido de
9 Seguindo a classificação proposta por Gascón Abellán, as normas processuais podem ser classificadas
em normas pró-epistêmicas (que têm o propósito de conduzir à verdade), contra-epistêmicas (que
dificultam ou impedem a descoberta da verdade para garantir outros valores, como os direitos
fundamentais) e neutro-epistêmicas (que não exercem influência na descoberta da verdade). (GASCÓN
ABELLÁN, Marina. Los hechos en el derecho – Bases argumentales de la prueba. 2ª ed. Madrid: Marcial
Pons, 2004. p. 118-123). Seguindo a classificação proposta pela autora, poder-se-ia dizer que a norma
do art. 226 revela uma regra processual pró-epistêmica, garantindo verdade conducente. Portanto, não
se trata de privilegiar a forma em si mesma, como pretendem alguns processualistas.

8
se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem
relação de causa e efeito com aquele ato;

(v) Que, por fim, especificamente em relação ao reconhecimento


do suspeito por mera exibição de fotografia, a par de dever seguir o mesmo procedimento
do reconhecimento pessoal, urge seja ele visto como um ato dotado de certas
particularidades que levem ao seu uso apenas como uma etapa antecedente ao
reconhecimento pessoal, não podendo, por isso, servir como prova em ação penal, ainda
que seja, posteriormente, confirmado em juízo.

Como providência final, com o pretexto de provocar a adoção de


novas rotinas pelos órgãos de persecução, o julgado sugeriu que se desse ciência do
decidido “aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos
Tribunais Regionais Federais, bem como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e
aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que
façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação”,
bem como aos Ministérios Públicos estaduais e federal, além das Defensorias Públicas.

4. PRIMEIRO NÍVEL DE REFLEXÕES SUGERIDO PELO


JULGADO: A NECESSÁRIA CAUTELA NA OBSERVÂNCIA DE UM PROCEDIMENTO
ADEQUADO

Como mencionado, o voto esteve lastreado essencialmente na


psicologia do testemunho, assumindo como premissa a concepção da falibilidade do
reconhecimento de pessoas, dada a falibilidade da própria memória humana.

De fato, o reconhecimento de pessoas tem sido objeto de estudo de


diversas disciplinas com o propósito de determinar a sua confiabilidade 10. Nos últimos 30
anos, vários estudos sobre a matéria foram publicados e, em seu conjunto, têm
consolidado um conhecimento de que, apesar de estar sempre em evolução, a
confiabilidade e a precisão dos reconhecimentos seria muito mais limitada do que
10 Uma disciplina que tem prestado especial atenção à investigação científica nesta matéria é a psicologia,
através de diversos ramos, especialmente a psicologia experimental, a psicologia do testemunho e a
psicologia forense. Um resumo dos principais métodos utilizados nesse tipo de investigação ,a partir do
ponto de vista da psicologia, pode ser consultado em LOFTUS, Elizabeth F.; DOYLE, James M.;
DYSART, Jennifer E., Eyewitness Testimony: Civil and Criminal, United States: LexisNexis, 2013, pp. 4-
12. Não obstante, a investigação nesta matéria excede a área da psicologia e inclui, entre outras
disciplinas, a investigação médica e, principalmente, a neurociência.

9
intuitivamente se pensava11.

Segundo essa concepção, os erros em que incorrem vítimas e


testemunhas se devem, em grande medida, ao fato de que o processo de memória seria
um conjunto de processos ativos em reconstrução, onde a pessoa não registra
mecanicamente os fatos e dados para a sua posterior repetição, senão que os elabora e
os interpreta de um modo ativo, integrando-os “em” e “desde” seus conhecimentos
prévios12. Trata-se, por isto, de um processo falível por sua própria natureza reconstrutiva,
o que traz como consequência que a testemunha, ainda que de forma não deliberada e
sem desejo de mentir, possa cometer erros de memória quando instada a proceder ao
reconhecimento.

Daí a importância em atentar para os riscos que o reconhecimento


de pessoas pode trazer ao sistema de justiça criminal.

Em concreto, a literatura científica descreve que o trabalho da


memória para efeito de levar a cabo reconhecimentos se desenvolve em três processos
distintos: (a) codificação – que corresponde ao registro e retenção inicial dos dados de um
rosto percebido; (b) armazenamento – por meio do qual os dados codificados são
guardados ou armazenados por um período mais longo; e (c) recuperação – processo que
consiste no acesso consciente às informações armazenadas seguido de seu uso para a
tomada de decisão e orientação de comportamento 13.

Essa mesma literatura descreve como a memória pode vir a ser


afetada ou distorcida em cada um desses processos, por diversos fatores que têm um
impacto direto na precisão do posterior reconhecimento.

Assim, argumenta-se que existe uma lista complexa de fatores que


costumam ser agrupados em (i) variáveis ou indicadores do incidente ou do evento e (ii)
variáveis ou indicadores do sistema14. A respeito de ambos, há certas considerações que
comumente são trazidas.

11 DUCE, Mauricio. “Reconocimientos oculares: una aproximación empírica a su funcionamiento y algunas


recomendaciones para su mejora”. Polít. crim. Vol. 12, Nº 23 (Julio 2017), Art. 9, pp. 291-379.
[http://www.politicacriminal.cl/Vol_12/n_23/Vol12N23A9.pdf.
12 Um excelente resumo do estado da arte, do ponto de vista da ciência, acerca da capacidade humana para proceder
a reconhecimentos com precisão, pode-se ver em: MAZZONI, Giuliana, ¿Se Puede Creer a un Testigo? El
Testimonio y las Trampas de la Memoria, Madrid: Editorial Trotta, 2010, especialmente pp. 15-61.
13 SIMON, Dan, In Doubt: The Psychology of the Criminal Justice Process, Cambridge: Harvard University Press, 2012,
pp. 55-58.
14 Trata-se de categorização proposta na década de 70 por Gary Wells, um dos principais investigadores na área, e
que vem sido adotada pela maioria dos especialistas em razão da sua utilidade para ordenar o estudo, análise e
desenvolvimento de políticas públicas sobre a matéria (LOFTUS/DOYLE/DYSART, Eyewitness Testimony, cit. nota
n° 10, p. 16).

10
Com efeito, de um lado, refere-se que os indicadores do incidente
dizem respeito aos fatores associados às circunstâncias sob as quais se produziu a
observação da pessoa a identificar (por exemplo: distância e luminosidade no momento
da percepção, tempo de duração, presença ou não de uma arma, nível de stress da
pessoa, etc.). Cuidam-se, enfim, de fatores sobre os quais o sistema de justiça criminal
não tem grande ingerência, apenas sendo possível identificá-los (e registrá-los) no
momento de valorar a confiabilidade e precisão do reconhecimento.

De outro lado, sobre os chamados indicadores do sistema,


recorda-se que eles se referem ao procedimento de reconhecimento em si, isto é, à
maneira como ele é executado pelas agências de persecução penal (por exemplo: a
linguagem utilizada pelos policiais que administram o procedimento, a entrega de
informação prévia ou posterior ao reconhecedor, a quantidade de pessoas que compõem
a fileira de reconhecimento, etc.). Aqui, sim, se está diante de fatores que dependem do
sistema de justiça criminal e que, por isso mesmo, podem ser objeto de controle, por meio
de regulações e práticas que minimizem a interferência nos processos de memória da
pessoa que procederá ao reconhecimento.

A partir daí, conclui-se que, precisamente, para esses fatores


passíveis de controle é que convêm que sejam adotadas práticas recomendadas pela
ciência, de modo a elevar a imparcialidade e os índices de assertividade do processo.

Foi, justamente, por força deste diagnóstico que, em certos


ordenamentos, ocorreram modificações importantes nessa área. Ilustrativamente, há de
se recordar o esforço interinstitucional capitaneado pelo Ministério Público chileno, em
2013, que fez com que o sistema de justiça daquele país regulamentasse boas práticas
para as diligências de reconhecimento, propondo a elaboração de um “Protocolo
Interinstitucional de Reconocimiento de Imputados” 15.

15 “A la luz de estos objetivos y filosofía, el Protocolo se organiza en dos partes principales. El capítulo II se
destina a lo que se denomina en el texto como ‘actuaciones previas a la realización de la diligencia’ . Los
puntos más relevantes contenidos en esta parte son tres en mi opinión. Lo primero es que el texto
destaca que la realización de esta diligencia requiere previa instrucción del fiscal ya que se trata de una
actividad que no forma parte de las facultades de actuación autónoma de las policías. En segundo
término, se establece la necesidad que antes de la diligencia se debe constar con una descripción
previa de la víctima o testigo con el propósito de verificar si la persona está en condiciones de realizar
un reconocimiento. En tercer término, se excluye de la regulación las actividades de identificación
realizadas en contextos de detención por flagrancia ya que se considera que su función es diferente a la
de las diligencias de reconocimiento. Junto con estas materias, se analizan cuestiones como los
derechos de las víctimas, el origen de las fotografías a utilizar en las ruedas fotográficas, las reglas que
rigen la participación del defensor en la diligencia y cuestiones vinculadas a la frecuencia, oportunidad y
lugar de su realización. El capítulo III está destinado a regular los estándares mínimos de realización de
la diligencia y, por lo mismo, constituye la parte central del documento. Su estructura se divide en tres

11
Deve ser recordada, ainda, a obra de Dan Simon 16, que também
procurou dar conta do estado atual do debate nesta matéria:

“4.5.1 A psicologia experimental e suas recomendações para efetuar


reconhecimentos de suspeitos, entrevistar testemunhas e interrogar investigados
(Dan Simon, In doubt: the psychology of the criminal justice process. Harvard
University Press: Cambridge, 2012)

As seguintes recomendações buscam instruir protocolos de boas


práticas. São todas voltadas à maximização da precisão da identificação de suspeitos e à
transparência do processo empregado:

1 – Na medida do possível reconstruções faciais com desenhos


devem ser evitadas;

2 – Os reconhecimentos devem ser realizados apresentando-se o


suspeito simultaneamente com outras pessoas inocentes, numa lineup, evitando-se
apresentações sucessivas do suspeito e dos demais sujeitos; lineups em vídeo ou reais
devem preferir as fotográficas;

3 – Suspeitos devem ser submetidos a lineups somente se pairar


alguma suspeita concreta sobre eles;

4 – Antes do reconhecimento nenhuma testemunha deve ser


exposta a nenhum tipo de informação sobre o suspeito;

5 – As lineups devem ser realizadas o quanto antes após a


testemunha presenciar o evento criminoso;
secciones. La primera de ellas está destinada a fijar reglas comunes para todo tipo de procedimientos,
incluyendo aspectos tales como la necesidad de contar con descripción previa; que sea una diligencia
individual, es decir, de a una víctima o testigo a la vez; las obligaciones de los funcionarios a cargo de su
realización; las instrucciones previas que deben darse a la víctima o testigo; su continuidad; y su
registro. La segunda parte está destinada a regular los reconocimientos fotográficos. En ella se distingue
entre reconocimientos sin sospechoso (exhibición de kardex) y con sospechoso (rueda de fotografías).
Finalmente, se regulan los reconocimientos en rueda de personas. Las reglas principales en ambos
tipos de reconocimientos están centradas en la manera de conformar las ruedas y exhibirlas, la
participación de múltiples víctimas y de los defensores en su desarrollo, entre otras. El documento
concluye incorporando un acta tipo para procedimientos de reconocimientos. Se trata de formato que
contiene los aspectos básicos regulados en las secciones previas. En todo caso, es un modelo para un
acta escrita en consistencia con las reglas de registro especificadas en el desarrollo del Protocolo.
(DUCE, Mauricio. “Reconocimientos oculares: una aproximación empírica a su funcionamiento y
algunas recomendaciones para su mejora”. Polít. crim. Vol. 12, Nº 23 (Julio 2017), Art. 9, pp. 291-379.
Disponível em: http://www.politicacriminal.cl/Vol_12/n_23/Vol12N23A9.pdf).
16 SIMON, Dan, In Doubt: The Psychology of the Criminal Justice Process, Cambridge: Harvard University
Press, 2012. Trata-se de obra igualmente citada no material de apoio ao 1º Encontro do 1º Ciclo das
Oficinas já referido.

12
6 – As lineups devem incluir apenas o suspeito e cinco ou mais
pessoas reconhecidamente inocentes;

7 – As demais pessoas que serão alinhadas com o suspeito devem


possuir características similares às descritas pelo reconhecedor e não possuir diferenças
físicas notáveis para com a pessoa do suspeito;

8 – Ao suspeito deve ser permitido escolher o seu lugar na lineup,


bem como trocar de lugar em casos de sucessivos reconhecimentos;

9 – O reconhecedor deve ser instruído que o autor do fato


criminosos “pode ou não” estar naquela lineup e que é apropriado responder que o autor
não está presente e que o reconhecedor não pode reconhecê-lo naquela lineup;

10 – Diferentes suspeitos devem ser apresentados sequencialmente


e não simultaneamente;

11 – O procedimento de reconhecimento deve ser às cegas: o


administrador não deve saber a identidade do suspeito, fato que deve ser comunicado ao
reconhecedor;

12 – O administrador deve se abster de qualquer tipo de


comunicação ou de comportamento que possa se interpretado como sugestivo ou
revelador da identidade do suspeito;

13 – O reconhecedor deve anunciar se o reconhecimento foi positivo


ou negativo, seguido de um anúncio de seu grau de confiança no ato. O reconhecedor
não deve receber nenhum retorno por parte do administrador do ato em relação ao seu
desempenho;

14 – O tempo que o reconhecedor levou para indicar ou não o


reconhecido deve ser registrado;

15 – Na medida do possível, o reconhecedor deve participar de


apenas um procedimento de identificação; em casos excepcionais nos quais
reconhecimentos sucessivos são necessários, as mesmas pessoas devem compor a
lineup;

16 – O reconhecedor que reconhece alguém que não é suspeito não


deve providenciar testemunho visando identificar o autor do fato criminoso;

17 – O reconhecedor que falha em reconhecer alguém, hesita, ou

13
expressa baixa confiança deve ser considerado alguém com um nível baixo de memória
do suspeito;

18 – O procedimento de reconhecimento deve ser gravado na sua


íntegra, preferencialmente em áudio e vídeo. A gravação deve incluir as instruções dadas
pelo administrador do reconhecimento e as imagens, inclusive do reconhecedor.

Assim, diante do aferido em relação aos avanços científicos nesta


área e, principalmente, do cenário jurisprudencial que o julgado aqui tratado parece
antecipar, mostra-se de todo oportuno admitir-se, como ponto inicial, que os operadores
da justiça criminal passem a conceber o reconhecimento de pessoas sob a ideia de um
procedimento adequado, buscando um contínuo refinamento das atividades a ele
relacionadas, de modo a fazer com que seus registros (em áudio e vídeo) possam dar
conta das imagens utilizadas, das instruções dadas ao reconhecedor, das afirmações
realizadas pela testemunha, das suas eleições e do tempo de resposta, entre outros
aspectos de relevância referidos. Afinal, esses são aspectos que já podem ser tidos como
boas práticas que se extraem da experiência de ordenamentos estrangeiros e servem de
norte para o aperfeiçoamento do nosso ordenamento processual.

5. SEGUNDO NÍVEL DE REFLEXÕES SUGERIDO PELO


JULGADO: ATENÇÃO ÀS PARTICULARIDADES DO CASO DECIDIDO E SEU
VÍNCULO COM O LIVRE CONVENCIMENTO JUDICIAL MOTIVADO

Tal qual mencionado, parece indiscutível que se aceite, atualmente,


que já existem dados empíricos suficientes que sustentam os achados trazidos pela
psicologia. São dados que, de fato, devem fazer com que certos ordenamentos passem a
adotar vias mais cautelosas, de modo a criar uma “garantia mínima” para que também os
reconhecimentos realizados por testemunhas e vítimas, independentemente do momento
que o façam, persistam tendo um significado probatório.

Afinal, não se pode perder de norte que vários delitos são cometidos
em circunstâncias que, não raras vezes, fazem com que o reconhecimento do imputado
assuma a condição de elemento nuclear (senão único) da fase probatória.

14
A aceitação desta premissa, porém, longe está de admitir que o
julgado ora comentado tenha implicado uma declaração automática de nulidade de todos
os reconhecimentos efetuados em persecuções penais que estejam em curso e que, por
diversos fatores, não tenham observado a íntegra do trâmite previsto pelo Código de
Processo Penal.

Tanto é assim que, na própria parte final do voto condutor, verifica-se


que foram adotadas diligências para instigar distintas instâncias estratégicas do sistema
de justiça criminal a tomarem ciência do quanto decidido e, a partir daí, adotarem um fluxo
de atividades mais cauteloso no que diz respeito ao reconhecimento de pessoas.

Esta ciência, porém, deve vir acompanhada da necessária cautela


na interpretação do julgado, evitando-se uma precipitação nas suas conclusões, em
especial diante de, ao menos, dois aspectos e seus desdobramentos que passamos a
expor.

5.1. Com efeito, um primeiro aspecto a ser considerado relaciona-se


às circunstâncias fáticas que envolveram o caso apreciado pelo julgado.

É que a leitura atenta do voto evidencia que, muito embora tenha


sido realizado o reconhecimento extrajudicial, pelo que consta do caso concreto, diversas
outras diligências investigatórias ficaram pendentes e poderiam ter sido adotadas para,
efetivamente, robustecer aquele ato inicial.

Mencionou-se, por exemplo, que existiam gravações de câmeras do


estabelecimento roubado que atestavam a presença dos investigados no mesmo local,
momentos antes da prática do delito. Ao que parece, essas gravações nunca teriam sido
juntadas ao processo criminal, embora tenha sido referido por uma das vítimas que
participou do reconhecimento que foi, precisamente, por essa via que se inferiu que as
pessoas identificadas por aquelas gravações portavam trajes que coincidiam com os dos
autores do delito.

Ao que parece, ao longo da apuração, teria se apostado,


exclusivamente, numa espécie de reconhecimento indireto, já que ambos os autores
estavam encapuzados no momento da prática do fato.

O dado é relevante e desperta para que, em casos similares, não se


abdique da obtenção de elementos probatórios mais seguros, que demonstrem quais
foram os indícios e provas que fizeram com que o ato do reconhecimento pessoal fosse

15
conduzido de uma dada forma, sob pena de incorrer em equívocos que podem levar a um
destino similar ao agora traçado pelo julgado do Superior Tribunal de Justiça.

Além disto, essas circunstâncias fáticas do caso apreciado ajudam a


compreender a grande intolerância assumida ao longo do voto no que diz respeito a como
teria sido conduzido o ato do reconhecimento em si e a fragilidade da valoração judicial a
ela dispensada.

5.2. Este aspecto, porém, longe está de ser o ponto central que
merece reflexão, pois existe uma questão principiológica que, até onde se alcança, está
sendo desconsiderada.

De fato, já se destacou a importância e relevância da contribuição


dos avanços científicos nesta área. No entanto, por mais que esta evolução seja aceita
como premissa dada, não se pode olvidar que há muito restou ultrapassada a adoção de
um sistema tarifado na valoração probatória, que conduziria a uma polarização de
aceitação absoluta ou rechaço absoluto de um dado elemento que pretenda contribuir
com a reconstrução fática.

Em outro dizer, muito embora os avanços científicos mencionados


recomendem o redesenho procedimental dos reconhecimentos de pessoas por vítimas e
testemunhas, mostra-se precipitado concluir, desde logo, que todo e qualquer
procedimento adotado com menor cautela conduzirá à inevitável exclusão de seu
conteúdo da apreciação judicial.

Não há dúvida de que, num tal cenário, é realmente possível que


esse procedimento menos criterioso seja tido como “ilegítimo”, conforme a concepção
referida pelo julgado. O será, porém, para fins de ser interpretado e admitido como
“reconhecimento” em si. Afinal, será forçoso admitir que ocorreu um descumprimento do
rito previsto pelo legislador ordinário.

Ocorre que, ainda assim, o quanto colhido e documentado nos autos


poderá, perfeitamente, contribuir no processo de valoração judicial dos elementos de
prova, como é próprio de um sistema no qual vige o livre convencimento motivado do
julgador, inclusive, diante do quanto previsto pelo artigo 155 do Código de Processo
Penal.

Logo, ainda que se cogite a existência de irregularidade no


reconhecimento primevo, eventuais nulidades ocorridas na fase investigatória não têm o

16
condão de macular, de qualquer forma, o processo desenvolvido regularmente sob o crivo
do contraditório e da ampla defesa, o qual poderá estar embasado em diversos elementos
de provas aptos a amparar a sentença exarada.

Demais disso, fosse o caso de existência de máculas do “ato de


reconhecimento” extrajudicial por descumprimento a formalidades legais, tal como se
sustenta no voto, é consabidamente possível despir o ato do caráter de “reconhecimento
de pessoa”, passando a considerá-lo, pois, como prova de cunho testemunhal, de
avaliação subjetiva, apta a contribuir para a formação do convencimento do julgador.
Trata-se de entendimento que, inclusive, não destoa do quanto sedimentado pela própria
jurisprudência de Tribunais superiores e estaduais:

“As disposições insculpidas no art. 226, do CPP, configuram uma recomendação


legal, e não uma exigência, não se tratando, pois, de nulidade' (...). 2.
Considerando que o reconhecimento extrajudicial não foi o único fator de
convicção do magistrado, pois complementado na fase judicial por outros
elementos de prova, não há falar em nulidade, haja vista não se ter demonstrado
eventual prejuízo, o qual nem ao menos se pode presumir, diante da existência de
outras provas da autoria. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ - AgRg no Ag:
1377407 SC 2011/0011211-1, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, Data de Julgamento: 18/06/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 27/06/2013 – destacado).

“(…) a) É válido o reconhecimento pessoal, mesmo sem a observância de todas


as formalidades legais, se em consonância com outros elementos de prova. (…) c)
Em sede de crimes patrimoniais, os quais costumam ocorrer na clandestinidade, a
palavra da vítima se destaca, principalmente se confirmada pelas demais provas
produzidas durante a instrução criminal. (…).” (TJPR - 3ª C. Criminal - AC -
1086704-2 - Francisco Beltrão - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - J.
07.11.2013 – destacado).

Daí referir Guilherme de Souza Nucci, acompanhado de Camargo


Aranha, que “a forma se exige para a existência do reconhecimento; a inobservância da
forma acarreta a inexistência deste ato, mas não a inexistência de todo e qualquer ato. E
se outro ato praticado convence o juiz, não é possível dizer que ele não está convencido.
A lei prevê determinados meios de prova, mas não impede outros”. 17

De toda forma, é importante notar que não se está aqui admitindo


que o regramento traçado em lei para determinadas modalidades probatórias possa ser
ignorado. O apego a essa forma, porém, não há de conduzir a um equívoco na
17 NUCCI, Guilherme de Souza (2013). Manual de Processo Penal. 10. ed. Revista dos Tribunais, São
Paulo, p. 509.

17
reconstrução histórica do fato que é, em última análise, o que se pretende com toda a
instrução probatória.

Até mesmo porque, não é difícil prever situações em que o


investigado poderá vir a se recusar ao reconhecimento. E, a aceitar-se,
incondicionalmente, que toda e qualquer inobservância da forma prevista inviabilizará a
valoração do produto que se obtenha, imediatamente, se apresentará a questão
relacionada à obrigatoriedade de participação do suspeito no reconhecimento, cujos
obstáculos a vencer são de há muito conhecidos.18

Na verdade, esta é uma ordem de ideias que deve ir, ainda, além. É

18 No âmbito doutrinário: (i) Aury Lopes Júnior defende que o réu pode negar-se a participar do
reconhecimento. A questão, segundo este autor, resolve-se pela observância de uma das principais
regras probatórias de nosso sistema: respeitar o direito de silêncio e o de não produzir prova contra si
mesmo, que assistem ao réu. Por isto ele poderia negar-se a participar, no todo ou em parte, do ato,
sem que dessa recusa se presuma ou extraia qualquer consequência que lhe seja prejudicial ( nemo
tenetur se detegere) (op. cit. p. 601); (ii) Norberto Avena, por sua vez, defende a legitimidade de
condução do investigado para participar do procedimento de reconhecimento. Diante da indagação
sobre a legitimidade da condução do investigado ou acusado para fins de seu reconhecimento por
vítimas ou testemunhas quando, notificado, não comparecer a esse ato, afirma que o art. 260 do CPP
insere esta possibilidade, ao dispor que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório,
reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá
mandar conduzi-lo à sua presença”. Ressalta que, não obstante o Plenário do STF, no julgamento, em
13 e 14.06.2018, respectivamente, das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
395/DF (intentada pelo Partido dos Trabalhadores) e 444/DF (proposta pelo Conselho Federal da OAB),
tenha declarado que a expressão “para interrogatório” inserida no art. 260 do CPP não foi recepcionada
pela Constituição (proibindo-se, via de consequência, a condução coercitiva do investigado ou do réu à
presença da autoridade policial ou do juiz com a finalidade de submetê-lo a interrogatório sobre os
fatos), nada foi deliberado em relação aos comandos remanescentes do referido dispositivo legal, os
quais dizem com a possibilidade de condução para “reconhecimento ou qualquer outro ato” que, para
ser realizado, exija a presença do investigado ou réu. Logo, conforme seu entender, pelo menos em
princípio, estas demais formas de condução coercitiva permanecem autorizadas. Ademais, sobre a
possibilidade do delegado, à revelia de ordem judicial, ordenar a condução coercitiva de pessoas, refere
tratar-se de matéria controvertida. Alguns entendem que o delegado, quando necessitar, deve postular
ao juiz que ordene a condução coercitiva de qualquer pessoa (salvo o investigado para fins de
interrogatório, em razão da citada deliberação do STF) à sua presença. Argumenta-se, neste caso, que
a condução implica forma de privação da liberdade, procedimento este que, abstraída a situação de
flagrante delito, não poderia ser realizado sem ordem judicial. Outros, ao contrário, sustentam que o art.
144, § 4.º, da Constituição atribuiu às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as
funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Sendo assim, deveria ser facultado à
autoridade policial adotar todas as providências necessárias para que seja realizada tal apuração
(ressalvadas, por óbvio, aquelas sobre as quais incide a reserva de jurisdição), até mesmo a própria
condução de testemunhas e vítimas para prestar informações sobre o fato investigado. Esta a posição
com a qual concorda este autor (op. cit. p. 1.026-1.027); (iii) Por fim, para Renato Brasileiro de Lima, a
negativa em participar do reconhecimento de pessoas não estaria abarcada pelo direito de não produzir
provas contra si mesmo. Segundo este autor, por força do direito de não produzir prova contra si mesmo
(nemo tenetur se detegere), o investigado tem o direito de não colaborar na produção da prova sempre
que se lhe exigir um comportamento ativo, um facere, daí porque não estaria obrigado a participar da
acareação. Todavia, em relação às provas que demandam apenas que o acusado tolere a sua
realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação meramente passiva, não se haveria de falar
em violação ao nemo tenetur se detegere. O direito de não produzir prova contra si mesmo não
persistiria, portanto, quando o acusado fosse mero objeto de verificação. Assim, em se tratando de
reconhecimento pessoal, ainda que o acusado não queira voluntariamente participar, admite-se sua
execução coercitiva, conforme referido autor (op. cit. p. 98).

18
que, assumindo-se pela não obrigatoriedade da participação do suspeito no ato, indaga-
se se o julgado teria dado margem a alguma espécie de via alternativa para produzir um
reconhecimento válido. Da mesma forma, caso a resposta a esta última provocação seja
negativa, persistirá a pergunta de como apurar aqueles crimes em que a prova de autoria
dependa, necessariamente, de uma identificação pela vítima ou por uma testemunha
presencial.

Embora retóricos, esses questionamentos evidenciam que, dentro


de um contexto de ordenamento no qual vige o livre convencimento, não se pode perder
de vista que serão, precisamente, as tradicionais balizas da necessidade de motivação
das decisões e da inadmissibilidade de provas ilícitas que figuram como os únicos freios à
apreciação judicial de todo e qualquer elemento probatório. 19

Em definitivo, na interpretação do julgado não se pode olvidar que


todo e qualquer elemento relacionado à prática do delito ou à sua autoria, que possa
contribuir com a reconstrução histórica dos fatos, em princípio, tem aptidão para servir de
elemento probatório a ser utilizado na motivação judicial, salvo se presente uma
inobservância que conduza, tecnicamente, à ilicitude de prova.

Não parece ter sido este o caso dos autos, tanto que, na parte inicial
do voto, há expressa assunção da premissa de que devem ser diferenciadas as hipóteses
de ilicitude e de ilegitimidade probatória.

Ao nosso sentir, só a partir da admissão dessa linha condutora é que


se tornará possível interpretar a sequência argumentativa trazida pelo voto, seja no que
diz respeito à irrepetibilidade do ato, seja no tocante ao seu aproveitamento ou não pelo
juízo no caso concreto.

5.2.1. De fato, sobre a irrepetibilidade do ato, identificam-se diversos


trechos no voto que, partindo de evidências empíricas, admitem que, quanto mais vezes
se repetir o reconhecimento de pessoas, maiores serão as chances de se produzir um
reconhecimento equivocado20. Ademais, assume-se que similares conclusões tendem a
19 Neste particular, ao ressaltar como as provas tarifadas (reglas de pruebas legales) devem constituir uma
exceção dentro de uma perspectiva de busca da reconstrução histórica dos fatos, Wolfgang Frisch
menciona que há muito as provas dessa natureza “tomaron la forma más bien de una teoría negativa de
la prueba”. Cf. FRISCH, Wolfgang (2016): “Libre valoración de la prueba y estándar probatorio.
Fundamentos históricos y de teoría del conocimiento”, en Kai AMBOS, María Laura BÖHM, e John E.
ZULUAGA (eds.), Desarrollos actuales de las ciencias criminales en Alemania: Segunda y Tercera
Escuela de Verano en ciencias criminales y dogmática penal alemana, CEDPAL, Göttingen, Göttingen
University Press, pp. 53-82 (55).
20 “Nesse contexto, vale mencionar a interessante conclusão de pesquisa realizada nos Estados Unidos,
conduzida pelo professor Brandon Garrett, a qual apontou que a repetição de procedimentos de

19
ser obtidas com a apresentação de fotografias ao reconhecedor, a qual introduziria falsas
memórias e, portanto, também induziria ao reconhecimento errôneo.

Apesar dessas incursões, porém, quanto ao primeiro aspecto,


consta no mesmo julgado expressa referência à possibilidade de refazimento (e não de
mera confirmação) do ato em juízo21. Quanto ao reconhecimento por exibição de
fotografia, por sua vez, assume-se que ele deverá ser visto como uma etapa antecedente
ao eventual reconhecimento pessoal,22 o que, em certa medida, traz certa ambiguidade já
que, assumida a probabilidade do reconhecimento anterior induzir a falsas memórias,
seria previsível admitir que o reconhecimento a posteriori teria ainda menor confiabilidade.

5.2.2. Similares problemas argumentativos verificam-se no que diz


respeito às menções realizadas pelo julgado sobre o aproveitamento do reconhecimento
que tenha sido realizado sem a observância do rito procedimental traçado pelo Código.

Com efeito, tal qual se extrai do voto, a sanção processual consistiria


no impedimento de se valorar qualquer prova decorrente de reconhecimento realizado em
desconformidade com os comandos do Código, o que se justificaria dado o baixo valor

identificação não confere maior grau de confiabilidade a um reconhecimento. Há, no entanto, correlação
entre a quantidade de vezes que uma testemunha/vítima é solicitada a reconhecer uma mesma pessoa
e a produção de uma resposta positiva. Em amostra com 161 condenações de inocentes revertidas
após a realização de exame de DNA, 57% dos casos contaram com mais de um procedimento de
identificação: a testemunha admitiu em juízo que, inicialmente, não tinha certeza quanto à autoria do
delito e que passou a reconhecer o acusado somente depois do primeiro reconhecimento (Innocence
Project Brasil. Prova de reconhecimento e erro judiciário. São Paulo. 1. ed., jun. 2020, p. 13). Daí a
razão pela qual as psicólogas Nancy K. Steblay e Jennifer E. Dysart recomendam não só que sejam
evitados procedimentos de identificação que usam um mesmo suspeito como também que
identificações produzidas por procedimentos repetidos não sejam consideradas tão confiáveis,
justamente porque, quanto mais vezes uma testemunha for solicitada a reconhecer uma mesma
pessoa, mais provável ela desenvolver falsa memória a seu respeito (STEBLAY, Nancy K.; DYSART,
Jennier. E. Repeated eyewitness identification procedures with the same suspect. Journal of Applied
Research in Memory and Cognition apud Innocence Project Brasil. Prova de reconhecimento e erro
judiciário. São Paulo. 1. ed., jun. 2020, p. 13). Não por outro motivo, Gustavo A. Arocena, ao se referir à
doutrina jurídica argentina, afirma ser unânime naquele país o entendimento de que o reconhecimento
pessoal é um ato definitivo e irreprodutível, porque não se pode repeti-lo em idênticas condições (El
reconocimiento por fotografia, las atribuciones de la Policía Judicial y los actos definitivos e
irreproductibles. In: Temas de derecho procesal penal (contemporaneos). Córdoba: Editorial
Mediterránea, 2004, p. 97).” (trecho destacado da ementa).
21 “De fato, a existência de distinção entre as provas ilegítimas e as ilícitas, para além da natureza do
direito violado (material ou processual), se dá, também, quanto aos efeitos ou à sanção aplicável
(inadmissibilidade ou nulidade). A inadmissibilidade da prova ilícita impede o seu ingresso (ou, se já
produzida, sua exclusão) no processo, enquanto a ilegítima será sancionada com sua nulidade. Vale
dizer, as provas produzidas com violação das normas procedimentais serão nulas e não produzirão
resultados no processo, o que, todavia, não impede que sejam refeitos os atos, em conformidade com a
lei, de modo a possibilitar, assim, o aproveitamento da fonte de prova” (trecho do voto do Ministro
Relator).
22 “O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever
seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a
eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que
confirmado em juízo” (trecho destacado da ementa).

20
epistemológico da prova. Essas mesmas razões incrementariam o risco de uma má-
valoração pelo julgador, que viria a conferir à prova um maior valor do que ela realmente
mereceria e, consequentemente, o levaria a possíveis condenações errôneas.

Esta argumentação já teve uma primeira insurgência que se


evidenciou durante o próprio julgamento. Neste sentido, embora tenha votado com o
Relator, foi ponderado pelo Min. Nefi Cordeiro que, no seu entender, a nulidade da prova
– e, portanto, o impedimento à sua valoração – não poderia decorrer de qualquer
descumprimento da forma prescrita, como critério de tudo ou nada. Destacou, por isto,
que o “grau de invalidade” da prova deve ser progressivo ao “grau de vulneração da
norma”, cuja avaliação caberá ao julgador em cada caso concreto, mitigando, assim, a
exclusão absoluta de prova relevante 23.

Na realidade, o que se nota neste ponto do voto é que foi


desconsiderada uma classificação que tem sido cada vez mais admitida processualmente,
assumindo a existência de distintos momentos na atividade probatória e, portanto,
variados efeitos a serem considerados.

Efetivamente, debruçando-se sobre os três distintos e sucessivos


momentos fundamentais no processo de tomada de decisão judicial sobre os fatos, Ferrer
Beltrán ressalta que:

(i) Na chamada conformação dos elementos de julgamento,


ocorre propriamente um filtro de admissibilidade das provas no processo, inicialmente, de
cunho epistemológico, fazendo com que toda prova relevante (que confirme ou refute as
hipóteses à luz dos princípios gerais da lógica e da ciência) sobre os fatos em julgamento
deve ser admitida. É ainda nesse primeiro momento que se afere se a prova foi obtida
com violação a direitos fundamentais, se foram produzidas sob o crivo do contraditório,
etc. Essas iniciais análises, que excluem elementos probatórios relevantes, justificam-se
pela proteção, por parte do Direito, de valores distintos à verificação da verdade (direitos
fundamentais, autonomia individual, relações familiares, etc), optando-se pela sua
exclusão, numa evidente ponderação de interesses envolvidos;

(ii) Somente quando ultrapassado o primeiro momento, passa-se à


23 Os votos escritos dos Ministros da Turma, com exceção do voto do Ministro Relator, ainda não foram
divulgados até a presente publicação. As ponderações do Ministro Nefi Cordeiro, no que foi
acompanhado pelo Ministro Antonio Saldanha, porém, constam da mídia da sessão, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=RENZeTSw_tw, a partir de 1h24min. Acesso em 5. dez. 2020.

21
valoração dos elementos de julgamento, verificando-se racionalmente, de forma individual
e em conjunto, qual é o grau de corroboração que as provas que foram admitidas
conferem a cada uma das hipóteses a serem julgadas;

(iii) E será, a partir daí, no terceiro e último momento, que será


atingida a fase da adoção da decisão sobre os fatos provados, decidindo-se,
efetivamente, se o grau de corroboração de um dado elemento foi suficiente para justificar
determinada decisão, aplicando-se, em consequência, o standard de prova para verificar
se determinada hipótese pode ser declarada provada suficientemente. 24

Este resgate é relevante na medida em que destaca que as regras


de exclusão de provas de baixo valor epistemológico – como um reconhecimento de
pessoas sem os cuidados mínimos para garantia da sua confiabilidade – devem variar em
função dos diferentes ordenamentos, do tipo de processo e jurisdição.

Assim, é previsível que em ordenamentos fortemente influenciados


pelo common law essas regras tendam a estar mais presentes por duas razões que
costumam operar-se: (i) a decisão não ser fundamentada (ao menos, nos termos em que
se dá em nosso entorno) e (ii) o juízo de mérito, em certos casos, advir de juízos leigos.

Já, nos ordenamentos regidos pela civil law, o controle da


racionalidade da decisão e da fiabilidade dessa prova se dá de forma muito mais intensa,
como referido, especialmente pela necessidade de motivação de toda e qualquer decisão
judicial25.

Na realidade, mesmo em ordenamentos de common law, onde o


tema da admissão ou não da prova de reconhecimento já apresenta há muito uma maior
profundidade, a questão ganha contornos bem mais complexos e vem sendo objeto de
diversas disputas, não se aplicando uma regra de exclusão absoluta diante de toda e
qualquer violação procedimental, como parece ter concluído o julgado aqui tratado 26.
24 FERRER BELTRÁN, Jordi (2017). La prueba es libertad, pero no tanto: Una teoría de la prueba cuasi-
benthamiana. Revista Jurídica Mario Alario D’Filippo, IX (18), pág 150-169.
25 FERRER BELTRÁN, Jordi (2017). La prueba es libertad, pero no tanto: Una teoría de la prueba cuasi-
benthamiana. Revista Jurídica Mario Alario D’Filippo, IX (18), pág 150-169.
26 No sistema federal dos EUA, por exemplo, permite-se a exclusão de prova vinculada aos
reconhecimentos desde a década de 70, produto de uma interessante evolução jurisprudencial da Corte
Suprema. O precedente atual sobre o tema é o caso Manson v. Brathwaite, julgado no ano de 1977 e
permite, em termos gerais, excluir a prova de reconhecimento nos casos em que há um "risco
substancial de identificação incorreta". Para tanto, deve-se proceder a uma análise em dois passos: (i)
primeiro deve-se avaliar se os procedimentos foram “inadmissivelmente sugestivos”; (ii) segundo, se
deve determinar, avaliando a totalidade das circunstâncias, se apesar do procedimento inadequado o

22
Por isto, diante da questão central relacionada à anulação, exclusão
ou aproveitamento de provas relevantes de baixo valor epistêmico, deve-se sempre ter
presente a diferença entre esses sistemas e, em especial, a existência e o momento em
que se dá a motivação judicial sobre os elementos probatórios levados à apreciação.

Assim, em ordenamentos regidos por sistemas em que esta


motivação inexiste tem-se como consectário que o controle deva ser ex ante, ou seja,
ainda na fase da admissão de um dado elemento de prova. Por outro lado, quando tiver
existido uma opção pelo sistema continental, como se dá no nosso ordenamento – no
qual, inclusive, as motivações judiciais recaem sobre “fatos provados” –, o controle do
“peso” que se dará a uma dada prova de baixa confiabilidade deverá ser ex post, ou seja,
na motivação.

Aplicadas ao caso concreto, essas ideias admitem assumir que


mesmo quando inobservado o rito legal previsto no art. 226, será possível estar-se diante
de uma prova de alta confiabilidade, em particular, quando demonstrar-se que a
sequência de atos tomou por base um contexto em que foram adotadas boas práticas
recomendadas por estudos científicos, por exemplo. Em tais casos, a exclusão ou
anulação destes elementos de prova demonstraria um mero apego à forma, lastreando-se
num discurso retórico de garantias que, inevitavelmente, diminuiria a probabilidade de se
ter uma decisão de fatos provados que corresponda à pretendida reconstrução histórica
dos fatos.

reconhecimento ainda mostra-se confiável. Para determinar a confiabilidade, a Corte tem fixado um
conjunto de fatores (conhecidos como fatores Biggers, por resultarem do caso Neil v. Biggers, de 1972)
que incluem: a oportunidade que teve a vítima ou testemunha de observar a pessoa; o nível de atenção
que prestou; a precisão da primeira descrição; o grau de certeza manifestado ao reconhecer; e o tempo
transcorrido entre o evento e o reconhecimento. Um apanhado sobre esta evolução jurisprudencial e
legal, desde o caso Manson até julgados mais recentes das cortes estaduais pode ser consultado em:
WELLS, Gary; QUINLIVAN, Deah, “Suggestive Eyewitness Identification Procedures and the Supreme
Court's Reliability Test in Light of Eyewitness Science: 30 Years Later”, Law and Human Behavior, Vol.
33, N° 1 (2009), pp 1-24.

23
6. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Conforme todo o exposto, as seguintes conclusões podem ser


extraídas do atual panorama sobre o tema:

(i) até o julgamento aqui analisado, era firme o entendimento


jurisprudencial no sentido de que o procedimento descrito no artigo 226 do Código de
Processo Penal se traduzia em mera recomendação legislativa, de modo que a sua
inobservância não prejudicaria a validade da prova;

(ii) a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, porém, ao julgar


o Habeas Corpus n. 598.886/SC, reconheceu que o rito legal para o reconhecimento de
pessoas deve ser interpretado como de observância obrigatória e que a sua
inobservância dá ensejo à nulidade da prova;

(iii) com isto, o julgado pretendeu estabelecer uma viragem


jurisprudencial, sob o fundamento de que o reconhecimento de pessoas realizado sem
observar o rito legal produziria um elemento probatório de baixa confiabilidade suscetível
à provocação de erros judiciários;

(iv) embora o julgamento tenha sido unânime na concessão da


ordem, houve entendimento dissidente pela não concordância com a sanção de nulidade
proposta para todo e qualquer ato de reconhecimento pessoal realizado sem a
observância do rito;

(v) ademais, é importante notar que o julgado longe esteve de


produzir um imediato reconhecimento de nulidade de todo e qualquer reconhecimento de
pessoas que tenha sido ou venha a ser realizado sem a observância integral do rito
previsto em nosso ordenamento processual;

(vi) isto porque, dentro de um sistema de livre convencimento


motivado, tem plena vigência o princípio da admissão dos elementos de prova relevantes,
que faz com que deva realizar-se um controle da racionalidade da decisão ex post, o qual
se dá mediante o controle da motivação;

(vii) daí a necessidade de entregar-se relevância aos elementos de


prova em si, ainda que efetuando-se um juízo de valor sobre sua confiabilidade, sem que
se perca de vista que serão a necessidade de motivação das decisões e a regra da

24
inadmissibilidade de provas ilícitas que vão figurar como os únicos freios à apreciação
judicial desses elementos probatórios na reconstrução histórica dos fatos;

(viii) mostra-se devido, por isso, entregar-se um significado


probatório também àqueles reconhecimentos de pessoas que tenham inobservado a
forma prevista, valorando o conteúdo documentado nos autos, sob pena de descartar-se
indevidamente provas de cunho testemunhal, de avaliação subjetiva, que possam ser
aptas a contribuir para a formação do convencimento do julgador;

(ix) de toda forma, independentemente da questão atinente à


validade ou não da prova e seu aproveitamento, cada vez mais, devem ser adotadas
cautelas diferenciadas na utilização desta modalidade probatória, ciente de que certas
medidas de controle consentâneas com os ensinamentos da psicologia tendem a produzir
uma prova de maior confiabilidade;

(x) por isso, na busca da melhora da qualidade da prova


decorrente dos procedimentos de reconhecimento, é de todo recomendável caminhar-se
para uma estandardização das práticas, o que passa, invariavelmente, pela adoção de
protocolos de atuação para fixar standards mínimos de qualidade, formalmente
institucionalizados e que sejam objeto de esforço interinstitucional entre as agências
persecutórias.

25
ANEXO 5

5
Atividade Legislativa

Projeto de Lei n° 3300, de 2019

Autoria: Senador Ciro Nogueira (PP/PI)


Iniciativa: Senador Ciro Nogueira (PP/PI)

Ementa:

Altera o art. 226 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, para regular o
procedimento de reconhecimento de pessoas.

Explicação da Ementa:
Determina que, nos procedimentos de reconhecimento pessoal ou fotográfico, o suspeito seja
posto ao lado de 5 indivíduos com fisionomia compatível com a sua, sendo possível a
apresentação de um grupo de pessoas que não o inclua. Prevê que a autoridade responsável
pela condução do ato não possa influenciar a pessoa chamada a fazer o reconhecimento,
devendo alertá-la sobre a possibilidade de o suspeito não estar entre aqueles apresentados
para o ato. Dispõe que o termo do ato de reconhecimento contenha o grau de certeza da
pessoa que fez o reconhecimento, além de que seja subscrito por 2 testemunhas que não
tenham presenciado o crime, nem sejam integrantes do sistema de segurança pública.

Assunto: Jurídico - Direito penal e processual penal

Data de Leitura: 04/06/2019

Em tramitação

Decisão: - Último local: -

Destino: - Último estado: 13/06/2019 - AGUARDANDO


DESIGNAÇÃO DO RELATOR

Despacho:
04/06/2019
Leitura da Matéria

Análise - Tramitação sucessiva, Instrução da matéria

(SF-CCJ) Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

TRAMITAÇÃO

13/06/2019 CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania


Situação: AGUARDANDO DESIGNAÇÃO DO RELATOR
Ação: Não foram oferecidas emendas no prazo regimental.
Matéria aguardando distribuição.

06/06/2019 CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania


Ação: Matéria sobre a Mesa desta Comissão aguardando recebimento de emendas.

pg 1
Atividade Legislativa
Projeto de Lei n° 3300, de 2019

TRAMITAÇÃO

05/06/2019 CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania


Ação: Matéria sobre a Mesa desta Comissão aguardando abertura de prazo para apresentação de emendas e posterior distribuição.

04/06/2019 SF-SEADI - Secretaria de Atas e Diários


Situação: AGUARDANDO RECEBIMENTO DE EMENDAS
Ação: Encaminhado à publicação.
À CCJ, em decisão terminativa.
(Este processado contém 03 (três) folhas numeradas).
Publicado no DSF Páginas 216 - DSF nº 82
Publicado no DSF Páginas 211-215 - DSF nº 82

04/06/2019 CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania


Ação: Prazo: Apresentação de Emendas a projeto terminativo em Comissão (Art. 122, II, "c", do RISF). De 06/06/2019 a 12/06/2019.
Perante a CCJ.

04/06/2019 PLEN - Plenário do Senado Federal


Ação: Leitura da matéria na sessão do SF nº89, em 04/06/2019.

DOCUMENTOS

PL 3300/2019

Data: 04/06/2019
Autor: Senador Ciro Nogueira (PP/PI)
Local: Plenário do Senado Federal
Descrição/Ementa: Altera o art. 226 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, para regular o procedimento de
reconhecimento de pessoas.

Avulso inicial da matéria

Data: 04/06/2019
Autor: Senado Federal
Local: Plenário do Senado Federal
Ação Legislativa: Encaminhado à publicação.
À CCJ, em decisão terminativa.
(Este processado contém 03 (três) folhas numeradas).
Descrição/Ementa: -

pg 2
SENADO FEDERAL
PROJETO DE LEI
N° 3300, DE 2019
Altera o art. 226 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo
Penal, para regular o procedimento de reconhecimento de pessoas.

AUTORIA: Senador Ciro Nogueira (PP/PI)

Página da matéria

Página 1 de 5 Parte integrante do Avulso do PL nº 3300 de 2019.


PROJETO DE LEI Nº , DE 2019

Altera o art. 226 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de


outubro de 1941 – Código de Processo Penal, para
regular o procedimento de reconhecimento de

SF/19700.43657-56
pessoas.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O art. 226 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de


1941 – Código de Processo Penal, passa a viger com a seguinte redação:

“Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o


reconhecimento de pessoa, pessoalmente ou por meio de fotografia,
proceder-se-á pela seguinte forma:
I - .....................................................................
II - a pessoa que se pretende reconhecer será colocada ao lado
de outras cinco, todas elas com fisionomia compatível com a
descrição fornecida, procedendo-se da mesma forma no caso de
reconhecimento por meio de fotografia;
III – a pessoa que fará o reconhecimento será convidada a
apontar o suspeito, sendo, antes, alertada sobre a possibilidade de ele
ou sua fotografia não estar incluído entre as pessoas ou fotografias
apresentadas;
IV - o ato de reconhecimento será reduzido a termo, indicando
se houve ou não o reconhecimento, bem como o grau de certeza da
pessoa que fez o reconhecimento, que assinará o termo juntamente
com a autoridade que conduziu o ato, além de duas testemunhas
presenciais, que não tenham presenciado o ato ilícito, nem sejam
integrantes do sistema de segurança pública.
§ 1º A autoridade responsável pela condução do ato de
reconhecimento não poderá, de forma alguma, influenciar a pessoa
chamada a fazer o reconhecimento.
§ 2º Se houver razão para recear que a pessoa chamada para o
reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não
diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a
autoridade providenciará para que esta não veja aquela.
§ 3º Se no primeiro reconhecimento o suspeito ou a sua
fotografia não for colocado junto às demais pessoas ou às suas

Página 2 de 5 Parte integrante do Avulso do PL nº 3300 de 2019.


2

fotografias, na forma do inciso II, somente se repetirá o


procedimento se a pessoa chamada a fazer o reconhecimento não
apontar nenhum suspeito.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor sessenta dias após a data da sua
publicação.

SF/19700.43657-56
JUSTIFICAÇÃO

No curso da investigação criminal, o equivocado


reconhecimento de pessoa é uma das principais razões que levam ao erro
judiciário. Com efeito, o regramento para o reconhecimento de pessoas
estabelecido no art. 226 do Código de Processo Penal (CPP) não garante a
fidedignidade dessa prova.

A angústia de condenar pessoas inocentes levou o


Departamento de Justiça dos EUA a elaborar um manual denominado
“EYEWITNESS EVIDENCE – A Guide for Law Enforcement”1, editado
em outubro de 1999. O projeto de lei que apresentamos nesta oportunidade
é inspirado nesse manual.

Para tornar confiável e diminuir a falibilidade do


reconhecimento de pessoas, propomos um procedimento que inclui diversas
medidas a saber:

1) o suspeito deve ser apresentado perfilado juntamente com


pelo menos outras cinco pessoas com características
fisionômicas parecidas com a dele;

2) pode-se apresentar um conjunto de perfilados sem incluir o


suspeito;

3) a pessoa chamada a fazer o reconhecimento será alertada


previamente de que o suspeito pode não estar no grupo de
pessoas a ser apresentado primeiramente;

1 https://www.ncjrs.gov/pdffiles1/nij/178240.pdf

Página 3 de 5 Parte integrante do Avulso do PL nº 3300 de 2019.


3

4) o ato de reconhecimento deverá ser acompanhado por duas


testemunhas que não tenham presenciado o ato ilícito, nem
sejam integrantes do sistema de segurança pública;

5) a autoridade responsável pela condução do ato não poderá


influenciar a pessoa chamada a fazer o reconhecimento.

SF/19700.43657-56
O mesmo procedimento é adotado em relação ao
reconhecimento de pessoas por meio de fotografias.

Acreditamos que essas medidas diminuirão a falibilidade do


reconhecimento de pessoas no âmbito da investigação criminal, evitando,
por conseguinte, o erro judiciário.

Em face do exposto, pedimos aos ilustres Parlamentares que


votem pela aprovação deste projeto.

Sala das Sessões,

Senador CIRO NOGUEIRA

Página 4 de 5 Parte integrante do Avulso do PL nº 3300 de 2019.


LEGISLAÇÃO CITADA
- Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941 - Código de Processo Penal - 3689/41
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto.lei:1941;3689

- artigo 226

Página 5 de 5 Parte integrante do Avulso do PL nº 3300 de 2019.

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