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Documento: 2033483 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/03/2021 Página 3 de 5
Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 639.792 - RS (2021/0010669-9)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
IMPETRANTE : MATHEUS GONCALVES DOS SANTOS TRINDADE
ADVOGADO : MATHEUS GONÇALVES DOS SANTOS TRINDADE -
RS101928
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PACIENTE : JEFERSON TABORDA PEREIRA
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
RELATÓRIO
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HABEAS CORPUS Nº 639.792 - RS (2021/0010669-9)
EMENTA
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VOTO
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realizado e modo diverso.
Nesse sentido, remansosa a orientação do Superior Tribunal de
Justiça, consoante faz ver o aresto assim ementado:
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relativamente judicium accusationis atinente aos processos da
competência do Tribunal do Júri, resulta, em verdade, da
circunstância de que, nessa fase, não vige o princípio (este sim) do in
dubio pro reo. E pela singela razão de que se está diante de mera
admissibilidade da pretensão acusatória, pois a decisão de
condenação ou absolvição do acusado compete, modo exclusivo,
ao Conselho de Sentença.
Mais, o princípio do favor rei não se confunde com o da
presunção de inocência insculpido no art. 5º, LVII, da
Constituição Federal, mas dele decorre e constitui um aspecto que
guarda relação com a avaliação da prova cuja insuficiência, quer para
evidenciar a existência do fato, quer a da autoria desse, impõe a
prolação de decisão absolutória.
Oportuno salientar que a legislação infraconstitucional traz dispositivo
que, expressamente, contempla o princípio do in dúbio pro reo, o art.
386, inc. VI, do Código de Processo Penal, estabelecendo que
fundada dúvida acerca da presença de causa que exclua o crime ou a
culpabilidade determina solução absolutória.
Claro está, outrossim, que a previsão tem a ver, tão-somente, com
resultado final da ação penal, que leva à condenação ou à
absolvição do acusado e, por isso, guarda relação com o estado de
inocência.
Todavia, como no judicium accusationis, não há possibilidade de
prolação de decisão condenatória, senão que apenas a de
admissibilidade da acusação, pois reservada aquela, modo exclusivo
e por disposição constitucional, ao Tribunal do Júri, não há cogitar da
observância do favor rei na fase de pronúncia, pois nessa, em
hipótese alguma, poderá o réu ser condenado.
De outra banda, poderá o juiz singular, isto sim, absolver o
acusado, o que constitui exceção à regra constitucional que
confere ao Tribunal do Júri competência para o julgamento dos
processos que envolvam a prática de crimes contra a vida. Mais,
tanto se afigura permitido em quatro hipóteses [art. 415, incisos I
a IV, do CPP], tão-somente, e passam elas ao largo da dúvida.
Aliás, as hipóteses de absolvição sumária foram retiradas daquelas
previstas no art. 386 do Código de Processo Penal que trata de
decisão absolutória nos processos da competência do juiz singular.
Contudo, não foram reproduzidas no art. 415 do precitado diploma
legal as que guardam relação com eventual dúvida, a saber: não
haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu
concorrido para a infração penal; houver fundada dúvida acerca da
existência de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de
pena; não existir prova suficiente para a condenação.
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Resulta evidente, portanto, que o legislador infraconstitucional
afastou a incidência do princípio do in dúbio pro reo na fase do
judicium accusationis dos processos instaurados pela prática de
crimes contra a vida. E o fez, repise-se, em virtude da competência,
de previsão constitucional, conferida ao Tribunal do Júri, para
julgamento das ações penais instauradas em virtude do cometimento
de tais infrações.
E doutrina e jurisprudência, definiram, inapropriadamente, tal situação,
criando o brocardo (de princípio não se trata) in dubio pro societate,
hoje largamente utilizado quando presente dúvida que, diante da não
observância (repita-se, estabelecida pelo legislador) do favor rei, não
enseja a impronúncia, senão que impõe a sujeição do réu a julgamento
pelo Tribunal do Júri.
Registro, ainda, diante do consignado pela defesa, que de presunção
(a favor da acusação) não se trata, tampouco de inversão no ônus da
prova, senão que de permitir que os elementos probatórios sejam
aferidos por quem é competente para realizar o julgamento, o Tribunal
do Júri.
Mais, tratando-se o judicium accusationis de mero juízo de
admissibilidade da acusação, revela-se anódina a questão,
sempre ventilada na ausência de outros argumentos, atinente à
presunção de inocência, mesmo porque nenhuma decisão de
pronúncia atribui ao réu a condição de culpado, senão que
admite a acusação, o que tem o só significado de submeter esse a
julgamento por seus pares.
Por isso que não se está diante de alteração da presunção referida, de
hierarquia constitucional, por norma infraconstitucional, estando-se, se
observado o quanto pretendido pela defesa, isto sim, a usurpar a
competência constitucionalmente conferida ao Tribunal do Júri.
Por outro turno, pode-se ter dúvida sobre ser o réu, ou não, autor
da infração, mas não acerca da presença, ou não, de indícios
suficientes de autoria, mesmo porque se encontra em dicionário
como significado de indícios circunstâncias que estabelecem uma
relação com o crime, sendo, a partir delas, possível estabelecer
hipóteses sobre os culpados ou sobre a maneira como o crime foi
cometido.
[...]
Aliás, no caso presente, vê-se que o sentenciante, em caráter
preliminar e porque instado pela defesa a se manifestar genericamente
sobre o tema, limitou-se a afirmar que a sentença de pronúncia deve
ser prolatada com a observância do brocardo in dubio pro societate
e não do princípio do in dubio pro reo, que da presunção de
inocência decorre, registrando, logo após, que deve ser determinado o
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julgamento de crimes dolosos contra a vida pelo Tribunal do Júri
quando existentes provas da materialidade do crime e indícios
suficientes de autoria, o que, como visto, decorre de competência
constitucionalmente outorgada aos jurados e de procedimento
expressamente previsto na legislação processual penal. E não
manifestou, a propósito, dúvida alguma com relação à existência
de indícios de autoria – o que, à evidência, não seria possível fazer,
porquanto se trata de questão objetiva, como visto.
[...]
Assim, afirmada a autoria recusada pelo denunciado por
testemunhas que presenciaram o crime, tanto é o que basta para
a submissão do denunciado a julgamento perante o Tribunal do
Júri.
Se não, vejamos.
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medidas necessárias a sua garantia” (art. 129, II).
7. Na espécie, o reconhecimento do primeiro paciente se deu por
meio fotográfico e não seguiu minimamente o roteiro normativo
previsto no Código de Processo Penal. Não houve prévia
descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras
fotografias de possíveis suspeitos; ao contrário, escolheu a
autoridade policial fotos de um suspeito que já cometera outros crimes,
mas que absolutamente nada indicava, até então, ter qualquer ligação
com o roubo investigado.
8. Sob a égide de um processo penal comprometido com os
direitos e os valores positivados na Constituição da República,
busca-se uma verdade processual em que a reconstrução histórica
dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que
assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional;
uma verdade, portanto, obtida de modo “processualmente
admissível e válido” (Figueiredo Dias).
9. O primeiro paciente foi reconhecido por fotografia, sem
nenhuma observância do procedimento legal, e não houve
nenhuma outra prova produzida em seu desfavor. Ademais, as
falhas e as inconsistências do suposto reconhecimento – sua
altura é de 1,95 m e todos disseram que ele teria por volta de 1,70 m;
estavam os assaltantes com o rosto parcialmente coberto; nada
relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade
policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de que
poderia ser ele um dos autores do roubo – ficam mais evidentes com
as declarações de três das vítimas em juízo, ao negarem a
possibilidade de reconhecimento do acusado.
10. Sob tais condições, o ato de reconhecimento do primeiro
paciente deve ser declarado absolutamente nulo, com sua
consequente absolvição, ante a inexistência, como se deflui da
sentença, de qualquer outra prova independente e idônea a
formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de
roubo que lhe foi imputado.
11. Quanto ao segundo paciente, teria, quando muito – conforme
reconheceu o Magistrado sentenciante – emprestado o veículo usado
pelos assaltantes para chegarem ao restaurante e fugirem do local do
delito na posse dos objetos roubados, conduta que não pode ser tida
como determinante para a prática do delito, até porque não se logrou
demonstrar se efetivamente houve tal empréstimo do automóvel com a
prévia ciência de seu uso ilícito por parte da dupla que cometeu o
roubo. É de se lhe reconhecer, assim, a causa geral de diminuição de
pena prevista no art. 29, § 1º, do Código Penal (participação de
menor importância).
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12. Conclusões: 1) O reconhecimento de pessoas deve observar o
procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal,
cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se
encontra na condição de suspeito da prática de um crime;
2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a
inobservância do procedimento descrito na referida norma
processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e
não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se
confirmado o reconhecimento em juízo;
3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento
formal, desde que observado o devido procedimento probatório,
bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do
exame de outras provas que não guardem relação de causa e
efeito com o ato viciado de reconhecimento;
4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s)
ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do
reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a
eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como
prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
13. Ordem concedida, para: a) com fundamento no art. 386, VII, do
CPP, absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em relação à prática
do delito objeto do Processo n. 0001199-22.2019.8.24.0075, da 1ª
Vara Criminal da Comarca de Tubarão - SC, ratificada a liminar
anteriormente deferida, para determinar a imediata expedição de alvará
de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso; b)
reconhecer a causa geral de diminuição relativa à participação de
menor importância no tocante ao paciente Igor Tártari Felácio,
aplicá-la no patamar de 1/6 e, por conseguinte, reduzir a sua
reprimenda para 4 anos, 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de
10 dias-multa.
Dê-se ciência da decisão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos
Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem
como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores
dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que
façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial
de investigação.
(HC n. 598.886/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe
18/12/2020, grifei.)
Exemplificativamente:
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[...] 3. O acórdão recorrido está alinhado à jurisprudência desta Corte
Superior, no sentido de que as disposições contidas no art. 226 do
Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal,
e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de
nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal)
de forma diversa da prevista em lei (AgRg no AREsp n.
1.054.280/PE, de minha relatoria, Sexta Turma, DJe 13/6/2017). [...]
(REsp n. 1.853.401/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T.,
DJe 4/9/2020, grifei.)
V. Dispositivo
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA
Relator
Exmo. Sr. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE
Secretária
Bela. GISLAYNE LUSTOSA RODRIGUES
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : MATHEUS GONCALVES DOS SANTOS TRINDADE
ADVOGADO : MATHEUS GONÇALVES DOS SANTOS TRINDADE - RS101928
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE : JEFERSON TABORDA PEREIRA
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr. MATHEUS GONÇALVES DOS SANTOS TRINDADE, pela parte PACIENTE: JEFERSON
TABORDA PEREIRA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Sexta Turma, por unanimidade, concedeu o habeas corpus, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior
votaram com o Sr. Ministro Relator.
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