Segundo determina o art. 226 do CPP, quando houver necessidade de se proceder
ao reconhecimento de pessoa, o reconhecedor deverá descrever a pessoa que deva ser reconhecida; após, a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la. Do ato de reconhecimento deve lavrar-se auto pormenorizado, subscrito pela au toridade, pelo reconhecedor, e por duas testemunhas presenciais (art. 226, IV, do CPP). O reconhecimento, que será sempre individual, sob pena de nulidade, poderá ser procedido pela autoridade policial – durante as investigações – e será considerado um elemento informativo,ou se produzido durante o processo, constituirá,nessa última hipótese,uma prova propriamente dita. E se esse procedimento probatório detalhado em lei não for seguido? Até recentemente, boa parte da doutrina e da jurisprudência entendiam que o não atendimento do procedimento probatório previsto no art. 226 do CPP, caracterizaria mera irregularidade formal, sem consequências processuais. Em nova posição sobre o tema, a 6ª Turma do STJ11 fixou a compreensão que esse procedimento probatório é uma garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime, e sua inobservância torna inválido o reconhecimento, de modo que seu cumprimento integral é uma injunção legal imposta aos delegados de polícia e aos magistrados. A inobservância do procedimento probatório do ato de reconhecimento, ao tornar inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, não servirá de lastro a eventual condenação, se essa se basear exclusivamente nessa prova. A tese fixada compreende os seguintes pontos, in verbis12: “1- Tanto o reconhecimento fotográfico quanto o reconhecimento presencial de pessoas efetuados em sede inquisitorial devem seguir os procedimentos descritos no art. 226 do CPP, observada a ressalva, contida no inciso II do mencionado dispositivo legal, de que a colocação de pessoas semelhantes ao lado do suspeito será feita sempre que possível devendo a impossibilidade ser devidamente justi ficada, sob pena de invalidade do ato. 11 STJ - HC 598.886. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. 12 STJ- HC 651.284 (2021/0076934-3). Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Tribunal do Júri 8ª Edição Walfredo Cunha Campos 2- O reconhecimento fotográfico constitui prova inicial que deve ser referendada por reconhecimento presencial do suspeito e, ainda que o reconhecimento foto gráfico seja confirmado em juízo, não pode ele servir como prova isolada e única da autoria do delito, devendo ser corroborado por outras provas independentes e idôneas produzidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 3- O reconhecimento de pessoas em juízo também deve seguir o rito do art. 226 do CPP. 4- A inobservância injustificada do procedimento previsto no art. 226 do CPP enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para a condenação do réu, ainda que confirmado em juízo, o reconhecimento realizado na fase inqui sitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva”. Em suma, segundo essa compreensão do assunto, se, na delegacia de polícia, ao se proceder ao reconhecimento do então indiciado, não forem cumpridas as determinações do art. 226 do CPP – ou seja, não houver descrição prévia de quem se pretendia reconhecer; não tiverem sido colocadas outras pessoas ao lado de quem se pretendia reconhecer; o ato não tiver sido individual; não tiver sido providenciada a lavratura de auto pormenorizado, esse elemento informativo (reconhecimento de pessoa) será imprestável, de modo que, mesmo que o reconhecedor, em juízo, confirme o reconhecimento, não servirá de lastro à condenação. De idêntica forma, se não for seguido o procedimento probatório em juízo, a nulidade desse elemento de convicção será manifesta. Em miúdos: procedido ao reconhecimento de pessoa, na fase do inquérito policial, ao arrepio das prescrições legais do art. 226 do CPP, mesmo que tal reconhecimento seja confirmado pelo reconhecedor, quando prestar seu depoimento juízo, não se autorizará a condenação, se não houve outro elemento de prova que torne possível a condenação; apenas na hipótese de existir outra prova convincente – além do indigitado reconhecimento falho e, por isso, imprestável – será possível a condenação. Importante um aprofundamento do tema: o descumprimento, pela autoridade policial, das formalidades legais atinentes ao reconhecimento pessoal, não poderia ter o condão de tornar inválido eventual outro reconhecimento, realizado em juízo, em que se tenha cumprido todo o procedimento probatório: o elemento informativo inválido, que é o reconhecimento pessoal procedido durante o inquérito violando as determinações legais, não poderia contaminar um ato probatório processual – produzido em juízo, sob o manto do contraditório e da ampla defesa – que tenha cumprido – à risca – as determinações do art. 226 do CPP. A independência e a natureza completamente distintas dos atos repu diariam essa pretendida contaminação. No entanto, deve-se compreender que, no caso de reconhecimento, a situação é diferenciada. Um elemento informativo produzido na fase do inquérito policial sem que tenham cumpridas todas as suas formalidades legais pode ser sucedido pela produção absolutamente regular de idêntica prova, em juízo, o que afasta a invalidade anterior. Exemplos: uma acareação em que aos acareados não se impõem que expliquem os pontos de suas divergências, é substituída por uma acareação regular (art. 229 do CPP); um gráfico elaborado por policiais com conclusões equivocadas a respeito 56 |CAPÍTULO 6 Pronúncia das lesões suportadas pelo cadáver da vítima, pode ser substituído por irretocável laudo necroscópico (cadavérico), esquemas e gráficos anexados pelo médico legista (art. 165 do CPP). No caso do reconhecimento irregular (pessoal ou fotográfico) produzido na de legacia de polícia, ou seja, que não tenha seguido as prescrições do art. 226 do CPP, o ato de reconhecimento em si estaria comprometido, viciado, contaminado: quem produz a prova de reconhecimento (o reconhecedor) teria sua capacidade de identificação- sua memória viciada, pela contaminação, ou, no mínimo, colocada em dúvida, pois, a cada vez que fosse convidado a reconhecer- mesmo que em juízo, identificaria, não necessariamente quem cometeu o crime, mas quem reconheceu, de maneira irregular, na delegacia de polícia; seria um reconhecimento da pessoa que lhe foi apresentada no reconhecimento ilegal anterior, e não um reconhecimento de pessoa que teria cometido o crime. Desse modo, mesmo que haja um reconhecimento em juízo, cumprindo-se todas as formalidades do art. 226 do CPP, se o reconhecimento anterior, na delegacia de polícia, não tiver seguido o procedimento probatório legal, a prova produzida em juízo não poderá, por si só, justificar uma condenação, a não ser que haja outro elemento de convicção independente. Claro que o descumprimento das exigências legais do reconhecimento, na fase policial e judicial, ou apenas na fase judicial, acarretará o mesmo efeito: a imprestabilidade da prova. De outro giro, o reconhecimento realizado na delegacia de polícia descumprindo as formalidades legais e se for meramente ratificado, quando do depoimento do reco nhecedor, ou seja, sem se proceder a novo reconhecimento em juízo, essa mera ratificação do reconhecimento anterior, não autoriza a condenação do acusado, se for essa a única prova em face dele. Quanto ao reconhecimento fotográfico, deverá seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, e deve ser encarado como mera prova inicial que depende ser referendada por reconhecimento presencial do suspeito; mesmo que o reconhecimento fotográfico seja confirmado em juízo, não pode servir como prova isolada da autoria, e deve ser confirmado por prova independente. Significa dizer que o reconhecimento fotográfico pode ser a base inicial de uma investigação, inclusive para fundamentar a decretação da prisão preventiva13, mas mesmo que todo o trâmite do art. 226 do CPP seja seguido, na fase policial e judicial (com dois reconhecimentos por fotografia), não poderá, isoladamente, essa prova, justificar uma condenação. O reconhecimento por foto de mídia social como Facebook, Instagram, não é válido, se não seguir o rito probatório do art. 226 do CPP14. De idêntica maneira, mera exibição de prints fotográficos do suspeito, sem se cumprir o rito do reconhecimento, acarreta a nulidade da prova15, ou a de foto, por meio de WhatsApp16. Mas ante a todas essas regras probatórias legais, agora tidas como obrigatórias, há uma ressalva apontada pelo STJ: cumpridas as prescrições do art. 226 do CPP, no geral, com a descrição prévia de quem se vai reconhecer, colocação ao lado dele de outras pessoas, reconhecimento individualizado (impedindo-se o reconhecimento de dois ou mais reco nhecedores e/ou dois ou mais reconhecidos, ao mesmo tempo), não haverá nulidade da 13 STJ- 6ª T. HC 651.595. Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro. 14 STJ- HC 617.717/DF (2020/0262983-8). Rel. Minª. Laurita Vaz 15 STJ- HC 697.428. Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro. 16 STF- RHC 206846. Rel. Min. Gilmar Mendes. | 57Tribunal do Júri 8ª Edição Walfredo Cunha Campos prova, se não tiverem sido colocados, ao lado de quem se pretendia reconhecer, pessoas com semelhança física, como ressalva o inciso II do art. 226 do CPP: “a pessoa, cujo reco nhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança (...)”. Sendo assim, a não colocação de pessoa semelhante ao lado de quem se pretende reconhecer não gerará nulidade, desde que tal impossibilidade seja devidamente justificada. Logo, se não for justificada a impossibilidade, o reconhecimento será nulo como prova; evidentemente que, se quem tiver que ser reconhecido não for co locado ao lado de mais ninguém- semelhantes fisicamente ou não- com maior razão ainda, a nulidade da prova seria inevitável. Adaptando essa questão da validade ou não do reconhecimento ao rito do Júri, chegamos às seguintes conclusões:
Da não violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) em face da execução provisória da pena após condenação em segunda instância