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EXMO. SR.

JUIZ DE DIREITO DA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE


CONTAGEM/MG

JOAQUIM DAS DORES, já qualificado nos autos do processo nº, que lhe move a Justiça
Pública, por não se conformar com a decisão que o pronunciou, vem por meio de seu
advogado infra-assinado (procuração anexa) interpor RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, com
fulcro no inciso IV do art. 581 do CPP.

Dessa forma, requer o recebimento e o processamento do presente recurso, com a reforma


da decisão impugnada em juízo de retratação, nos termos do art. 589 do CPP. No entanto,
em respeito ao princípio da eventualidade, caso não se entenda pela retratação, que os
autos sejam enviados com as razões inclusas ao Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais
para julgamento.

Nestes termos em que requer deferimento.

Local e data.

Assinatura do advogado
OAB
RAZÕES DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
RECORRENTE: JOAQUIM DAS DORES
RECORRIDA: JUSTIÇA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

AUTOS Nº

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS,


COLENDA CÂMARA,
NOBRE DESEMBARGADOR RELATOR,
DOUTOR PROCURADOR DE JUSTIÇA

Em que pese o enorme saber jurídico do Magistrado de primeiro grau, a decisão de


pronúncia deve ser reformada, de acordo com os fatos e fundamentos a seguir expostos.

DOS FATOS
Joaquim das Dores é réu no processo como incurso no §2º do inciso IV do art. 121 do CP por
supostamente ser autor do homicídio de João das Couves de Andrade. O crime aconteceu às
22h do dia 2 de junho de 2019, quando João estava acompanhado de sua irmã, Maria Flor de
Andrade, que havia se afastado um pouco para comprar pipoca. Ela ouviu os tiros que
alvejaram o irmão e correu para tentar salvá-lo, momento em que o agressor fugiu do local
em uma moto. João foi levado para o Hospital de Contagem, em estado grave, mas não
resistiu aos ferimentos e faleceu poucos dias após o crime no nosocômio. Durante a
investigação do homicídio, o delegado pediu a Maria para que fizesse o reconhecimento do
autor do crime. Para isso, mostrou-lhe várias fotos de indivíduos que haviam sido presos em
flagrante naquela região pelo cometimento de delitos diversos. A moça reconheceu o réu
como provável autor do delito, já que, segundo ela, ambos eram brancos, magros e
possuíam a cabeça raspada
O MM Juiz de Direito, após requerimento do Ministério Público, decretou a prisão
preventiva do réu sob o fundamento de que a cautelar seria necessária para resguardar a
ordem pública. Após a audiência de instrução de julgamento, ao final da primeira fase do
Tribunal do Júri, o Magistrado entendeu por bem em pronunciar o réu, além de manter a
prisão preventiva. Contudo, a decisão de pronúncia deve ser reformada, de acordo com os
fundamentos a seguir expostos.
DOS FUNDAMENTOS
A decisão de pronúncia manteve o réu preso provisoriamente sem fundamentação. O juiz se
limitou a dizer que manteria a prisão preventiva sob todos os seus fundamentos. No
entanto, em respeito aos regramentos constitucionais e legais, nenhuma decisão pode
carecer de fundamentação. A falta de motivação deve ser entendida, inclusive, como
cerceamento de defesa, já que é impossível pleitear a liberdade do réu sem que se saiba o
motivo que ensejou a sua prisão ou a sua manutenção.
A jurisprudência é uníssona quanto à necessidade de fundamentação da prisão preventiva
decorrente de pronúncia, não sendo possível a sua manutenção automática, como prevê o
art. 585 do CPP
De acordo com o inciso LVII do art. 5º da CF, todos somos considerados inocentes até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Trata-se do princípio da inocência ou
não culpabilidade, ou seja, ninguém pode ser considerado culpado até a imutabilidade da
sentença penal condenatória. Portanto, a prisão cautelar deve ser entendida como medida
excepcional e, por esse motivo, a sua aplicação é restrita, devendo estar bem
fundamentada, sob pena de se mostrar ilegal.
Para obediência às normas constitucionais, o art. 282 do CPP orienta o julgador a observar a
existência de proporcionalidade em sentido amplo para a decretação de medidas cautelares,
ou seja, antes de decretar qualquer cautelar, o Magistrado deve observar a existência do
trinômio necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Portanto, para
que haja o encarceramento precoce, é necessário que se avalie se esta restrição terá uma
finalidade prática e uma maior proteção ao bem jurídico tutelado.
A prisão provisória será necessária se ficar comprovado que a liberdade do indivíduo possa
causar gravame à sociedade ou ao regular andamento do processo.
A cautelar aplicada também precisa ser adequada ao fim a que se propõe. Isso quer dizer
que deve ser a menos gravosa possível, com preferência de aplicação das cautelares diversas
da prisão, isolada ou conjuntamente, evitando-se ao máximo o encarceramento provisório.
A proporcionalidade em sentido estrito pode ser entendida como a medida capaz de
proteger o bem jurídico tutelado sem se exceder.
Dessa forma, a prisão preventiva deve ser imediatamente revogada, por falta de
fundamentação legal para a sua manutenção, caso não se entenda pela revogação que seja
estabelecida cautelar diversa da prisão presente no art. 319 do CPP, sob pena de violação da
dignidade do réu.
Quanto ao motivo que levou à pronúncia do réu, percebe-se clara violação ao princípio
constitucional do devido processo legal, já que ele foi denunciado com base em provas
manifestamente ilícitas, em total descompasso às formalidades exigidas no art. 226 do CPP.
Percebam, nobres julgadores, que o juiz não deveria sequer ter recebido a denúncia, tendo
tornado réu um indivíduo que fora reconhecido, por alguém que se encontrava abalada
psicologicamente depois de o irmão ter sido vitimado por tiros. A própria testemunha se
sentiu insegura para realizar o reconhecimento fotográfico, já que, além de o seu estado
emocional estar comprometido, o local do delito estava escuro, tornando o reconhecimento
difícil. Isso nos faz crer que a única prova utilizada para pronunciar o réu e mantê-lo preso é
frágil e ilegal.
Sabe-se que o reconhecimento fotográfico tem sido amparado pela doutrina majoritária e
aceito pelos tribunais superiores. Contudo, deverá estar associada a um conjunto probatório
robusto para embasar a denúncia e propiciar uma futura condenação penal. Por esse
motivo, os tribunais superiores, de forma pacífica, entendem pela impossibilidade de
condenação penal com base unicamente em reconhecimento fotográfico.
Este é o entendimento do STJ:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2°, I, DO CP.
CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU FUNDAMENTADA EM
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DO RÉU. NÃO OBSERVÂNCIA DO ART.
226 DO CPP. PALAVRA DA VÍTIMA QUE CONFIRMOU, EM JUÍZO, TER FEITO O
RECONHECIMENTO, SEM RATIFICAÇÃO DO ATO. AUSÊNCIA DE PROVA
VÁLIDA PARA A CONDENAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O reconhecimento
fotográfico, como meio de prova, é apto para identificar o réu e fixar a
autoria delitiva somente quando corroborado por outras provas, colhidas
sob o crivo do contraditório. 2. O reconhecimento do paciente por
fotografia - realizado na fase do inquérito -, sem observância das regras
procedimentais do art. 226 do CPP, não foi repetido em Juízo ou referendado
por outras provas judiciais, inidôneo, portanto, para lastrear a condenação
em segundo grau. Na fase judicial, a vítima apenas confirmou o boletim de
ocorrência e o reconhecimento em si, mas não identificou novamente o
acusado, nem sequer por meio de imagem. 3. Não pode ser validada à
condenação, operada em grau de recurso por órgão colegiado distante da
prova produzida pelo Juiz natural da causa, baseada única e exclusivamente
em reconhecimento fotográfico realizado na polícia, sem respeito às
fórmulas do art. 226 do CPP. Não se trata de negar validade ao depoimento
da vítima e, sim, de negar validade a condenação baseada em elemento
informativo colhido em total desacordo com as regras probatórias e sem o
contraditório judicial. 4. Sob a égide de um processo penal de cariz
garantista, que nada mais significa do que concebê-lo como atividade
estatal sujeita a permanente avaliação de conformidade com a Constituição
(‘O direito processual penal não é outra coisa senão Direito constitucional
aplicado’, dizia-o W. Hassemer), busca-se uma verdade processual onde a
reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo vincula-se a regras precisas,
que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional.
5. Não é despiciendo lembrar que, em um modelo assim construído e
manejado, no qual sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do
indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade,
dúvidas relevantes no espírito do julgador hão de merecer solução favorável
ao réu (favor rei). Afinal, ‘A certeza perseguida pelo direito penal máximo
está em que nenhum culpado fique impune, à custa da incerteza de que
também algum inocente possa ser punido. A certeza perseguida pelo direito
penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido à
custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune’ (LUIGI
FERRAJOLI) 6. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício,
para anular a condenação do paciente, restabelecer a sentença absolutória
e ordenar sua soltura, salvo se por outro título judicial estiver preso. (HC
232.960/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado
em 15/10/2015, DJe 06/11/2015)

Portanto, não restam dúvidas que aqui não se discute a possibilidade de utilização
fotográfica como elemento probatório a corroborar outros meios de prova já existentes,
mas a sua utilização como única forma existente para comprovar a autoria do delito deve ser
repelida.
O art. 157 CPP assim preceitua:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais (BRASIL, 1941, [s. p.]).

Nas palavras de Alves:


A doutrina considera a existência do gênero prova proibida ou vedada ou
inadmissível, tendo como espécies a prova ilícita, violadora de regra de
direito material (exemplo: confissão obtida mediante tortura; interceptação
telefônica realizada sem autorização judicial), e a prova ilegítima, aquela
obtida mediante violação de regra processual (exemplo: laudo pericial
confeccionado por apenas um perito não oficial). O CPP (e a própria
Constituição Federal), porém, não acolhe essa distinção, tratando uma
prova que viole norma constitucional ou legal sempre como prova ilícita.
(ALVES, 2019, p.)

Dessa forma, tendo em vista a utilização de prova em total desacordo ao ordenamento


jurídico e comprovadamente nula, não há outra opção senão o seu desentranhamento dos
autos.
No entendimento de Távora e Alencar (2019, p. 1543), “as hipóteses passíveis de nulidade
não representam rol taxativo, mas exemplificativo. O CPP brasileiro adotou um sistema
eclético (com características dos sistemas legal e judicial/instrumental)”.
Os mesmos autores, utilizando-se dos ensinamentos de Paulo Rangel, explicam o que seriam
o sistema da certeza legal e o sistema da instrumentalidade das formas:
O sistema da certeza legal é aquele em que o legislador, desconfiado do Juiz,
diz expressamente, em quais casos haverá aplicação da sanção de nulidade,
não dando a ele a discricionariedade para que possa perquirir se realmente
o ato deve ser invalidado. O sistema da instrumentalidade das formas, com
base no qual o Juiz tem liberdade de decidir se o ato imperfeito deve,
realmente, ser declarado inválido, ou seja, mesmo não estando previsto no
art. 564, o Juiz deve investigar se o ato é atípico ou se merece ser invalidado.
(TÁVORA; ALENCAR, 2019, p. 1543)
Dessa forma, por a pronúncia estar baseada apenas em reconhecimento fotográfico com
desobediência às formalidades legais, a nulidade se mostra como única forma de
restabelecimento da justiça e possibilidade de diminuição dos danos causados ao réu.
Após toda a fundamentação, percebe-se que a utilização de prova tida como inadmissível
macula todo o processo e fere o devido processo legal, devendo, portanto, ser declarada sua
nulidade com posterior desentranhamento do processo.
Assim, imperiosa se torna a reforma da decisão com impronúncia do réu, já que inexistem
indícios suficientes de ser ele o autor do delito

DOS PEDIDOS
Posto isso, requer seja conhecido e provido o presente recurso para que a decisão de
pronúncia seja reformada com imediata soltura do réu. Caso não se entenda pela
impronúncia, o que não se espera e apenas se aceita pelo princípio da eventualidade, que o
réu possa responder ao processo em liberdade, revogando-se, assim, a prisão preventiva
com expedição de alvará de soltura.

Nestes termos em que requer deferimento.

Local e data.

Advogado
OAB nº

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