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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

NJG
Nº 70054312905 (N° CNJ: 0155917-51.2013.8.21.7000)
2013/CRIME

APELAÇÃO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.


IDENTIDADE FISICA DO JUIZ. VÍCIO DE
FUNDAMENTAÇÃO. JUSTIFICAÇÃO DO
VEREDICTO CONDENATÓRIO, TAMBÉM, EM
ENTREVISTA DE ATRIZ À REVISTA DE MODA.
DECISÃO CRIMINAL QUE COMPORTA ANÁLISE
JURÍDICA SÉRIA, EM FACE DA DIMENSÃO
CONDENATÓRIA E DA IMPUTAÇÃO DE PENA
CRIMINAL. TRATA-SE DE ATO JURISDICIONAL
INTEGRADOR DE TUTELA JURÍDICA EFETIVA.
1. Segundo o art. 399, § 2º, do CPP, o magistrado
que presidiu a instrução deverá proferir a
sentença. Essa determinação legal há de ser
interpretada dentro da normalidade dos fatos da
vida e das demais disposições do sistema
criminal, numa perspectiva do racional e razoável.
Um dos nortes possíveis é a aplicação subsidiária
do disposto no artigo 132 do CPC como critério
para definir, a priori, as hipóteses de exceção à
identidade física do magistrado no processo penal.
De qualquer forma, em todos os casos, a
inaplicabilidade do art. 399, § 2º, do CPP, há de ser
devidamente fundamentada nos autos, nos termos
do artigo 93, IX, da CF. Dos autos não se infere o
motivo por que outro magistrado proferiu o
veredicto e não o seu titular.
2. Da garantia constitucional de motivação das
decisões judiciais emana a exigência de
fundamentação da sentença com base nas provas
produzidas sob o crivo do contraditório judicial.
Impropriedade da fundamentação da decisão
condenatória em argumentos abstratos em prol de
um maior rigor no combate ao tráfico de
entorpecentes e em entrevistas concedidas por
atores a revistas de moda;
3. A sentença criminal há de compreender a
situação fática e jurídica dos autos. Por ser ato
jurídico, sua fundamentação, em face da
necessidade constitucional de prestação da tutela
judicial efetiva, há de conter suporte jurídico
autêntico;
4. Situação concreta do decisum que, embora
objeto de embargos declaratórios corretivos de
erro material, ainda não reflete a realidade do
processo, na medida em que refere condutas não
imputadas na peça incoativa e nem integrantes da
prova produzida nos autos; em que na
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fundamentação diz ser o réu primário, para logo


adiante, na fixação da pena e no afastamento da
causa especial de diminuição desta, referir não ser
primário; por fundamentar motivos na ordem de
formulação de perguntas às testemunhas, sem que
isso tenha sido objeto de impugnação das partes
(art. 212 do CPP).

SENTENÇA ANULADA

APELAÇÃO CRIME TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70054312905 COMARCA DE PORTO ALEGRE

FELIPE CARDOSO APELANTE

MINISTERIO PUBLICO APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em acolher as
preliminares de nulidade suscitadas pelo recorrente para anular a sentença,
determinando seja outra proferida pelo magistrado que presidiu a instrução
processual, nos termos do artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal,
vencido o Des. Jayme Weingartner Neto que as rejeitava. Prejudicado o
exame do mérito. Expeça-se alvará de soltura ao réu, por esse processo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os
eminentes Senhores DES. DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO E
DES. JAYME WEINGARTNER NETO.
Porto Alegre, 03 de outubro de 2013.

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DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI,


Relator.

RELATÓRIO
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI (RELATOR)
O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra F.C.,
dando-o como incurso nos artigos 33 e 35, da Lei 11.343/06, e no artigo 244-
B da Lei 8069/90, pelos seguintes fatos delituosos:

1) Desde data não especificada no curso das investigações


policiais até o dia 30 de agosto de 2012, por volta das 19h30min,
no bairro Cristal, nas proximidades da Avenida Icaraí, nesta
Capital, o denunciado F.C. associou-se ao adolescente R.V.G.,
este com apenas 13 anos de idade, para praticar o crime previsto
no artigo 33 da Lei 11.343/06, tráfico ilícito de entorpecentes, que
consistia, sobretudo, em cocaína, sob as formas em pó e de crack,
e cannabis sativae, popularmente conhecida por maconha.

2) No dia 30 de agosto de 2012, por volta das 19h30min, e em


tempos mais remotos, na Avenida Icaraí, 698, e em vila próxima,
bairro Cristal, nesta Capital, o denunciado F.C., em comunhão de
esforços e conjugação de vontades com o adolescente R.V.G.,
transportava, trazia consigo e guardava, para fins de tráfico,
drogas, 395 pedras de cocaína, na forma de crack, pesando
aproximadamente 138 gramas, 84 petecas de cocaína, em pó,
pesando em torno de 30 gramas, e 34 tijolinhos de cannabis
sativae, conhecida também por maconha, com peso aproximado
de 35 gramas, consoante auto de apreensão da fl. 25 do APF,
entorpecentes que causam dependência física, química e psíquica
a seus consumidores, conforme laudos de constatação das
naturezas das substâncias apreendidas das fls. 34-6 do APF, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.
Nas ocasiões descritas nos itens acima, policiais avisaram seus
colegas que se encontravam em barreira na Avenida Icaraí que
para lá se deslocava o automóvel FIAT/PÁLIO EL, preto, placas
CMH2440, dirigido pelo menor R.V.G., estando na carona o
denunciado F.C., carregando drogas, para fins de tráfico, e armas
de fogo. Na sequência, o adolescente parou o veículo na segunda
abordagem realizada na barreira policial, oportunidade em que os
agentes do Estado passaram a revistar o veículo, encontrando
espalhado em seu interior a quantidade expressiva e variedade
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das drogas supraidentificadas, que se destinavam ao tráfico


realizado pelo denunciado e pelo menor, em associação; além da
importância de R$ 648,15, em dinheiro, obtido do comércio
proibido, e aparelho celular, instrumento usado para a facilitação
da mercancia ilegal.

3) No dia 30 de agosto de 2012, por volta das 19h30min, na


Avenida Icaraí, 698, e em vila próxima, bairro Cristal, nesta
Capital, o denunciado F.C. corrompeu o menor de 18 anos R.V.G.,
nascido em 14 de setembro de 1998, com ele praticando infrações
penais, quais sejam, os crimes de associação para o tráfico e
tráfico de drogas acima descritos

A denúncia foi recebida em 30.10.2012 (fl. 108 a 109). O réu foi


notificado pessoalmente (fl. 99) e ofereceu defesa prévia (fls. 103 a 105).
Durante a instrução processual foram inquiridas duas testemunhas (fls. 123
a 129) e interrogado o réu (fls. 129 a 133).
Encerrada a instrução, em memorial, o Ministério Público
requereu a condenação do réu nos termos da denúncia (fls. 190 a 192). A
defesa, por sua vez, postulou a absolvição do acusado ou, alternativamente,
em caso de condenação, a fixação da pena no mínimo legal, bem como a
concessão de liberdade para que possa assim recorrer (fls. 194 a 201 ).
Sobreveio sentença de parcial procedência da denúncia, para
o fim de absolver o acusado quanto aos delitos previstos no artigo 35 da Lei
11.343/06 e no artigo 244-B, da Lei 8069/90, e condená-lo como incurso no
artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, impondo-lhe pena de 07 anos de
reclusão (pena-base de definitiva), em regime inicialmente fechado, e multa de
500 dias-multa, no mínimo legal. Decretada a prisão preventiva do
denunciado (fls. 206 a 215).
A sentença foi publicada em 07.03.2013 (fl. 216).
Em face dessa decisão, a defesa interpôs, tempestivamente,
embargos de declaração (fls. 230 a 231), os quais foram julgados

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parcialmente procedentes, apenas tendo sido retificado o segundo parágrafo


da decisão a quo (fls. 232 a 233).
A defesa então interpôs, tempestivamente, recurso de
apelação (fl. 238). Alegou, nas razões recursais, preliminarmente, a
anulação da sentença em razão de ofensa ao princípio da identidade física
do juiz e pela ausência de fundamentação lógica e coerente tanto para a
decisão final quanto na valoração das circunstâncias determinantes da pena.
Postulou ainda a absolvição do acusado, frente à insuficiência probatória ou,
alternativamente, o redimensionamento da pena, para a fixação da pena-
base no mínimo legal, não havendo circunstancias desfavoráveis ao réu, e a
aplicação da minorante prevista no artigo 33, § 4°, da Lei 11.343/06,
porquanto existentes os requisitos, com a consequente substituição da pena
privativa de liberdade por restritivas de direitos ou determinação de regime
mais brando (fls. 239 a 252).
Com as contrarrazões (fls. 254 a 260), subiram os autos.
Nesta instância, o digno Procurador de Justiça opinou pelo
desprovimento do recurso defensivo (fls. 266 a 273).
É o relatório.

VOTOS
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI (RELATOR)
Eminentes colegas:
Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa, em
face de sentença que condenou o réu como incurso no artigo 33, caput, da
Lei 11.343/06, impondo-lhe pena de 07 anos de reclusão.
Sustenta o recorrente ser nula a sentença, por violação ao
princípio da identidade física do juiz e por violação à garantia da motivação
das decisões judiciais.
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Examino conjuntamente as preliminares, com ênfase inicial na


inobservância do princípio da identidade física do juiz, materializado no
artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal.
Compulsando os autos, verifico ter sido a instrução processual
presidida pelo ínclito magistrado Dr. Joni Victória Simões, que esteve à
frente do processo até o dia 29.01.2013, quando declarou encerrada a
instrução e determinou a abertura de prazo ao oferecimento das alegações
finais escritas - memoriais (fl. 187). Apresentados os memoriais pelas partes,
o processo foi concluso à prolação de sentença, no dia 1º.03.2013. Contudo,
outro magistrado, Dr. Alex González Custódio, proferiu a decisão
condenatória, no dia 06.03.2013 (fl. 216). Após, o magistrado prolator do
veredicto corrigiu, ex officio, erros materiais cometidos ao proferir a
sentença, dois dias depois (fl. 217). Posteriormente, já no final do mesmo
mês, em 26.03.2013, retornou aos autos o magistrado Dr. Joni, acolhendo
em parte os embargos declaratórios opostos pela defesa técnica (fl. 232),
tendo prosseguido à frente do processo, recebendo o apelo defensivo e
ordenando o seu processamento (fl. 253). A propósito, foi o magistrado Dr.
Joni quem recebeu a denúncia apresentada pelo Ministério Público (fls. 108
e 109).
Acerca da violação ao artigo 399, § 2º do Código de Processo
Penal, tenho referido a importância da exposição, na sentença, dos motivos
que conduzem à não-observância do princípio da identidade física do juiz.
Nesse sentido, inclusive, destaco recentes precedentes desta Câmara
Criminal:

APELAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. PRELIMINARES.


INTERROGATÓRIO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO. OFENSA AO
CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ
NO PROCESSO PENAL. 1. A opção legislativa expressada na reforma
processual de 2008, no sentido de situar o interrogatório como último ato da
instrução criminal, vai ao encontro da necessária maximização das
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garantias fundamentais no âmbito de um direito processual penal


compatível com os Estados Democráticos de Direito, notadamente das
garantias do contraditório e da ampla defesa, estruturantes do denominado
devido processo legal, oportunizando aos réus o conhecimento de todas as
teses e provas produzidas a respeito do fato sob julgamento antes do
exercício efetivo do direito de defesa, ao menos da autodefesa. Diante
desse novo cenário, o interrogatório no procedimento dos delitos
envolvendo entorpecentes, porque o artigo 57 da Lei 11.343/06 é anterior
às reformas de 2008, e porque na sua redação não há uma determinação
expressa de que o interrogatório deva anteceder à inquirição das
testemunhas, deve ser situado em ao final da audiência de instrução, em
aplicação subsidiária do artigo 400 do Código de Processo Penal, nos
termos do artigo 394, § 5º, do Código de Processo Penal. 2. Segundo o
art. 399, § 2º, do Código de Processo Penal, o magistrado que presidiu
a instrução deverá proferir a sentença. Essa determinação legal há de
ser interpretada dentro da normalidade dos fatos da vida e das demais
disposições do sistema criminal, numa perspectiva do racional e
razoável. Um dos nortes possíveis é a aplicação subsidiária do
disposto no artigo 132 do Código de Processo Civil como critério para
definir, a priori, as hipóteses de exceção à identidade física do
magistrado no processo penal. De qualquer forma, em todos os casos,
a inaplicabilidade do art. 399, § 2º, do Código de Processo Penal deve
ser devidamente fundamentada nos autos, nos termos do artigo 93, IX,
da Constituição Federal. Acolhida a preliminar e desconstituída a
sentença. PRELIMINARES ACOLHIDAS. MÉRITO PREJUDICADO.
(Apelação Crime Nº 70052928710, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 14/03/2013)

APELAÇÃO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRELIMINAR.


IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL. Segundo o art.
399, § 2º, do CPP, o magistrado que presidiu a instrução deverá proferir a
sentença. Essa determinação legal há de ser interpretada dentro da
normalidade dos fatos da vida e das demais disposições do sistema
criminal, numa perspectiva do racional e razoável. Um dos nortes possíveis
é a aplicação subsidiária do disposto no artigo 132 do CPC como critério
para definir, a priori, as hipóteses de exceção à identidade física do
magistrado no processo penal. De qualquer forma, em todos os casos, a
inaplicabilidade do art. 399, § 2º, do CPP há de ser devidamente
fundamentada nos autos, nos termos do artigo 93, IX, da CF. Acolhida a
preliminar e desconstituída a sentença. PRELIMINAR ACOLHIDA. MÉRITO
PREJUDICADO. (Apelação Crime Nº 70052652922, Terceira Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli,
Julgado em 04/07/2013

Conforme consta da nova redação do artigo 399, §2º, do


Código de Processo Penal, dada pela Lei 11.719/08:

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“o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.”

Trata-se, no caso, do princípio da identidade física do juiz, até


então de aplicação exclusiva no Processo Civil, mas agora inserido no
âmbito do Processo Penal.
Sobre o referido princípio, CHIOVENDA já fazia menção ao
princípio da imediação da relação entre o juiz e as pessoas cujas
declarações deva apreciar, a exigir um contato direto do magistrado com o
ato de produção das provas a partir das quais tenha ele de extrair seu
convencimento, de modo a permitir uma melhor apreciação das declarações
das partes e testemunhas, e uma mais apropriada compreensão das
circunstâncias que envolvem o fato objeto do julgamento (CHIOVENDA,
Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. v. III. 2.ed. Campinas: Bookseller,
2000. p. 64/65).

Esse princípio, segundo CHIOVENDA, decorre diretamente do


princípio da oralidade, segundo o qual o processo deve ser orientado pela
prevalência da palavra como meio de expressão combinada com o uso de
meios escritos de preparação e de documentação (Op. cit. p. 61), embora,
consoante lição de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, seja, também,
perfeitamente compatível com os processos predominantemente escritos,
nos quais a forma escrita aparece como regra para a propositura da
demanda, da defesa e para a apresentação de recursos (CARNEIRO, Athos
Gusmão. Temas atuais de direito e de processo. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p.
173).

Também PORTANOVA explica que do princípio da oralidade


decorrem os princípios da imediatidade, da concentração e da identidade
física do juiz, na medida em que seu objetivo se traduz na produção de
provas oralmente, na presença do juiz, quem deverá decidir de forma

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imediata, sem intermediários, aproveitando-se da presença da prova na sua


mente. Por isso justifica-se a concentração dos atos processuais em uma
única audiência, e a exigência de que o juiz sentenciante seja o mesmo
atuante na colheita das provas (PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil.
6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 241).

Orientado por essa principiologia, o Código de Processo Civil


de 1939 incorporou à sistemática processual pátria o princípio da identidade
física do juiz, constando da sua Exposição de Motivos, da lavra de
FRANCISCO CAMPOS, in verbis:
“O princípio que deve reger a situação do juiz em relação à prova e o
de concentração dos atos do processo postulam, necessariamente, o
princípio da identidade física do juiz. O juiz que dirige a instrução do
processo há de ser o juiz que decida o litígio. Nem de outra maneira
poderia ser, pois o processo visando à investigação da verdade,
somente o juiz que tomou as provas está realmente habilitado a
apreciá-las do ponto de vista do seu valor ou da sua eficácia em
relação aos pontos debatidos.” (In: CARNEIRO, Athos Gusmão.
Temas atuais de direito e de processo. Brasília: Brasília Jurídica,
1996. p. 174)

Esse regramento, segundo destaca PORTANOVA, tido por


absoluto durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939, foi
flexibilizado com o advento da Lei processual de 1973, que na sua
Exposição de Motivos referiu não ser possível a consagração de uma
aplicação tão rígida e inflexível ao princípio da identidade física. Daí a
redação original do artigo 132 do Código de Processo Civil, preservando,
como regra, a identidade física do juiz, salvo nos casos de remoção,
promoção ou aposentadoria (PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil.
6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 242).

Essa redação foi relativizada, ainda, por ocasião da Lei


8.637/93, que incluiu dentre as hipóteses de exceção ao princípio da
identidade física do juiz, além das já mencionadas na anterior redação, a

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convocação, a licença, e o afastamento do juiz por qualquer motivo, casos


nos quais os autos devem ser encaminhados ao seu sucessor. Assim,
consta da redação hoje vigente do artigo 132, caput, do Código de Processo
Civil, in verbis:

“O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide,


salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo,
promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu
sucessor”.

Como visto, o princípio da identidade física do juiz veio sendo


relativizado pelo ordenamento jurídico brasileiro, constando do artigo 132 do
Código de Processo Civil uma cláusula de abertura tal (afastado por qualquer
motivo), que praticamente em todas as hipóteses estará justificado o seu não
cumprimento.
De qualquer forma, penso que as demais hipóteses ali listadas,
expressamente pelo legislador, conformam o dispositivo legal ao princípio da
razoabilidade, de modo a permitir a compatibilização do princípio da
identidade física do juiz à dinâmica da carreira jurisdicional, evitando, por
exemplo, a vedação da promoção ou da aposentadoria de um magistrado
antes da conclusão de todos os processos que lhe foram distribuídos na
Comarca.
Aponta nesse sentido a lição de ATHOS GUSMÃO
CARNEIRO, para quem se está diante de uma “norma cogente de
competência funcional: o juiz que houver concluído a audiência, deverá
necessariamente manter-se como juiz da causa e nesta prolatar a sentença,
salvante nos casos taxativamente previstos como regra legal.” (CARNEIRO,
Athos Gusmão. Temas atuais de direito e de processo. Brasília: Brasília Jurídica,
1996. p. 174)

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Sobre o tema, após a sua inserção no Código de Processo


Penal pela Lei 11.719/08, já me posicionei no seguinte sentido:

“Segundo o art. 399, § 2º, do CPP, o mesmo juiz que presidiu a


instrução deverá proferir a sentença. Tal disposição situa-se num
plano ideal, aproximativo da perfeição, desvinculado da realidade
da demanda processual e da movimentação dos magistrados. O
ideal é que todas as testemunhas sejam encontradas e
compareçam na audiência, que não seja necessário conduzir
testemunhas, que as alegações finais sejam orais e que a
sentença seja proferida na audiência. Entretanto, a realidade
processual criminal brasileira é bem diferenciada e não comporta
esferas de obrigatoriedade herméticas, de modo que uma
interpretação razoável desse dispositivo se direciona na
obrigatoriedade de atingir o magistrado que colheu e ouviu as
alegações finais orais.” (GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?)
do Processo Penal: considerações críticas. Lumen Juris: Rio de
Janeiro, 2008. p. 72).

Assim, penso que o referido dispositivo legal deve ser


interpretado à luz do princípio da razoabilidade, de forma a orientar que, na
maior medida do possível, o magistrado responsável pela colheita da prova
e pela oitiva das alegações finais seja o prolator da sentença. Isso,
entretanto, nem sempre será viável, casos em que a inobservância do
princípio em questão deverá ser expressamente justificada nos autos.
Trata-se, pois, a meu ver, de um princípio de direito processual
penal de natureza relativa, não absoluta, a orientar a atuação dos juízes no
âmbito criminal. Não fosse assim, estaríamos retrocedendo ao entendimento
que deu ensejo à inserção do princípio da identidade física do juiz no Código
de Processo Penal de 1939, dando-lhe roupagem absoluta, como se a
dinâmica decorrente da atual realidade processual criminal brasileira
permitisse uma regra nesses moldes.
Nesse viés, penso que um critério norteador de interpretação
ao artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal, seja a sua aplicação
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orientada pelo princípio da razoabilidade, admitindo-se a sua não


observância em casos nos quais efetivamente não seja possível ao juiz
responsável pela colheita da prova proferir a sentença.
Com efeito, o legislador deixou claro, no decorrer de toda a Lei
11.719/08, a intenção de adequar os procedimentos penais ao princípio da
oralidade e da concentração, estabelecendo a realização de audiência una e
o encerramento da instrução com debates orais entre as partes. Daí porque
o princípio da identidade física do juiz deve ter, na medida do possível,
potencializada sua efetividade no processo penal.
Nessa linha, valho-me das hipóteses listadas no artigo 132 do
Código de Processo Civil apenas de forma exemplificativa, para estabelecer,
como regra, a razoabilidade da não aplicação do princípio da identidade
física do juiz nos casos de promoção, aposentadoria, licença e convocação
do magistrado que atuou na colheita da prova, e que, por isso, ficou
impedido de sentenciar o feito.
De forma similar, embora sustentando a aplicação subsidiária
do Código de Processo Civil, destaca-se a proposta por LEANDRO
GALLUZZI DOS SANTOS, para quem:

“Questão não prevista pelo código de Processo Penal, contudo, diz


respeito às hipóteses de convocação, licença, promoção ou qualquer
outro motivo que afaste o juiz que tiver presidido a audiência. Neste
caso, entendemos que deverá ser aplicada a regra do processo civil
que diz que, para estas hipóteses, os autos passarão para o
sucessor deste magistrado, abrindo-se sempre a possibilidade de
repetição das provas já produzidas quando o juiz entender cabível.”
(GALUZZI DOS SANTOS, Leandro. Procedimentos – Lei 11.719/08,
de 20.06.2008. In: As Reformas no Processo Penal – as novas Lei
de 2008 e os Projetos de Reforma. Coordenação de Maria Thereza
Rocha de Assis Moura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.
329.)

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É essa, também, a orientação de PACELLI DE OLIVEIRA, ao


destacar que o artigo 132 do Código de Processo Civil “não só pode, como
deve, ser aplicado subsidiariamente”, pois o Código de Processo Penal não
proíbe a aplicação de legislação de outra espécie, e também porque “as
regras de substituição do Código de Processo Civil (art. 132) visam
resguardar o regular andamento processual”, listando situações processuais
nas quais a prolação de sentença pelo juiz da instrução tumultuaria o trâmite
do feito, quando não consistisse em regra de aplicação impossível, como no
caso de aposentadoria do magistrado (PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de
Processo Penal. 10.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 284).

Divirjo, em parte, do entendimento dos citados autores, na


medida em que pregam a aplicação integral e subsidiária do artigo 132 do
Código de Processo Civil, pois entendo que sua cláusula de abertura retira
quase a totalidade da eficácia do princípio da identidade física do juiz.
Penso ser mais apropriado ao processo penal, como forma de
definição a priori dos casos de não aplicação do princípio da identidade
física do juiz, a utilização apenas das hipóteses de promoção,
aposentadoria, licença e convocação dos magistrados, reservando as
demais hipóteses para as circunstâncias específicas de cada caso concreto.
Exemplificativamente, penso serem as férias dos magistrados
hipóteses que somente justificam a não aplicação do princípio da identidade
física do juiz em casos excepcionais, como, por exemplo, quando se está a
tratar de processos com réus presos. Não fosse assim, estaria referido
princípio servindo de motivação para a dilação indevida do processo penal.
De qualquer forma, em todos esses casos, é importante frisar,
os magistrados, ao receberem processos para sentenciar, quando não
tiverem presidido a instrução, deverão justificar o motivo por que o estão
fazendo e, havendo debates, estes deverão ser renovados, salvo se estes

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se constituíram em ditado ou em alegações escritas e não em debates. Na


mesma perspectiva, os magistrados que iniciarem a instrução e não a
concluírem, ou não sentenciarem estes processos, deverão justificar o
motivo nos autos, sob pena de retirar qualquer eficácia da referida norma
processual. Entendo assim porque, em se tratando de princípio
expressamente previsto no Código de Processo Penal, a sua não-
observância deve ser devidamente fundamentada, pois o disposto na
Constituição Federal não é mera fotografia a ser olhada e admirada, mas há
de ser efetiva (art. 93, IX, CF).
No caso em tela, nada consta dos autos sobre os motivos
pelos quais a sentença penal foi proferida por magistrado diverso do que
presidiu a instrução processual (fls. 206 a 217). Além disso, verifico que o
juiz responsável pela colheita da prova apenas não proferiu a sentença,
tornando a atuar no processo quando do julgamento dos embargos
declaratórios (fl. 232) e do recebimento do apelo (fl. 253).
Aliás, no caso concreto, resulta evidente a ratio essendi do
princípio da identidade física do juiz, qual seja, a tutela da eficiência da
prestação jurisdicional penal. O magistrado que presidiu a instrução do
processo, por ter presenciado a produção probatória, reúne melhores
condições de proferir uma sentença penal adequada ao conjunto probatório
dos autos. Com efeito, se a atividade probatória é orientada ao
convencimento do magistrado, à captura psíquica do juiz, resulta natural que
a decisão do processo, pautada nas provas produzidas pelas partes, deva
ser proferida pelo juiz que acompanhou essa produção de probatória. Esse
magistrado reúne melhores condições para julgar o feito.
A propósito, transcrevo o entendimento de Pacelli e Douglas
Fischer (Comentários ao CPP e sua jurisprudência, 2012, p. 821): “Não podemos
deixar de registrar que a modificação foi muito importante, pois a coleta da

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prova – especialmente os depoimentos testemunhais e o próprio


interrogatório do réu, algumas vezes também o depoimento do ofendido –
tem grande significado para o convencimento judicial, direcionado
sempre na busca de um juízo de certeza”.
E no caso, a evidenciar a importância do princípio da
identidade física do juiz, a sentença condenatória apresenta inegáveis vícios
de motivação, notadamente ao fazer referências a situações concretas não
referidas na denúncia e não ventiladas no processo.
De início, vale registrar que, para além da controvérsia acerca
da referência, na fundamentação da sentença, a trecho de entrevista
concedida pela atriz global Paola Oliveira à revista de moda feminina Marie
Claire, tal citação, assim como a referência aos ensinamentos do Padre
Antônio Vieira, foram feitas de modo a justificar a possibilidade de o juiz
formular perguntas às testemunhas [“(...) o juiz deve fazê-lo de forma fundamentada
na prova colhida nos autos e ao realizar perguntas aos réus e testemunhas, nada mais nada
menos está fazendo o que lhe compete constitucionalmente.”]. Mas em nenhum
momento foi suscitada preliminar de nulidade por inobservância ao artigo
212 do Código de Processo Penal.
Destaco os trechos referidos:
O Juiz é o Estado na busca da verdade-real, que efetivamente tem
que se manifestar, é uma garantia do cidadão brasileiro.
Meu pai, Abel Custódio, Promotor de Justiça Jubilado, sempre me
diz isso, em nossas conversas sobre Justiça e Verdade, citando o
Padre Antônio Vieira: Juiz sem liberdade é como a noite que não
segue a aurora. É a própria contradição!!!

Ou como disse a jovem atriz PAOLA OLIVEIRA, na Marie Claire


de MAR 2011, PAG. 76: Direitos Humanos é para quem sabe o
que isso significa. Não para quem comete atrocidades de forma
inconsequente, ao se pronunciar sobre a invasão do Morro do
Alemão, no Rio de Janeiro.
E disse mais a jovem atriz: O sistema é muito frouxo. Tem que
haver mais rigidez na punição.

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[...]

Foi essa frouxidão, como disse a jovem atriz Paola Oliveira, que
resulta hoje numa quase incontrolável senda criminosa envolvendo
todo o tipo de uso de entorpecentes!!!! (Grifos meus)

Não suficiente isso, há referência na sentença à conduta não


imputada na inicial acusatória: “Além disso, a prestação de serviço do acusado vai
mais além de apenas ‘comercializar o entorpecente’, ele fornece o local para consumo
imediato!!! Como diz o ditado: barba, cabelo e bigode... serviço completo!!! Só faltava
também fornecer o sofá para curtir a ‘viagem’ e o chocolate ou o sanduíche com refrigerante
para a hora da ‘larica’!!!!” (grifos originais). Ocorre que a denúncia não imputa ao
réu a conduta de utilizar local de que tenha propriedade para o tráfico de
entorpecentes (artigo 33, III). Na acusação consta apenas ter ele sido
flagrado em barreira de fiscalização policial enquanto trafegava de carro na
companhia do adolescente Renan. Tampouco na instrução processual há
referências a essa conduta.
Por fim, registro ainda outras contradições, como a referência
na fundamentação da sentença à primariedade do réu e depois, quando da
fixação da pena, a valoração negativa dos antecedentes, inclusive com a
negativa do privilégio do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06 justamente por não
ser primário. E também a absolvição do réu em relação ao delito de
associação para o tráfico, na fundamentação, e a sua condenação no
dispositivo, assim como o decreto de prisão preventiva de réu que
respondeu preso ao processo.
Enfim, a fundamentação da decisão condenatória, embora com
referências aos depoimentos dos policiais responsáveis pelo flagrante,
centra-se na abstrata necessidade de um maior rigor no combate às drogas,
descolando-se do fato concreto e das provas produzidas sob contraditório
judicial, motivo pelo qual resulta impositiva sua desconstituição.

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A fundamentação adequada, do ponto de vista jurídico, há de


passar pela dupla filtragem: constitucional e convencional, em uma
compreensão inserida na complexidade dos fatos, regras e princípios. Uma
decisão não encontra fundamentação adequada quando há uma simples
escolha, uma eleição de sentido que convém ao órgão julgador, mas sim
quando emerge o convencionado como correto, ou seja, o pertencente à
realidade da vida, ao mundo jurídico, a partir da CF e dos diplomas
internacionais. As escolhas feitas antes do exame da situação fática e
jurídica e a reprodução do mero sentido contido no fato e na norma são pré-
compreensões inautênticas, pois através da fundamentação é que o juiz
dará, de forma argumentativa, sentido ao texto e à norma, dando a resposta
adequada ao fato. Por isso é que a fundamentação demonstra como o caso
foi interpretado, como está sendo dada a explicação do compreendido, que
está produzindo sentido e não simplesmente reproduzindo-o.
A relevância da exigência da motivação das decisões criminais
se justifica na previsão expressa da CF, em seu art. 93, IX, combinado com
a adoção do Estado Democrático de Direito (art. 1º, CF), tendo na proteção
da dignidade da pessoa humana um dos pilares básicos (art. 1º, III, CF).
Canotilho enuncia três razões à motivação: controle da administração da
justiça; exclusão do caráter voluntário e subjetivo do exercício jurisdicional e
abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos
juízes; e a melhor estruturação dos recursos (Canotilho). O paradigma
protetivo das garantias, segundo Ferrajoli, forja-se pela maximização do
saber e pela limitação do poder, constituindo-se na “principal garantia
processual”, “pressuposto das demais” (Ferrajoli). Portanto, a motivação
racional da decisão permite aos envolvidos no processo e ao cidadão
(quisque de popolo) a sua fiscalização ou controle interno e externo,
excluindo o caráter arbitrário (intuitu personae), meramente subjetivo da

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tutela jurisdicional criminal, legitimando constitucionalmente o saber-poder


do magistrado, submetendo-o à via impugnativa pré-determinada.
A sentença criminal se constitui no ato processual por
excelência na esfera criminal, na medida em que põe fim ao processo, ainda
que não necessariamente de modo definitivo, pois existe a possibilidade de
a decisão ser modificada, negando ou confirmando o estado de inocência. O
ato sentencial condenatório, além do relatório, da fundamentação e do
dispositivo, obrigatoriamente, há de medir a pena e a forma de seu
cumprimento (regime inicial, possibilidades de substituição e de suspensão
da execução da pena). Ademais da coerência e da congruência entre a
fundamentação e o dispositivo, a ausência ou deficiência da fundamentação
produz o defeito da invalidade (nulidade). Aqui, os argumentos fáticos e
jurídicos, pilares da fundamentação, chegam sob forte combustão dialética,
desde a imputação, informados pelo contraditório e pela ampla defesa.
A fundamentação do juízo absolutório se satisfaz com o
acolhimento de uma das teses defensivas, não impedindo o afastamento da
imputação por mais de um fundamento. Nesse sentido decidiu o STF, no AI
74761, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 13.11.2009. Contudo, para que o juízo
condenatório tenha validade constitucional, todas as teses aventadas pela
defesa deverão ser afastadas mediante fundamentação suficiente, sob pena
de restar defeituosa a sentença condenatória. Aos acórdãos dos tribunais se
aplicam as mesmas regras, vinculadas à matéria impugnada pela acusação
e à devolução total da matéria em favor da defesa.
Na segunda parte da sentença, denominada de
fundamentação, é que o julgador emite seu juízo de mérito sobre a
procedência (total ou parcial) ou improcedência da imputação. É o momento
em que é construído o juízo de absolvição ou de condenação, com base na
motivação fática, a qual recebe a qualificação jurídica (motivação jurídica).

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Nesse momento é que se dá a inserção e o afastamento das normas ao


caso, a delimitação fática e jurídica decisória, a interpenetração fática e
jurídica com a qualificação dos fatos e estabelecimento das consequências
jurídicas.
O nosso sistema probatório é o do convencimento motivado,
isto é, o magistrado, no momento de decidir valorará o conjunto probatório
constante nos autos, o seu conteúdo, de forma racional, motivo por que é
inafastável o dever de motivar. Absolver não é solidarizar-se com o réu e
condenar não é solidarizar-se com a vítima. Essas são compreensões
vulgares, inautênticas, desprovidas de conteúdo jurídico, justificáveis na
perspectiva do pensamento cartesiano da superficialidade.
Voto, pois, por acolher as preliminares de nulidade suscitadas
pelo recorrente e desconstituir a sentença, determinando seja outra proferida
pelo magistrado que presidiu a instrução processual, nos termos do artigo
399, § 2º, do Código de Processo Penal. Prejudicado o exame do mérito.
Como consequência, diante de nulidades não causadas pela defesa,
concedo ao réu o direito de aguardar o julgamento em liberdade. Expeça-se
alvará de soltura ao réu, por esse processo.

DES. DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO (REVISOR)


Acompanho o eminente Relator na integralidade do seu voto.
Efetivamente, o princípio da identidade física do juiz, incluído
no Código de Processo Penal pela nº 11.719/2008, no parágrafo 2º do art.
399, não pode merecer interpretação restritiva a tal modo de deixar de ser
aplicado. Não há dúvida, por outro lado, que esse princípio comporta
exceções, como tais a de que o juiz tenha passado a prestar jurisdição em
Tribunal, ou que tenha se aposentado. Mas, a toda a evidência não é

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exceção o fato de o juiz que presidiu a audiência ter entrado em gozo de


férias ou outra espécie de licença.
E, quanto à fundamentação, nada caberia acrescentar à
excelência do voto do eminente Relator. A fundamentação das decisões
judiciais é, definitivamente, um direito/garantia do cidadão, caso contrário o
processo se torna “kafkiano”, quando alguém responde ao processe sem
saber as razões pelas quais está sendo processado. Mais que isso, a
fundamentação expõe o magistrado, expõe a lisura da sua reflexão feita
para decidir e significa, verdadeiramente, uma característica do atributo mor
da jurisdição – a imparcialidade.
Enfim, acompanho o eminente Relator.

DES. JAYME WEINGARTNER NETO


Vênia ao eminente Relator, apresento divergência.
Com relação ao princípio da identidade física do juiz, destaco
que o réu, ao tempo da sentença, e durante todo o processo, estava
segregado. Nesse ponto, inclusive, o Habeas Corpus impetrado em seu
favor teve a ordem denegada, à unanimidade, por esta Terceira Câmara
Criminal (HC 70052365681). Tratando-se de réu preso, a prolação de
sentença por juiz substituto, em observância à celeridade processual, é
medida impositiva. Aliás, se bem apanhei, o nobre Relator menciona a
hipótese de réu preso como um dos casos excepcionais a justificar a não
aplicação do princípio da identidade física do juiz. E com toda a razão, pena
de encurralar-se o magistrado numa escolha de Sofia perversa, pois se não
sentenciar, em substituição – o que denota, em princípio, dedicação e
responsabilidade –, acabaria por ensejar a concessão de habeas corpus;
mas, diverso o entendimento, se sentenciar, então a sentença seria viciada.

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Percebo, entretanto, que a nulidade vai reconhecida porque o


magistrado não consignou, expressamente, que estava proferindo sentença
porque se tratava de réu preso. A tanto não chego, bastando-me constatar
que o ato jurisdicional não foi, neste ponto, arbitrário, que se escudou em
razão objetiva evidenciada de modo inconteste nos autos e, portanto, que
não violou o princípio da identidade física do juiz, tipificada uma exceção
razoável.
No que tange à fundamentação, quanto às contradições
destacadas no voto do ilustrado Relator, o equívoco sobre a primariedade e
a condenação pela associação para o tráfico apenas no dispositivo foi objeto
de retificação, de ofício, pelo magistrado a quo (fl. 217). Ainda, o decreto de
prisão preventiva do réu que respondeu ao processo preso foi ponto
retificado nos embargos declaratórios (fls. 232), proferidos por outro julgador
e que não encontrou contradição na sentença, sanando a obscuridade. Claro
que tais imprecisões desabonam a qualidade ideal de uma sentença que se
busca sempre modelar. Mas, objetivamente, foram corrigidas a tempo e
dentro das regras do jogo, devendo-se examinar a sentença na sua versão
integrada.
A fundamentação fez referência às circunstâncias do flagrante
e à prova judicializada, extraindo elementos concretos dos autos que
embasaram o juízo de convicção do julgador. Destaco trechos da sentença:

[...] A materialidade do fato noticiado pelo Ministério


Público veio demonstrada pela prisão em flagrante
(fls. 14/18) e pela apreensão do entorpecente (fls.
32/33), bem como o laudo de constatação da natureza
da substância (fls. 41/43).
Também veio devidamente comprovada a autoria do
delito, sendo o réu surpreendido com na posse do
entorpecente, registre-se, com grande quantidade,
395 pedras de cocaína, na forma de crack, pesando
aproximadamente 138 gramas, 84 petecas de
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cocaína, em pó, pesando em torno de 30 gramas, e


34 tijolinhos de cannabis sativa, conhecida também
por maconha, com peso aproximado de 35 gramas,
consoante auto de apreensão da fl. 25 do APF
Além disso, os policiais militares ao revistarem o
acusado encontraram com ele a quantia de R$
648,15, em dinheiro e aparelho celular, instrumento
usado para a facilitação da mercancia ilegal, o que
leva a presunção do comércio do entorpecente.
Sinale-se, que não há falar-se em pequena
quantidade, presumindo seja para uso pessoal,
determinando a Jurisprudência o modus operandi dos
traficantes, com relação a distribuição para venda de
entorpecentes, em que aumentaram a divisão do
entorpecente em maiores quantidades de papelotes,
pedras, buchas e tijolinhos, dependendo do tipo de
entorpecente.
[...]
As substâncias entorpecentes não foram
“enxertadas”.
Os Policiais Militares foram unânimes ao descrever a
ação delituosa do acusado, não havendo motivo para
que não se dê crédito às suas versões, razão pela
qual suas palavras são aptas a sustentar o decreto
condenatório. Não interessa se o relato dos policiais
se refere a “local que reúne usuários”, mas o fato de o
réu ter sido abordado e encontrado com ele o
entorpecente e os valores diversos em dinheiro.
[...]
Repito: não veio aos autos qualquer indicativo de que
houvesse interesse dos policiais em causar gravame
ao réu.
Portanto, seus testemunhos são perfeitamente válidos
como meio de prova a embasar a procedência da
ação penal. Não há razão para que se desacredite os
testemunhos dos Agentes Estatais simplesmente pelo
argumento de que são policiais. Este, aliás, é o
entendimento jurisprudencial, conforme se vê da
ementa que segue

[...]

Assim, resta patente que o réu FELIPE CARDOSO


trazia consigo as substâncias entorpecentes
apreendidas, de uso proscrito no país, bem como
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identificado que o destino dos entorpecentes era o


comércio ilícito de drogas.

[...]

Outrossim, a ação desempenhada pelo acusado –


trazer consigo - conforme acima destacado, configura,
por si só, o crime em questão – não se exigindo
qualquer outro elemento de prova que indique a
existência de atos típicos de mercancia, para a
implementação do tipo.

Assim, as citações “descontextualizadas” (opinião da atriz


Paola de Oliveira em entrevista concedida à revista Marie Claire e
ensinamentos do Padre Antônio Vieira), embora passem ao largo das
questões jurídicas atinentes ao processo (não havia preliminar acerca do art.
212 do CPP, mas não me parece que respondessem a essa lógica), não
servem para invalidar o restante da motivação apresentada pelo julgador.
Revelam, sim, o estilo do texto e as referências literárias do prolator da
sentença, como, de resto, todas as citações, em qualquer texto, por qualquer
autor. E desnudam o que pensa o julgador sobre a “verdade-real”, aliás uma
querela filosófica (e processual) permanente. Eventual estranhamento e
naturais discordâncias, inclusive ideológicas, são o tributo que a democracia
paga às liberdades expressivas, parecendo-me risco maior um chilling effect
indireto, espécie de amordaçamento pelo politicamente correto, seja o que
isso signifique. Esclareço duas coisas: não imagino, nem de longe, que o
mote do voto do consabidamente democrático Relator tenha qualquer viés
de censura; também, por óbvio, em termos de premissas antropológicas ou
teorias de base, não tenho adminículo de simpatia pelas teses extremadas,
sejam de teor punitivista ou abolicionista. Mas considero legítimo que os
militantes de tais ideias possam fazer seu proselitismo, o que, por si, não

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desfigura o ato jurisdicional, desde que permaneça ancorado na aplicação


de norma jurídica e devidamente fundamentado nos fatos da vida, consoante
prova crivada pelo devido processo legal.
De igual forma, a referência à conduta não imputada na inicial
(fornecer local para consumo) – que impressiona negativamente – não
chega, respeitados os entendimentos diversos, a substanciar deficiência ou
ausência de fundamentação, pois o julgador apresenta motivação idônea, a
partir da análise do contexto fático-probatório presente nos autos, a versar,
especifica e suficientemente, acerca da imputação objeto da denúncia.
Talvez, conjecturo, trate-se do fenômeno do recorta-e-cola, aproveitando-se
trechos de decisões anteriores em que posições já foram consignadas.
Deslustra, é certo, mas não torna nula a sentença. Considero, ademais, a
realidade impositiva da informatização, não sendo rara a ocorrência de
fenômenos similares nas entrelinhas de milhares (milhões) de processos que
se multiplicam paroxisticamente.
Pelo exposto, garantida a vênia, voto por rejeitar as
preliminares.
Deixo, todavia, de enfrentar o mérito, pois já vencido no ponto.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI - Presidente - Apelação Crime nº


70054312905, Comarca de Porto Alegre: "POR MAIORIA, ACOLHERAM AS
PRELIMINARES DE NULIDADE SUSCITADAS PELO RECORRENTE E
ANULARAM A SENTENÇA, DETERMINANDO SEJA OUTRA PROFERIDA
PELO MAGISTRADO QUE PRESIDIU A INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NOS
TERMOS DO ARTIGO 399, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL,
VENCIDO O DES. JAYME QEINGARTNER NETO QUE AS REJEITAVA.

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PREJUDICADO O EXAME DO MÉRITO. EXPEÇA-SE ALVARÁ DE


SOLTURA AO RÉU, POR ESSE PROCESSO."

Julgador(a) de 1º Grau: ALEX GONZALEZ CUSTODIO

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