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​ TEORIA GERAL DA PROVA NO PROCESSO

PENAL

Introdução. Classificações

Introdução

A Teoria Geral da Prova no Processo Penal está regulada no Título VII CPP, a partir do art.
155, que assim dispõe:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida
em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente
nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de
2008)

A expressão “livre apreciação da prova produzida” consagra a adoção do sistema do livre


convencimento motivado da prova1. O que isso significa? O princípio ou sistema do livre
convencimento motivado, ou livre convencimento regrado, diz que o Juiz deve valorar a prova
produzida da maneira que entender mais conveniente, de acordo com sua análise dos fatos
comprovados nos autos.

Assim, o Juiz não está obrigado a conferir determinado “peso” a alguma prova. Por
exemplo: num processo criminal, mesmo que o acusado confesse o crime, o Juiz não está
obrigado a dar a esta prova (confissão) valor absoluto, devendo avaliá-la em conjunto com as
demais provas produzidas no processo, de forma a atribuir a esta prova o valor que reputar
pertinentes.

Entretanto, esta liberdade do Magistrado (Juiz) não é absoluta, pois:

● O Magistrado deve fundamentar suas decisões;


● As provas devem constar dos autos do processo;
● As provas devem ter sido produzidas sob o crivo do contraditório judicial – Assim,
as provas exclusivamente produzidas em sede policial (Inquérito Policial) não
podem, por si sós, fundamentar a decisão do Juiz.2

1
Também chamado de princípio da PERSUASÃO RACIONAL, CONVENCIMENTO RACIONAL ou APRECIAÇÃO
FUNDAMENTADA. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 12.º edição. Ed.
Forense. Rio de Janeiro, 2015, p.345
2
À exceção das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Além disso, PACELLI sustenta que a impossibilidade
de utilização dos elementos colhidos na investigação como únicos para fundamentar a decisão somente se aplicaria
à decisão condenatória, pois o intuito da norma e evitar que sejam violados o contraditório e a ampla defesa. E, se
tratando de decisão absolutória, não haveria qualquer razão para não se admitir. PACELLI, Eugênio. Curso de
processo penal. 16º edição. Ed. Atlas. São Paulo, 2012, p. 331.
Além disso, o CPP determina que as provas urgentes, que não podem esperar para serem
produzidas em outro momento (cautelares, provas não sujeitas à repetição, etc.), estão
ressalvadas da obrigatoriedade de serem produzidas necessariamente pelo crivo do contraditório
judicial, embora se deva sempre procurar estabelecer o contraditório em sede policial quando da
realização destas diligências.

Ao sistema do livre convencimento regrado ou motivado, contrapõem-se:

● Sistema da prova tarifada (ou certeza moral do legislador, sistema das regras legais ou da
prova legal) - o sistema da prova tarifada, ou sistema tarifário da prova, estabelece, diretamente
pela lei, determinados “pesos” que cada prova possui, num sistema de apreciação bastante
rígido para o Juiz3. De acordo com este sistema, cabe ao Juiz apenas fazer a soma aritmética dos
“pesos” de cada prova, a fim de decidir se o somatório das provas em determinado sentido é
superior ao somatório das provas em sentido contrário.
Neste sistema, a título de exemplo, a confissão deveria possuir valor máximo
(rainha das provas), de forma que sendo o réu confesso, o Juiz deveria
condená-lo, ainda que todas as outras provas indicassem o contrário.

O Brasil não adotou, como regra, o sistema da prova tarifada. No entanto, existem algumas
exceções no CPP. Exemplos: Necessidade de que, para a extinção da punibilidade pela morte
do acusado, a prova se dê única e exclusivamente pela certidão de óbito (art. 62); quando o Juiz
esteja obrigado a suspender o curso do processo penal para que seja decidida, no Juízo Cível,
questão sobre o estado das pessoas. Nesse caso, o único meio de prova que se admite para a
comprovação do estado da pessoa (filiação, etc.), é a sentença produzida no Juízo Cível (art. 92
do CPP).

Essa tarifação exemplificada acima, é o que se chama de tarifação absoluta, ou seja,


somente se admite aquela prova expressamente prevista. Existe, entretanto, a chamada tarifação
relativa, que é aquela na qual a lei estabelece determinado critério de valoração do meio de
prova, mas confere alguma liberdade ao Juiz.

EXEMPLO: o art. 158 do CPP prevê a obrigatoriedade do exame de delito para


se provar a existência dos crimes que deixarem vestígios. No entanto, o art. 167
relativiza esta disposição, afirmando que se os vestígios tiverem desaparecido,
poderá o Magistrado suprir o exame de corpo de delito pela prova testemunhal.

● Sistema da íntima convicção (ou certeza moral do Juiz) – É um sistema no qual não há
necessidade de fundamentação por parte do julgador, podendo ele decidir da maneira que a sua
“sensação de Justiça” indicar. Também não é adotado como regra no Processo Penal pátrio,
tendo sido adotado, porém, como exceção, nos processos cujo julgamento seja afeto ao Tribunal
do Júri, pois os jurados, pessoas leigas que são, julgam conforme o seu sentimento interior de
Justiça, não tendo que fundamentar o porquê de sua decisão.

Vale mencionar a vocês que o Brasil não adotou, como regra, o sistema taxativo da prova.
O sistema taxativo implica a impossibilidade de produção de outros meios de prova que não

3
PACELLI, Eugênio. Op. cit., p. 330
sejam aqueles expressamente previstos na Lei Processual. No Brasil, é plenamente possível a
utilização de meios de prova inominados ou atípicos (não previstos expressamente na Lei). Não
confundam isto com sistema da prova tarifada. São coisas distintas!

Podemos definir prova como o elemento produzido pelas partes ou mesmo pelo Juiz,
visando à formação do convencimento deste (Juiz) acerca de determinado fato. Como o
processo criminal é um processo de “conhecimento” (pois se busca a certeza, já que reside
incerteza quanto à materialidade do delito e sua autoria), a produção probatória é um
instrumento que conduz o Juiz ao alcance da “certeza”, de forma que, de posse da certeza dos
fatos, o Juiz possa aplicar o Direito.

Por sua vez, o objeto de prova é o fato que precisa ser provado para que a causa seja
decidida, pois sobre ele existe incerteza4. Assim, num crime de homicídio, o exame de corpo de
delito é prova, enquanto o fato (existência ou não do homicídio – a materialidade do crime) é o
objeto de prova. NÃO CONFUNDAM ISSO!

Somente os fatos, em regra, podem ser objeto de prova, pois o Direto não precisa ser
provado, na medida em que o Juiz conhece o Direito (iura novit curia). No entanto, utilizando-se
por analogia o regramento processual civil, a parte que alegar direito5 municipal, estadual ou
estrangeiro, deve provar-lhes o teor e a vigência, pois o Juiz não está obrigado a conhecer estas
normas jurídicas.

No entanto, esta disposição fica muito enfraquecida no Direito Processual Penal,


considerando a competência privativa da União para legislar sobre Direito Penal e Processual, nos
termos do art. 22, I da CRFB/88.

Porém, existem determinados fatos que não necessitam serem provados6 (não sendo,
portanto, objeto de prova). São eles:

● Fatos evidentes (ou axiomáticos, ou intuitivos) – São fatos que decorrem de um


raciocínio lógico, intuitivo, decorrente de alguma situação que gera a lógica
conclusão de outro fato (ex.: o réu, nascido em junho de 1985, fato este conhecido
do Juízo, não precisa provar que em agosto de 2015 ele possuía 30 anos. É
evidente que se nasceu em junho de 1985, em agosto de 2015 já terá completado
30 anos).
● Fatos notórios – São aqueles que pertencem ao conhecimento comum de todas as
pessoas. Assim, ao mencionar, por exemplo, que um fato criminoso fora cometido
no dia 25 de dezembro, Natal, não tem a parte obrigação de provar que o dia 25 de
dezembro é Natal, pois isso é do conhecimento comum de qualquer pessoa.
● Presunções legais – São fatos que a lei presume tenham ocorrido. O exemplo mais
clássico é a inocência do réu. A Lei presume a inocência do réu, portanto, não cabe
ao réu provar que é inocente, pois este fato já é presumido. No entanto, este fato é
uma presunção relativa, ou seja, pode ser desconstituído se o titular da ação penal
4
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 341
5
Normas infralegais (portarias, resoluções, etc.) também devem ser provadas, exceto se forem complemento para
normas penais em branco, como, por exemplo, a Portaria da ANVISA nº 344, que regulamenta Lei 13.343/06 (Lei de
Drogas), estabelecendo quais são as substâncias consideradas entorpecentes.
6
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 342
(MP ou ofendido) provar que o acusado é culpado. Nessa hipótese, terá sido ilidida
a presunção de inocência. Por outro lado, a presunção pode ser também, absoluta,
ou seja, não admitir prova em contrário. Um exemplo clássico é a presunção de que
o menor de 14 anos não tem condições mentais de consentir na realização de um
ato sexual, sendo, portanto, crime de estupro a prática de ato sexual com pessoa
menor de 14 anos, consentido ou não a vítima (presunção absoluta de incapacidade
para consentir, ou presunção iure et de iure). Para parcela da Doutrina, no entanto,
trata-se de presunção meramente relativa (tese minoritária). Frise-se que embora o
fato presumido independa de prova, o fato que gera a presunção deve ser provado.
Assim, embora seja presumida a incapacidade para consentir do menor de 14 anos,
a condição de menor de 14 anos deve ser objeto de prova.
● Fatos inúteis – São aqueles que não possuem qualquer relevância para a causa,
sendo absolutamente dispensáveis e, até mesmo, podendo ser dispensada a sua
apreciação pelo Juiz.

Classificação das provas

As provas podem ser classificadas em:

Quanto ao seu objeto:

a) Provas diretas – Aquelas que provam o próprio fato, de maneira direta. Exemplo:
Testemunha ocular de um delito, que, com seu depoimento, prova diretamente a
ocorrência do fato;
b) Provas indiretas – Aquelas que não provam diretamente o fato, mas por uma dedução
lógica, acabam por prová-lo. Exemplo: Imagine-se que o acusado comprove de
maneira cabal (absoluta) que se encontrava em outro país quando da ocorrência de um
roubo na cidade do Rio de Janeiro, do qual é acusado. Assim, comprovado este fato
(que não é o fato criminoso), deduz-se de maneira irrefutável, que o acusado não
praticou o crime (prova indireta).

Quanto ao valor:

a) Provas plenas – Aquelas que trazem a possibilidade de um juízo de certeza quanto ao


fato que buscam provar, possibilitando ao Juiz fundamentar sua decisão de mérito em
apenas uma delas, se for o caso. Exemplo: Prova documental, testemunhal, exame de
corpo de delito, etc.;
b) Provas não-plenas – Apenas ajudam a reforçar a convicção do Juiz, contribuindo na
formação de sua certeza, mas não possuem o poder de formar a convicção do Juiz,
que não pode fundamentar sua decisão de mérito apenas numa prova não-plena.
Exemplos: Indícios (art. 239 do CPP), fundada suspeita (art. 240, § 2° do CPP), etc.

Quanto ao sujeito:

a) Provas reais – Aquelas que se baseiam em algum objeto, e não derivam de uma
pessoa. Exemplo: Cadáver, documento, etc.
b) Provas pessoais – São aquelas que derivam de uma pessoa. Exemplo: Testemunho,
interrogatório do réu, etc.

Existe, ainda, a figura da PROVA EMPRESTADA. A prova emprestada é aquela que, tendo sido
produzida em outro processo, vem a ser apresentada7 no processo corrente, de forma a também
neste produzir os seus efeitos.

A Doutrina e a Jurisprudência discutem sobre a necessidade de que a prova emprestada tenha


sido produzida em processo que envolveu as mesmas partes (identidade de partes).

O entendimento mais recente do STJ8 é no sentido de que não se exige que a prova emprestada
seja oriunda de processo que envolveu as mesmas partes, desde que essa prova emprestada
seja, no momento de sua inclusão no processo atual, submetida ao contraditório.

Presentes os requisitos, a prova emprestada terá o mesmo valor das demais provas. Ausente
qualquer dos requisitos, será considerada como mero indício, tendo o valor de prova não-plena.9

Quanto ao procedimento:

a) prova típica – Seu procedimento está previsto na Lei.

b) prova atípica – Duas correntes: a.1) É somente aquela que não está prevista na
Legislação (este conceito se confunde com o de prova inominada); a.2) É tanto aquela que
está prevista na Lei, mas seu procedimento não, quanto aquela em que nem ela nem seu
procedimento estão previstos na Legislação.

Outras classificações:

a) prova anômala – É a prova típica, só que utilizada para fim diverso daquele para o qual
foi originalmente prevista.

7
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 339
8
REsp 1340069/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe 28/08/2017

9
Temos, ainda, a chamada “serendipidade”, que é o encontro fortuito de provas. Ocorre quando um elemento de
prova relativo ao fato objeto de um processo é encontrado fortuitamente, ou seja, por acaso, em outro processo.
Neste caso, a decisão judicial pode ser fundamentada em elementos de prova surgidos, de forma fortuita, durante a
investigação de outros crimes.
b) prova irritual – É aquela em que há procedimento previsto na Lei, só que este
procedimento não é respeitado quando da colheita da prova.

c) prova “fora da terra” – É aquela realizada perante juízo distinto daquele perante o qual
tramita o processo (realizada por carta precatória, por exemplo).

d) prova crítica – É utilizada como sinônimo de “prova pericial”.

Princípios que regem o sistema probatório

A) Princípio do contraditório – Todas as provas produzidas por uma das partes podem ser
contraditadas (contraprova) pela outra parte;
B) Princípio da comunhão da prova (ou da aquisição da prova) – A prova é produzida por
uma das partes ou determinada pelo Juiz, mas uma vez integrada aos autos, deixa de pertencer
àquele que a produziu, passando a ser parte integrante do processo, podendo ser utilizada em
benefício de qualquer das partes. Exemplo: Imagine que o réu arrole uma testemunha,
acreditando que seu depoimento será favorável a ele. No entanto, eu seu depoimento a
testemunha afirma que viu o acusado praticar o crime. Assim, nada impede que o Juiz se valha
da própria prova produzida pelo réu para condená-lo, pois a prova não é mais do réu, e sim
comum ao processo (comunhão da prova). Isso é muito importante! Guardem isso!
C) Princípio da oralidade – Sempre que for possível, as provas devem ser produzidas
oralmente na presença do Juiz. Assim, mais valor tem uma prova testemunhal produzida em
audiência que um mero documento juntado aos autos contendo algumas declarações de uma
suposta testemunha. Desse princípio decorrem:

c.1) Subprincípio da concentração – Sempre que possível as provas devem ser


concentradas na audiência. Tanto o é que, com as alterações promovidas pela Lei
11.719/08, as alegações finais, que antes eram realizadas mediante a apresentação de
memoriais (escritos), atualmente serão, em regra, apresentadas oralmente ao final da
audiência (podendo, em casos complexos, serem apresentadas por escrito, através de
memoriais);

c.2) Subprincípio da publicidade – Os atos processuais não devem ser praticados de


maneira secreta, sendo vedado ao Juiz apresentar obstáculos à publicidade dos atos
processuais. Isto deriva da própria Constituição, em seus arts. 5°, LX e 93, IX. Porém, esta
publicidade não é absoluta, podendo ser restringida em alguns casos, apenas às partes e
seus procuradores, ou somente a estes. Percebam, portanto, que existe a possibilidade,
até mesmo, de um ato processual não ser público para uma das partes, MAS NUNCA
PODERÁ SER RESTRINGIDA A PUBLICIDADE AOS PROCURADORES DAS PARTES;

c.3) Subprincípio da imediação – o Juiz, sempre que possível, deve ter contato físico com a
prova, no ato de sua produção, a fim de que melhor possa formar sua convicção;

D) Princípio da autorresponsabilidade das partes – As partes respondem pelo ônus da


produção da prova acerca do fato que tenham de provar. Assim, se o titular da ação penal não
provar a autoria e a materialidade do fato, terá uma consequência adversa para si, que é a
absolvição do acusado;
E) Princípio da não auto-incriminação (ou Nemo tenetur se detegere) – Por este princípio
entende-se a não obrigatoriedade que a parte tem de produzir prova contra si mesma. Assim,
não está o acusado obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas, nem a participar da
reconstituição simulada, nem fornecer material gráfico para exame grafotécnico, etc.

Etapas de produção da prova

Esclareço a vocês, ainda, que quatro são as etapas do processo de produção da prova:

1. Proposição – A produção da prova é requerida ao Juiz, podendo ocorrer em momento


ordinário ou extraordinário. O momento ordinário é aquele no qual a lei estabelece que
devam ser requeridas. Assim, o momento para a proposição de meios de prova é a
denúncia, para o MP, e a resposta à acusação, para a defesa. O momento
extraordinário, por sua vez, é todo momento em que a parte requeira a produção de
uma prova fora da época correta (momento ordinário);
2. Admissão – É o ato mediante o qual o Juiz defere ou não a produção de uma prova. As
provas propostas no momento ordinário só podem ser indeferidas quando
impertinentes ao processo (não guardam relação com o processo). Já as provas
propostas em momento extraordinário podem ser indeferidas pela simples análise, pelo
Juiz, de sua desnecessidade para a formação de sua convicção;
3. Produção – É o momento em que a prova é trazida para dentro do processo, seja
através da juntada de um documento ou laudo pericial, ou através da oitiva de uma
testemunha, etc.;
4. Valoração – É o momento no qual o Juiz aprecia cada prova produzida e lhe atribui o
valor que julgar pertinente, de acordo com todo o conteúdo probatório existente,
fundamentando sua decisão.

Ônus da prova

O ônus da prova pode ser definido como o encargo conferido a uma das partes referente à
produção probatória relativa ao fato por ela alegado.10

Assim, nos termos do art. 156, 1° parte, do CPP:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado
ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

Desta forma, fica claro que a parte que alega algum fato, deve fazer prova dele. Portanto,
cabe ao acusador fazer prova da materialidade e da autoria do delito.11 Cabe ao réu, por sua vez,
provar os fatos que alegar (algum álibi) ou desconstituir a prova feita pelo acusador (um
excludente de ilicitude, uma excludente de culpabilidade, etc.).

10
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 342
11
PACELLI, Eugênio. Op. cit., p. 325
Um ônus não é uma obrigação, pois uma obrigação descumprida é um ato contrário ao
Direito. Um ônus, por sua vez, quando descumprido, não gera um ato contrário ao Direito, mas
representa uma perda de oportunidade à parte que lhe der causa.

Produção probatória pelo Juiz

Pode se dar de duas formas distintas:

(i) Na produção antecipada de provas – Regra geral, as provas devem ser produzidas
pelas partes. No entanto, em alguns casos, o Juiz pode determinar a produção de algumas
provas. Essa faculdade está prevista no art. 156, segunda parte, e incisos I e II do CPP. O primeiro
deles trata da produção de provas urgentes:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado
ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de
provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade,
adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Muito se discutiu na Doutrina acerca da constitucionalidade desta faculdade, tendo em


conta a adoção, no Brasil, de um sistema processual acusatório, ou seja, cabe às partes agirem
para formar a convicção do Magistrado, que apenas recebe os elementos de prova e os valora.

No entanto, o STJ e o STF entenderam que a produção de provas pelo Juiz É


CONSTITUCIONAL, sendo, porém, medida excepcional, pois embora se adote o sistema
acusatório, também se adota o princípio da verdade real12, de forma que o Juiz deve buscar
sempre a verdade dos fatos, e não se contentar com a “verdade” que consta no processo
(verdade formal).

Deve, ainda, o Magistrado quando determinar a produção de prova antecipada, fazer isto
obedecendo:

⇒ A necessidade da prova – A prova determinada deve ser indispensável à elucidação


dos fatos.
⇒ Adequação da prova – A prova da adequação se dá mediante uma análise da
urgência de sua realização. Se determinada a realização de uma prova que não é
urgente, não haverá adequação da medida.
⇒ Proporcionalidade – Está relacionada à ponderação de valores em conflito. Assim, a
proporcionalidade deve ser extraída mediante um balanço entre a busca da verdade
real e a imparcialidade do Juiz, mediante a análise de fatores como a existência de
outras provas acerca do mesmo fato, gravidade do delito, grau de urgência, etc.

Ressalto a vocês, por fim, que a determinação de produção antecipada de provas urgentes
e relevantes é uma espécie de medida cautelar (busca evitar o perecimento da prova), de forma
12
Tal princípio não está imune a críticas, notadamente aquelas que o consideram como uma brecha inquisitiva para o
exercício arbitrário de poder por parte do Estado. PACELLI, Eugênio. Op. cit., p. 322/323
que devem estar presentes os requisitos da cautelaridade, que são o fumus comissi delicti
(existência de indícios da materialidade e da autoria do delito) e o periculum in mora (Perigo de
que a demora na produção da prova torne impossível a sua realização).

(ii) Na produção de provas após iniciada a fase de instrução do processo – Esta


possibilidade está prevista no art. 156, II do CPP:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado
ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
(...) II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela
Lei nº 11.690, de 2008)

Um exemplo de exercício desta faculdade está no art. 196 do CPP, que permite ao Juiz
proceder, de ofício (ou seja, sem requerimento das partes), a novo interrogatório do réu. Ou,
ainda, nos termos do art. 209 do CPP, ouvir testemunhas não arroladas pelas partes, dentre
outros exemplos.

O mesmo que foi dito quanto à constitucionalidade da produção antecipada de provas ex


officio se aplica a esta hipótese de produção de provas pelo Juiz. O objetivo é conciliar o
princípio da verdade real com o modelo acusatório.

A diferença entre ambas as hipóteses reside, primordialmente, no fato de que no primeiro


caso se exige a cautelaridade da medida (urgência de sua realização). No segundo caso, basta
que o Magistrado tenha dúvida sobre ponto relevante, o que autoriza a produção de provas ex
officio.

Produção probatória pelo Juiz e Lei 13.964/19

A Lei 13.964/19 (chamado “pacote anticrime”) provocou mudanças sensíveis no processo


penal brasileiro. Dentre estas mudanças, está o art. 3º-A do CPP:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz
na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de
acusação. (eficácia suspensa por força de decisão liminar proferida pelo STF na
ADI 6298)

Como se vê, hoje, o sistema acusatório no nosso processo penal não é mais uma
interpretação doutrinária dos contornos da nossa legislação. Trata-se de um sistema que foi
expressamente adotado, nos termos da Lei.

Mais que isso: ao adotar expressamente o sistema acusatório, o legislador ainda trouxe duas
vedações ao Juiz (reforçando o caráter acusatório de nosso sistema):

⇒ Vedação da iniciativa do juiz na fase de investigação


⇒ Vedação da substituição da atuação probatória do órgão de acusação

Ou seja, ao Juiz é vedado agir “de ofício” no curso da investigação, bem como atuar de
maneira proativa na produção probatória, exercendo a função conferida ao acusador (o que
configuraria resquício inquisitivo).

Assim, diante da nova sistemática, cremos que a possibilidade de o Juiz determinar “ex
officio” (sem provocação) a produção antecipada de provas na fase pré-processual estaria
tacitamente revogada. Para reforçar tal compreensão, o art. 3º-B (também criado pela Lei
13.964/19) assim estabelece:

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da


investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia
tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe
especialmente: (eficácia suspensa por força de decisão liminar proferida pelo STF
na ADI 6298)
(...) VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas
consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla
defesa em audiência pública e oral;

Como se vê claramente, o art. 3º-B, VIII do CPP estabelece que incumbe ao Juiz das
Garantias (Juiz que atua na fase pré-processual, supervisionando a investigação criminal) decidir
sobre o REQUERIMENTO de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não
repetíveis. Ou seja: hoje deve haver requerimento, não se admitindo que o Juiz assim proceda de
ofício.

ATENÇÃO!!! Vale ressaltar que estes dispositivos (arts. 3º-A e 3º-B do CPP) estão
com eficácia suspensa, por força de decisão liminar proferida pelo STF no bojo
da ADI 6298.

Professor, mas por qual razão nós vimos esta parte então? Para que vocês entendam que hoje há
na Lei (embora com eficácia suspensa) um regramento que restringe a atuação “de ofício” do
Juiz. Ou seja, é mais produtivo saber que o legislador optou pela inclusão de tais dispositivos e o
STF suspendeu temporariamente do que simplesmente ignorar a alteração legislativa.

Provas ilegais

As provas ilegais são um gênero do qual derivam três espécies: provas ilícitas, provas ilícitas
por derivação e provas ilegítimas.
Provas ilícitas

São consideradas provas ilícitas aquelas produzidas mediante violação de normas de direito
material (normas constitucionais ou legais)13. A Constituição Federal expressamente prevê a
vedação da utilização de provas obtidas por meios ilícitos. Nos termos do seu art. 5°, LVI:

Art. 5º (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos;

O art. 157 do CPP, por sua vez, diz:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas


ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou
legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

São exemplos de prova ilícita:

● Interceptação telefônica realizada sem ordem judicial, por violar o art. 5°, XII da
Constituição Federal.
● Busca e apreensão domiciliar sem ordem judicial, por violação ao art. 5°, XI da
Constituição.
● Prova obtida mediante violação de correspondência, pois viola o art. 5°, XII da
Constituição Federal.

Muitos outros existem, e ficaríamos dias e dias a enumerá-los. No entanto, o que vocês
devem saber é que qualquer prova obtida por meio ilícito é uma prova ilegal, e que por meio
ilícito deve-se entender aquele que importa em violação a algum direito material,
constitucionalmente protegido, de maneira direta ou indireta.

A prova pode ser ilícita por afrontar direta ou indiretamente a Constituição. Todos os
exemplos citados acima são hipóteses de prova ilícita por afrontamento direto à Constituição. No
entanto, pode ocorrer de a prova ser ilícita por ofender uma norma prevista em Lei (não na
Constituição), mas essa Lei retira seu fundamento diretamente da Constituição.

EXEMPLO: Imagine um interrogatório do réu em sede judicial realizado sem a


presença do advogado. A norma que diz que a presença do advogado é
indispensável não está na Constituição, mas no art. 185 do CPP. No entanto, este
art. 185 do CPP nada mais faz que observar o princípio da ampla defesa. Assim,
pode-se dizer que quando se afronta o art. 185 do CPP, está a ser violado,
também, o princípio da ampla defesa, consagrado no art. 5°, LV da Constituição.

Provas ilícitas por derivação

São aquelas provas que, embora sejam lícitas em sua essência, derivam de uma prova ilícita,
daí o nome “provas ilícitas por derivação”. Trata-se da aplicação da Teoria dos frutos da árvore

13
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 340
envenenada (fruits of the poisonous tree), segundo a qual, o fato de a árvore estar envenenada
necessariamente contamina os seus frutos. Trazendo para o mundo jurídico, significa que o
defeito (vício, ilegalidade) de um ato contamina todos os outros atos que a ele estão vinculados.

Antes do advento da Lei 11.690 (que alterou alguns dispositivos do CPP), a utilização desta
teoria era fundamentada com base no art. 573, § 1° do CPP, que diz:

Art. 573 (...) § 1º A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos
que dele diretamente dependam ou sejam consequência.

No entanto, com o advento da Lei citada, o art. 157, § 1° do CPP passou a tratar
expressamente da prova ilícita por derivação. Vejamos:

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela
Lei nº 11.690, de 2008)

Perceba, caro aluno, que a primeira parte do dispositivo transcrito trata da regra, qual seja:
Toda prova derivada de prova ilícita é inadmissível no processo. Entretanto, a segunda parte do
artigo excepciona a regra, ou seja, existem casos em que a prova, mesmo derivando de outra
prova, esta sim ilícita, poderá ser utilizada.

Exige-se, primeiramente, que a prova ilícita por derivação possua uma relação de
causalidade exclusiva com a prova originalmente ilícita. Assim, se uma prova B (lícita) só pode ser
obtida porque se originou de uma prova ilícita (A), a prova B será inadmissível. Entretanto, se a
prova B não foi obtida exclusivamente em razão da prova A, a prova B não será inadmissível.

EXEMPLO: Imagine que Paulo fora arrolado pelo MP como testemunha em um


processo criminal, tendo prestado seu depoimento de maneira válida durante a
instrução processual. O que esta prova tem de ilícita? Nada. Porém, imagine que
a testemunha Paulo só tenha sido descoberta em razão de um depoimento
testemunhal ocorrido em sede policial, na qual a testemunha Carlos foi torturada.
Assim, o depoimento de Carlos é prova ilícita, de formar que contamina o
depoimento (válido) de Paulo, pois somente através do depoimento mediante
tortura de Carlos é que se chegou até a testemunha Paulo.
Imagine, agora, que além de ter sido mencionado como testemunha do crime
por Carlos (que estava sob tortura), Paulo tenha sido apontado como testemunha
ocular do crime por outra testemunha, Ricardo, que prestou depoimento válido e
de maneira livre em sede policial. Ora, estamos aqui diante do que se chama de
fonte independente capaz de conduzir ao objeto de prova.14 Assim, se a prova
ilícita por derivação (depoimento de Paulo) tenha sido obtida também por uma
fonte independente (depoimento de Ricardo) da fonte contaminada (depoimento
de Carlos, sob tortura), a prova deixará de ser ilícita por derivação e poderá ser
utilizada no processo. Nos termos do § 2° do art. 157 do CPP:

14
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 341
Art. 157 (...) § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só,
seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução
criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº
11.690, de 2008)

Por fim, há ainda o que a Doutrina chama de “Teoria da descoberta inevitável”15 (inevitable
discovery), segundo a qual também poderá ser utilizada a prova que, embora obtida através de
uma outra prova, ilícita, teria sido obtida inevitavelmente pela autoridade.

EXEMPLO: Imagine que o Juiz tenha determinado a Busca e apreensão de


documentos e objetos na casa do suspeito José. Antes de realizada a diligência,
José, que estava preso, afirma, mediante tortura, que a arma do crime está em
sua residência, dentro do armário. Chegando no local, a autoridade policial
constata que de fato a arma está no armário, mas simultaneamente chega ao
local outra equipe, para cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão
determinado anteriormente. Ora, a arma seria localizada inevitavelmente pela
equipe que fora realizar a busca e apreensão (diligência válida e regular).
Portanto, a prova ilícita por derivação (arma do crime, à qual se chegou através
de interrogatório mediante tortura) teria sido inevitavelmente descoberta de
forma lícita, ainda que não houvesse a prova ilícita que lhe deu origem.
Assim, a prova foi obtida de forma ilícita, pois decorreu do interrogatório
mediante tortura. Todavia, analisando-se as circunstâncias, é perfeitamente
possível concluir que esta mesma prova acabaria sendo obtida de qualquer
modo, licitamente.
Desta forma, a prova poderá ser usada no processo.

Provas ilegítimas

São provas obtidas mediante violação a normas de caráter eminentemente processual, sem
que haja nenhum reflexo de violação a normas constitucionais.

EXEMPLO: Imagine que num determinado processo criminal em uma comarca do


interior, não havendo perito oficial, o Juiz tenha determinado a produção de
prova pericial por um perito não oficial. Esta prova pericial produzida será
ilegítima, pois viola uma norma processual, prevista no art. 159, § 1° do CPP:
Art. 159 (...)
§ 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas
idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área
específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza
do exame. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Neste caso, não há qualquer violação à Constituição, pois a realização de uma
prova pericial por apenas um perito não-oficial, ao invés de dois, em nada

15
Também chamada de “exceção da fonte HIPOTÉTICA independente”.
prejudica algum direito fundamental. No entanto, trata-se de violação a uma
norma processual, de forma que esta prova é considerada ilegítima.

Não se pode esquecer que o termo “ilegítimas” só se aplica às provas obtidas com violação
às normas de direito PROCESSUAL. Já o termo “ilícitas” se aplica apenas às provas obtidas com
violação às normas de direito material.

Assim:

ILÍCITAS (08 LETRAS) – MATERIAL (08 LETRAS)


ILEGÍTIMAS (10 LETRAS) – PROCESSUAL (10 LETRAS)

Consequências processuais no caso de reconhecimento da ilegalidade


da prova

Reconhecida a ilegalidade da prova, este reconhecimento gera algumas consequências


práticas no processo criminal. Entretanto, estas consequências são diferentes no caso de provas
ilícitas (ilícitas e ilícitas por derivação) e provas ilegítimas.

Consequências processuais do reconhecimento da ilicitude da prova

No caso das provas ilícitas e ilícitas por derivação, declarada sua ilicitude, elas deverão ser
desentranhadas do processo16 e, após estar preclusa a decisão que determinou o
desentranhamento (não couber mais recurso desta decisão), esta prova será inutilizada pelo Juiz.
É o que preconiza o § 3° do art. 157 do CPP:

Art. 157 (...) § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada


inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes
acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Trata-se, portanto, de valoração da ilicitude da prova ANTES DA SENTENÇA. Entretanto,


em relação à simetria de tratamento que se dá às provas ilícitas e às nulidades absolutas, a
ilicitude destas provas poderá ser arguida a qualquer momento, inclusive após a sentença.

16
Sobre os efeitos do reconhecimento da ilicitude da prova, vale destacar que o mero reconhecimento da ilicitude
da prova não é capaz de ensejar o trancamento da ação penal ou a prolação de uma sentença condenatória. A ação
penal pode possuir justa causa (elementos mínimos de prova) calcada em outras provas, não declarada ilícitas, bem
como a condenação pode sobrevir condenação, também fundada em outras provas, não vinculadas à prova
considerada ilícita (Informativo 776 do STF).
CUIDADO! Há parcela da Doutrina, no entanto, vem entendendo que, desentranhada prova
declarada inadmissível, a sua inutilização não é obrigatória, podendo o Magistrado declarar a
inadmissibilidade da prova, mas não decretar seu desentranhamento e inutilização.

Isto se deve em razão da existência de forte entendimento17 no sentido de que a prova, ainda
que seja ilícita, se for a única prova que possa conduzir à absolvição do réu, ou comprovar fato
importante para sua defesa, em razão do princípio da proporcionalidade, deverá ser utilizada no
processo. Assim, a inutilização da prova inviabilizaria sua utilização pro reo.

EXEMPLO: Imagine que Marcelo, acusado de homicídio, saiba que, na verdade, Bruno é o
verdadeiro homicida, mas não possui provas acerca disso. No entanto, Marcelo adentra à casa de
Bruno pela madrugada e acopla um dispositivo para realização de escutas. Durante a utilização
do dispositivo, Bruno comenta diversas vezes com sua esposa acerca da autoria do homicídio,
confessando-o. Esta prova, obtida ilicitamente (violação ao Direito à privacidade, art. 5°, X da
Constituição), por ser a única capaz de provar a inocência de Marcelo, apesar de ilícita, poderá
ser utilizada para sua absolvição.

Entretanto, a prova não passa a ser considerada lícita. Ela continua sendo ilícita, mas
excepcionalmente será utilizada, apenas para beneficiar o acusado (Marcelo). Isso é
extremamente importante, pois se a prova passasse a ser considerada lícita, poderia ser utilizada
para incriminar o verdadeiro autor do crime (Bruno). Entretanto, como ela continua sendo prova
ilícita, poderá ser utilizada para inocentar Marcelo, mas não poderá ser utilizada para incriminar
Bruno, pois a Doutrina e Jurisprudência dominantes só admitem a utilização da prova ilícita pro
reo, e não pro societate. MUITO CUIDADO COM ISSO!

Outra questão interessante diz respeito à IMPOSSIBILIDADE de o Juiz que conhecer do


conteúdo da prova declarada inadmissível vir a proferir posteriormente a sentença ou acórdão.
Tal previsão havia sido incluída no art. 157, §4º (na reforma de 2008), mas foi vetada à época, e a
Doutrina entendia equivocado o veto. A Lei 13.964/19, enfim, 11 anos depois, efetivamente
incluiu tal previsão no CPP (art. 157, §5º do CPP):

Art. 157 (...) § 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada


inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão

Assim, caso o Juiz reconheça que determinada prova é ilícita e, portanto, inadmissível, este
mesmo Juiz não poderá posteriormente proferir a sentença, devendo ser designado outro Juiz
(conforme as regras de substituição previstas pelo Tribunal) para proferir sentença.

Qual a razão de tal vedação, professor? A razão é simples. Quando o Juiz declara inadmissível
uma prova, dada sua ilicitude, aquela prova passa a não fazer mais parte dos autos do processo
e, portanto, não pode ser utilizada para formar o convencimento do Juiz. Todavia, na prática,
nenhum ser humano é absolutamente isento e capaz de fazer tal separação. Imagine que um Juiz
tomou conhecimento de uma confissão realizada pelo réu, mas tal confissão foi obtida mediante
interceptação telefônica clandestina. Ainda que o referido Juiz não possa fundamentar sua
decisão com base naquela confissão (prova ilícita), é inegável que aquilo está na cabeça do Juiz e
17
PACELLI, Eugênio. Op. cit., p. 320
vai fazer com que o mesmo olhe para as demais provas dos autos já com a imagem de um
culpado em sua cabeça.

ATENÇÃO! Este dispositivo teve sua eficácia SUSPENSA cautelarmente pelo STF
na ADI 6298. Assim, até a análise definitiva do mérito da ADI, a eficácia do §5º
do art. 157 está suspensa.

Qual é o recurso cabível em face da decisão referente à ilicitude da prova? A Doutrina entende
que:

● Decisão que RECONHECE A ILICITUDE da prova – Cabe RESE, nos termos do art.
581, XIII do CPP.
● Decisão que RECONHECE A ILICITUDE da prova apenas na sentença – Cabe
APELAÇÃO.
● Decisão que NÃO RECONHECE a ilicitude da prova – Não cabe recurso (seria
possível o manejo de HC ou MS).

Consequências processuais do reconhecimento da ilegitimidade da


prova

Diferentemente do que ocorre com as provas ilícitas, em que a natureza e a gravidade dos
crimes podem implicar a sua utilização, no que tange às provas ilegítimas, o critério para
definição de sua utilização ou não será outro.

Para que se defina se a prova ilegítima (obtida ou produzida mediante violação à norma de
caráter processual) será utilizada ou não, devemos distingui-las em dois grupos: provas ilegítimas
por violação a norma processual de caráter absoluto (que importam nulidade absoluta) e provas
ilegítimas por violação a norma processual de caráter relativo (que importam em nulidade
relativa).

A prova decorrente de violação à norma processual de caráter absoluto (nulidade absoluta)


jamais poderá ser utilizada no processo, pois as nulidades absolutas, são questões de ordem
pública e são insanáveis. O STF e o STJ estão relativizando isso, ao fundamento de que não pode
ser declarada qualquer nulidade sem comprovação da ocorrência de prejuízo).

Já a prova decorrente de violação à norma processual de caráter relativo (nulidade relativa),


poderá ser utilizada, desde que não haja impugnação à sua ilegalidade (essa ilegalidade deve ser
arguida por alguma das partes, não podendo o Juiz suscitá-la de ofício), ou tenha sido sanada a
irregularidade em tempo oportuno.

Seja como for, de acordo com a Doutrina majoritária, às provas ilegítimas deve ser aplicado
o regime jurídico das nulidades, e não as regras atinentes às provas ilícitas, que vimos
anteriormente.

Quadro esquemático:
​ SÚMULAS PERTINENTES

Súmulas do STJ

⮲ Súmula 455 do STJ: O STJ sumulou entendimento no sentido de que a produção antecipada
de provas, em razão da suspensão do processo decorrente da aplicação do art. 366 do CPP (réu
revel citado por edital), deve ser fundamentada em elementos concretos (risco de perda da
prova), não podendo o Juiz determiná-la com base apenas na alegação de que o decurso do
tempo poderia prejudicar a colheita da prova:

Súmula 455 do STJ: “A decisão que determina a produção antecipada de provas


com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a
justificando unicamente o mero decurso do tempo”.

⮲ Súmula 74 do STJ: O STJ sumulou entendimento no sentido de que a prova da MENORIDADE


penal somente pode se dar mediante a apresentação de documento hábil, não sendo possível a
prova de tal fato por outros meios (testemunhal, etc.). Tal entendimento configura exceção ao
sistema do livre convencimento do Juiz, já que, neste caso, temos um exemplo de prova tarifada:

Súmula 74 do STJ - PARA EFEITOS PENAIS, O RECONHECIMENTO DA


MENORIDADE DO REU REQUER PROVA POR DOCUMENTO HABIL.

​ JURISPRUDÊNCIA CORRELATA
⮲ STJ - REsp 1111566/DF: O STJ decidiu no sentido de o direito à não autoincriminação
pressupõe a impossibilidade de se obrigar o acusado a realizar o teste do bafômetro, já que isso
constituiria obrigação de produção de prova contra si próprio:
(...) 1. O entendimento adotado pelo Excelso Pretório, e encampado pela
doutrina, reconhece que o indivíduo não pode ser compelido a colaborar com os
referidos testes do 'bafômetro' ou do exame de sangue, em respeito ao
princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se autoincriminar (nemo tenetur
se detegere). Em todas essas situações prevaleceu, para o STF, o direito
fundamental sobre a necessidade da persecução estatal.
(...) (REsp 1111566/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão
Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/RJ), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2012, DJe 04/09/2012)

⮲ STF - HC 116931/RJ: O STF decidiu que o mero reconhecimento da ilicitude da prova não é
capaz de ensejar o trancamento da ação penal ou a prolação de uma sentença condenatória, pois
a ação penal pode possuir justa causa (elementos mínimos de prova) calcada em outras provas,
não declarada ilícitas, bem como a condenação pode sobrevir condenação, também fundada em
outras provas, não vinculadas à prova considerada ilícita.

(...) A defesa sustentava que a peça acusatória embasara-se em prova ilícita,


constituída por elementos colhidos mediante quebra de sigilo bancário
requisitado diretamente pela Receita Federal às instituições financeiras. A Turma
consignou que o STJ, ao conceder parcialmente a ordem em “habeas corpus” lá
apreciado, reconhecera a nulidade da prova colhida ilicitamente, mas deixara de
trancar a ação penal, tendo em conta remanescerem outros elementos de prova,
regularmente colhidos, que seriam suficientes para atestar a materialidade e
autoria dos delitos. Ademais, tendo em conta essa decisão proferida pelo STJ, o
juízo de 1º grau reanalisara a viabilidade da ação penal, a despeito das provas
então consideradas nulas, e concluíra pela existência de justa causa amparada
por outras provas. Na ocasião, não apenas as provas ilícitas foram retiradas dos
autos, como os fatos a ela relacionados também foram desconsiderados.
Posteriormente à impetração perante o STF, fora prolatada sentença
condenatória, na qual nenhuma prova produzida ilegalmente fora utilizada para a
condenação. O juízo natural da ação penal, com observância do contraditório,
procedera ao exame do suporte probatório produzido, e afastara dele o que lhe
poderia contaminar pela ilicitude declarada pelo STJ, para concluir pela
existência de elementos probatórios idôneos para justificar a condenação.
Apenas parte da apuração teria sido comprometida pelas provas obtidas a partir
dos dados bancários encaminhados ilegalmente à Receita Federal. Evidenciada,
pela instância ordinária, a ausência de nexo causal entre os elementos de prova
efetivamente utilizados e os considerados ilícitos, não se poderia dizer que o
suporte probatório ilegal contaminara todas as demais diligências. HC
116931/RJ, rel. Min. Teori Zavascki, 3.3.2015. (HC-116931)

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