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Warren Magazine / Pa Quando um nome vira sindnimo de luta pelos direitos das mulheres: conhega a trajetoria de Maria da Penha Por Redacio Warren + Publicado em 8 de marco de 2022 | Atvalizado em 2 de agosto de 2023 Ouvir esse artigo 9 Maria da Penha. Provavelmente voc# conhecs esse nome, Safa conhecs, 0 menos] o deve ter ouvido falar dete. Nao é & toa: além de ser o nome do principal instrumento de combate & violencia doméstica e familiar da legislagio brasileira, Maria da Penha é0 nome de uma das maiores ativistas pelos direitos das mulheres no pais. Sua histéria, que carrega um misto de tragédia, luta e inspiracao, & também a histéria de milhdes de vitimas do machismo e da violéncia de sgénero no Brasil. O pafs ocupa, segundo a Organizacao das Nagdes Unidas (ONU), 0 5° lugar no ranking mundial de feminicidio. Depois de quase 20 anos em busca de justica, Maria da Penha se tornov um simbolo da luta contra a violéncia. E hoje, aos 77 anos, ela segue batalhiando por aquilo que considera sua misao: enfrentar, por meio de mecanismos de conscientizagao e empoderamento, a violencia doméstica e familiar contra a muther. Neste artigo, lembramos a trajetéria de Maria da Penha, a criagao da lei que a homenageia e os avangos trazidos por ela para a luta pelos direitos das mulheres. Mas, antes de continuar, um aviso: ao tratar da trajetéria de Maria da Penha, o artigo faz descricdes que podem ser potencialmente perturbadoras para quem tenha passado por situacées semelhantes. ‘Vamos em frente? Boa leitura! Quem é Maria da Penha? Nascida em Fortaleza em 1° de fevereiro de 1945, Maria da Penha Maia Fernandes é farmacéutica bioquimica formada pela Universidade Federal do Ceara. Em 1974, enquanto cursava o mestrado na Universidade de Sao Paulo, ela conheceu Marco Antonio Heredia Viveros, um jovem colombiano que fazia sva pés-gradvago em Economia na mesma universidade — e que marcaria sva vida de uma maneira inimagindvel. Naquele mesmo ano, os dois comecaram a namorar, casando-se em seguida, em 1976. Depois da conclusdo de seu mestrado e do nascimento da primeira filha, Maria da Penha voltou com o marido para sua cidade natal, onde nasceriam suas duas outras filhas. Foi af que as coisas comegaram a mudar. LEIA TAMBEM | Ros: lind Franklin e a descoberta da estrutura do DNA O ciclo da violéncia Assim que Marco Antonio conseguiu sua cidadania brasileira ese estabilizou financeiramente, as agress6es iniciaram. Ele, que segundo Maria da Penha era educado, amével e solidario, passou 2 agir com intolerancia, se exaltando com facilidade e demonstrando comportamentos explosives nao sé com a esposa, mas também com as filhas. Com isso, a tenso, o medo e a violEncia passaram a fazer parte do dia a dia da familia, Mas logo vinha o arrependimento eo comportamento carinhoso, configurando o que hoje € conhecido como ciclo da violencia, A violéncia doméstica se manifesta de diversas formas, ndo se resumindo somente & agressao fisica. De acordo com a psicéloga norte-americana Lenore Walker, em um contexto conjugal, as agresses costumam ocorrer dentro de um ciclo que se repete constantemente, e que possui trés fases: 1. AUMENTO DA TENSKO O agressor se irrita com coisas insignificantes, podendo ter acessos de raiva, humilhar e ameagar a vitima e destrvir objetos. Por sua vez, a mulher tenta acaimé-lo e evita qualquer comportamento que, na sua leitura, possa “provocé-lo" Os sentimentos mais comuns nesse momento sio tristeza, angustia, medo e desilusio. Além disso, normal que a vitima nao reconhega a situagdo que est vivendo e esconda os fatos das pessoas ao seu redor. Muitas vezes, ela actedita inclusive que fez algo errado e que por isso & a culpada pela postura do agressor. Essa tensdo pode durar anos, mas como a tendéncia é que ela vi aumentando, frequentemente ela leva 8 segunda fase: o ato de violéncia 2. ATO DE VIOLENCIA A falta de controle do agressor chega ao limite e ele pratica um ato violento. E como se toda a tensao acumulada se materializasse em violencia, seja ela fisica, moral, psicolégica ov patrimonial. Em geral, a mulher se sente paralisada, sem capacidade de reagir. AS consequéncias sao as mais diversas: ansi nia... Além das sensacées de medo, édio, vergonha, solido, pena de si mesma e confusio, Nessa fase, também é comum que a vitima se distancie do agressor, 8s vezes buscando ajuda com amigos e familiares, fazendo uma dentincia e até pedindo a separacao. '3. ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO Para tentar se reconciliar com a mulher, 0 agressor volta a ser amavel, demonstrando estar arrependido e dizendo que vai mudar. E a chamada “ua de mel’ Muitas vezes, a vitima se sente pressionada pela sociedade a manter a relagdo — em especial quando 0 casal tem filhos. Essa fase se caracteriza por um momento de certa tranquilidade, durante co quala mulher vé os esforcos e a mudanga de atitude do parceiro e se sente feliz. Em meio &s boas lembrangas com 0 agressor, é comum que a vitima sinta confusio, culpa e ilusdo. Mas a tensao quase sempre acaba voltando, e ento a mulher se vé na primeira fase do ciclo novamente, Foi nessa ditima fase, inclusive, que Maria da Penha teve sua terceira filha, na esperanca de que seu marido realmente fosse mudar. O crime que mudou a vida de Maria da Penha Infelizmente, para grande parte das mulheres, quebrar o ciclo de violéncia & muito mais dificil do que parece. Com Maria da Penha nio foi diferente. Em 1983, depois de alguns anos de abuso, a farmacéutica sofreu uma dupla tentativa de hor por parte do marido (0 crime de feminicidio ainda nao exis 1a legislagao brasileira naquela época). Enquanto ela dormia, Marco Antonio atirou em suas costas, causando lesGes irreversiveis que a deixaram paraplégica e, obviamente, traumatizada. ‘Ao Programa do Porchat em 2018, ela contou que, ao tentar se levantar da cama para se proteger e entender o que tinha acontecido, ela nao conseguia se mexer, e pensou: “o Marco me matou". Por sua vez, Marco Antonio disse a policia que a familia havia sofrido uma tentativa de assalto. Durante os quatro meses em que ficou no hospital, Maria da Penha passou por cirurgias, internagdes e tratamentos. Quando voltou para casa, seu agressor a recebeu com 15 dias de cércere privado e uma segunda tentativa de homi jo, na qual tentou eletrocuté-la durante o banho. Com a ajuda da familia e dos amigos, ela conseguiu sair de casa com apoio juridico, eliminando a possibilidade de que sva saida configurasse abandono de lar e ela corresse o risco de perder a guarda das filhas. Depois da luta pela liberdade, a |uta por justiga Nao bastasse ter quase perdido a vida duas vezes, Maria da Penha ainda se viv vitima das prdprias instituigdes que deveriam defendé-la. ‘Somente em 1991, oito anos apés os crimes, Marco Antonio foi julgado pela primeira vez. Apesar da sentenca de 15 anos de prisdo, coma ajuda de recursos, seu agora ex-marido saiu do férum em liberdade. Mas a cearense no estava disposta a aceitar o desfecho daquela hist © seguiv lutando por justiga enquanto escrevia seu livro “Sobrevivi... posso contar’, publicado em 1994. Nele, Maria da Penha revela o que aconteceu e fala sobre o desenrolar do pracesso contra seu agressor. Cinco anos mais tarde, em 1996, Marco Antonio foi julgado pela segunda vez e condenado a 10 anos e seis meses de prisao. Por conta de alegagSes de irregularidades processuais cometidas pelos advogados de Maria da Penha, porém, novamente a sentenca nao foi cumprida. Negligéncia, omissao e tolerancia a violéncia doméstica: a responsabilidade do Estado brasileiro Foi somente a partir de 1998, ano em que o caso Maria da Penha ganhou ‘© mundo, que o cendi comegou a mudar, ainda que a passo lento. Com 0 apoio do Centro para a Justica e o Direito Internacional (CEJIL) edo Comité Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), Maria da Penha denunciou a impunidade e 0 descaso do Poder Judiciério brasileiro para a Comissao Interamericana de Direitos Humanos da Organizacao dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Mesmo com as graves acusagées de violacdo de direitos humanos, 0 Estado brasileiro no se pronunciou ao longo do processo, que durou trés anos. Finalmente, em 2001, foi “tesponsabilizado por negligéncia, omissao e tolerancia & violéncia doméstica praticada contra as mulheres brasileiras”. Mais do que uma punicdo e um “empurrdozinho” para que a justica fosse feita, esse movimento significava 0 reconhecimento de que a histéria de Maria da Penha no era um caso isolado, e sim um exemplo da impunidade sistematica garantida aos agressores no Brasil. Com isso, a CIDH dev quatro recomendagGes ao Estado brasileiro, Resumidamente, elas eram: Finalizar, de forma répida e efetiva, 0 processamento penal de Marco Antonio Heredia Viveros; ‘= Responsabilizar os envolvidos nas irregularidades e atrasos do caso Maria da Penha; Oferecer uma reparacao simbélica e material a vitima; Realizar um processo de reforma, de modo a evitar a tolerdncia estatal 4 violencia doméstica, AccriagGo da lei Maria da Penha © que levou o caso de Maria da Penha a tomar dimensées tao grandes foi justamente a “mudanga de chave" na forma como os crimes de violencia domestica eram vistos e julgados. © fato de Maria da Penha e tantas outras vitimas desse tipo de violéncia serem mulheres reforgava no sé a recorréncia das agressdes como a punidade dos agressores. Mas 0 Estado brasileiro no oferecia nenhum tipo de suporte a essas mulheres. ‘Assim, em 2002, diversas ativistas, entidades defensoras dos direitos humanos e das mulheres e juristas com especialidade no assunto formaram um Consércio de ONGs feministas com o objetivo de elaborar uma lei de combate & violéncia doméstica e familiar contra a mulher. Depois de inémeros debates e negociagSes com a sociedade e os poderes Legislativo e Executivo, 0 Projeto de Lei n® 4.559/2004 foi aprovado por unanimidade tanto na Cémara dos Deputados quanto no Senado Federal. E finalmente, no dia 7 de agosto de 2006, o entao presidente Luiz Inacio Lula da Silva sancionou a Lei n° 11.340 — batizada de Lei Maria da Penha em homenagem a farmacéutica e sua uta. Além da reparacio simbélica, ela recebeu uma indenizagdo do Estado do Ceard. Hoje, Maria da Penha dedica a maior parte do seu tempo a contar sua histéria e alertar nao s6 outras mulheres, mas a sociedade como um todo, sobre a violéncia doméstica. Atentando também para pautas de acessibilidade para pessoas com deficiéncia, ela faz isso por meio de palestras e entrevistas, além de sua atuago no Instituto Maria da Penha, do qual é fundadora e presidente vitalicia, Brasil depois da lei Maria da Penha Os efeitos da implementagdo da lei Maria da Penha logo foram sentidos. Em 2008, o ndmero de dendncias de violencia doméstica entre janeiro e junho mais que dobraram, passando de 58.417, no mesmo perfodo do ano anterior, para 121.891 ‘Além de ampliar a conscientizagéo sobre o assunto, a lei também: ‘+ Aumentou as penas dos agressores, prevendo também medidas pedagégicas e preventivas para a sva reabilitacio; ‘= Criou juizados especificos para casos de violéncia doméstica e familiar contra a mulher; e ‘* Previu um sistema de assisténcia as vitimas, com medidas protetivas, atendimento especializado e acolhimento. E por falar em conscientizacao, vale lembrar que a lei no se aplica somente a casos em que hi violéncia fisica ia psicolégica, moral, sexual e patrimoni contempladas e devem ser denunciadas. Apesar de a lei estar completando quase 20 anos, a realidade brasileira mostra que ela segue sendo fundamental para a garantia dos direitos das, mulheres em situacao de violencia doméstica. De acordo com dados do Monitor da Violéncia, uma parceria entre o G1, 0 Nocleo de Estudos da Violncia da USP e o Férum Brasileiro de Seguranga Publica, de janeiro a unho de 2021, 45 medidas protetivas foram solicitadas a cada hora no pais. Foram mais de 190 mil pedidos, o que representa um aumento de 14% em relaco ao mesmo perfodo em 2020. ‘As dentincias podem ser feitas por telefone no némero 180, Central de Atendimento Mulher, ov presencialmente na Delegacia da Mulher de sva cidade (se ndo houver, a vitima pode se dirigir a uma delegacia comum). Caso a mulher no se sinta segura para acionar a policia, ela pode procurar orientacao em Centros Especializados de Atendimento & Mulher ov de Assisténcia Social, Embora a luta contra a violéncia doméstica ainda esteja longe do fim, & inspirador perceber como Maria da Penha conseguiu transformar a realidade cruel que enfrentou em uma mobilizacao juridica e cultural de enorme alcance. Neste Dia da Mulher, esperamos que sua luta — e a lei que ela inspirou — continue contribuindo para reduzir a violencia contra as mulheres no Brasil. Quer falar com um dos nossos especialistas? 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