Você está na página 1de 24

TEORIA DA PROVA

A matéria de provas no processo penal se divide em duas partes. A primeira


parte trata da teoria da prova, contendo conceito, função, princípios,
destinatários, ônus, tempo, admissão e limites, sistemas de valoração, cadeia
de custódia].

A segunda parte trata das provas em espécie, que são os meios de provas
regulamentadas na lei processual penal [interrogatório; testemunhas;
documentos; indícios etc].

1. CONCEITO DE PROVA

No processo penal, o conceito de prova parece se restringir a elemento de


informação que, depois de submetido à ampla defesa e contraditório judicial,
possa ser valorado para convencer o julgador da verdade ou inverdade de um
fato, a existência ou inexistência de algo.

São elementos probatórios os elementos de informação validamente


produzidos, introduzidos e valorados pelo juiz no processo penal.

Art. 155, CPP. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua
decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.

Observem que a lei usa a palavra “prova” para um elemento de informação que
foi submetido ao contraditório judicial [o que envolve também a ampla defesa].
Nessa linha, a doutrina [Aury Lopes Jr. e Pacelli] ensinam que as informações
produzidas na fase preliminar [inquérito ou investigação preliminar] não devem
ser chamadas de “provas”. Na regra processual, esses elementos de
informação não podem ser valorados pelo julgador.

Assim, o que é produzido no inquérito deverá ser reproduzido em juízo para


que possa ser valorado pelo juiz.

E as provas cautelares ou irrepetíveis?

Mesmo quando não for possível repetir a prova na fase judicial, o seu conteúdo
será submetido à ampla defesa e contraditório [exemplos em aula].

[…] 1. É entendimento consolidado nesta Corte Superior que a


condenação pode ser fundamentada em elementos colhidos no
inquérito, desde que submetidos ao crivo do contraditório. 2. No
caso dos autos, ratificado em juízo o reconhecimento fotográfico do
réu e não havendo o Togado sentenciante e a Corte Estadual se
fundado, exclusivamente, em elementos de convicção não
judicializados para motivar a condenação, não há que se falar em
violação ao art. 155 do CPP. […] (Agravo Regimental no Agravo em
Recurso Especial n. 683.840-SP, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge
Mussi, julgado em 15.3.2018, publicado no DJ em 23.3.2018)

2. DESTINATÁRIO E FUNÇÃO DA PROVA

O juiz é o destinatário da prova, pois a sentença deverá ser fundamentada


conforme as provas produzidas no processo.
O órgão de acusação imputa fato típico, pedindo a condenação. O juiz, na
sentença, com base nas provas, julga procedente ou improcedente os fatos
alegados pela acusação.
O processo penal serve para a reconstrução de um fato histórico, da verdade
desse fato histórico.
Mas é possível reconstruir a verdade por meio da prova?
Ainda que possamos reconhecer que o conhecimento humano seja falível, a
reconstrução da verdade no processo penal é uma atividade irrenunciável.
No processo civil há regra expressa admitindo que o juiz repute verdadeiro os
fatos alegados pelo autor que não forem contestados pelo réu [art. 342 do
CPC]. No processo penal regra semelhante não pode existir, porque o juiz não
pode renunciar ao esforço de reconstrução da verdade.

Daí porque a verdade do processo penal seria material [materializada nos


autos por meio das provas]. Refutam, como a melhor doutrina, a expressão
verdade real.

Real é o fato da vida já ocorrido. O que se diz sobre esse fato, depois, é uma
versão dele, que pode vir [e não raro virá] com defeitos de percepção das
pessoas que vivem ou testemunham os fatos, e também de quem recolhe as
versões que são dadas aos fatos [como o perito vê o fato é a reprodução fiel
dele? Como a testemunha percebe o fato é correspondente à sua realidade?].

Pacelli e Fischer1 preferem o uso do termo “certeza judicial” à expressão


verdade, defendendo que o juiz alcança uma certeza do tipo jurídica porque é
aquela que as provas permitem alcançar.

Prof. Jacinto Miranda Coutinho ensina que a prova tem a função de permitir ao
juiz a recognição do fato que é imputado ao réu, ou seja, reconhecer o fato por
meio de outras pessoas que já conhecem os fatos.

3. MEIOS DE PROVA E MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

1
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597024937/cfi/6/38!/4/16@0:37.5
Meio de prova é a forma como os fatos serão demonstrados. Pode ser prova
oral [testemunha e interrogatório], documental, pericial.

Meio de obtenção é a forma como podemos chegar aos meios de prova.


Exemplo: um documento pode ser obtido por busca e apreensão; pode ser
entregue pela testemunha.

As formas de se obter a prova, via de regra, estão regulamentadas na lei, pois


precisam ser válidas, respeitando direitos fundamentais do réu para a colheita
e produção das provas [interceptação de comunicação, quebra de sigilo de
dados, interrogatório, colaboração premiada, que traz informações sobre como
chegar a outros elementos informativos relevantes etc].

4. MOMENTO DE REQUERIMENTO E PRODUÇÃO

No processo penal, em razão da natureza do direito em discussão [direito de


liberdade do réu], não há a mesma rigidez que existe no processo civil quanto
ao momento de requerer a produção da prova ou mesmo de produzi-la.

As partes têm momento preclusivo para arrolar testemunhas [a acusação, na


denúncia ou queixa], a defesa, na resposta à acusação ou defesa preliminar
[salvo na segunda fase do procedimento do Júri].

Mas mesmo assim, a jurisprudência admite que as partes possam pedir ao


Juízo a oitiva de outras testemunhas, notadamente a defesa [quer-se evitar
uma condenação injusta e, além disso, para a defesa ampla não se encerra
nem mesmo com o trânsito em julgado de uma condenação – explicação em
aula].

A lei contempla limites à quantidade de testemunhas, conforme o procedimento


[ver art. 403, 406, §3º, 531, todos do CPP].

As provas documentais podem ser juntadas no processo em qualquer


momento [art. 231, do CPP – a regra deve ser interpretada restritivamente, eis
que na fase dos recursos extraordinários não há exame ou reexame de
provas].

Observar que, na letra da lei, o juiz pode indeferir os pedidos de produção de


provas que sejam considerados protelatórios ou desnecessárias.

As provas são requeridas [para produção ou para juntada]. Se admitidas [a


produção ou a juntada], serão valoradas [primeiro, as partes emitem juízos de
valor sobre as provas, a fim de amparar suas teses jurídicas. Depois, cabe ao
juiz valoras as provas, julgando os fatos e as testes apresentadas pelas
partes].

5. OBJETO DA PROVA
O objeto da prova é a coisa, o fato, o acontecimento [principal e secundário]
que deve ser reconhecido e valorado pelo juiz. Fatos inúteis ao julgamento não
devem ser provados.

Art. 212, CPP.  As perguntas serão formuladas pelas partes


diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que
puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou
importarem na repetição de outra já respondida. 

Art. 213.  O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas


apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do
fato.

Não são quaisquer fatos, mas o que versa o caso penal [thema probandum],
conforme a imputação feita pela acusação e as teses apresentadas pela
defesa.

Obviamente que fatos estranhos à imputação não são objeto de prova


[exemplo: produzir prova sobre fato diverso daquele que consta na denúncia].

Há fatos que não dependem de provas.

 Fatos axiomáticos ou intuitivos: álcool causa torpor mental; gasolina


causa combustão; corpo putrefato indica morte.
 Fatos notórios: são de conhecimento da sociedade. Não é preciso
provar que o Real é a moeda corrente no país, que o Natal é no dia 25
de dezembro.
 Presunções legais: a lei admite conclusões por presunção. Há dois tipos
de presunção: a relativa [juris tantum] e as absolutas [juris et de Iuri].
Presunções relativas admitem prova em contrário; as absolutas, não
[exemplos em aula].
 Regras/normas jurídicas: em razão do princípio do juria novit curia, o
direito não precisa ser provado. Contudo, se o direito invocado por
estrangeiro, de um estado ou município diverso daquele do Juízo,
precisa ser provado [exemplo: discutir em São Paulo a existência de
uma norma municipal de Curitiba].

6. PRINCÍPIOS RELATIVOS À PROVA

Princípios fundamentais de processo penal e de jurisdição também se aplicam


às provas, tais como imparcialidade do juiz, inércia da jurisdição, ampla defesa
e contraditório, presunção de inocência [ou de não culpabilidade], do devido
processo legal.
Mas tais princípios já foram objeto de estudo no 5º período, e não serão, por
questão de tempo, revisados em conceitos e conteúdos.

Os princípios que interessam ao tema das provas são:

 Comunhão das provas;


 Livre convencimento fundamentado;
 Vedação da prova ilícita

Esses princípios serão analisados nos pontos seguintes, relativos ao ônus da


prova, aos sistemas de valoração das provas, as restrições e proibições de
provas.

7. ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL

Art. 156, CPP. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo,


porém, facultado ao juiz DE OFÍCIO: (Redação dada pela Lei nº
11.690, de 2008)
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção
antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da
medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir
sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre
ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).

Art. 5º, LXIII, CR - o preso será informado de seus direitos, entre os


quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência
da família e de advogado.

O princípio da presunção de inocência interfere no ônus da prova,


determinando que cabe à acusação o dever de provar que o réu é culpado.

Então a defesa não tem nenhum ônus de prova?

A defesa tem o chamado ônus diminuído, pois não precisa produzir certeza.
Em seu favor, remanesce o benefício da dúvida, em razão da presunção de
inocência.

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte


dispositiva, desde que reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração
penal;           
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração
penal;          
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu
de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código
Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua
existência;            
VII – não existir prova suficiente para a condenação

Ainda que a defesa tenha um ônus diminuído por causa da presunção de


inocência, a jurisprudência admite que, em alguns casos, o dever de provar [ou
de suscitar a dúvida razoável] é da defesa:

Consoante firme entendimento desta Corte de Justiça, o crime


de receptação implica na inversão do ônus da prova, incumbindo ao
acusado demonstrar a procedência regular do bem ou o seu
desconhecimento acerca da origem ilícita”.
Acórdão 1229481, 00020116720188070012, Relator: CARLOS PIRES
SOARES NETO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 6/2/2020,
publicado no PJe: 4/3/2020.

Não obstante o ônus de provar seja da acusação, as provas produzidas a


pedido da qualquer das partes pertence ao processo, podendo ser valoradas
pelo julgador.

Ou seja: se a defesa requerer a prova e seu conteúdo lhe for desfavorável, ela
não poderá pedir a sua exclusão ou que não seja valorada pelo juiz.

Isso decorre do princípio da COMUNHÃO DAS PROVAS.

7.1. PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ

Nos incisos do art. 156 do CPP se constata que o legislador concedeu ao juiz
poder instrutório.

Além desse dispositivo, vejamos também o art. 212, parágrafo único, do CPP:
Art. 212.  As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à
testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a
resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na
repetição de outra já respondida.           

Parágrafo único.  Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá


complementar a inquirição.

Art. 156, CPP. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo,


porém, facultado ao juiz DE OFÍCIO: (Redação dada pela Lei nº
11.690, de 2008)
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção
antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da
medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir


sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre
ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).

A doutrina refuta a validade dos incisos I e II do art. 156. Aury Lopes Jr. se
opõe aos dois incisos, defendendo que o juiz não pode ter nenhum poder
probatório, atendendo ao princípio da inércia da jurisdição, da imparcialidade
do juiz, do sistema acusatório e até mesmo do ônus da prova [que é da
acusação].

Pacelli nega a validade do inciso I [explicação em aula], mas admite a validade


do inciso II, desde que o juiz não o faça para suprir deficiências da
acusação, determinando a produção de provas que seria dever dela requerer.

Súmula 523. No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua
deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

[...] o juiz deve ter iniciativa probatória, limitada à fase processual,


vedada a substituição e a supressão dos ônus ministeriais relativos
à prova (entendimento esse que sempre tivemos, reforçado agora
pela Lei nº 13.964/2019, que veda a iniciativa probatória do juiz na
fase de investigação e de substituição na atuação do órgão de
acusação).2

2
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de
investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.     (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019) – ESSA REGRA ESTÁ SUSPENSA PELO STF.
Mais. Não há sistema processual algum que vede toda e qualquer
iniciativa probatória ao juiz. Nem mesmo no chamado sistema de
partes (adversary system) do direito estadunidense. Em primeiro lugar,
porque, ali, a regra da inércia absoluta (função de arbitragem) do juiz está
relacionada com a competência reservada ao Tribunal do Júri para o
julgamento de determinadas infrações. Na competência de julgamento
pelo juiz singular, não há vedação expressa à determinação de provas
pelo juiz.
Em segundo lugar, mesmo a gestão da prova ou o controle de legalidade
dela, tal como ali realizado, não deixa de implicar, em certa medida, uma
análise de seu conteúdo, o que poderia permitir uma atividade
probatória negativa, mas de todo influente.3

8. SISTEMAS DE VALORAÇÃO DA PROVA

A história registra diferentes sistema de valoração de provas pelo julgador. Na


Antiguidade já se visualizavam sistemas de invocação de divindades para
saber quem possuía a verdade dos fatos. A intervenção divina faria os
julgadores chegarem aos responsáveis pela ilegalidade.

Na Alta Idade Média o fanatismo religioso era exacerbado, e na administração


da Justiça os julgadores ainda adotavam as práticas denominadas de Juízos
de Deus [ou Ordálias de Deus], como rituais utilizando elementos da natureza
para submeter o investigado a determinadas provas. Acreditava-se que a
divindade participaria do julgamento, impedindo que um inocente não fosse
bem sucedido nesses rituais.

As ordálias, também denominadas julgamentos ou juízos de Deus, foram


utilizadas pelos germanos antigos e tinham por finalidade a descoberta de
verdade mediante o emprego de expedientes cruéis e até mortais, como a
‘prova de fogo’, a ‘prova das bebidas amargas’, a ‘prova das serpentes’, a
“prova da água fria” etc.

Na ‘prova de fogo’ o acusado era obrigado a tocar com a língua um ferro


quente ou carregar uma barra de ferro em brasa ou, ainda, caminhar
descalço sobre ferros quentes. A ‘prova das bebidas amargas’ consistia
em obrigar a mulher acusada de adultério a ingerir bebidas fortes e
amargas: se mantivesse a naturalidade, seria considerada inocente; mas
culpada, se contraísse o rosto e apresentasse os olhos inchados de
sangue.

Na ‘prova das serpentes’, o acusado era lançado no meio delas e


considerado culpado se fosse mordido pelos répteis. Já na ‘prova da água
fria’ atirava-se o acusado num reservatório de água: se afundasse, seria
considerado culpado; se flutuasse, como inocente.4

3
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597024937/cfi/6/38!/4/344/2/2@0:27.0
Esses sistemas foram superados, registrando a doutrina a criação de outros
três sistemas de valoração de provas: o sistema da prova legal [prova tarifada];
o sistema da livre convicção íntima e o sistema da persuasão racional
fundamentado.

Vamos estudar três sistemas processuais de valoração da prova

- prova legal ou tarifada;

- livre convicção íntima;


- livre convencimento fundamentado.

No sistema legal ou tarifado, cada prova tem um valor preexistente e


predefinido por lei, não havendo espaço de discricionariedade para o julgador
definir o valor de cada prova para a formação do seu convencimento. Foi
largamente utilizado em práticas inquisitoriais no século XVIII, e o exemplo
mais comum da doutrina era o valor dado à confissão, que era tomado como
verdade absoluta.

Foi adotado na Europa, mas também influenciou as Ordenações Portuguesas,


sendo, inclusive, adotado Brasil adotou até a criação do Código de Processo
Criminal de 1832. 

No sistema legal há hierarquia de provas.

No sistema do livre convencimento não há hierarquia de provas no processo


penal.

Nenhuma prova vale, ex vi legis, mais do que outra. Veja-se exemplo de


comando nesse sentido:

Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os


outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá
confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e
estas existe compatibilidade ou concordância.

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de


corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do
acusado.

4
LOPES, João Batista A prova no Direito Processual Civil. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999.
Observe-se que o artigo 158, embora exija prova pericial, não estabelece que
ela vale mais do que as demais provas. Nesse caso, não é hierarquicamente
superior. Trata-se de especificidade de prova, não de hierarquia de provas.

No sistema da livre convicção íntima, o juiz é livre para dar às provas o valor
conforme a capacidade de gerar confiança, de produzir certezas. A lei não
define valor predefinido às provas. PORÉM, NA LIVRE CONVICÇÃO ÍNTIMA
O JULGADO NÃO PRECISA FUNDAMENTAR A SUA DECISÃO.

Esse sistema é adotado no Brasil para os jurados do Tribunal do Júri. Também


chamado de livre convicção intima [art. 5º, XXXVIII, CR].

No sistema da persuasão racional, além da liberdade de convencimento, o


julgador precisa revelar os fundamentos de seu convencimento, precisa, pois,
fundamentar a decisão judicial. É chamado de livre convencimento
FUNDAMENTADO.

O art. 155, 381, III, 315, §2º, todos do CPP e o art. 93, IX, da Constituição,
determinam o princípio do livre convencimento fundamentado [ou
persuasão racional], em proteção do princípio democrático, do devido
processo legal, da ampla defesa e contraditório, da imparcialidade do
julgador.

Art. 93, IX, CR. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,
podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes
e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a
preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique
o interesse público à informação; [...].

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;         (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
  Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são


assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da


intimidade ou o interesse social o exigirem;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei;

Art. 155, CPP.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.  

Art. 381, CPP.  A sentença conterá:


[...].
III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a
decisão; [...].

Art. 489, CPC. São elementos essenciais da sentença:


I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do
pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do
processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe
submeterem.
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem
explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto
de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em
tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado
pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento.
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais
da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma
afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus
elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.
O conteúdo, o significado, desse inciso III está no §2º do art. 315, CPP.

Art. 315, CPP. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão


preventiva será sempre motivada e fundamentada.      (Redação dada pela
Lei nº 13.964, de 2019 – PACOTE ANTICRIME

§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra


cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos
ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida
adotada.  (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º NÃO SE CONSIDERA FUNDAMENTADA QUALQUER DECISÃO


JUDICIAL, SEJA ELA INTERLOCUTÓRIA, SENTENÇA OU ACÓRDÃO,
QUE:      (INCLUÍDO PELA LEI Nº 13.964, DE 2019)

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,


sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;     (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo


concreto de sua incidência no caso;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra


decisão;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de,


em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;      (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019)

V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar


seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos;     (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019)

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente


invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento.     (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019).

Observar que o §2º do art. 315 é cópia do §1º do art. 489 do CPC.

9. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROVA ILÍCITA

Há proibição de provas no processo penal? Art. 5º, LVI, CR e art. 157, CPP

Há restrição de provas no processo penal? Parágrafo único do art. 155, CPP.


Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua
decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.                   
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão
observadas as restrições estabelecidas na lei civil.       

A vedação da prova ilícita tem previsão na Constituição:

Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por


meios ilícitos; [...].

O art. 157, com redação dada por lei de 2008, buscou definir a prova
ilícita:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do


processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais. [2008]

legais = infraconstitucional, incluindo lei penal e processual penal


constitucional = princípios fundamentais

O dispositivo, de início, gerou controvérsia na doutrina, porque pareceu igualar


as provas ilegítimas e as provas ilícitas.

Ou seja, seriam ilícitas as provas produzidas com violação de regras


processuais ou materiais fundamentais infraconstitucionais.

A controvérsia foi superada, entendendo-se que a prova ilegal é gênero do que


são espécies as provas ilícitas e as provas ilegítimas.

ILEGAL

ILÍCITA ILEGÍTIMA

Provas ilegítimas são produzidas, introduzidas ou valoradas com violação de


regra processual. Geram nulidade do processo. Podem ser repetidas e não
precisam ser desentranhadas.

A prova ilícita decorre da violação de um direito fundamental material


[liberdade, intimidade, privacidade, integridade física e psíquica], nem sempre
podem ser repetidas e precisam ser desentranhadas.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou


degradante;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar


sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;         

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações


telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;  

Note-se que a idoneidade probatória ou de convencimento de uma prova


nem sempre dependerá de sua validade.
A prova poderá ser ilícita, ainda que comprovadamente eficaz quanto à
reprodução de veracidade dos fatos (gravações ambientais etc.). A
ilicitude da prova e sua inadmissibilidade decorrem de uma opção
constitucional perfeitamente justificada em um contexto democrático de
um Estado de Direito.
A afirmação dos direitos fundamentais, característica essencial de tal
modalidade política de Estado, exige a proibição de excesso, tanto na
produção de leis quanto na sua aplicação.
Não se pode buscar a verdade dos fatos a qualquer custo, até porque,
diante da falibilidade e precariedade do conhecimento humano a que aqui
já nos referimos, no final de tudo o que poderá restar será apenas o custo
a ser pago pela violação dos direitos, quando da busca desenfreada e
sem controle da prova de uma inatingível verdade real. [Eugênio
PACELLI].

Toda prova ilícita decorre da violação de um direito fundamental material, mas


nem toda violação de direito fundamental material vai gerar prova ilícita.

Quando determinada judicialmente, nas hipóteses e limites previstos em lei, ou


quando amparada por excludente de ilicitude, não se fala em “prova ilícita”,
porém haverá a violação de um direito fundamental material.
Quando alegada a ilicitude da prova, o juiz poderá determinar a instauração de
procedimento incidental para a demonstração da origem da prova. Se concluir
pela ilicitude e pela impossibilidade de ser utilizada, deverá determinar o seu
desentranhamento. Essa decisão [DI] tem “força de definitiva”, e contra ela
cabe apelação com esteio no art. 593, II, do CPP.
___________________Dec. Interl.
RD_ citação__resp.defesa__abs.sum.____instrução __alegações
finais__S

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do


processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais

§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,


salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e
outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras

§ 2o  Considera-se fonte independente aquela que por si só,


seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou
instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da
prova.             

§ 3o  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada


inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às
partes acompanhar o incidente. 
                    
§ 4o  (VETADO) 2008

§ 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada


inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.   (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019)

Observar que o §5º, incluído pelo Pacote Anticrime, afasta do julgamento o juiz
que teve contato com a prova ilícita, que pode estar com seu convencimento
contaminado pelo conteúda da prova que não pode ser valorada.

HÁ EXCEÇÕES DE ADMISSIBILIDADE?

Em favor da acusação, não há.

Alguns posicionamentos pretendem que seja admitida, quando não houver má-
fé do agente estatal quando da obtenção ou produção da prova [exemplo em
aula], ou quando for a única prova sobre autoria e materialidade de crime
grave.

Mas a Constituição não abre exceção, e isso tem um caráter pedagógico


importante na proteção de direitos fundamentais materiais.

Mas a prova ilícita pode ser utilizada em favor da defesa, com esteio no
princípio da razoabilidade.

Observar que há situações nas quais a violação de direito fundamental pelo réu
ou em favor dele pode estar amparada pelo estado de necessidade. Nesse
caso, não falamos em “prova ilícita”.

TIPO PERMISSIVO – exclui ilicitude da conduta.

Art. 24, CP - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato


para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia
de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se. 

RAZOABILIDADE: É QUALITATIVA. LEVA EM CONSIDERAÇÃO A


QUALIDADE DOS BENS OU DIREITOS EM CONFLITO, PARA JUSTIFICAR
O SACRIFÍCIO DE UM BEM OU DIREITO PARA PROTEGER OUTRO.

PROPORCIONALIDADE: É QUANTITATIVA. DEFINE O LIMITE DA


INTERVENÇÃO SOBRE O DIREITO VIOLADO.

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das


comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Art. 8º-A, Lei 9.296/96. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada
pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental
de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:     

I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e     

II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações


criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais
conexas.   

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas


quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração
penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com
pena de detenção.

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de
execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual
tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Há casos nos quais a violação não tem amparo em excludente de ilicitude, mas
mesmo assim pode ser introduzida no processo e valorada pelo juiz.

Observe: a vedação da prova ilícita é um direito criado em FAVOR DO RÉU, e


por isso não é RAZOÁVEL, PROPORCIONAL, que seja usado contra ele.

Mais: na ponderação entre os direitos em conflito, o direito de liberdade do réu


prevalece.

9.1 A TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA – PROVA ILÍCITA


POR DERIVAÇÃO

A inadmissibilidade de provas ilícitas tem origem na jurisprudência da Corte


Suprema norte-americana, 1920, no caso Silverthorne Lumber Co v. United
States, no qual agentes federais, investigando uma empresa por sonegação
tributária, copiaram informações de livros fiscais com violação 4ª Emenda
Constitucional para provar as fraudes ao Fisco. As provas foram consideradas
ilícitas e não puderam embasar a condenação.

Em 1939, no caso Nardone v. United States, a teoria dos frutos da árvore


envenenada [COMO DECORRÊNCIA LÓGICA DA INADIMISSBILIDADE DA
PROVA ILÍCITA, DO PRECEDENTE ANTERIOR, DE 1920] foi mencionada
pela Corte Suprema americana pela primeira vez, para considerar que toda
prova produzida a partir de informações obtidas ilicitamente, também estariam
contaminadas pela ilicitude.

A jurisprudência americana admitiu três hipóteses de admissão de provas com


alguma relação com atos ilícitos praticados por agentes estatais, criando-se,
assim, duas outras teorias: a teoria da fonte independente, a teoria da
descoberta inevitável e a teoria do nexo de causalidade atenuado.

A teoria dos frutos da árvore envenenada já era adotada no Brasil, pelo STF,
antes de ser expressa no §1º do art. 157 do CPP [inclusão em 2008].
As teorias da descoberta inevitável, da fonte independente e do nexo
causalidade atenuado também foram adotadas nos §§1º e 2º do art. 157 do
CPP.

A teoria dos frutos da árvore envenenada considera o caráter pedagógico da


inadmissibilidade da prova ilícita, declarando que toda prova que tem origem
em outra prova ilícita, também será considerada ilícita. Daí porque o nome
dado à teoria, pois todo fruto que nasce da ilicitude, ilícito também será.

Se os agentes produtores de prova ilícita pudessem dela se valer para a


obtenção de novas provas, a cuja existência somente se teria chegado a partir
daquela (ilícita), a ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria a
observância da forma prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca das
provas obtidas por meio das informações extraídas por via da ilicitude, para que
se legalizasse a ilicitude da primeira (operação). Assim, a teoria da ilicitude por
derivação é uma imposição da aplicação do princípio da inadmissibilidade das
provas obtidas ilicitamente. [PACELLI, Eugênio].

O nome dado à teoria tem origem bíblica:

Não há árvore boa que dê mau fruto; nem tampouco árvore má que dê bom fruto. Pois
cada árvore se conhece pelo seu fruto. Os homens não colhem figos dos espinheiros, nem
dos abrolhos vindimam uvas. [Lucas 6:43-45]

Exemplo de aplicação da teoria: se a polícia obtém uma informação relevante


por meio de uma coação [tortura] sobre a localização de um documento que
prova a autoria de um crime. Em seguida, a polícia representa do juiz por um
mandado de busca e apreensão do documento e, realizando o ato de busca
em conformidade com a lei, logra apreender o documento. Para a teoria dos
frutos da árvore envenenada, esse documento constitui prova ilícita, porque a
informação sobre sua existência ou localização foi obtida por meio de ato ilícito
[a tortura].

Observem o que diz o §1º do art. 157, do CPP:

São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,


salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e
outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras. [2008]

Veja a jurisprudência do STF sobre as teorias do fruto da árvore envenenada e


da fonte independente:
[…] ILICITUDE DA PROVA – INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO
EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) –
INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DA
TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS
DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
– A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder
perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode
apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de
ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no
dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais
expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de
direito positivo.
– A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo
vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os
postulados que regem uma sociedade fundada em bases
democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder
Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional,
repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que
resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito
processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento
normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula
autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. A
QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE
ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA
ILICITUDE POR DERIVAÇÃO.
– Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base,
unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária,
quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório,
ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não
pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova
comprometida pela mácula da ilicitude originária.
– A exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo
vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais
expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of
law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a
tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem
a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes.
– A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore
envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os
meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em
momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício
(gravíssimo) da ilicitude originária, […] A QUESTÃO DA FONTE
AUTÔNOMA DE PROVA ["AN INDEPENDENT SOURCE"] E A SUA
DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA –
DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL –
JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA
CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V.
UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V.
WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)", v.g.
[STF - RHC 90376, Relator Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma,
julgado em 03/04/2007].
TEORIAS ATENUANTES DA TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE
ENVENENADA

9.1.1 TEORIA DA DESCOBERTA INEVITÁVEL

Essa teoria também tem origem na jurisprudência norte-americana [1984], num


caso de investigação do homicídio de uma criança. Enquanto dezenas de
voluntários e agentes policiais faziam buscas em determinadas regiões para
tentar localizar a criança, agentes policiais interrogavam o suspeito que,
mediante tortura, confessou o crime e indicou o local onde havia enterrado o
corpo. Os agentes se dirigiram ao local e confirmaram a informação.

Ocorre que esse local também estava sendo alvo de buscas, de modo que a
sua localização seria inevitável [estava prestes a ser localizado].

A Corte Suprema, instada julgar a [i]licitude da prova obtida mediante tortura,


identificou que a descoberta do cadáver era inevitável, em razão da existência
de buscas no local onde fora enterrado pelo investigado [as buscas foram
havidas como uma fonte legal da prova]. Assim, a descoberta do corpo foi
considerada prova lícita.

Essa teoria consta da redação do §1º do art. 157. Contudo, o legislador do


CPP, em confusão de conceito, tratou a teoria da descoberta inevitável como
se fosse a teoria da fonte independente. Observe-se o §2º do art. 157 do CPP:

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo,


as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.            

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo


quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente
das primeiras.               

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os


trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal,
seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.         

A TEORIA DA DESCOBERTA INEVITÁVEL É O TEXTO QUE ESTÁ


DESTACADO EM AMARELO.

Ou seja: o §2º contém a teoria da descoberta inevitável, e não a teoria da fonte


independente.
Mas, então, o que é a teoria da fonte independente?

9.1.2 TEORIA DA FONTE INDEPENDENTE

Essa teoria também é uma atenuação da teoria dos frutos da árvore


envenenada, e por ela se entende que se a prova possuir duas fontes, uma
lícita e outra ilícita, a prova derivada deverá ser considerada lícita.

Essa teoria foi criada pela jurisprudência norte-americana em 1988, no


julgamento do caso Murray v. United States. Policiais obtiveram informações
lícitas de que num determinado lugar havia prática de tráfico de drogas. Sem
mandado, se dirigiram ao local e invadiram, constatando que, de fato, havia
grande quantidade de drogas, saindo sem mexer em nada. Apresentaram, em
seguida, um pedido ao Judiciário para busca e apreensão no local [embasando
o pedido nas informações lícitas que receberam antes da invasão]. O mandado
foi cumprido e as drogas encontradas.

Submetido a julgamento a validade da prova obtida mediante a busca e


apreensão, a Suprema Corte a declarou válida, eis que, a despeito da invasão
ilícita de domicílio, a polícia tinha uma fonte independente de prova sobre o
tráfico.

A doutrina considera que o legislador, além de confundir a fonte independente


com a descoberta inevitável, também não foi muito técnico ao usar expressões
vagas, tais como “puderem ser obtidas” e “seria capaz”, dando a entender que
a fonte independente não precisaria existir concretamente, mas poderia ser
buscada, no futuro, pelas autoridades investigativas.

Visualmente:

Depoimento
prestado por Prova ilícita –
pessoa diversa, mediante tortura
sem qualquer depoimento
coação

Prova obtida a
partir das duas
outras fontes, que
são independentes
uma da outra.
Para garantir segurança jurídica, a doutrina aponta a necessidade de que a
fonte independente já tenha existência quando for produzida a prova ilícita. Ou
seja: se for possível que as autoridades obtenham a informação ilicitamente e,
após, possam ir buscar uma fonte independente lícita, poderia haver uma
mitigação da teoria dos frutos da árvore envenenada.

Em suma: a fonte independente deve ser anterior à prova ilicitamente


produzida [ou, ao menos, concomitante], mas não pode ser futura.

HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS


OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO.
Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de
haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de
censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação
telefônica – prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de
24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam
– não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento
penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente
obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus
indeferido. Unânime. [HC 74599 SP – Rel. Min. Ilmar Galvão - Primeira
Turma - Publicação DJ 7/2/1997, p. 1340].

9.1.3 TEORIA DO NEXO DE CAUSALIDADE ATENUADO

Essa teoria consta do §1º do art. 157, mas o legislador, na redação da norma,
mais uma vez, não agiu com a melhor técnica. Observe-se que admite o
afastamento da teoria dos frutos da árvore envenenada quando não houver
nexo de causalidade entre as provas [a ilícita e a “derivada”].

Não se trata de total ausência de nexo de causalidade, pois se assim fosse,


não estaríamos falando em prova ilícita por derivação.

A teoria é chamada pela doutrina e jurisprudência de nexo de causalidade


atenuado, ou teoria da conexão atenuada, ou vício diluído.
Para essa teoria, quando houver uma conexão relativa entre a prova ilícita e a
prova derivada, não se fala em contaminação. Assim, a prova relativamente
derivada pode ser considerada lícita.

Essa teoria é anterior às outras duas mencionadas. Nasceu no julgamento do


caso Wong Sun x United States, em 1963.

Nesse caso, várias pessoas foram presas sem mandado judicial sob suspeita
de tráfico de drogas. Mediante coação, uma pessoa presa acabou confessando
e indicando Wong Su como traficante.

Wong também foi ilegalmente preso e sofreu coação física e mental para
confessar. Contudo, em razão da ilegalidade dos atos, foram todos soltos e
declaradas inadmissíveis as provas.

Após lapso temporal, Wong Su compareceu perante as autoridades e, sem


qualquer violação de seus direitos, confessou a prática de tráfico – inclusive
aqueles que, antes, havia confessado mediante tortura.

A Corte Suprema americana considerou lícita a segunda confissão, afirmando


a existência de um nexo de causalidade relativo, ou atenuado, entre a delação
do comparsa, a confissão mediante tortura e a confissão espontânea, pois essa
última foi recebida como uma circunstância nova e temporalmente distante das
primeiras provas ilícitas.

Ainda que a redação do §1º do art. 157 do CPP padeça de mais clareza,
comprometendo a segurança jurídica, o STJ admite a aplicação da teoria
quando:

i) Há lapso temporal entre a prova primária e a secundária;


ii) Ocorrer circunstâncias intervenientes na cadeia probatória;
iii) Houver menor relevância da ilegalidade; ou
iv) Houver vontade do agente em colaborar com a persecução criminal,
entre outros elementos que possa atenuar a ilicitude originária,
expurgando qualquer vício que possa recair sobre a prova
secundária [ver Ação Penal 856/DF].

10. TEORIA DO ENCONTRO FORTUITO DA PROVA

Essa teoria não é uma atenuação da teoria dos frutos da árvore


envenenada.
É utilizada quando as autoridades, em diligência LÍCITA de obtenção de
provas, acabam descobrindo provas de fatos diversos.

Exemplo: as autoridades estão cumprindo mandado de busca e apreensão de


documentos, numa investigação de crime de lavagem de dinheiro e corrupção,
acabam encontrando drogas. Observem que a investigação não era sobre
tráfico de drogas, mas em diligência lícita acabam encontrando provas de crime
diverso.

As provas, nesse caso, são lícitas, pois a violação ao domicílio estava


amparada por mandado judicial validamente expedido.

Você também pode gostar