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FACULDADE DE DIREITO

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

BECCARIA, SUA OBRA DOS DELITOS E DAS PENAS, E SUA INFLUÊNCIA


NO DIREITO PROCESSUAL PENAL MODERNO.

JÚLIA FARIA SOARES – Nº USP 13637957


INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO JURÍDICO PENAL

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SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------- 3
2- BECCARIA E O PPROCESSO PENAL – ACUSAÇÃO, PROVA, VERDADE
E JULGAMENTO ----------------------------------------------------------------------- 4
3- BECCARIA E AS PENAS ------------------------------------------------------------- 7
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------------------ 8

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INTRODUÇÃO

Cesare Beccaria, nascido em Milão na Itália no século XVIII, foi o principal


representante do iluminismo penal e da Escola Clássica do Direito Penal. Estava inserido
em um contexto iluminista, mas ao mesmo tempo sob o regime de um governo déspota,
ou seja, vivia no conflito típico da época, entre a razão e o espírito. Transferiu suas ideias
humanistas para o campo do Direito Penal, e passou a contestar a justiça criminal vigente,
permeada por penas cruéis, tortura e sem uma lógica de punição que fosse efetiva.
Nesse contexto, sua obra, “Dos delitos e das penas”, repensa as bases do direito a
partir de uma visão filosófica humanista, contratualista e racional. Influenciado pelos
filósofos da tradição iluminista do contrato social, principalmente por Montesquieu, a
lógica contratualista permeia todo seu pensamento e suas proposições. De modo que sua
visão do fenômeno social crime é baseada na racionalidade: o indivíduo realiza um
cálculo racional que resulta, ou não, na conduta criminosa. Logo, a pena funcionaria como
uma forma de desestimulo à essa conduta, de uma maneira que o crime passa a não
‘compensar’.
Apresenta, dessa forma, seus ideais a partir da premissa: todos os homens cedem
uma parte de sua liberdade individual a um depósito do bem comum, o mínimo possível
para que também seja coagido a proteger este depósito, e, assim, realizam um pacto entre
si, o qual vincula a todos. Dessa premissa nasce o chamado direito de punir, a necessidade
das penas, de modo que qualquer tentativa de usurpação desse deposito seria um delito, a
qual é designado uma pena. E ainda, como consequência dessa premissa, o milanês
argumenta contra a pena de morte, a tortura e as penas cruéis e excessivas.
Além disso, Beccaria também transformou as noções do direito processual penal
da época, e sua influência é percebida até hoje. Para o autor, as leis deveriam ser escritas
de maneira clara e os códigos deveriam ser conhecidos por todos os cidadãos. As maneiras
de se evitar os delitos seriam: os sujeitos devem conhecer as leis e as penas a que estão
sujeitos, um processo penal rápido, de modo que o processo de instrução e probatório não
demande muito tempo, de modo a melhor associar a ideia da pena do delito ao qual ela
está punindo, além de manter a justiça e presteza desta. Por fim, escreveu sobre o
julgamento do réu, sobre o qual reafirma a participação do magistrado como um
averiguador dos fatos, o qual não deve fazer parte da interpretação do texto da lei.

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BECCARIA E O PPROCESSO PENAL – ACUSAÇÃO, PROVA, VERDADE E
JULGAMENTO

O autor discorre sobre muitos dos aspectos do processo penal, entre eles:
acusações secretas, tortura como meio de obter a verdade durante a instrução do processo,
a própria verdade do fato, as provas para chegar a essa verdade, processos e prescrições,
e, por fim, sobre os indícios e formas de julgamento.
Beccaria segue o pensamento de Montesquieu no que tange o assunto das
acusações. Para ambos os autores, as acusações devem ser realizadas de maneira pública
em uma república. Isso acontece pois, nessa modalidade de governo, “o bem público
deveria constituir a primeira paixão dos cidadãos”, e assim as acusações secretas seriam
abusos, já que os indivíduos começariam a suspeitar entre si, acerca de quem seriam seus
delatores, levando a uma desconfiança. Para se defender de uma possível calúnia,
também, é preciso que seu delator não seja um segredo.
Já sobre a tortura como um meio de atingir a verdade, durante a fase de instrução
do processo penal, Beccaria critica veemente essa prática. Considerando que um homem
não é culpado antes da prolação da sentença, ele não pode ser punido como um homem
inocente. Se o delito já é dado como certo, cabe ao infrator receber a pena definida por
lei, mas, se ele ainda é incerto, o réu é considerado inocente perante a sociedade. Além
disso, não há liberdade em qualquer fala realizada sob tortura, fatos narrados sob a dor
não devem ser levados em consideração. Nesse contexto, um homem forte e culpado pode
ser absolvido, enquanto um inocente, mas fraco que quer encerrar o período de dor, pode
ser declarado culpado.
Acerca da verdade dos fatos em um processo penal e o papel do magistrado nessa
consideração, Beccaria tem uma visão considerada otimista e ingênua por Luigi
Ferrrajoli, que critica essa colocação em sua obra “Direito e Razão”. Sua posição é
baseada no princípio: “Onde as leis são claras e precisas o ofício do juiz não consiste mais
do que confirmar um fato”, entretanto, Ferrajoli, considera esse este ideal inalcançável,
pois há sempre uma margem de incerteza que abre espaço a uma certa interpretação das
leis.
Nesse cenário, Beccaria acredita que, em razão dessa margem interpretativa e da
participação dos magistrados, existem decisões variadas de tribunais sobre a punição de
um mesmo delito ou ainda sobre regras processuais, fenômeno que pode ser percebido
ainda hoje, por exemplo, no tribunal do júri, no qual cabe ao magistrado aceitar ou não a

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inovação de teses de defesa na tréplica, e ainda, caso não aceite, existe a possibilidade de
recurso em tribunais superiores, baseado no argumento de cerceamento da defesa. Esses
tribunais também variam em suas decisões: alguns tribunais superiores decidem por
refazer o júri, considerando que o não aceite dessas novas teses ferem o princípio da
plenitude de defesa, enquanto outros decidem por manter o júri, por entender que a
inovação de tese na tréplica fere o princípio do contraditório, pois prejudicaria a acusação.
Como exemplos dessa contradição são as duas decisões abaixo, proferidas pelo mesmo
tribunal, em processos distintos.
Pela nulidade: Homicídios tentados. Alegação de insuficiência de prova em
Plenário. Pretensão de formulação de quesito específico. Impossibilidade. Inovação na
tréplica. Divergência doutrinária e jurisprudencial. Mera complementação. Possibilidade.
Teses alternativas de defesa. Sustentação em plenário. Indeferimento de quesitos
correspondentes. Cerceamento de defesa. Nulidade do julgamento. Preliminar
acolhida. Recurso provido. Novo júri determinado. Não tem cabimento a formulação,
a requerimento da defesa, de quesito em que se indague dos Jurados se as provas
existentes nos autos são insuficientes para a condenação do réu. Tal quesito é, sem dúvida,
impertinente. Em se tratando de hipóteses de homicídio tentado, com resultantes lesões
nas vítimas causadas por emprego de revólver, como no caso dos autos, se a defesa nega
a autoria dos disparos a tese defensiva estará satisfeita, na independência de quesitos
especiais, com a negativa ao primeiro quesito que cuida da autoria e das lesões, de usual
formulação e que, no caso em apreço, como não poderia deixar de ser, constou de todas
as séries do questionário submetido aos jurados. Conquanto a possibilidade de o
defensor inovar suas teses na tréplica ainda suscite controvérsia, observa-se uma
tendência na doutrina e também na jurisprudência em se afastar qualquer óbice
para que isso venha a ocorrer, até porque não há impedimento expresso neste
sentido na lei processual. O Magistrado deve aceitar todas as teses compatíveis,
mesmo que alternativas, oferecidas pela defesa. (TJMG - Apelação
Criminal 1.0000.00.314366-6/000, Relator(a): Des.(a) Herculano Rodrigues , 2ª
CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 11/09/2003, publicação da súmula em
03/10/2003)
Pela manutenção do júri:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – JÚRI – HOMICÍDIO
QUALIFICADO – ARTIGO 121, § 2º, INCISOS I E IV, DO CÓDIGO PENAL –
PRELIMINARMENTE – ARGUIÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL – TESE
DEFENSIVA – INOVAÇÃO NA TRÉPLICA – IMPOSSIBILIDADE –
VIOLAÇÃO AO COMANDO DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 472, DO

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CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – NÃO OCORRÊNCIA – REJEIÇÃO –
MÉRITO – DOSIMETRIA – PEDIDO DE FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO
MÍNIMO LEGAL COM REEXAME DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS –
INCORREÇÃO VERIFICADA – PARCIAL ATENDIMENTO – ADEQUAÇÃO
DA PENA. – Na tréplica não deve ser permitida a apresentação de tese defensiva
nova, com acréscimo substancial ou alteração fundamental do que já tenha pleiteado
ao responder a acusação, sob pena de violação ao princípio do contraditório. –
Constitui faculdade do Juiz presidente do Tribunal do Júri determinar a
distribuição de cópia das peças processuais que considerar úteis para o julgamento
do processo. – Constatada incorreção na análise de circunstância judicial (artigo 59
do Código Penal), imperativo o reexame, com consequente redução da pena-base.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0134.09.119191-3/004 - COMARCA DE
CARATINGA - APELANTE(S): RONALTY IRAN ROSA LESSA -
APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Cesare segue o ideal de clareza, simplicidade, coerência e dos números limitados


de leis penais, coerente com a tradição iluminista, presente também no movimento
reformista da codificação penal.
Em relação aos indícios, formas de julgamento e relação probatória Beccaria
difere as provas de um crime entre perfeitas e imperfeitas, dependentes ou independentes.
As provas perfeitas são aquelas que excluem a possibilidade de alguém não ser culpado,
somente é necessário uma, já as imperfeitas, não realizam essa exclusão. Provas
dependentes são aquelas que dependem ou umas das outras para se provarem verdadeiras,
ou de uma superior. Por outro lado, as provas independentes são suficientes por si só, e
quanto mais dessas houver mais provável é a veracidade do fato. O autor defende os
julgamentos e provas públicas, de modo a abrir espaço para a voz ativa da lei e da verdade.
Por fim, é possível encontrar influência das ideias propostas por Beccaria em sua
obra, na Constituição Brasileira de 1988, legislação máxima do país. A proibição da
tortura durante o processo de instrução penal, diferenciação entre o legislativo e o
judiciário, separando a função do magistrado apenas como a de averiguar o fato, deixando
o aspecto interpretativo para os legisladores. Exemplificados nos seguintes artigos:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário.
Art. 5º
- III ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

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BECCARIA E AS PENAS

Além da pena de tortura, Beccaria discute acerta da pena de morte, pecuniária e


da prisão. Mas afinal, qual seria a origem das penas e qual seriam seus objetivos?
Na visão de Beccaria, as leis foram condições, formas, dos indivíduos saírem do
estado de guerra de todos contra todos, de maneira a sacrificar parte da sua liberdade
individual, a fim da certeza de gozar do restante da sua liberdade, sem o risco desta ser
usurpada. A pena vem como um motivo sensível, necessário para dissuadir a tentativa de
cada homem extorquir a liberdade alheia ou mesmo a própria porção sacrificada. O direito
de punir vem também como consequência da necessidade de proteger este depositório das
pequenas porções de liberdade.
Dessa premissa vêm algumas consequências. Entre elas a responsabilidade do
legislador de decretar as penas dos delitos, de modo que apenas as leis podem decretar as
penas e a necessidade da pena útil, de modo que sirva para dissuadir futuros infratores. E
também a necessidade da proporção entre delitos e penas, uma pena a um delito deve ser
proporcional ao dano causado por este.
A prisão, para o autor, seria uma espécie de pena intermediária e pública, desse
modo, eficiente. Esta precisaria de provas menos concretas que a condenação, por
exemplo, e deve preceder a declaração do delito, como maneira de evitar fugas ou
alteração de material probatório. Beccaria considera a prisão mais um lugar de suplício
que de custódia do réu. E assim, considera que um homem que tenha sido preso, mas
depois absolvido, não deve carregar consigo nenhuma espécie de infâmia.
Sobre a pena de morte, Beccaria foi o principal filósofo a se posicionar contra.
Baseado na ideia do utilitarismo e do contrato social tece seus argumentos contra a
prática. Disserta sobre como os homens ao cederem pequenas partes de sua liberdade
individual, no pacto social, não tem como ceder seu direito máximo: o da vida. Além
disso, propõe que a ideia da morte é distante, longínqua, e por não ser próxima da
consciência humana, não seria eficiente como pena. Considera que o espírito humano é
mais dissuadido por impressões constantes, como, por exemplo, a privação da liberdade.
Vê-se a influência do autor ainda nos dias atuais, considerando que tal punição é proibida
desde a Proclamação da República em 1889, de modo que foi retirada do Código Penal.
E, por fim, sobre as penas pecuniárias, propõe que o magistrado se torna inimigo
do réu, de modo que busca nele a comprovação de um delito a fim de cobrar dele um
valor em pecúnia. E assim, demonstra que essa forma de pena também é injusta.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 1.764. Ed. Ridendo Castigat Mores

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF:Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo:


Editora Revista dos Tribunais, 2002.

MARQUES, José Frederico. ELEMENTOS DE DIREITO PROCESSUAL PENAL. 9


ed. São Paulo: Forense, 1990, v. 1

MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la. Do espírito das leis. São
Paulo: Abril Cultural, 1979. NEGRI, Antonio.

TARUFFO, Michele. La semplice verità: Il giudice e la construzione dei fatti. Bari:


Editori Laterza, 2009.

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