Você está na página 1de 13

Direito Processual Penal II – Sebenta

I. Proibições da prova em processo penal (conceitos e princípios fundamentais)


1. Introdução. Complexidade e ambiguidade básicas
As proibições de prova contendem, particularmente com o conflito irredutível entre a ordem e a liberdade
 Na experiência e no regime das proibições de prova joga o Estado, detentor do jus puniendi, a sua
“superioridade ética” (EB. SCHMIDT), aqueles fundamentos irrenunciáveis e indisponíveis que definem a
RechtSkultur de que fundadamente fala HASSEMER. Como joga, a legitimidade para aplicar penas.

2. Razões e Causas da complexidade e do desencontro


Começam por sobrelevar aqui a fragmentaridade e a descontinuidade da ordem jurídica positiva, e sobretudo, as
assimetrias que medeiam entre os diferentes e pertinentes ramos do ordenamento jurídico
 A pertinência do direito penal substantivo afigura-se natural, porquanto muitos dos factos estigmatizados e
proscritos como proibições de prova configurarem igualmente factos criminalmente típicos.
o Por exemplo, violação de domicílio, art. 190.º e 378.º; devassa da vida privada, art. 192.º CP;
violação de segredo, art. 195.º CP, violação de correspondência ou de telecomunicações, art. 194.º e
384.º CP. Coação, art. 154.º CP, gravações e fotografias ilícitas, art. 199.º CP, etc.
 Pauta-se também pela intervenção do direito constitucional, logo porque a CRP procedeu ela própria a
consagração positivada dos princípios e das normas do regime das proibições de prova, art. 18.º CRP
o Recorda-se o art. 32.º/8 e 34.º/1, 4 – o segundo destes preceitos consagra a inviolabilidade do
domicílio, do sigilo de correspondência e dos meios de comunicação.
o É ainda a CRP que reconhece e tutela os direitos fundamentais – a começar pela dignidade humana, o
valor supremo da axiologia constitucional e, como tal, indisponível e subtraído a toda a forma de
ponderação – e os impõe às instâncias do processo penal como referentes.
o A CRP emerge como a fonte normativa privilegiada das proibições autónomas de valoração.
É omisso em relação a dois problemas: (1) determinar quais as provas cobertas pela proibição de valoração; e, (2),
precisar em que medida a proibição de valoração se projeta sobre provas mediatas
 O primeiro problema assume relevo nos métodos proibidos de prova, art. 126.º CPP
o Por exemplo, suponha-se que um arguido, objeto de tortura, presta declarações autoincriminatórias
que vem depois a repetir e a confirmar, à margem de coação livre.
 No segundo problema, trata-se de determinar se e em que medida a proibição de valoração que foram obtidas
através da prova proibida – é o problema do efeito-à-distância, ou do Fernwirkung (fruit of the poisonous tree
doctrine.
o Por exemplo, o arguido suspeito de homicídio é sujeito a tortura, confessa o crime declina o lugar
onde escondeu o cadáver. O que permite encontrar o cadáver e certificar que as manchas de sangue
encontradas no corpo e na roupa do arguido, eram de sangue da vítima. A proibição de valoração
que inquina a confissão do arguido comunica-se também às provas logradas a partir da mesma
confissão?
E em que medida a violação duma proibição de produção de prova tem como resposta normativa a proibição da
valoração de prova.
 O legislador acabou por ir longe. Para além dos métodos proibidos de prova, art. 126.º CPP, a proibição de
valoração está prevista para a recusa de parentes, art. 134.º CP, o depoimento indireto ou hearsay evidence,
art. 129.º CPP, o reconhecimento de pessoas e objetos, arts. 147.º a 149.º CPP, as escutas telefónicas, art.
189.º CPP, e as provas não produzidas ou examinadas na audiência, art. 335.º CPP.
Na violação do sigilo de correspondência, a proibição de prova vai muito para além do criminalmente ilícito. Isto
sabendo que a tutela criminal da correspondência resulta particularmente limitada e descontínua, porque, em geral,
vinculada a uma “carta fechada” como objeto típico da conduta.
 Nada, porém, impede que a devassa da correspondência feita sobre carta já aberta, sendo criminalmente lícita,
configure uma proibição de prova.
 Também noutros casos:
o Por exemplo, uma gravação pode ter sido licitamente produzida (v.g. por consentimento) produzida;
só que a sua utilização sem consentimento em processo penal acaba por atualizar a danosidade social
e o ilícito criminal das gravações ilícitas, podendo, por isso, impender sobre ela o estigma das
proibições de prova.
Por seu turno, também o facto de um meio de prova dar corpo a um ilícito criminal típico não determina, sempre nem
necessariamente, a sua exclusão do processo penal a título de proibição de prova.
 Por exemplo, a prova pode ter sido ilicitamente obtida por um particular, por exemplo, por furto, e ser
legitimamente valorada em processo penal.
 Para além disso, o processo pode, em concreto, valer como sede autónoma de justificação de um facto
criminalmente ilícito
o Por exemplo, a utilização em processo penal de uma gravação ilicitamente produzida pode estar
coberta pelo direito de necessidade, e como tal, justificada, se for, por exemplo, o meio necessário
para afastar a condenação de um inocente.
o Há mesmo domínios face aos quais a doutrina e a jurisprudência maioritárias sustentam que a ilicitude
criminal não afasta a legitimidade da valoração processual, por exemplo, provas obtidas à custa do
sigilo profissional
 No ordenamento português reconhece-se às pessoas sujeitas a segredo profissional, art. 135.º
CP, e chamadas a depor como testemunhas, o direito de recusar depoimento sobre factos
pertinentes ao sigilo profissional
 Este direito ao silêncio esgota-se apenas no direito a recusar depoimento
 Se o profissional optar por não se prevalecer do direito ao silêncio, ele incorrerá em
responsabilidade criminal, circunstância que não determina a ilegitimidade da recolha
e valoração do depoimento em processo penal.
Questiona-se se as soluções consagradas na lei para as escutas podem aplicar-se às conversas diretas.
 A resposta não pode deixar de ser negativa, por maior que seja a força das razões de analogia ou dos
argumentos a fortiori que se podem mobilizar em sentido contrário.
o A legitimidade constitucional tem de ser aqui complementada com a legitimidade que só o legislador
ordinário pode outorgar.
A tónica é agora posta em topoi como: eficácia da justiça penal, estado-de-necessidade de investigação, direito penal
do inimigo.
 É em nome destes argumentos que se assiste à relativização, à funcionalização e ponderação de valores que
antes valiam como indisponíveis e subtraídos à balança da ponderação.
o Por exemplo, o “segundo caso do diário” em que o ST alemão erigiu a eficácia da justiça penal à categoria de autónomo bem
jurídico, e com um núcleo suscetível de ponderação e de prevalência, mesmo sobre a área nuclear e irredutível da intimidade,
antes proclamada como bem subtraído a toda a ponderação
o Também o caso Frankfurt, em que o vice-presidente da polícia de Frankfurt confessou que tinha ameaçado um suspeito com
a inflição de dores físicas (sob controlo médico) para que este revelasse o local onde se encontrava uma criança raptado.
Suspeito de autor do rapto, o arguido recusava-se a dizer o local, mentindo sobre o assunto. Por ouro lado, o dirigente da
polícia acreditava que a vítima do rapto ainda se encontrava vida, mas já estava morta. De qualquer modo, o corpo foi
encontrado a partir das declarações extorquidas ao suspeito.

3. Conceitos e princípios fundamentais


As proibições de prova emergem como balizas normativas à recolha e valorização de provas capazes de sustentar a
convicção judicial sobre a prática de um crime e a identidade dos seus agentes.
 A sua intervenção tende a polarizar-se em dois momentos: (1) o momento da obtenção da prova para o
processo; e (2) o momento da sua valoração
o Isto explica a prevalência em geral reconhecida à contraposição entre proibições de produção de
prova e proibições de valoração de prova, estas últimas subdividindo-se em dependentes e
independentes.
 As primeiras são antecedidas da violação de uma proibição de produção de prova, de que
dependem (buscas domiciliárias, escutas telefónicas, etc);
 As segundas não dependem da prévia violação duma proibição de produção, derivando
diretamente da danosidade da própria prova, nomeadamente sob a forma de atentado a um
direito constitucionalmente reconhecido (diários íntimos, fotografias, etc.)
O direito das proibições de prova tem influência de dois modelos distintos:

 As exclusionary rules americanas, são figuras de recorte prevalentemente processual, estando


fundamentalmente orientadas para a salvaguarda e garantia do due process of law.
o Elas surgem animadas de uma lógica de disciplina das infrações à lei processual, tendo como
destinatários privilegiados os agentes das instâncias processuais e particularmente, os polícias.
o Por exemplo, se está em causa a valoração de um diário pessoal, na América cura-se
fundamentalmente de saber se ele chegou ao processo por meios lícitos.
o Por exemplo, no tratamento das declarações de um arguido que não devidamente informado dos seus
direitos, nos EUA prevalece a solução formal e rígida da invalidade, na esteira da doutrina dos
Miranda Rights; no lado dos depoimentos indiretos, estes são rejeitados no direito americano –
hearsay evidence is no evidence!
 Diferentemente, as Bewiesverbote do direito alemão, têm um sentido prevalentemente material-substantivo,
valendo sobretudo como instrumento de tutela de direitos fundamentais ou das instituições fundamentais da
sociedade democrática e do estado de direito.
o Por exemplo, se está em causa a valoração de um diário pessoal, na Alemanha tudo se decide em
determinar a relevância do diário do ponto de vista da reserva e sobretudo da área nuclear e irredutível
da vida íntimas.
o Na Alemanha, quanto ao tratamento das declarações de um arguido indevidamente informado a
resposta depende sobretudo da relevância causal do facto (não informação) do ponto de vista do
sacrífico da autodeterminação; no lado dos depoimentos indiretos, conhecem-se soluções de maior
plasticidade na direção do caso concreto.
As proibições de prova obedecem, no seu conjunto, a duas grandes ordens de valores:
 De um lado, os direitos fundamentais, a começar pela dignidade humana
 Do outro lado, os valores do próprio processo penal, como pressuposto da legitimação do jus puniendi
Também se associam a valores mais concretos:
 há outras que estão ao serviço da descoberta da verdade, da preservação e garantia do acusatório, da garantia
do princípio do nemo tenetur, da preservação de instituições como a família.
Um dos nódulos problemáticos é o da determinação das situações de proibição de valoração
 O problema não se põe nos casos em que a lei expressamente prescreve a proibição de valoração como reação
contra a violação duma proibição de produção de prova.
 Segunda a teoria dos direitos de domínio da informação, defendida por AMELUNG, tudo dependerá da
distribuição das “pretensões de domínio sobre a informação” e, por vias disso, em que medida assiste ao
arguido a pretensão fundada de privar o estado de informação a que irregularmente chegou.
o Nesta linha a violação da proibição de produção da prova só pode fundamentar a proibição de
valoração quando aquela pôs de pé um desvalor de resultado, que se traduz na obtenção de uma
informação a que não tinha direito
 Para tanto, não basta o mero desvalor de ação concretizado, por exemplo, na violação de um
requisito formal – por exemplo, em caso de busca domiciliária em que, presentes os
pressupostos materiais, não se cumpre a exigência formal do mandado judicial.
Questão controversa da violação do sigilo profissional?
 Por exemplo, a revelação da seropositividade de uma pessoa feita pelo médico em Tribunal, a descoberto de
justificação extraprocessual – sendo certo que configura um ilícito criminal típico, art. 195.º CP cabe
questionar a legitimidade processual da obtenção deste meio de prova (a recolha do depoimento pelo tribunal),
e, num segundo momento, a legitimidade da sua valoração probatória
o A doutrina e a jurisprudência maioritárias sustentam que o preenchimento do ilícito típico da violação
de segredo não prejudica a recolha do depoimento do médica nem a sua ulterior valoração probatória
 Quando muito faz-se impender sobre o juiz o dever de informar o médico de que pode dar ou
recusar depoimento. Se o fizer, então não subsistirão quaisquer obstáculos à recolha do
depoimento, qualquer que seja a qualificação do seu facto no plano material
o Outros - ROXIN, FREUND, MEURER, MICHALOWSKI – vêm optar por uma construção alternativa,
considerando que o interrogatório do médico está coberto por proibição de produção de prova.
 Desde logo, por se entender que o Fursogepflicht que impende sobre o Tribunal o obriga a
prevenir que as testemunhas se comprometam em condutas que as expõem à cominação da
ilicitude e das reações criminais
 Como, explicita FREUND, o Estado não pode, com uma mão, proclamar que a
revelação do segredo configura um ilícito criminal, e com a outra mão, ser ele próprio
a desencadear aquele comportamento.
 O tribunal deve abster-se de interrogar o médico sobre factos pertinentes à
área de sigilo, como deve igualmente interromper o depoimento do médico,
mal se aperceba que ele vai entrar naquela área.
o Já quanto à proibição de valoração, esta será a regra, sempre que o segredo violado pertença ao
acusado e a valoração sustente a sua condenação.
 Dificilmente pode esperar-se que o processo penal tenha eficácia estabilizadora das normas,
se é o tribunal ele próprio, a convocar e aproveitar-se da violação das normas
 Vistas as coisas doutro ângulo: dificilmente se representaria solução mais perversa para o
titular do segredo: para além de ver criminalmente violada e devassada a sua esfera de
segredo, ele seria condenado à custa do aproveitamento do produto do crime.
 Inversamente, cremos dever acompanhar FREUND na parte em que, apesar de tudo, admite a
valoração se e na medida em que tal se revele necessário para garantir a absolvição de um
acusado.
Quanto ao problema da extensão da proibição de valoração, ver o campo dos métodos proibidos de prova
 Não basta uma mera informação ao arguido de que ele pode, pura e simplesmente, recusar depoimento, antes
exigem um esclarecimento qualificado, indispensável para se poder considerar restabelecida a liberdade de
depoimento do arguido.
o Há-de, concretamente, significar-se ao arguido que tudo o que disse, sob tortura ou coação não pode
prejudicar em nada a sua situação.

4. Efeito à distância
Nos Estados Unidos a poisonous tree doctrine é conhecida e aplicada desde o início do século passado. Pelo menos,
desde o caso Siverthorne Lumber Co. V. United States (1920)
 No direito americano, vigora de forma generalizada a solução do mais irrestrito efeito-à-distância.
o Houve uma tentativa de estreitar o campo de eficácia da poisonous tree doctrine, já fazendo intervir
exigências de causalidade (causal connection) entre a prova primária e a secundária
 Já impondo a ideia de independent source, abrindo a porta à valoração da prova secundária
sempre que se possa concluir que ela teria sido adquirida por via autónoma e legal – à
margem da exclusionary rule que marca a prova primária.
 Resumidamente o efeito-à-distância seria excluído em caso de actual clean path
como de hypothetic clean path.
 Na Alemanha começou por ser maioritariamente negativa a resposta dada.
o Do lado da Alemanha deu-se um movimento de sentido contrário, assistindo-se a um triunfo
progressivo da doutrina basilar do efeito-à-distância.
 Desde logo, a aceitação do efeito-à-distância é hoje claramente maioritária na doutrina
As razões invocadas para sustentar o Fernwirkung no direito alemão valem a fortiori no nosso direito
 Em primeiro lugar, joga a circunstância de, diferentemente da lei alemã, o legislador português ter associado
as proibições de prova ao regime das nulidades, art. 32.º/6 CRP, 122.º CPP
 Em segundo lugar, não devem desatender-se as diferenças de teor literal entre os preceitos
o Enquanto a lei alemã se limita a prescrever a proibição da valoração das provas pertinentes,
concretamente, das declarações, o normativo português proíbe, a valoração de todas as provas obtidas
mediante os métodos proibidos.
 O que denuncia a intenção de, em vez de circunscrever a proibição de valoração às provas
diretas e ilegalmente obtidas, generalizar a proibição de valoração a todas as provas
envenenadas pela prova proibida.
O art. 126.º ou os arts. 187.º ss do CPP resultariam frustrados se, não obstante a nulidade das provas obtidas com
violação daquelas normas, fosse possível valorar as provas obtidas através das provas declaradas nulas
 No que diz respeito às escutas telefónicas, o efeito-à-distância é reclamado por um conjunto convergente de
considerações onde avultam tópicos como – a eminência da dignidade constitucional do sigilo das
comunicações, art. 34.º CRP; a danosidade social das escutas do ponto de vista da privacidade, associadas ao
princípio nemo tenetur; a circunstância das escutas configurarem um facto criminalmente típico, art. 194.º e
384.º CP, cuja ilicitude só será excluído se cumprirem as exigências materiais.
o Diferentemente, o efeito-à-distância não é reclamado, nem faz sentido, face a proibições de prova
ditadas por exigências de fiabilidade e pertinência probatória
 Como sucede, por exemplo, reconhecidamente com a proibição dos testemunhos-de-ouvir-
dizer, que obedece ainda às exigências decorrentes dos princípios de imediação, igualdade
de armas, contraditório e cross-examination.
 Tudo valores que não são postos em causa pela valoração dos meios de prova obtidos
a partir da utilização, ilegal, do testemunho-de-ouvi-dizer.
 Isto não significa que qualquer violação das proibições de prova, em domínios dos métodos proibidos de
prova ou a escutas telefónicas, haja de desencadear, o efeito-à-distância.
o Para que haja efeito-à-distância é necessário que acresça uma qualificada relação entre a escuta ilegal
e o meio de prova secundário ou mediata.
 Uma relação marcada por um nexo de causalidade, à luz da doutrina da imputação objetiva
onde prevalecem conceitos como o fim de proteção da norma, o comportamento lícito
alternativo, a elevação do risco, etc.
 Resumidamente, haverá efeito-à-distância quando se puder considerar escuta ilegal por causa
dos meios de prova secundários em questão – “a proibição de valoração que impende sobre a
gravação de um telefonema “deve estender-se a todos os meios de prova que forem obtidos
com base naquela escuta telefónica”
 Pela positiva, é a causalidade que decide do efeito-à-distância. Pela negativa, não há efeito-à-
distância quando não se possa imputar-se causalmente à prova primária a obtenção do meio
de prova secundário.
 Não haverá efeito-à-distância quando não há nexo de causalidade, isto é, quando a
prova primária representou apenas uma ocasião exterior para a obtenção do meio
secundário que, por vias disso, foi obtido através de um processo autónomo e
independente de conhecimento – independent source.
 Também não haverá efeito-à-distância quando se possa afirmar que o meio
secundário de prova, seria, com probabilidade, obtido mesmo que não tivesse havido
prova originária atingida pela proibição de valoração
 Por último, também não haverá efeito-à-distância na situações em que o “nexo de
causalidade é interrompido por força da atuação livre do arguido (WOLTER) – por
exemplo, quando o arguido preso preventivamente com base em escutas ilegais, vem,
posteriormente de forma livre, confirmar os factos perante o tribunal
 Desde que tenha sido informado de que as escutas são ilegais

II. Revisitação de algumas ideias-mestras da teoria das proibições de prova


Distinção entre proibições de provas autênticas e simples regras processuais probatórias
 A consequência jurídica da violação de uma simples regra processual probatória, tratando-se de uma
prescrição que apenas determina o procedimento a observar na produção probatória, sem declarar o ser-
proibido da prova ela própria, não constitui motivo bastante para recusar o resultado da prova
o Prescrições há que visam somente obrigar à observância de um determinado caminho de obtenção da
prova, sem todavia imporem que se afaste do processo a prova ilicitamente lograda
 Devem ser observadas determinadas modalidades ou tomadas cautelas na obtenção, cuja
inobservância não deve afetar porém a admissibilidade da prova como tal.
 O que não significa que a obrigação ocorrida seja juridicamente insignificativa: ela
seria suscetível de importar para os seus autores responsabilidade (administrativa) de
serviço, além de responsabilidade civil e/ou criminal
 Tal poderia suceder, por exemplo, numa revista que não respeitasse o pudor
do visado: o processo de obtenção da prova seria ilícito, mas a prova
lograda não devia ser recusada.
o Diferentemente, se passam as coisas com as consequências de uma proibição de prova
 Tais proibições constam de normas jurídicas cuja violação afeta a prova como tal, por mais
que esta possa revelar-se adequada à investigação da verdade.
 1) Proibição de obter prova sobre determinado acontecimento, por exemplo,
proibição de tema de prova sobre objeto de segredo do estado, 137º e 138º/2
 2) Proibição de utilização de um certo meio de prova, por exemplo, em caso de
testemunho de um descendente, quando este o recuse, 134º, enquanto o
esclarecimento da verdade é admissível através de outro meio de prova
 3) Proibição de certo método de criação de um meio de prova, por exemplo,
interrogatório com uso de tortura, art. 126.º/1, que implique uma violação de direitos
fundamentais da pessoa que conduza a que a prova seja inadmissível.
 A consequência da violação da proibição de prova será a da recusa de valoração no processo
da prova alcançada.
 O CPP pretendeu autonomizar a questão das proibições de prova, em relação à censura das “nulidades”
A matéria processual penal é, por sua natureza conflitual, no preciso sentido do conflito entre o dever geral do Estado
de realização de um processo penal eficiente, capaz de, em tempo côngruo alcançar decisões justas dos casos da vida,
e o dever estadual de proteção das liberdades fundamentais da pessoa.
 Por isso, a correta solução de um problema processual penal tem como suposto decisivo que o aplicador leve
previamente a cabo uma operação de ponderação das valorações conflituantes, para se decidir em favor da
valoração que deva reputar-se por dominante.
o Isto pode implicar uma tarefa de mútua compressão dos valores em conflito, por forma a atribuir a
cada um a máxima eficácia possível, art. 18.º CRP – operando-se duas limitações:
 Uma limitação relativa, quando suceda que o resultado do conflito de valores seja
explicitamente levado a cabo pelo legislador ordinário.
 Nestes casos, o aplicador tem de seguir a imposição da lei ordinária, salvo caso de
inconstitucionalidade.
 Uma limitação absoluta ocorrerá nas hipóteses em que a decisão a favor da valoração
dominante contrarie a essencial dignidade humana
 Caso em que terá de conferir-se à salvaguarda desta dignidade essencial valor
decisivo do conflito, ainda mesmo quando tal implique apenas a diminuição, mas
verdadeiramente a aniquilação do valor contraposto.
 Porque a defesa da dignidade essencial da pessoa constitui limite terminante
de toda a intervenção estatal.
 MANUEL COSTA ANDRADE discorda ao afirmar que a lei portuguesa “dita as proibições de prova e determina
as suas consequências em termos que não apelam para uma ponderação com os valores subjetivados e no
interesse da realização da justiça penal”.
o Porque a ponderação e otimização das valorações conflituantes não constituíram parte essencial da
jurisprudência americana sobre a exclusionary rule.
o Já na Alemanha, a ideia do balancing of values começou por estar presente na jurisprudência em
matéria de proibições de prova.
 FIGUEIREDO DIAS considera que, apesar de todo o valor e relevo que se deva atribuir a um direito violado, não
se vê porque ele haja sempre de ser apreciado como dominante perante o direito de todas as outras pessoas
constituídas em estado, perante o interesse da comunidade num processo penal justo e eficaz.
o O conflito tem de ser posto face à situação concreta e conexionado com o sentido da violação do
direito da comunidade perante o sentido da proteção individual do direito preterido
o Devendo, se for viável, lograr-se a concordância prática dos valores conflituantes
 De forma a não recusar pura e simplesmente o valor de menor hierarquia, mas a salvar a sua
efetividade quando seja possível à luz da concreta preponderância do valor de mais elevado
relevo.
o Na Alemanha, perante a questão de saber se uma proibição de produção de prova terá de corresponder sempre uma proibição
de valoração da prova ilicitamente produzida, têm respondido mediante a convocação da “teoria da ponderação no caso
concreto”
 Do princípio da lealdade processual deriva a predisposição para, em caso de ponderação que acabe por
revelar-se questionável, fazer predominar a proibição de valoração sempre que possa afirmar-se que a atuação
dos oficiais públicos violou a exigência de lealdade do procedimento.
o O princípio atinge em primeira linha a ação da Polícia, do MP e dos seus auxiliares, não a do arguido
e dos seus defensores.
 No Ac. 603/2007, o Tribunal constitucional, relativo a uma caso de a ”apreensão de diários”, a necessidade,
para afirmação de uma autêntica proibição de prova, de se levar a cabo uma ponderação dos interesses em
conflito no caso concreto.
Deve-se favorecer uma consideração diferenciada que tome em conta no caso concreto os valores conflituantes e,
sempre que possível, a sua otimização.
 Deve-se fazer entrar em concordância prática a proibição de prova com o direito conflituante.
o Assim, se fará perder á proibição de prova um caráter absoluta, em favor de uma natureza relativa que
conduza a uma tendência restritiva da sua consideração.
Relativamente à doutrina do efeito à distância da proibição de prova, a essência do problema traduz-se em determinar
se fora do processo probatório válido deve ficar unicamente a prova ilicitamente obtida, ou também a prova
consequencial, isto é, aquela que só por força da prova proibida tenha sido alcançada.
 Por exemplo, as testemunhas que foram ouvidas em consequências de declarações ilicitamente obtidas.
 Fosse absoluto o efeito da proibição de prova, no sentido de um também ilimitado efeito à distância e tornar-
se-ia impossível, a ponderações das valorações conflituantes
o Também aqui será decisiva, relativamente à prova consequencial a configuração concreta do caso e o
peso que nela deve ser conferido à violação do direito individual por conexão com o valor
comunitário.
 No acórdão 198/2004, o Tribunal Constitucional salientou que se trata de uma doutrina que “abre “espaço à
ponderação das situações concretas”. E tal ponderação de interesses justificará que, “em determinadas
circunstâncias, se projete a invalidade de uma prova proibida, para alem de nela própria, noutras provas e,
se recuse ta projeção”.
o A doutrina do fruto da árvore envenenada não tem de conduzir à invalidade de todas as provas
posteriores à prova ilegalmente lograda.
o Também a doutrina do efeito à distância, tal como a da prova proibida, não haverá de furtar-se ao
princípio da ponderação dos valores conflituantes.

III. Efeito-à-distância das proibições de prova e declarações confessórias – o acórdão nº 198/2004 do Tribunal
constitucional e o argumento “the cat is out of the bag”

1. Fundamentação
O acórdão nº 198/2004 do TC considerou como prova autónoma a confissão dos arguidos realizada em audiência de
julgamento e, como tal não abrangida pelo efeito-à-distância de uma escuta envenenada.
 Está em causa a norma do artigo 122.º entendida como autorizando, face à nulidade/invalidade de interceções
telefónicas realizadas, a utilização de outras provas, distintas das escutas e a elas subsequentes, quando tais
provas se traduzam nas declarações dos próprios arguido, designadamente quais tais declarações sejam
confessórias.
o Quando retrospetivamente se diz, encarando globalmente certo processo-crime, que determinada
prova não é válida, retirando-se como consequência que a mesma, embora tenha existido, deve ser
tratada como se não existisse, há que determinar se essa inexistência abrange ou não atos posteriores,
que apresentem alguma conexão
 Nisto se traduz o “efeito-à-distância”, indagando-se da “comunicabilidade, ou não da
proibição de valoração aos meios secundários de prova tornados possíveis à custa de meios
proibidos de prova.
Ainda que a sentença consiga estabelecer a culpabilidade do arguido, o julgamento só será conforme ao ordenamento
processual – princípio da formalidade, quando nenhuma garantia processual haja sido violada em desfavor do
acusado.
 Note-se que, conjugando o art. 32.º/1 e 8, relativamente às provas posteriores constituem, quando
isoladamente consideradas, meios legais de prova, aptos, em princípio, a ser utilizados no processo. A sua
supressão, quando ocorra, constitui uma extensão da ilegalidade do meio de prova anterior.
 É necessário verificar se o nexo naturalístico que, caso a caso, se considere existir entre a prova inválida e a
prova posterior é, também ele, um nexo de antijuridicidade que fundamente o “efeito-à-distância”, ou se, pelo
contrário, existe na prova subsequente um tal grau de autonomia relativamente à primeira que a destaque
substancialmente daquela.
Esta consideração tem muita influência do STF dos EUA na decisão Nardone v. United States. A afirmação de um claro efeito reflexo de uma
prova proibida sobre uma prova, em si mesma legal, mas derivada daquela, aparece, pela primeira vez na decisão de 1920 do STN, Silverthorne
Lumber Co. V United States – a metáfora da “árvore venenosa” não é ainda empregue. Estava em causa nesta decisão uma apreensão
reconhecidamente ilegal de determinados livros de contabilidade de uma sociedade, e os factos conhecimentos através destes documentos
ilegalmente obtidos, servira de base uma ulterior incriminação dos dois sócios.
 O tribunal não excluiu em Silverthorne que esses mesmos factos pudessem ser obtidos no processo, desde que essa aquisição proviesse
de uma “fonte independente”, ou seja, não se traduzisse numa atribuição de eficácia indireta à prova proibida. Este mesmo
entendimento foi fixado na segunda decisão Nardone de 1939, onde o termo foi pela primeira vez empregue.
 O contexto destas decisões foi a afirmação da exclusionary rule, segundo a qual a prova obtida pela acusação
através da violação dos direitos constitucionais do acusado, não pode ser usada contra este
o E com “fruto da árvore venenosa” trata-se de estender a “regra de exclusão” às provas reflexas.
São três as circunstâncias em que uma prova reflexa deve ser excluída do efeito próprio da doutrina do “fruto da
árvore venenosa”
 A chamada limitação da “fonte independente” (independent source limitation);
o A primeira situação, a “fonte independente”, remonta à decisão Silverthorn, onde o Juiz Holmes excecionou, expressamente,
a existência de uma independent source corroborando os conhecimentos que também eram derivados da prova proibida. Por
exemplo, Segura v. United States de 1983
 A limitação da “descoberta inevitável” (inevitable discovery limitation);
o A projeção do efeito da prova proibida não impossibilita a admissão de outras provas derivadas
quando estas tivessem inevitavelmente sido descobertas, através de outra atividade investigatória
legal.
 Nestas situações, está em causa a demonstração pela acusação de que uma outra atividade
investigatória não levada a cabo, mas que seguramente iria ocorrer naquela situação, não fora
a descoberta a descoberta através da prova proibida, conduziria inevitavelmente ao mesmo
resultado
 Caso Nix v. Williams, 1983, onde um interrogatório ilegal, porque não precedido da leitura dos Miranda
Warnings, levou o suspeito a indicar a localização do cadáver da vítima. Este porém, sendo certo que
ocorriam concomitantemente buscas no local onde foi encontrado, viria seguramente, a ser descoberta.
 E a limitação da “mácula (nódoa) dissipada” (purged taint limitation);
o Nesta, admite-se que uma prova, não obstante deriva de outra prova ilegal, seja aceite, sempre que os
meios de alcançar aquela apresentem uma forte autonomia relativamente a este, em termos tais que
produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.
o Foi o que aconteceu na decisão Wong Sul e al v. United States, em que se considerou que a invalidade de uma detenção
inicial, não assente em “causa provável”, não afetava uma posterior confissão voluntária e esclarecida quanto às suas
consequência, tratando-se esta de um ato independente praticado de livre vontade.
o Considera-se inclusive nos EUA, que nos casos de prova derivada envolvendo ato de vontade
traduzidos, no depoimento de testemunhas ou na decisão do suspeito de confessar o crime ou de
prestar declarações relevantes quanto a este, a invalidade da prova anterior não se projeta na prova
posterior, porque assenta em decisões autónomas, produto de uma livre vontade.
Está assim em causa uma doutrina que abre um amplo espaço à ponderação das situações concretas.
 É no art.122º do CPP, que se faz assentar a doutrina dos frutos da árvore venenosa, e, por isso, esta norma
abre um espaço interpretativo no qual há que procurar relações de dependência ou de produção de efeitos,
artigo 122º/1 CPP, que exigem a projeção do mesmo valor negativo que afeta o ato anterior.
A confissão funciona como paradigma de uma prova subsequente autónoma, concretamente por decorrer de um ato de
vontade de quem é advertido do sentido das declarações que venha a prestar, art. 343.º CPP
 Quanto à confissão o que foi considerado no acórdão é que esta tem autonomia que possibilita um acesso aos
factos destacável de qualquer forma de acesso anteriormente afetada por um valor negativo.
O entendimento do artigo 122.º/1 do CPP, segundo o qual este abre a possibilidade de ponderação do sentido das
provas subsequentes, não declarando a invalidade destas, quando estiverem em causa declarações de natureza
confessória, mostra-se constitucionalmente conforme.

2. Anotação
2.1. O efeito-à-distância no Direito Processual Penal Português.
As decisões que incidiram sobre o caso sub judice mencionam o artigo 122º, parecendo entender que o efeito remoto
das proibições de prova tem aí a sua consagração
 Uma parte da doutrina sustenta que a associação legal entre as proibições de prova e o regime das nulidades
processuais do art. 118.º do CPP, não representa mais do que o cumprimento do art. 32.º/8.
o A produção de prova proibida terá os efeitos da nulidade insanável, incluindo a possibilidade de
conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final.
 Se a violação de uma prova origina, pois, os efeitos, da nulidade, também se lhe aplicará o
artigo 122.º, o que implica o reconhecimento do tele-efeito.
o O principal inconveniente desta perspetiva tem sido o de propiciar a defesa da ideia de que as
nulidades previstas no artigo 126º/3 seriam, ao contrário das absolutas do nº1, relativas, sanáveis e
dependentes de arguição.
 A reforma penal parece ter querido afastar este ponto de vista, uma vez que se esclarece
agora, no nº3 que tais prova também não podem ser utilizadas.
 Outra parte da doutrina considera que se verifica uma completa independência técnica do regime das
proibições de prova relativamente ao das nulidades processuais.
o Assim, os arts. 118.º do CPP não serão aplicáveis em matéria de proibições de prova e a nulidade
mencionada no art. 32.º/8 CRP, e no art. 126.º CPP não consubstancia uma nulidade em sentido
técnico-processual antes gera uma consequência jurídica específica
 A impossibilidade total de utilização, salvo para proceder contra os agentes que praticaram
crimes ao utilizar tais métodos proibidos, art. 126.º/4
o Esta mesma reforma permite reforçar a sustentabilidade da segunda perspetiva.
 Ao ter introduzido o recurso de revisão, nos termos do art. 449.º/! “quando se descobrir que
serviram de fundamento à condenação provas proibidas, art. 126.º/1 a 3, consagrou um
regime que transcende o próprio regime das nulidades insanáveis.
 Torna-se ainda mais dificilmente defensável a tese de que o nº3 prevê nulidades
sanáveis, tendo em conta que a violação do preceito pode desencadear, tal como a do
nº1 a revisão de uma sentença transitada em julgado.
 Parece que é desnecessário o recurso ao art. 122º/1 para alicerçar o efeito-à-distância, devendo antes procurar-
se no art. 32.º/8 e art. 126.º CPP, o efeito remoto da utilização de métodos proibidos de prova
o A leitura que melhor concretiza os direitos elencados no art. 32.º/8 é aquela que não destrinça entre
prova direta e indiretamente conseguida através de métodos proibidos
Há que concluir que, no sistema processual penal português, só poderão ser admitidas restrições ao efeito-à-distância
que não destruam a eficácia das proibições constitucionais da prova – limitações
 1) O purged taint exception, nas decisões Wong Sun v. United, podem suceder em duas circunstâncias: 1.1.) Através da limpeza da
nódoa do processo pelos próprios responsáveis pela ação penal, mediante a prossecução da investigação com recurso a meios lícitos e
alternativos, da continuação da recolha de outros meios de prova, desta vez independentes; 1.2.) Pode a mácula processual ser apagada
pela atuação livre do arguido ou de um terceiro. Por exemplo, o caso do arguido que é levado a declarar factos de modo auto-
incriminatório, com recurso a um método proibido, mas que, mais tarde, após ter sido esclarecido de que tais provas não podem ser
utilizadas, opta voluntariamente por confessar os mesmos factos.
o Aqui, uma atuação dos órgãos de investigação criminal, do o arguido ou de um terceiro, interfere na
relação causal existente entre a infração e o resultado probatório secundário, não podendo a prova
mediata ser vista como tendo sido obtida através do comportamento ilícito inicial
 Há aqui uma interrupção do nexo de causalidade ou da imputação objetiva entre a violação da
proibição de prova e a prova subsequente
o No entanto, para HELENA MORÃO, isto não representa uma verdadeira exceção à proibição
constitucional de valoração das provas mediatas – trata-se de instrumentos jurídicos de delimitação
dos próprios casos que constituem o efeito remoto.
 E, por isso, nem se verifica, uma quebra do nexo de imputação entre a infração e o
procedimento probatório secundário, nem, uma sanação da “nódoa” do processo.
 A prova indireta continua a ser proibida. O que vai ser objeto de valoração são outras
provas que, por não estarem causalmente vinculadas à prova primária proibida e que
podem nem ser mediatas, não se pode pretender que sejam contagiadas pela atividade
ilegal prévia: são meios probatórios independentes.
 Assim, para esta autoria, não nos encontramos diante de um problema de limitação do
efeito-à-distância, mas de delimitação do efeito-à-distância.

3. Declarações confessórias, liberdade de declaração e o argumento “the cat is out of the bag”
Quando se trata da confissão do arguido é preciso que este seja informado de que a prova direta e os seus eventuais
frutos probatórios sequenciais entretanto obtidos não podem ser utilizados e não o podem prejudicar, e, em segundo
lugar, que as suas declarações não sejam necessárias ao exercício do direito de defesa.
 Ora, para HELENA MORÃO, a equiparação que o TC advoga entre arguição da nulidade das escutas pelos
arguidos e informação prestada pelo juiz de que o seu conteúdo não pode ser utilizado contra eles, para efeitos
de reposição das condições de liberdade de confissão, não se pode considerar correta.
 No âmbito da common law probatória inglesa, a fruit of the poisonous tree doctrine de origem norte-americana era geralmente
rejeitada, com base no leading case Smith de 1959, em que o tribunal recusou a exclusão de uma confissão do suspeito que se revelava
fruto de uma confissão prévia e ilegal deste. Atualmente, é cada vez mais frequente a invocação, para defesa do reconhecimento do
efeito remoto em matéria de confissão, do efeito cat out of the bag (…) havind already confessed once or twice, he might think he has
little to lose by repetion.
 Aplicando esta lógica, se os arguidos impugnaram a legalidade das escutas telefónicas, desde a fase de
instrução, e o tribunal de julgamento não lhes deu razão antes da prestação de declarações autoincriminatórias,
é razoável concluir que só as prestarem por terem achado que não traziam nada de novo ao material que
constava do processo: gravações, flagrante delito (the cat was out of the bag).
Assim, não se pode concordar com a decisão do TC
 A forma de produção dos depoimentos confessórios, por ausência de informação pelo tribunal acerca da
invalidade da prova já obtida, não garante a autonomia necessária para que seja considerados meios
probatórios independentes a que o tele-efeito se não possa propagar.
 No mesmo sentido vai a jurisprudência do TEDH no caso Gafgen V. Alemanha,
Ora, mesmo que o depoimento do coarguido pudesse ser valorado como prova autónoma não contaminada pelas
escutas ilícitas, não subsistem no caso concreto quaisquer outros elementos probatórios corroborantes, válidos e
bastantes para sustentar uma condenação.
 Gera-se a forte suspeita de que o fator decisão para a atribuição de valor probatório à confissão do coarguido
foi o conhecimento do teor das conversações telefónicas, o que resulta inadmissível à luz da proibição de
valoração do art. 32º/8
O coletivo dever-se-ia ter decidido pela inconstitucionalidade de tal preceito, quando lido no sentido de autorizar, na
sequência da nulidade de uma certa prova, a valoração de declarações confessórias dos arguidos, quando estes não
tenham sido previamente informados pelo tribunal de que essa prova nula não pode ser utilizada.

IV. Legalidade da prova e provas proibidas


A legalidade dos meios de prova, bem como as regras gerais de produção de prova e as chamadas “proibições de
prova” são condições de validade processual da prova e, por isso, critérios da própria verdade material.

1. A disciplina legal do procedimento


O atual CPP consagrou inteiramente todo um livro à matéria probatória, dedicando-lhe ainda um acervo de preceitos
na disciplina da audiência, art. 327.º, 340.º, 343.º a 345.º, 348.º, 355.º a 357.º, 374.º/2
 É usual subdividir o iter probatorium em três momentos essenciais: a admissibilidade da atividade probatória,
a produção ou realização da prova, e a valoração dos resultados obtidos.
 Não é legítima a extensão do âmbito normativo do princípio da livre apreciação da prova (que intervém no
momento da valoração) a estádios anteriores do procedimento probatório (atinentes à admissibilidade e à
produção da prova), designadamente para, em nome de uma ideia de máximo aproveitamento da informação
obtida, superar os eventuais vícios ou irregularidades aí ocorridos.
o A liberdade das formas aquisitivas e a liberdade de valoração da prova afirmar-se como os sintomas mais evidentes de uma
involução autoritária da estrutura processual no sentido da inquisitoriedade: a não taxatividade dos meios de prova e a livre
apreciação converteram-se na panaceia que permitia superar agilmente os obstáculos legais, isto é, as garantias atinentes ao
método, transmutando o sistema processual num esquema flexível que o juiz podia manipular.
 A violação de uma regra de admissibilidade de prova ou a preterição de um formalismo prescrito para a sua
produção poderá implicar um juízo de desvalor legal, a considerar em sede de valoração.
o Diferenciando, as exclusionary rules assumem um ethos marcadamente processual e dirigem-se apenas às instâncias formais
de controlo (e já não aos particulares), evidenciando que a sua finalidade não é a tutela de bens jurídicos, mas a profilaxia de
atuações policiais desajustadas em ordem a um due process of law. Diferentemente, as “proibições de prova assumem-se
como institutos vocacionados para uma tarefa de direito material, de maximização da tutela dos direitos fundamentais, tendo
como destinatários todos os que possam intervir na esfera desses direitos.

1.1. A admissibilidade da atividade probatória


A admissibilidade da atividade probatória supõe a prévia delimitação de um tema – o objeto da prova, art. 124.º
 Entre os possíveis objetos de prova, o legislador destacou, no art. 124.º, os enunciados factuais atinentes à
existência da infração (“relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não
punibilidade do arguido”); á aplicação da reação criminal (“a determinação da pena ou da medida de
segurança aplicáveis”); e aos pressupostos da indemnização (“os factos relevantes para determinação da
responsabilidade civil”)
o Constituem ainda objeto de prova os enunciados factos de que dependa a aplicação de normas processuais, e os enunciados
factuais subsidiários, que não tendo direta implicação subsuntiva versam sobre um determinado meio de prova e se destinam
à verificação da sua fiabilidade.
Uma qualquer diligência de prova apenas deverá ser recusada quando não se revele útil à descoberta da verdade, seja
por não estar referida ao objeto da prova, seja por se mostrar desnecessária, art. 340.º

1.2. A produção ou realização da prova


Importa aqui saber o itinerário de produção da prova, ou seja, os procedimentos e modalidades de realização dos
meios de prova, transformando-os em informação utilizável em sede de decisão.
 Mais do que meras prescrições formais, as normas editadas pelo legislador para disciplinar a aquisição da
prova exprimem uma opção valorativa perante os interesses conflituantes.
As proibições de produção de prova constituem barreiras à determinação dos factos que constituem objeto do processo
e configuram verdadeiros obstáculos à descoberta da verdade, condicionando a utilização dos elementos de prova,
inquinados na formação da convicção do julgador (nulidades da prova ou “atípicas).
 Diferentemente, as regras de produção de prova visam apenas disciplinar o procedimento exterior da
realização da prova, não determinando, se violadas, uma proibição de valoração.
 Na prática é difícil de distingue. O próprio legislador sanciona a violação de determinadas formalidades ora com autênticas proibições
de utilização ou valoração probatória – art. 58.º/5; 147.º/7-, ora com “meras invalidades processuais”, art. 341.º.

1.3. Valoração da prova


Aqui, intervém, o princípio da livre apreciação da prova, art. 127.º
 Não se basta já com a afirmação apodíctica de que, naquela delicada tarefa, o julgador não deve ser
aprisionado por regras inflexíveis pré-estabelecidas na lei – livre apreciação em sentido negativo
 Embora necessariamente radicada numa convicção pessoal, a liberdade que subjaz à valoração “há-de ser, em
concreto, recondutível a critérios objetivos e, em geral suscetível de motivação e controlo – livre apreciação
em sentido positivo.
A valoração probatória não está livre da obediência a critérios e do respeito por constrangimentos probatórios
 Importa assinalar a existência de restrições intrínsecas à livre convicção da entidade judicante:
o 1) ex ante, obrigando o juiz a controlar o fundamento do próprio raciocínio sobre as provas legais,
desenvolvendo-o por meio de critérios racionais
 Aqui contam-se as máximas de experiência, cânones de juízo que orientam, sem a aprisionar,
a consciência individual do julgador e garantem in itenere a legitimação epistemológica da
decisão, art. 127.º
o 2) ex post, permitindo a sucessiva fiscalização daquele raciocínio por outros sujeitos, mediante os
mesmos critérios lógicos.
 Aqui, incluem-se o dever de fundamentação e o direito de recurso, art. 205.º e 32.º/1 CRP,
que tornam possível a verificação da validez do juízo decisório pelos destinatários da sentença
e pelo tribunal superior.
No entender de M. TARUFFO, a questão da valoração ou “eficácia da prova representa mesmo, nos ordenamentos de civil law, o campo
privilegiado da disciplina jurídica do fenómeno probatório. Pelo contrário, nos países de common law, embora sobrevivam algumas regras de
valoração, a disciplina legal parece respeitar essencialmente à admissibilidade da atividade probatória, apresentando-se sob a forma de
exclusionary rules, que mais não são do que juízos de relevância pré-determinados por lei. As regras de admissibilidade e de exclusão probatória
operam numa fase prodrómica à da valoração, impedindo em absoluto a aquisição de determinados materiais e a sua utilização na formação do
convencimento judicial. Já os cânones valorativos pressupõem a prévia aquisição do meio de prova. Assim, as regras de exclusão negam á prova
qualquer eficácia, enquanto os critérios de valoração orientam a atividade destinada atribuir valor à prova.

1.4. Legalidade da prova e provas proibidas


1.4.1. O princípio da legalidade da prova
Art. 125,º “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, apresentando-se o princípio da legalidade da
prova como um limite ao princípio da investigação.
 Quis-se delimitar o elenco das provas admitidas em processo – “não são admitidos apenas os meios
probatórios tipificados, mas todos os meios de prova que não forem proibidos, mesmo sendo atípicos”.
 Afaste-se do sistema das provas legais da época absolutista.
o 1) Não só o legislador não estrutura um sistema taxativo quanto aos meios de prova admissíveis
o 2) Como também, não pré-determina para cada tipo de enunciado factual que espécie de meios
probatórios é idónea à sua demonstração.
 É-lhe reconhecida a liberdade de escolher indiferentemente qualquer dessas fontes tipificadas
de conhecimento, seja qual for a natureza da factualidade a provar.
 E é ainda possível recorrer, em casos excecionais, a meios não constantes do catálogo legal
desde que idóneos à verificação do thema probandum, por exemplo, ADN.
o No sistema da prova legal medieval, as regras pré-fixavam autoritariamente os meios probatórios admissíveis e o valor de
cada singular meio de prova, hierarquizando-o de acordo com critérios abstratos de atendibilidade, e determinavam o sentido
último da decisão, impondo ao juiz que condenasse ou absolvesse consoante se tivesse verificado ou não o quantum de prova
previsto na lei.
O sistema probatório deve ser interpretado positivamente à luz da matriz acusatória em que se inspira “e não apenas a
partir das concretas proibições que o delimitam.
 Ou seja, nem se limita a uma mera regra de exclusão, vedando as formas de aquisição proibidas, nem a uma
estrita regra de permissão ou de inclusão, ao abrir caminho a vias não previstas.
1) A admissibilidade de uma prova atípica pressupõe não só a ausência de uma expressa proibição normativa, mas
ainda a falta de um meio probatório tipificado adequado a produzir o mesmo resultado.
 Existindo uma concreta prova típica adequada é este o formalismo para a aquisição desse meio de prova que
deve ser seguido, repudiando-se o recurso a uma “forma atípica”, sendo assim um limite normativo
o Uma coisa é a admissibilidade de meios de prova não expressamente previstos (provas atípicas
próprio sensu), outra é permitir desvios ao figurino probatório previsto pelo legislador para a
aquisição irritual de meios tipificados de prova (no que resultam meras provas típicas produzidas)
 No que respeita às “conversas informais”, estas são inadmissíveis.
o Não porque assim se iludiria o respeito pelos mecanismos legais de garantia do esclarecimento e da
liberdade de declaração do arguido – sem os quais as informações prestadas não podem ser utilizadas
como prova, art. 58.º/6
o Mas também por tornar o processo permeável à valoração de declarações feitas nas fases de
investigação, introduzidas em juízo por intermédio de testemunhas de “ouvi dizer”, mesmos nos casos
em que tais declarações devessem integrar situações de leitura proibida art. 355.º/1
o A proibição de valoração de declarações “informais” ou “extra-processuais” não abrange as provas
consequenciais àquelas declarações, de acordo com um eventual “efeito-à-distância” postulado pela
fruit of the poisonous tree doctrine
 Não podem ser admitidos e valorados como se de testemunhos “atípicos” se tratasse os depoimentos dos
participantes processuais que, subtraindo-se à oralidade, ao juramento, e à cross examination, prestem
declarações “extra-judiciais” sobre os factos, por exemplo, em obras auto-biográficas.
o Este entendimento aproxima-se do conceito de hearsay evidence. Na definição clássica de MCCORMICK, constitui hearsay
qualquer depoimento oral ou escrito, respeitante a declarações feitas fora de audiência, que tenha sido oferecido como
elemento demonstrativo da veracidade dos factos nesta referidos e cujo valor probatório repousa na credibilidade da
“testemunha” extrajudicial.
2) O facto de não se exigir para a prova de determinados enunciados, a utilização de meios de prova específicos, não
equivale a dar por assente que o julgador seja livre na escolha dos meios de prova a utilizar.
 Pode suceder que a comprovação de determinados enunciados factuais imponha a utilização de meios
probatórios específicos, não podendo estes ser substituídos por outros “que, embora previstos e disponíveis,
não apresentam a mesma garantia de fiabilidade.”
o É o campo das proibições de prova relativas – enunciados factuais que só podem ser introduzidos no
processo através de um meio de prova específico imposto por lei.
o É o que sucede, por exemplo, no art. 151.º, a propósito da perícia, tendo em conta que é um domínio em que se exige
especiais saberes de natureza técnica, científica e artística, e está sujeito a um requisito especial de necessidade: só tendo
lugar quando o tribunal não possa comprovar os factos através dos seus próprios meios de conhecimento.
 O intérprete também não pode socorrer-se de um meio de prova tipificado pelo legislador sem que se
verifique o requisito da sua necessidade, para dessa forma ínvia obter um resultado probatório expressamente
vedado por outras normas legais.
o Por exemplo, art. 356.º e 357.º que, proibindo a leitura de declarações prestadas em fases anteriores
à audiência, dão corpo à ideia de imediação e asseguram o do direito ao silêncio.
o Não é, assim, legítimo considerar e valorar como autêntica reconstituição do facto, art. 150.º, uma diligência de
“demonstração presencial” que se reconduza e esgote nas declarações autoincriminatórias do arguido ou no depoimento de
outros participantes processuais. A reconstituição não poderá servir finalidade distinta da que o legislador erigiu a
pressuposto da necessidade: determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma.. E há uma necessidade de evitar que
a probatio se converta num esquema flexível, que ao intérprete é permitido manipular

1.4.2. As provas proibidas


O art. 32.º/8 constitui a pedra angular da disciplina dos métodos probatórios proibidos.
 Projeta-se neste regime jurídica a tutela da inviolabilidade dos direitos fundamentais contra o interesse da
investigação e perseguição penal.
o Não sem razão se afirma que o postulado da dignidade humana, art. 1.º da CRP; e o direito à
integridade pessoal, art. 25.º CRP, de que são concretização os direitos fundamentais, constituem a
verdadeira matriz axiológica e material do art. 32.º/8 CRP.
A liberdade de declaração reconhecida ao arguido, expressão do seu estatuto de sujeito processual, apresenta-se como
um dos traços mais salientes do modelo acusatório e a barreira à descoberta da verdade material
 Em especial se considerarmos a sua vertente negativa, enquanto direito de defesa contra o estado.
Paralelamente, o substrato da proibição de determinados meios de prova pode ainda encontra-se numa ideia de
preservação moral ou axiológica do estado
 A confiança comunitária nas normas implica que a máxima eficácia da justiça criminal não comprometa a
distanciação moral do Estado e a sua irrestritível lealdade na realização do ius puniendi.
o O que torna compreensível a proscrição total de meios enganoso – agentes provocadores, art. 126.º/2
a) – e os particulares escrúpulos colocados à admissibilidade de meios ocultos de investigação
(escutas telefónicas), GP, câmaras escondidas.
Não são também estranhas considerações de veracidade do processo de determinação dos factos,
 que se traduzem em afastar ex ante todas as provas marcadas com o estigma de “dúvida”, assegurando a
fiabilidade das informações, e circunscrevendo o eventual risco de erro.
Na segunda parte do art. 32.º/8 CRP, alude-se a provas que se distinguem das primeiras, pela circunstância de, em
relação a elas, a interdição só existir se a intromissão se revelar abusiva, art. 26.º e 34.º CRP.
 De facto, no que respeita ao sacrifício da integridade física ou moral a interdição constitucional carateriza-se
por não abrir espaços de livre conformação ao legislador ordinário – é uma interdição absoluta.
 Nos demais casos, a interdição é relativa, supondo margem de livre conformação, 34.º/2,4, 18.º/2, 3
o Uma dualidade que se exprime na autorização concedida ao legislador ordinário para tipificar como
válidos meios de aquisição probatória conflituantes com alguns daqueles direitos, como sucede, por
exemplo, com as buscas domiciliárias e escutas telefónicas, quando confrontadas com a
inviolabilidade do domicílio e das comunicações, 34.º/2, 4 CRP.
 E, que também se repercute na relevância ou não do consentimento prévio do visado
O art. 126.º não se apresenta como um catálogo fechado, tipificado de um numerus clausus de provas proibidas.
 Em suma, para além das técnicas proibidas elencadas no art. 126.º e das demais proibições de prova dispersas
– art. 58.º/5, 129.º, 147.º/7, 167.º/1, 190.º, 345.º/4, 355.º/1 -, outras poderão ser reconhecidas nos domínios em
que importe uma intromissão injustificada nos direitos fundamentais
 A restrição de direitos só será legitima caso se respeitam certos pressupostos, a reserva de lei formal, a
proporcionalidade (em sentido amplo), a reserva de juiz, art. 18.º, 32.º/4, 165.º/1 b) CRP.

Você também pode gostar