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Aula – Falsificação de Documento Público e Particular

Falsidade Material

Na falsidade material, o falso incide sobre a própria autenticidade do documento, sobre o


corpo do documento. Na falsidade ideológica, o falso incide sobre a veracidade do documento,
sobre os seus dizeres. Na falsidade ideológica o corpo do documento é autêntico, falsas são as
informações nele constantes.

Estudamos aqui o campo das falsidades materiais.

Falsificação de documento público

Conceito

Discrimina o art. 297, do Código Penal que o tipo de falsificação consiste em falsificar, no todo
ou em parte, documento público ou alterar documento público verdadeiro.
A proteção aqui se dá com a fé pública para os documentos de natureza pública.

Sujeitos

Trata-se de crime comum admitindo a figura de qualquer pessoa como sujeito ativo.
Caso seja funcionário público, com abuso de seus deveres, incide a tipificação qualificada.
Se o sujeito falsifica e usa o documento público, ele responderá somente pelo falso.

Elementos do Tipo Penal

Existem duas condutas típicas alternativas presentes no crime em questão.


A primeira consiste em falsificar, no todo ou em parte, documento público ou, a segunda,
alterar documento público verdadeiro.
Com relação a primeira conduta, o verbo falsificar indica a contratação, ou seja, a formação
total ou parcial de novo documento semelhante (capaz de enganar) ao documento público.
Nessa primeira conduta, o agente forma um novo documento por inteiro ou acresce dizeres,
letras ou números ao documento verdadeiro.

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Na segunda conduta o verbo é alterar o documento verdadeiro. Nesse caso o agente modifica o
conteúdo do objeto material.
Cabe a observação de que, caso ocorra a supressão de alguma palavra ou número o crime é o
previsto no art. 305, do Código Penal e não o 297.

Elemento normativo

O elemento normativo é o “documento público”, logo, se não for público não se enquadra
dentro da norma penal incriminadora.
Nesse caso existe uma confissão entre o objeto material do crime e o elemento normativo, sendo
que o documento aqui é compreendido como aquele elaborado por funcionário público no
desempenho de sua função e de acordo com a legislação.
Sobre isso, vale ressaltar que independe se ele é nacional ou estrangeiro, desde que no exterior
ele também seja considerado documento público.
Aprofundando a matéria para esgrimir o que é um documento público, é preciso cindir ele em
duas classificações:
- Documentos formal e substancialmente públicos
- Documentos formalmente públicos e substancialmente privados.
O primeiro possui conteúdo e natureza pública, elaborado por funcionário público e tento em
sua redação um conteúdo de natureza pública, como exemplo uma sentença, uma lei publicada,
um ato normativo, etc.
O segundo é elaborado e redigido por um funcionário público, mas a representação contida é de
interesse privado, como são os atos dos escrivães, etc.
Também são considerados documentos públicos os translados, fotocópias com autenticação e as
certidões.
Também são considerados documentos públicos:
1º) o documento emitido por entidade paraestatal (as autarquias);
2º) o título ao portador ou transmissível por endosso: notas promissórias,
cheques, duplicatas, letras de câmbio, conhecimentos de depósito etc.;
3º) as ações de sociedade comercial (sociedade anônima e sociedade em
comandita por ações): preferenciais, ordinárias, nominativas ou ao portador
etc.;
4º) os livros mercantis: obrigatórios ou facultativos; e
5º) o testamento particular (hológrafo).

Elemento subjetivo do tipo penal

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O elemento subjetivo do tipo penal é o dolo, inexistindo a modalidade culposa.
Sublinha-se que não se exige nenhum outro elemento subjetivo além do dolo genérico.

Consumação e tentativa

A consumação ocorre com a falsificação ou alteração do objeto material, independente de


outro resultado.
Logo, não é necessário que use o documento, bastando a falsificação ante a natureza de crime
de resultado cortado.
A tentativa é admissível, apesar de rara e de difícil constatação. Ex. o agente é surpreendido no
momento em que está fazendo a alteração no documento.

Tipo qualificado

A modalidade qualificada está prevista no §1º do art. 297, apontando que a pena será agravada
“se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo”.
Perceba que não basta a qualidade jurídica do sujeito ativo do crime, é preciso que a falsificação
ocorra valendo-se da facilidade que o cargo lhe proporciona.
Cita-se, como exemplo, a possibilidade de se valer de melhores máquinas e impressões ou
informações disponíveis sobre elementos do documento a ser falsificado que somente ele teira.

Outros tipos qualificados

Existe também uma pretensão de trazer uma maior proteção ao documento público de natureza
previdenciária.
Logo, conforme discrimina o §3º:
§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a
previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;(Incluído pela Lei nº 9.983, de
2000)

II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir


efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita; (Incluído pela
Lei nº 9.983, de 2000)

III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da


empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado. (Incluído pela
Lei nº 9.983, de 2000)

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§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3 o, nome do segurado e
seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.(Incluído
pela Lei nº 9.983, de 2000)

Esse tipo penal é diferente do previsto no art. 337-A, do CP, posto que naquele existe a
finalidade específica da sonegação de contribuições previdenciárias.
Partindo de maneira rápida. Inserir é a conduta própria do agente de maneira direta, já o fazer
inserir há a atuação mediante a conduta de terceiro.
Trata-se também de delito formal com condutas comissivas.
Os elementos espaciais são a folha de pagamento ou outro documento de informação.
Devem possuir a destinação específica de fazer prova perante a previdência.
O elemento normativo se volta passa os segurados obrigatórios da previdência, catalogados no
art. 9º do Dec. 3048/99.
No inciso II o elemento espacial é a CTPS e os documentos que devam produzir efeito perante a
previdência. Os objetos materiais desse delito devem produzir efeito e a declaração, além de
falsa ou divera, deve ocorrer por escrito.
Sobre o inciso III, o objeto material deve ser um documento relacionado com as obrigações da
empresa perante a previdência.
O §4º remete-se a conduta omissiva de todos os itens anteriores.

Considerações

Falsificação x Estelionato.
Existem quatro posições sobre a falsificação de documento e o emprego dele no estelionato.
1. O crime de falsificação absorve o estelionato.
De acordo com essa linha, a falsidade que ingressa na extensão elementar “qualquer outro
meio fraudulento”, empregada na descrição típica de estelionato é o falso vulgar, sem os
contornos do crime de falsidade. Portanto, ao fim, o estelionato restaria absorvido pelo
falso.
2. O crime de estelionato absorve a falsificação.
É a posição predominante na jurisprudência representada pela Súm. 17/STJ. De acordo com
essa posição, se o falso representa mero meio para a execução do estelionato, deve por ele
ser absorvido. No entanto, se a documentação possuir potencialidade lesiva apta a exceder
os limites do estelionato, não há que se falar em consunção mas em concurso de crimes.
3. Existe concurso formal entre o estelionato e a falsificação.
Trata-se de posição isolada, em que fica ponderado que há unidade de ação, de desígnio mas
pluralidade de bens jurídicos violados.
4. Existe concurso material entre o estelionato e a falsificação
Também se trata de posição isolada, não possuindo representantes.

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Na visão da melhor doutrina, essa situação sobre o concurso se resolve do ponto de vista técnico
e prático.
No primeiro ponto de vista é claro que existe um concurso de crimes.
Damásio ensina que:
O fato antecedente impunível, segundo a doutrina, não existe quando, embora ocorrendo
entre duas condutas relação de meio e fim, ofende bens diversos pertencentes a sujeitos
passivos diferentes. No caso, a falsidade atinge a fé pública; o estelionato, o patrimônio.
No primeiro, o Estado é o sujeito passivo; no segundo, o lesado. Além disso, o falso não é
um meio executório necessário ou normal para a prática do estelionato. Por fim, incidem
sobre objetos materiais diferentes: no falso, sobre o documento; no estelionato, sobre a
pessoa iludida e a vantagem ilícita. Não seria o estelionato um post factum impunível?
Não cremos. De acordo com a doutrina prevalente, essa espécie só ocorre quando o fato
posterior é cometido contra o mesmo bem jurídico e do mesmo sujeito passivo, sem
causar nova ofensa, requisitos ausentes na hipótese.
Nesse cenário, também não poderíamos falar de concurso formal pois existe uma pluralidade de
comportamentos. Portanto, teríamos uma situação de concurso material de delitos.
De outro modo, no ponto de vista prático, vê-se que a jurisprudência diante da gravidade das
penas impostas aos delitos de falso e a aspereza das disposições sobre o concurso material de
crimes procurou amenizar essa situação apresentando a compreensão da existência de um único
crime. É louvável o posicionamento que tem aspectos atrelados a instrução de princípios de
política criminal.

Falsificação e crimes afins

Se na mesma pessoa reúnem-se as figuras de falsário e usuário, ela responde por um só delito: o
de falsidade, que absorve o de uso (CP, art. 304). O uso, nesse caso, funciona como post factum
impunível, aplicando-se o princípio da consunção na denominada progressão criminosa (v. o
tema no estudo do crime de uso de documento falso). Se a finalidade do sujeito, ao falsificar o
documento, é a prática de sonegação fiscal, funcionando como delito-meio, há também um só
crime, o de sonegação fiscal, em que fica absorvida a falsidade. Quanto à falsificação de
atestado ou certidão de conclusão ou aprovação escolar para efeito de matrícula em escola
superior, remetemos o leitor ao estudo do art. 301, § 1º, do CP, onde tratamos da matéria.

A Ação Penal é Pública Incondicionada.

Falsificação de Documento Particular

Conceito e Sujeitos

As observações a serem feitas aqui são as mesmas apontadas para a falsificação do documento
público.

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Elementos objetivos

Os verbos nucleares do tipo penal já foram descritos anteriormente, bastando a divergência entre
a natureza dos documentos postos como objeto material desse crime.
Aqui, ao invés do documento público, tem-se o documento particular.
Documento é o escrito elaborado por um autor certo, em que se manifesta a narração de fato ou
a exposição de vontade, possuindo importância jurídica.
Não há nenhuma formalidade especial, como ocorre com o anterior.
São características universais dos documentos:
1º) Forma escrita: não abrange as fotografias, cópias não autenticadas de documentos,
pinturas, gravações etc. A escrita deve ter sido aposta em coisa móvel.
2º) Autor determinado: a escrita anônima não configura documento.
3º) Deve conter uma manifestação de vontade ou a exposição de um fato: a simples
aposição de uma assinatura em papel em branco não constitui documento. Da mesma
forma, não consistem em documentos os papéis com escritos ininteligíveis ou sem
sentido.
4º) Relevância jurídica: é necessário que o escrito possa causar consequências no campo
jurídico (características apresentadas por Heleno Cláudio Fragoso). Não constituem
documentos os papéis inócuos, os que retratam fatos ou manifestações de vontade sem
importância jurídica.
Por obviedade, os documentos devem possuir a capacidade de gerar o engano, não se prestando
a esse fim a falsificação grosseira.

Elemento subjetivo

É o dolo, inexistindo modalidade culposa.

Consumação e tentativa

Atinge-se com a falsificação total ou parcial, ou alteração do objeto material.


Admite-se a tentativa.

Falsificação de Documento Particular, Estelionato e Crimes Afins

Sobre isso, as mesmas ponderações realizadas para o crime de falsidade de documento público.

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A ação penal é pública incondicionada.

Falsidade Ideológica

Dentro do campo das falsidades, existe a falsidade ideológica, ou seja, a representação falsa
através de um documento verdadeiro.

Conceito

Constitui falsidade ideológica a omissão, em documento público ou particular, de declaração


que dele deveia constar, ou nele inserir, ou fazer inserir, declaração falsa ou diversa da que devi
ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigações ou alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante.
Protege-se a fé pública no que se refere a autenticidade do documento em seu aspecto
substancial.
Logo, leva-se em conta o seu conteúdo intelectual, não a sua forma, ao contrário da falsidade
documental em que se leva em conta o aspecto material.
Assim, o documento é formalmente perfeito, sem contrafação ou alteração.

Sujeitos

Se trata de crime comum e, sendo funcionário público, qualifica-se o delito.


Quanto ao sujeito passivo existem dois: o principal é o Estado, o secundário é a pessoa que
sofreou ou pode sofrer o dano.

Elementos objetivos

Existem três condutas incriminadas a partir do tipo penal em questão:


1. Omitir declaração que devia constar do objeto material

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Nesse primeiro caso a conduta é omissiva. Devendo constar do documento determinada
declaração, o sujeito omite (não a menciona), total ou parcialmente.
2. Inserir nele declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita
No segundo o próprio agente, de maneira direta (ele mesmo), introduz no documento uma
declaração que não corresponde com à verdade ou que é diferente daquela que deveria estar
escrita.
3. Fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita.
Nesse caso o agente realiza a conduta mediante a atuação de terceiro, induzindo-o a inserir
no documento a declaração falsa ou diferente daquela que deveria constar.
A falsidade, como todo caso, deve ser idônea e capaz de enganar. Se for grosseira não tem a
capacidade de lesionar o bem jurídico.
Pontua-se que ela deve ter a capacidade de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a
verdade sobre fato juridicamente relevante.
Distancia-se da adequação típica a simples mentira sem potencialidade para criar, alterar ou
extinguir um direito.
Em suma: a falsidade deve recair sobre fato ou circunstância cuja veracidade o
documento tem a destinação de provar.
Cuidando-se de sujeito ativo particular, é tranquila na doutrina a exigência, para que
exista delito, de que tenha o dever jurídico de declarar a verdade. Inexistente esse
dever, não há falar-se em falsidade ideológica. A declaração do particular, para
configurar a infração penal, deve ser capaz, em si mesma, de concretizar o
documento. Se cumpre ao funcionário que a recebe verificar a veracidade de seu
conteúdo (documento sujeito a verificação oficial), inexiste o crime. Ex.: declaração
falsa em requerimento de atestado de residência.
Na jurisprudência:
6. O crime de falsidade ideológica se aperfeiçoa caso o conteúdo inidôneo inserido no
documento tenha o condão de produzir seus efeitos jurídicos, com valor probatório,
sem necessidade de posterior chancela, para sua concreta validação, situação
presente no caso dos autos. [...] (HC n. 355.140/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/8/2016, DJe de 26/8/2016.)

Abuso de Folha em Branco

O tema, entretanto, deve ser resolvido pela consideração de que a folha de papel assinada em
branco torna-se documento no momento em que é preenchida, ou são preenchidos os seus
espaços em branco
1º) se a folha de papel, parcial ou totalmente, foi confiada ao agente mediante propósito
legítimo do signatário, para preenchimento de acordo com sua orientação, a declaração abusiva
configura falsidade ideológica;

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2º) se o objeto material foi entregue ao agente para ficar sob sua guarda, ou se foi obtido
mediante expediente ilícito (furto, roubo, apropriação indébita etc.), o preenchimento abusivo
constitui falsidade material (arts. 297 ou 298);
3º) se, no primeiro caso, houve revogação do mandato ou extinção da obrigação ou faculdade de
preencher a folha, incide o crime de falsidade material (princípios expostos por Heleno Cláudio
Fragoso).

Simulação

A depende do caso, a simulação pode gerar a falsidade ideológica. A condicionante é que ela
seja capaz de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Ocorre quando as expressões contidas no documento são genuínas; a ideia, entretanto, é falsa.
Ex.: em separação judicial, o varão, para prejudicar a mulher, em conluio com terceiro, simula a
existência de dívidas, emitindo fraudulentamente notas promissórias (ex. de Nélson Hungria).
De ver-se que, conforme o caso, a simulação pode configurar outros delitos, como sonegação
fiscal, duplicata simulada, crime falimentar etc.

Elementos Subjetivos

O primeiro elemento é o dolo, mas não persiste de maneira isolada sendo essencial um especial
fim de agir, logo, deve-se ter a finalidade específica de prejudicar direito, criar obrigação ou
alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Momento consumativo e tentativa

O delito atinge a consumação com a omissão ou inserção direta ou indireta da declaração,


confundindo-se, por vezes, contendo a falsidade se completa. Por ser crime formal não exige a
produção de dano, bastando a capacidade de produzir o prejuízo.
A tentativa é impossível na conduta omissiva, vez que é delito omissivo próprio. É possível nas
demais condutas.

Falsidade de registro civil

Sendo registrada a falsidade em assento de civil a pena será agravada, conforme discrimina do
próprio p.ú do art. 299.
Justifica-se a exasperação em razão da intenção de evitar situações como a “adoção a brasileira”
que consistia no registro civil de filho alheio em nome próprio.
Cometimento por funcionário público

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Igualmente, caso seja praticado por funcionário valendo-se do cargo, apena será agravada.

Concurso de crimes

Se o usuário do documento ideologicamente falso for o próprio falsário, o delito de uso fica
absorvido.
Seria um post factum impunível da falsidade.
Se a finalidade for a prática do crime de sonegação fiscal, aplica-se a lei 8.137/90, onde o delito
de sonegação absorve a falsidade.
Quanto aos concursos com estelionato, valem as mesmas regras anteriormente indicadas.

Ação Penal

A ação penal é pública incondicionada.

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