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Crimes contra a fé pública I

Francisco Monteiro Rocha Júnior* *


Doutorando em Direito
Penal pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR).
Mestre em Direito Penal
pela UFPR. Professor
das Faculdades Integra-
das do Brasil (UniBrasil).

Introdução Advogado.

O presente curso tem por escopo estudar os crimes previstos no título X


do Código Penal, denominado “Dos crimes contra a fé pública”.

Tendo em vista o objetivo prático do curso, buscar-se-á, na medida do


possível, trazer à tona não só o entendimento doutrinário acerca do tema,
mas também o entendimento dado pelos tribunais superiores.

Crime de moeda falsa


Dispõe o artigo 289 do Código Penal:
Art. 289. Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel moeda de curso
legal ou no estrangeiro:

Pena – reclusão, de três a doze anos, e multa.

Bem jurídico
Segundo Bitencourt (2008, p. 257-258),
[...] em tempos globalizados, com a criminalização da falsificação da moeda, tutela-se
apenas o símbolo do valor unitário, protegendo os interesses da coletividade, que acredita
na autenticidade da moeda, ou apenas a soberania monetária do país, mas protege-se
igualmente a circulação monetária, nacional e internacionalmente.

Sujeitos do crime
Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa.

Sujeito passivo: é o Estado, representando a coletividade, bem como a


pessoa lesada. Ressalta Bitencourt (2008, p. 258) que “[...] in concreto, sujeito
passivo é sempre quem tem seu interesse lesado pela conduta do sujeito ativo;
tanto pode ser pessoa física como a jurídica.”
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Tipo objetivo
A conduta penalmente tipificada é falsificar moeda metálica ou papel-
-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro, fabricando-a ou alteran-
do-a. (BITENCOURT, 2008, p. 258)

Falsificar
Explica Bitencourt (2008, p. 258) que “falsificar significa imitar, reproduzir
fraudulentamente, de modo a fazer passar por verdadeiro o que não tem
essa característica, ou seja, apresentar algo como se verdadeiro fosse, o que
na realidade não o é.”

A falsificação da moeda ou papel-moeda pode ser realizada por meio de


fabricação ou da alteração do produto original.

Fabricação e alteração
Nelson Hungria (apud BITENCOURT, 2008, p. 259) ensina que “Contrafa-
ção é a fabricação ou forjadura ex integro da moeda ilegítima; alteração é
qualquer modificação da moeda genuína ou autêntica, a fim de lhe atribuir,
na aparência, maior valor.

Falsificação grosseira
Para configuração deste delito é necessário que a falsificação seja capaz
de enganar um número indeterminado de pessoas, característica que possi-
bilitará a circulação da moeda falsa como se fosse verdadeira.

Tal entendimento foi objeto da súmula 73 do STJ, a qual dispõe que: “A


utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o
crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual.”

Enfim, para que se configure o delito de moeda falsa, faz-se imperioso


que a falsificação seja de alta qualidade, o que poderá ser provado mediante
perícia.

Ademais, caso a falsidade seja grosseira, de fácil percepção pelo homem


médio, configurar-se-á o crime de estelionato na hipótese de o agente do
delito conseguir passar a moeda falsa mediante ardil ou artifício de modo a
ludibriar a vítima.

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Nesse sentido: Conflito de Atribuição n. 175-ES e HC 129.592/AL, ambos


precedentes do STJ.

Objeto material

Moeda metálica ou papel-moeda


O objeto material do crime de moeda falsa é a moeda metálica ou papel-mo-
eda que tenha curso legal no país (recebimento obrigatório decorrente de lei).

Falsificação de cheques, cartão de crédito


Não configura este delito a falsificação de cartão de crédito, de cheques
e de moeda que não disponha de obrigatoriedade de recebimento nas rela-
ções econômicas.

Nessa linha de pensamento, o STJ no julgamento do Conflito de Compe-


tência 94.848, externou que:
1. A possível falsificação que permeia a hipótese não é de outro documento senão cheques
de viagem, os quais não se confundem com moeda, elemento objetivo do tipo de moeda
falsa (art. 289 do CPB). Precedente desta Corte (CC 21.908/MG, Rel. Min. Felix Fischer, DJU
22/03/09).

2. Conforme extrai-se do próprio tipo, o crime de moeda falsa apenas terá vez se houver
falsificação, por fabricação ou alteração, de moeda metálica ou papel-moeda de curso
legal no país ou no estrangeiro.

Explica Bitencourt (2008, p. 261) que “[...] não será moeda, no sentido ju-
rídico, aquela que não tenha, ou haja deixado de ter, curso legal, embora
possa manter valor histórico (exemplo: cédula de cruzeiro).

Tipo subjetivo
Ensina Nelson Hungria (apud BITENCOURT, 2008, p. 263) que o elemento
subjetivo é a vontade livre de fabricar moeda (metálica ou em papel) imi-
tando a verdadeira, ou de alterar a moeda verdadeira frustrando o seu valor
intrínseco ou nominal.

Por seu turno, Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 262), sustenta que a
figura desse delito “traz em seu bojo a exigência implícita de um elemen-
to subjetivo especial do injusto, sob pena de a falsificação de moeda não
se adequar à descrição típica”. Explica o autor, “se o sujeito ativo age com a
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finalidade exclusiva de demonstrar sua habilidade técnica ou artística, ou,


em outros termos, sem a intenção de colocar a moeda falsificada no meio
circulante, não se pode falar em crime de falsificação de moeda.

Classificação doutrinária
Nas palavras de Bitencourt (2008, p. 265), trata-se de crime comum,
formal (não exige nenhum resultado consistente na efetiva perturbação da
fé pública); comissivo; de forma livre (pode ser praticado por qualquer meio
ou forma que o agente eleger); unissubjetivo; plurissubsistente (a conduta
pode ser composta por atos distintos, admitindo seu fracionamento); instan-
tâneo, mas pode ser permanente, na hipótese de o agente “guardar”.

Consumação e tentativa
Consuma-se o delito no momento em que se conclui a falsificação. Admite
tentativa, pois a execução do delito admite fracionamento.

Circulação de moeda falsa


Dispõe o §1.º do artigo 289 do Código Penal: “Nas mesmas penas incorre
quem, por conta própria ou alheia, importa, exporta, adquire, vende, troca,
cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa.”

Embora equiparado ao crime descrito no caput do artigo 289, trata-se de


tipo autônomo que criminaliza as condutas posteriores à falsificação.

Tipo objetivo
As condutas incriminadas estão previstas em rol taxativo e são as se-
-guintes:

 importar – significa trazer do exterior para o território pátrio moeda


falsificada no estrangeiro;

 exportar – ao contrário, é enviar do Brasil para o exterior moeda falsifi-


cada no país, ou, importada de outro país, transitando por terras (leia-
-se também espaço aéreo e marítimo) brasileiras;

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 adquirir – significa comprar, obter ou receber, a título oneroso ou gra-


tuito, a disponibilidade da moeda falsa;

 vender – é alienar a moeda falsa, a título oneroso, com a transferência


do objeto material;

 trocar – é a recíproca transferência da moeda falsa por outra, verda-


deira ou falsa, ou por outro objeto;

 ceder – é transferir a moeda falsa a terceiro e dela abrir mão para ou-
trem, a título gratuito ou oneroso;

 emprestar – é entregar provisoriamente a moeda falsa a terceiro me-


diante a condição de ser restituída;

 guardar – é ter em depósito sob sua proteção, ou à sua disposição,


dinheiro falso, sem ser o proprietário;

 introduzir na circulação – é passar o dinheiro falso para alguém, de


qualquer forma, como se fosse verdadeiro.

Intenção de colocar a moeda em circulação


na conduta de “guardar”
Segundo Bitencourt (2008, p. 265), na conduta de guardar, cuja finalidade
é punir quem tem a moeda falsa sob sua guarda ou à sua disposição, faz-se
necessário não apenas que o agente tenha conhecimento de que trata de
moeda falsa, mas e fundamentalmente, que tenha a intenção de colocá-la
em circulação.

Possibilidade de desclassificação
para o crime de receptação
Conforme ensina Bitencourt, (2008, p. 267)
[...] quem pratica as condutas de adquirir, receber, ocultar, em regra, incorre no crime de
receptação, contudo, nem sempre a ocultação, o recebimento e a aquisição de produto
do crime, constitui o delito de receptar, podendo, conforme as circunstâncias, tipificar
outra infração penal.

Diante disso, entendemos que, quem adquire, recebe ou oculta moeda


falsa de alta qualidade técnica, ou seja, com capacidade de enganar o
homem médio, incorrerá em crime de circulação de moeda falsa, descrito no
§1.º, do artigo 289.
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Por outro lado, se a falsificação da moeda for grosseira e, portanto, inca-


paz de enganar o homem médio, o agente que pratica tais condutas deverá
responder, quando muito, por crime de receptação, pois estaria realizando
a ação de adquirir, receber, ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, conforme descrição do art. 180.

Objeto material
Nos mesmos moldes do caput, o objeto material deste delito é a moeda
(metálica ou papel-moeda) falsificada, nacional ou estrangeira, com circula-
ção legal no país.

Para a configuração desse tipo penal, é imprescindível que o agente tenha


conhecimento de que a moeda que está adquirindo, vendendo, trocando
etc. é falsificada.

Sujeitos ativo e passivo


Idem aos sujeitos do delito previsto no caput do artigo 289 do Código
Penal.

Delito privilegiado: restituir


à circulação moeda falsa recebida de boa-fé
Dispõe o parágrafo 2.º do artigo 289:
§2.º Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restituir
à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois
anos, e multa.

Modalidade privilegiada
Nas palavras de Bitencourt (2008, p. 270),
[...] trata-se de uma modalidade atenuada do crime de moeda falsa, em que quem adquire
a moeda nessas condições incorreu em erro, sendo, por conseguinte, vítima de falsificação
de terceiro, e entre ficar no prejuízo e passá-la a frente, prefere esta segunda alternativa.

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Sujeito ativo
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, menos o falsificador, pois este
infringe a proibição constante do caput do artigo 289.

Sujeito passivo
A pessoa lesada, que recebe a moeda falsa do sujeito ativo.

Fabricação ou emissão irregular


de moeda – figura qualificada
Dispõe o §3.º do artigo 289 do CP:
É punido com reclusão de três a quinze anos, e multa, o funcionário publico ou diretor,
gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou
emissão:
I - de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei;
II - de papel-moeda de quantidade superior à autorizada.

Consoante explica Bitencourt (2008, p. 271), trata-se de “[...] um crime pró-


prio, um crime funcional ao qual cominou sanção bem mais grave que aque-
las atribuídas aos crimes comuns do mesmo dispositivo legal.”

Tipo objetivo
As ações criminalizadas consistem em fabricar e emitir, ou então em auto-
rizar a fabricação ou omissão.

Ensina Bitencourt (2008, p. 271) que:


Fabricar e emitir refere-se ao aspecto material da conduta, ao passo que autorizar a
emissão alude a uma atividade, digamos, jurídico-administrativa, embora o tipo penal
esteja referindo-se a quem autoriza materialmente a emissão, ou seja, a norma destina-se
ao funcionário cuja função lhe atribua tal atividade.

Moeda com título ou peso inferior ao estabelecido por lei


Em sendo moeda metálica, a ilegalidade consiste em emiti-la com título
(nome e número cunhado na moeda metálica) ou peso (quantidade da
massa metálica constante de cada moeda) inferior ao determinado em lei.

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Não há, portanto, em relação à moeda metálica, a proibição de emissão


superior à quantidade autorizada.

Papel-moeda em quantidade superior à autorizada


Em relação ao papel-moeda pune-se a sua emissão em quantidade supe-
rior ao que foi autorizado, cujo controle direto é feito pelo Conselho Monetá-
rio Nacional e pelo Banco Central.

Norma penal em branco


Trata-se de norma penal em branco, pois caberá a outra norma fixar o
título, o peso e a quantidade de moeda a ser colocada em circulação.

Objeto material
Segundo Bitencourt (2008, p. 271), “[...] o objeto material dessa figura
penal qualificada é a moeda não autorizada a circular (tanto a metálica
quanto o papel-moeda, cédula).”

O referido autor ainda explica que “[...] para a configuração desse crime,
é indispensável que, subjetivamente, o agente tenha a consciência da liga
da moeda metálica e de seu peso, assim como da quantidade de emissão
autorizada de papel-moeda.”

Sujeitos do crime
Trata-se de crime próprio que só pode ser praticado por funcionário pú-
blico, diretor, gerente ou fiscal de banco emissor de moeda.

Sujeito passivo: o mesmo do crime previsto no caput do artigo 289 do


Código Penal.

Desvio e circulação antecipada de moeda


– figura do §4.º do artigo 289
A conduta criminalizada se caracteriza pela circulação de moeda, genuína,
autêntica, antes de sua autorização, nos termos do §4.º do artigo 289 do CP:
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§4.º Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação não
estava ainda autorizada.

Tipo objetivo
Os verbos que indicam a ação delituosa são desviar (mudar o destino) e
fazer circular (retirar o dinheiro do seu local e colocá-lo em circulação, anteci-
padamente, de forma abusiva e ilegal).

Para Bitencourt (2008, p. 273), “[...] é irrelevante que o sujeito ativo obtenha
alguma vantagem pessoal, pois embora não integre a descrição típica, se houver
alguma vantagem para o agente, representa simples exaurimento do crime.”

Objeto material
Ao contrário dos delitos anteriormente abordados, o objeto material desse
tipo penal é a moeda válida, apta a atender seu objetivo monetário, mas o sujeito
ativo se antecipa e a coloca, ilegalmente, em circulação antes da data prevista.

Crime material
Trata-se de crime material, que se consuma quando a moeda entra efeti-
vamente em circulação.

Cominação de pena
Bitencourt (2008, p. 275), com base na doutrina de Heleno Fragoso e Ma-
galhães Noronha, sustenta que as penas cominadas são aquelas do caput,
três a doze anos, e não as cominadas no parágrafo 3.º, pois, “[...] o parágrafo
subordina-se ao artigo, donde, para o tratamento penal, a lei equipara a pre-
sente espécie àquele (caput), uma vez que soa: ‘nas mesmas penas’.

Ação penal
A ação penal é pública incondicionada. Na hipótese do crime privilegia-
do previsto no parágrafo 2.º do artigo 289, a competência para processar e
julgar é do Juizado Especial Criminal, cabendo a suspensão condicional do
processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/95.

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Dica de estudo
Indica-se a verificação do posicionamento jurisprudencial do STJ e do STF
sobre os referidos crimes.

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: dos crimes contra os cos-
tumes até dos crimes contra a fé pública. 3. ed., v. 4. São Paulo: Saraiva, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e parte espe-
cial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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