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Processo Comum nº 1079/21.

7JAPRT
Tribunal Coletivo

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro


Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – J2

Ex.mos Srs. Drs. Juízes

Abílio Ângelo Ferreira da Silva, Arguido nos autos à margem referenciados,


não se conformando com o douto acórdão proferido nos autos que o condenou pela
prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de seis
crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º, n.º 1 e 177º, n.º
1, als. b) e c), ambos do C.P., nas penas de 2 anos e seis meses por cada um desses
seis crimes (perpetrados com coito vulvar ou vestibular); e em autoria material, na
forma consumada e em concurso efetivo de dois crimes de abuso sexual de crianças
agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º, n.º 1 e 177º, n.º 1, als b) e c), ambos do C.P., nas
penas de 1 ano e 6 meses por cada um desses dois crimes (apalpões nos seios da
menor); e, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas, o condenou na
pena unitária de 6 anos de prisão, necessariamente efetiva, e ainda ao pagamento de
uma compensação no valor de € 5.000,00, a título de reparação da vítima, vem desse
acórdão interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

Assim, por estar em tempo e ter legitimidade,


r. a Vªs Exªs se dignem considerar interposto o recurso, a subir imediatamente
nos próprios autos e com efeito suspensivo, seguindo-se os ulteriores termos.

P._ E. _D.

Junta: motivação de recurso.

A ADVOGADA
Defensora Oficiosa

Fatima Assinado de forma


digital por Fatima
Marisa Marisa Santos
Dados: 2022.11.03
Santos 11:43:26 Z
Processo Comum nº 1079/21.7JAPRT
Tribunal Coletivo

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro


Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – J2

Abílio Ângelo Ferreira da Silva, Recorrente nos autos à margem


referenciados, apresenta a seguinte
motivação de recurso

Venerandos Juízes Desembargadores


do Tribunal da Relação do Porto

Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos autos que,
julgando parcialmente procedente por parcialmente provada a acusação pública
deduzida pelo Ministério Público, condenou o ora Recorrente pela prática:

- em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de seis crimes de


abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º, n.º 1 e 177º, n.º 1, als. b) e
c), ambos do C.P., nas penas de 2 anos e seis meses por cada um desses seis crimes
(perpetrados com coito vulvar ou vestibular);
- em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de dois crimes de
abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º, n.º 1 e 177º, n.º 1, als b)
e c), ambos do C.P., nas penas de 1 ano e 6 meses por cada um desses dois crimes
(apalpões nos seios da menor);
e, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, condenou o Recorrente na pena
unitária de 6 anos de prisão efetiva e ainda ao pagamento de uma compensação no
valor de € 5.000,00, a título de reparação da vítima.

Entende o Recorrente que, ao assim decidirem, os M.mos Juízes a quo fizeram


incorrecta aplicação da Lei, pois as penas parcelares aplicadas e, consequentemente,
a pena do cúmulo aplicada, mostram-se excessivas, desajustadas e desproporcionais
face aos factos provados dos autos,
porquanto:

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Para o crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº 171º, n.º 1 do C.P.,
encontra-se prevista uma moldura penal abstrata de prisão de 1 a 8 anos, agravada de
um terço, nos seus limites mínimo e máximo, de acordo com o previsto no artº 177º,
n.º 1, al. b) e c) do C.P.

No caso “sub judice”, dentro das referidas molduras penais abstractas, há que,
para determinar a medida concreta das penas, atender à culpa do ora Recorrente e às
exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte
do tipo depuserem a favor ou contra ele – artº 71º, nº 1 do C.P.P. – tendo por base o
principio de que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não
privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar
de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artº 70º do C.P.P..

A culpa define o limite máximo da pena concreta dado que sem ela não há
pena e esta não pode ultrapassar a sua medida.

Relativamente às necessidades de prevenção, existe um fim preventivo geral


ligado à contenção da criminalidade e defesa da sociedade e um fim preventivo
especial ligado à reinserção social do agente.

Assim, e em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela


necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma
resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração,
contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.

No que toca à prevenção especial há a ponderar a vertente de ressocialização


do Arguido e a vertente de advertência individual para que não volte a delinquir.

Tendo em conta estes limites, deve ainda o Tribunal atender a quaisquer outras
circunstâncias que não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a favor do Arguido
(artº 71º, nº 2 do C.P.).
Quanto à pena única, dir-se-á que o artº 77º, nº 1, do C.P. estabelece que
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a
condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena
são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E dispõe o nº 2, que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das
penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos

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tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite
mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma
especificidade própria, sendo que por um lado está-se perante uma nova moldura
penal mais abrangente e por outro lado há lugar a uma específica fundamentação, que
acresce à decorrente do artº 71º do C.P., sendo, porém, as penas parcelares “guias”
na fixação da pena do concurso.
A fixação da pena do concurso não se determina com a soma dos crimes
cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do
comportamento delituoso do Arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um
conjunto de factos e a sua personalidade.
Na avaliação da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de
saber se o conjunto dos factos de que é acusado é reconduzível a uma tendência
criminosa, o que neste caso terá um efeito agravante dentro da moldura penal
conjunta, ou apenas a um caso isolado que não radica na personalidade.
Por outro lado, relevante será aferir o efeito previsível da pena sobre o
comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Partindo para o caso dos autos, temos que:


- O Recorrente não tem antecedentes criminais (v. factos provados do douto
Acórdão recorrido), sendo a situação dos autos um acto isolado na sua vida;
- O Recorrente confessou parcialmente os factos, sendo determinante para a
descoberta da verdade (v. factos provados do douto Acórdão recorrido), evidenciando
arrependimento e auto-censura pelo seu comportamento;
- Como resulta dos autos, essa sua postura colaborante para a descoberta da
verdade material, confessando parcialmente os factos de que era acusado,
verificou-se desde a data do seu primeiro interrogatório judicial (v. declarações do
Recorrente), passando pela investigação em fase de inquérito quando foi solicitado
para comparecer nas instalações da PJ no Porto (v. declarações do Recorrente) onde
confirmou as declarações prestadas, e posteriormente em sede de audiência de
julgamento confessando parcialmente os factos de que é acusado;
- Dos factos provados resultam ainda os problemas psicológicos de que o
Recorrente padece, encontrando-se a ser seguido em consultas de psicologia,
manifestando arrependimento e consciência pelo seu comportamento, totalmente
inaceitável e intolerável, assumindo o seu erro e culpa pelo que fez, manifestando uma
ideação suicida.

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- O Recorrente culpabiliza-se pelo seu comportamento, não encontrando
explicação para o sucedido;
- Resulta ainda provado, através do relatório de perícia de avaliação de dano
corporal à vítima, a ausência de vestígios físicos ou biológicos e, por outro lado,
através do relatório psicológico, que a menor apresenta um funcionamento cognitivo
inferior à média, com um perfil de personalidade caracterizado pela desejabilidade
social.
- De acordo com o testemunho da irmã uterina da íris (Inês), esta referiu ao
Tribunal que a advertia para “brincadeiras” com o “avô” já pouco próprias para a sua
idade, como por exemplo quando se sentava no seu colo.

- Do relatório social resulta, para além do mais, que:


a) o processo social de desenvolvimento da personalidade do Recorrente
decorreu de um modelo educativo valorizador do trabalho e conduta pró-social;
b) o Recorrente tem o 6º ano de escolaridade, concluído já em idade adulta,
tendo trabalhado, com regularidade, em várias empresas, sendo que trabalhou
durante 20 anos como colcheiro, inicialmente na “Molarte Colchões, Lda” e
posteriormente na “Molibel Colchões, S.A.”;
c) não obstante essa situação e também a descrita nos autos, o Recorrente
tem o apoio incondicional da sua esposa – Maria Regina Brandão, de 70 anos de
idade – com quem mantém a relação de matrimónio de há 45 anos, continuando a
beneficiar do seu apoio, apesar de esta revelar muita mágoa;
d) o Recorrente reside na morada indicada nos autos, trata-se de habitação
própria, unifamiliar, pertencente à família da esposa deste, apresentando boas
condições de habitabilidade;
e) o Recorrente revela sentir vergonha pelos factos dos quais está acusado,
com ideação suicida, tendo, neste sentido, solicitado ajuda psicológica junto do seu
médico de família; atualmente é seguido na especialidade de psicologia no Centro de
Saúde de Oliveira de Azeméis, e de psiquiatria, no Centro Hospitalar Entre Douro e
Vouga, onde é um utente colaborante e participativo, aderindo às intervenções e
terapêuticas realizadas.
- O Recorrente atualmente apresenta uma ideação suicida – v. docºs 1 e 2, que
adiante se juntam – em consulta de psicologia foi verbalizando com pormenor os seus
pensamentos suicidas e, simultaneamente, foi demonstrando que se encontra a
organizar a sua vida, para que a esposa fique o melhor possível na sua ausência.

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Dos fatores determinantes para se apurar a medida concreta das penas
parcelares e, consequentemente, a medida da pena unitária a aplicar ao Recorrente,
atrás elencados, alguns não foram devidamente valorados pelos M.mos Juízes a quo
no acórdão sob apreço e outros não foram sequer atendidos.

De facto, considerando tudo o que se deixou dito, nomeadamente a ausência


de antecedentes criminais, o arrependimento demonstrado, a confissão parcial dos
factos de que era acusado, o apoio incondicional da esposa, a perturbação psicológica
e psíquica, com ideação suicida, na prisão, o facto de ter 64 anos de idade, as penas
parcelares concretas a aplicar ao Recorrente devem aproximar-se do seu limite
mínimo de 1 ano para cada um dos crimes de abuso sexual de crianças (e não como
foi fixado nos autos), e, consequentemente, em cúmulo jurídico, a pena unitária a
aplicar ao Recorrente deve ser inferior a 5 anos de prisão (e não como foi fixado nos
autos), com possibilidade de aplicação do disposto no artº 50º, nº 1 do C.P. – o que
ora se requer.

Estatui o artº 50º, nº 1 do C.P. que a pena de prisão aplicada em medida não
superior a cinco anos deve ser suspensa na sua execução, sempre que, atendendo à
personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior
ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a
ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora, não são considerações de culpa que influem na questão da suspensão da


execução da pena mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição,
sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção
especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em
análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral ligadas à necessidade
de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das
normas violadas.

A suspensão da pena é uma medida com um cariz pedagógico e reeducativo,


visando proporcionar ao agente condições ao prosseguimento de uma vida à margem
da criminalidade e exigir-lhe que passe a pautar o seu comportamento pelos padrões
ético-sociais dominantes.

Subjacente à aplicação desta medida existe um juízo favorável a que a


socialização do Arguido, em liberdade, possa ser alcançada.

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A conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam
de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, assenta no pressuposto de
que, por um lado, o que está em causa não é qualquer “certeza” mas, tão-só, a
“esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda” e de que
“o Tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco - digamos: fundado e
calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade”.

No caso sub judice, como supra se referiu, o Recorrente não tem antecedentes
criminais, sendo este o seu primeiro contacto com o Tribunal.
Acresce que o Recorrente, que tem 64 anos de idade, encontra-se inserido
familiarmente.
Encontra-se a ser seguido em consultas de psicologia e psiquiatria, mantendo
uma ideação suicida.

Tais circunstâncias permitem a conclusão de que aquela ameaça e censura


são suficientes para o afastar da criminalidade.

Aconselhada, à luz das exigências de socialização, a pena substitutiva de


suspensão de pena de prisão, afigura-se-nos que in casu esta não coloca em causa o
conteúdo mínimo de prevenção geral que se impõe como limite das considerações de
prevenção especial, sendo capaz de assegurar a necessária tutela dos bens jurídicos
e a estabilização das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação
social do crime.

Afigura-se-nos, pois, que é possível formular um juízo favorável à socialização


do Recorrente, podendo afirmar-se que a censura do facto e a ameaça da prisão
efectiva por mais tempo realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da
punição, satisfazendo a pena substitutiva de suspensão da execução da prisão a
finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade da norma
violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.

Do exposto, devem as penas parcelares de prisão aplicadas ao Arguido Abílio,


ora Recorrente, pela prática de oito crimes de abuso sexual de crianças agravado, ser
reduzidas para o seu limite mínimo, mais devendo a pena unitária ser inferior a 5 anos
de prisão e suspensa na sua execução, com regime de prova – o que se requer.

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Se assim não se entender, por se considerar que realiza de forma adequada e
suficiente as finalidades da punição, desde já se requer, ao abrigo do disposto no artº
44º do C.P., que a pena de prisão fixada ao Recorrente nos termos acima expostos e
em medida inferior a 5 anos, possa ser executada em regime de permanência na
habitação acima mencionada, com fiscalização por meios técnicos de controlo à
distância - pulseira electrónica - e com a respectiva supervisão pelas entidades
competentes.
A aplicação dessa medida, que se requer na medida do possível, nesta fase,
traduziria um voto de confiança por parte da sociedade no Recorrente, uma nova
oportunidade, para que o Recorrente conforme a sua conduta de acordo com o Direito
e que seja um cidadão melhor, dessa forma podendo acompanhar a sua esposa que
padece de problemas de saúde.
No que respeita à reparação da vítima, tendo o Recorrente sido condenado ao
pagamento de uma compensação no valor de € 5.000,00, nem o Ministério Público
deduziu pedido de reparação da vítima em certos casos nem esta deduziu PIC, pelo
que consideramos o valor manifestamente exagerado, face às dificuldades financeiras
de que o Recorrente padece.

CONCLUSÕES

1ª – Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos autos que,
julgando parcialmente procedente por provada a acusação pública deduzida pelo
Ministério Público, condenou o ora Recorrente Abílio Ângelo Ferreira da Silva, pela
prática:
- em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de seis crimes de
abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º, n.º 1 e 177º, n.º 1, als. b) e
c), ambos do C.P., nas penas de 2 anos e seis meses por cada um desses seis crimes
(perpetrados com coito vulvar ou vestibular);
- em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de dois crimes de
abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º, n.º 1 e 177º, n.º 1, als b) e
c), ambos do C.P., nas penas de 1 ano e 6 meses por cada um desses dois crimes
(apalpões nos seios da menor);
e, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, condenou o Recorrente na pena
unitária de 6 anos de prisão efetiva.

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2ª – As penas parcelares e, consequentemente, a pena unitária do cúmulo aplicadas
pelos M.mos Juízes a quo, mostram-se excessivas, desajustadas e desproporcionais
face aos factos provados dos autos,
porquanto:

3ª - Para o crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, n.º 1 do C.P.,
encontra-se prevista uma moldura penal abstrata de prisão de 1 a 8 anos, agravada de
um terço, nos seus limites mínimo e máximo, de acordo com o previsto no artº 177º,
n.º 1, al. b) e c) do C.P.

4ª - Dentro das referidas molduras penais abstractas, há que, para determinar a


medida concreta das penas, atender à culpa do ora Recorrente e às exigências de
prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo
depuserem a favor ou contra ele – artº 71º, nº 1 do C.P.P. – tendo por base o principio
de que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da
liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma
adequada e suficiente as finalidades da punição – artº 70º do C.P.P..

5ª - A culpa define o limite máximo da pena concreta dado que sem ela não há pena e
esta não pode ultrapassar a sua medida, e relativamente às necessidades de
prevenção, existe um fim preventivo geral ligado à contenção da criminalidade e
defesa da sociedade e um fim preventivo especial ligado à reinserção social do
agente.

6ª - Em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade de


tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de
considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à
prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.

7ª - No que toca à prevenção especial há a ponderar a vertente de ressocialização do


Arguido e a vertente de advertência individual para que não volte a delinquir.

8ª - Tendo em conta estes limites, deve ainda o Tribunal atender a quaisquer outras
circunstâncias que não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a favor do Arguido
(artº 71º, nº 2 do C.P.).

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9ª - Quanto à pena única, o artº 77º, nº 1, do C.P. estabelece que “Quando alguém
tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer
deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em
conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E dispõe o nº 2, que “A pena
aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos
vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900
dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas
concretamente aplicadas aos vários crimes”.

10ª - A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade
própria, sendo que por um lado está-se perante uma nova moldura penal mais
abrangente e por outro lado há lugar a uma específica fundamentação, que acresce à
decorrente do artº 71º do C.P., sendo, porém, as penas parcelares “guias” na fixação
da pena do concurso.

11ª - A fixação da pena do concurso não se determina com a soma dos crimes
cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do
comportamento delituoso do Arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um
conjunto de factos e a sua personalidade.

12ª - Na avaliação da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de


saber se o conjunto dos factos de que é acusado é reconduzível a uma tendência
criminosa, o que neste caso terá um efeito agravante dentro da moldura penal
conjunta, ou apenas a um caso isolado que não radica na personalidade.

13ª – Dos autos, temos que:


- O Recorrente não tem antecedentes criminais (v. factos provados do douto Acórdão
recorrido), sendo a situação dos autos um acto isolado na sua vida;
- O Recorrente confessou parcialmente os factos, sendo determinante para a
descoberta da verdade (v. factos provados do douto Acórdão recorrido), evidenciando
arrependimento e auto-censura pelo seu comportamento;
- Como resulta dos autos, essa sua postura colaborante para a descoberta da verdade
material, confessando parcialmente os factos de que era acusado, verificou-se desde
a data do seu primeiro interrogatório judicial (v. declarações do Recorrente), passando
pela investigação em fase de inquérito quando foi solicitado para comparecer nas
instalações da PJ no Porto (v. declarações do Recorrente) onde confirmou as

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declarações prestadas e, posteriormente, em sede de audiência de julgamento
confessando parcialmente os factos de que é acusado;
- Dos factos provados resultam ainda os problemas psicológicos de que o
Recorrente padece, encontrando-se a ser seguido em consultas de psicologia,
manifestando arrependimento e consciência pelo seu comportamento, totalmente
inaceitável e intolerável, assumindo o seu erro e culpa pelo que fez, manifestando uma
ideação suicida.
- O Recorrente culpabiliza-se pelo seu comportamento, não encontrando
explicação para o sucedido;
- Resulta ainda provado, através do relatório de perícia de avaliação de dano
corporal à vítima, a ausência de vestígios físicos ou biológicos e, por outro lado,
através do relatório psicológico, que a menor apresenta um funcionamento cognitivo
inferior à média, com um perfil de personalidade caracterizado pela desejabilidade
social;
- De acordo com o testemunho da irmã uterina da íris (Inês), esta referiu ao
Tribunal que a advertia para “brincadeiras” com o “avô” já pouco próprias para a sua
idade, como por exemplo quando se sentava no seu colo.

- Do relatório social resulta, para além do mais, que:


a) o processo social de desenvolvimento da personalidade do Recorrente
decorreu de um modelo educativo valorizador do trabalho e conduta pró-social;
b) o Recorrente tem o 6º ano de escolaridade, concluído já em idade adulta,
tendo trabalhado, com regularidade, em várias empresas, sendo que trabalhou
durante 20 anos como colcheiro, inicialmente na “Molarte Colchões, Lda” e
posteriormente na “Molibel Colchões, S.A.”;
c) não obstante essa situação e também a descrita nos autos, o Recorrente
tem o apoio incondicional da sua esposa – Maria Regina Brandão, de 70 anos de
idade – com quem mantém a relação de matrimónio de há 45 anos, continuando a
beneficiar do seu apoio, apesar de esta revelar muita mágoa;
d) o Recorrente reside na morada indicada nos autos, trata-se de habitação
própria, unifamiliar, pertencente à família da esposa deste, apresentando boas
condições de habitabilidade;
e) o Recorrente revela sentir vergonha pelos factos dos quais está acusado,
com ideação suicida, tendo, neste sentido, solicitado ajuda psicológica junto do seu
médico de família; atualmente é seguido na especialidade de psicologia no Centro de
Saúde de Oliveira de Azeméis, e de psiquiatria, no Centro Hospitalar Entre Douro e

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Vouga, onde é um utente colaborante e participativo, aderindo às intervenções e
terapêuticas realizadas.
- O Recorrente atualmente apresenta uma ideação suicida – v. docºs 1 e 2, que
adiante se juntam – em consulta de psicologia foi verbalizando com pormenor os seus
pensamentos suicidas e simultaneamente foi demonstrando que se encontra a
organizar a sua vida, para que a esposa fique o melhor possível na sua ausência.

14ª - Dos factores determinantes para se apurar a medida concreta das penas
parcelares e, consequentemente, a medida da pena unitária a aplicar ao Recorrente,
atrás elencados, alguns não foram devidamente valorados pelos M.mos Juízes a quo
no acórdão sob apreço e outros não foram sequer atendidos.

15ª - De facto, considerando tudo o que se deixou dito, nomeadamente a ausência de


antecedentes criminais, o arrependimento demonstrado, a confissão parcial dos factos
de que era acusado, o apoio incondicional da esposa, a perturbação psicológica e
psíquica, com ideação suicida, na prisão, o facto de ter 64 anos de idade, as penas
parcelares concretas a aplicar ao Recorrente devem aproximar-se do seu limite
mínimo de 1 ano para cada um dos crimes de abuso sexual de criança (e não como foi
fixado nos autos), e, consequentemente, em cúmulo jurídico, a pena unitária a aplicar
ao Recorrente deve ser inferior a 5 anos de prisão (e não como foi fixado nos autos),
com possibilidade de aplicação do disposto no artº 50º, nº 1 do C.P. – o que ora se
requer.

16ª - Estatui o artº 50º, nº 1 do C.P. que a pena de prisão aplicada em medida não
superior a cinco anos deve ser suspensa na sua execução, sempre que, atendendo à
personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior
ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a
ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

17ª - Não são considerações de culpa que influem na questão da suspensão da


execução da pena mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição,
sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção
especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em
análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral ligadas à necessidade
de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das
normas violadas.

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18ª - A conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam
de forma adequada e suficiente as finalidades da punição assenta no pressuposto de
que, por um lado, o que está em causa não é qualquer “certeza” mas, tão-só, a
“esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda” e de que
“o Tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco - digamos: fundado e
calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade”.

19ª – No caso sub judice, como supra se referiu, o Recorrente não tem antecedentes
criminais, sendo este o seu primeiro contacto com o Tribunal; acresce que o
Recorrente, que tem 64 anos de idade, encontra-se inserido familiarmente;
encontrando-se ainda a ser seguido em consultas de psicologia e psiquiatria,
mantendo uma ideação suicida.

20ª – É possível formular um juízo favorável à socialização do Recorrente, podendo


afirmar-se que a censura do facto e a ameaça da prisão efectiva por mais tempo
realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, satisfazendo a
pena substitutiva de suspensão da execução da prisão a finalidade primordial de
restabelecer a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do
sistema jurídico-penal.

21ª - Do exposto, devem as penas parcelares de prisão aplicadas ao Arguido Abílio,


ora Recorrente, pela prática de oito crimes de abuso sexual de crianças agravado ser
reduzidas para o seu limite mínimo, mais devendo a pena unitária ser inferior a 5 anos
de prisão e suspensa na sua execução, com regime de prova – o que se requer.

22ª - Se assim não se entender, por se considerar que realiza de forma adequada e
suficiente as finalidades da punição, desde já se requer, ao abrigo do disposto no artº
44º do C.P., que a pena de prisão fixada ao Recorrente nos termos acima expostos e
em medida inferior a 5 anos, possa ser executada em regime de permanência na
habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância - pulseira
electrónica - e com a respectiva supervisão pelas entidades competentes.

23ª - A aplicação dessa medida traduz um voto de confiança por parte da sociedade
no Recorrente, uma nova oportunidade, para que o Recorrente conforme a sua
conduta de acordo com o Direito e que seja um cidadão melhor.

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24ª – No que respeita à reparação da vítima, tendo o Recorrente sido condenado ao
pagamento de uma compensação no valor de € 5.000,00, nem o Ministério Público
deduziu pedido de reparação da vítima em certos casos nem esta deduziu PIC, pelo
que consideramos o valor manifestamente exagerado, face às dificuldades financeiras
de que o Recorrente padece.

25ª - O douto acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação do disposto nos artºs
171º, n.º 1, 177º, n.º 1, al. b) e c), 70º, 71º, 77º, 50º, nº 1 e 44º do C.P..

Nestes termos e nos do mui douto suprimento de Vªs Exªs,


no provimento do presente recurso, deverá o douto acórdão recorrido
ser revogado e substituído por outro que fixe as penas parcelares de
prisão aplicadas ao Recorrente Abílio Ângelo Ferreira da Silva pelos
ilícitos por este praticados em medida próxima do seu limite mínimo e,
operando o cúmulo dessas penas parcelares, fixe a pena unitária em
quantum inferior a 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua
execução, com regime de prova, e ainda ser reduzido o valor da
compensação a pagar à vítima a título de reparação.

Se assim não se entender, desde já se requer, ao abrigo do disposto no


artº 44º do C.P., que a pena de prisão fixada ao Recorrente nos termos
acima expostos, em medida inferior a 5 anos, possa ser executada em
regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios
técnicos de controlo à distância - pulseira electrónica - e com a
respectiva supervisão pelas entidades competentes.

Assim decidindo Vª Exªs farão, como sempre


Justiça

Junta: 2 documentos.

A ADVOGADA
Defensora Oficiosa

Fatima Assinado de forma


digital por Fatima
Marisa Marisa Santos
Dados: 2022.11.03
Santos 11:43:51 Z

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